ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DA TOMADA DE DECISÃO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11114212


Júlia Barreto Machado1,
Saulo Luiz Lubian Bressan2,
Cristina Kelleter Borges Inhaia3


RESUMO

O presente artigo explora os mecanismos neurais subjacentes à tomada de decisão, bem como os fatores influentes nas escolhas e decisões. Destaca-se a importância do sistema de emoções, ressaltando as estruturas neuroanatômicas envolvidas nesse processo. Discute-se também a modulação das reações emocionais adversas e a formulação de avaliações sociais na análise de vivências. A tomada de decisão é abordada como um processo complexo, incorporando aspectos cognitivos, emocionais, sociais e culturais. A metodologia adotada foi a revisão de literatura, com base em artigos e entrevistas, filtradas a partir de 2019 nas bases de dados PubMed, SciELO, Lilacs e ScienceDirect, além de livros diversos de autores relevantes ao tema.  As estruturas neuroanatômicas destacadas incluem o córtex pré-frontal, o córtex cingulado anterior, córtex orbitofrontal estriado ventral, o hipocampo, a ínsula e a amígdala. Além disso, são evidenciadas a complexidade das conexões neurais e a ação de neurotransmissores, como a dopamina, no sistema de recompensa, bem como processos cognitivos como planejamento, antecipação, memória de eventos e raciocínio.

Palavras-chave: Tomada de decisão. Neurociência. Comportamento.

1 INTRODUÇÃO

Segundo Frazier (2019), a tomada de decisão é responsável por nortear, não somente a direção de predileções, mas também a qualidade delas, desde as escolhas mais simples, como decidir o que vestir ou o que comer, até as escolhas mais complexas, como questões envolvendo saúde, carreira e finanças.

Sabe-se que os mecanismos neurais da tomada de decisão são o foco central da neuroeconomia (Camerer, 2007; Glimcherr e Rustichini, 2004, apud Frazier, 2019), bem como de outras diversas áreas. Complexo e multidisciplinar, o campo dos processos de tomada de decisão envolvem estudos sobre fisiologia, economia, neurociência e psicologia. Conforme Frazier (2019), existem progressos relevantes na determinação de como o cérebro processa os recursos envolvendo o ato decisório como recompensa, incerteza e interações sociais, entretanto:

Qualquer modelo neural de tomada de decisão precisa responder a duas questões-chave. Primeiro, como os valores subjetivos das várias opções sob consideração são aprendidos, armazenados e representados? Em segundo lugar, como uma única ação altamente valorizada é escolhida entre as opções em consideração para ser implementada pelo circuito do motor? (Kable e Glimcher, 2009, apud Frazier 2019, p. 734)

De acordo com Kable e Glimcher (2009), os modelos neurofisiológicos buscam explicar os mecanismos pelos quais as escolhas são geradas, tal como as próprias escolhas, buscando explicar o comportamento e suas causas para que torne possível validar a plausibilidade das previsões comportamentais, visto que envolve aspectos cognitivos, emocionais, sociais e culturais.

Pretende-se investigar a tomada de decisão através do estudo dos mecanismos neurobiológicos subjacentes à cognição e suas manifestações no comportamento, buscando ampliar o conhecimento sobre o tema, alargando o entendimento de como as pessoas avaliam informações, lidam com a incerteza, enfrentam conflitos internos e externos, e moldam suas preferências.

2 MÉTODO

Para o desenvolvimento deste trabalho, foi empregada investigação a partir de uma pesquisa bibliográfica e exploratória envolvendo o ato decisório, conforme Rodrigues (2007), essa modalidade de pesquisa tem como objetivo recuperar o conhecimento acumulado sobre uma problemática, possibilitando uma pesquisa extensa, que engloba um levantamento bibliográfico em artigos, livros, entrevistas e estudos de casos.

A construção deste trabalho se deu através da utilização de uma base de pesquisas dentro de diversas plataformas como PubMed, SciELO, Lilacs e ScienceDirect, utilizando-se de artigos nacionais e internacionais, a partir do ano de 2019, assim como livros de teóricos relevantes da psicologia e da neurociência citados neste estudo.

3 RESULTADO E DISCUSSÃO

3.1 TOMADA DE DECISÃO

A tomada de decisão é um processo fundamental na vida das pessoas e nas organizações, envolvendo a seleção de uma ação dentre diversas alternativas disponíveis. Este conceito tem sido amplamente estudado e discutido por diversos autores renomados ao longo do tempo através de diferentes perspectivas, desde os marcadores somáticos com António Damásio, os sistemas cognitivos e economia comportamental com Daniel Kahneman, os vieses da tomada de decisão com Amos Tversky, e a tomada de decisão rápida sendo impactada por experiências anteriores na perspectiva de Malcolm Gladwell.

Malcolm Gladwell (2005), autor e jornalista, através de sua obra “Blink: A Decisão num Piscar de Olhos”, mergulha profundamente na complexidade do processo de tomada de decisão, destacando a incrível capacidade da intuição humana. O autor argumenta que, muitas vezes, em vez de se envolver em análises lógicas e racionais demoradas, tomar decisões rapidamente leva a resultados mais eficazes. Isso acontece porque a intuição tem a habilidade de descartar informações irrelevantes, concentrando-se apenas nos aspectos essenciais. Para Gladwell, tomar uma decisão significativa não está ligado a processar uma grande quantidade de informações ou refletir longamente, mas sim a aprender e desenvolver a habilidade de filtrar apenas as informações extremamente cruciais.

A obra de Gladwell (2005) explora a teoria das “fatias finas”, que se baseia na capacidade da mente inconsciente de identificar padrões, comportamentos e situações com base em experiências limitadas. Gladwell confirma essa perspectiva ao afirmar que “fatiar fino’’, refere-se à capacidade do nosso inconsciente para encontrar padrões em situações e comportamentos com base em experiências sutis. Ressaltando ainda, a importância da intuição, que se desenvolve com o tempo, e como pode nos levar a decisões acertadas com base em informações vitais, mesmo que sejam provenientes de pequenas experiências.  Sun e Sekuler (2021), trazem essa mesma perspectiva, porém ressaltando o tempo como um agente essencial para a tomada de decisão, neste estudo destacou-se que o cérebro detecta um conflito entre estímulos visuais e auditivos, causando um componente estressor na flexibilidade cognitiva durante um processo de tomada de decisão.

Por sua vez, Daniel Kahneman e Amos Tversky revolucionaram a compreensão da tomada de decisão com suas contribuições à economia comportamental. Eles desenvolveram a Teoria do Prospecto, que propõe que as pessoas avaliam suas perspectivas em relação a um ponto de referência, demonstram sensibilidade a mudanças nessas perspectivas e tendem a ter uma aversão à perda, o que as leva a preferir evitar perdas em vez de buscar ganhos equivalentes.

Alguns dos principais conceitos norteadores da Teoria do Prospecto são o valor de referência, que representa um ponto de comparação utilizado como referência nas tomadas de decisão; a aversão à perda, que trata-se de um viés psicológico que destaca a tendência das pessoas em valorizar mais a perda do que o ganho equivalente; o efeito isolamento, refere-se à tendência das pessoas darem mais importância e atenção a eventos isolados, muitas vezes ignorando o contexto mais amplo, podendo influenciar a avaliação de escolhas e experiências e a curva de valor, que descreve como as pessoas percebem utilidade ou prazer em relação à quantidade de algo.

Além disso, Kahneman (2011) introduziu a ideia de dois sistemas de pensamento, o sistema 1 e o sistema 2 em sua obra ‘’Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar’’. O sistema 1 funciona de forma automática e rápida, exigindo pouco ou nenhum esforço consciente. As ações desse sistema não são percebidas como voluntárias. Por outro lado, o sistema 2 é responsável por direcionar a atenção para atividades mentais que requerem esforço e trabalho intelectual, como cálculos complexos.

Em conexão com essas teorias, António Damásio, neurocientista e psicólogo, já apontava para uma perspectiva neurobiológica importante na tomada de decisão. Damásio (1994) em ‘’O Erro de Descartes –  Emoção, Razão e o Cérebro Humano’’ sustenta que as emoções desempenham um papel central no processo decisório, uma vez que mantêm uma forte interconexão com os processos biológicos que ocorrem no cérebro e no corpo humano, conforme apresentado a seguir:

[…] parece existir um conjunto de sistemas no cérebro humano consistentemente dedicados ao processo de pensamento orientado para um determinado fim, ao qual chamamos raciocínio, e à seleção de uma resposta, a que chamamos tomada de decisão, com uma ênfase especial no domínio pessoal e social. Esse mesmo conjunto de sistemas está também envolvido nas emoções e nos sentimentos e dedica-se em parte ao processamento dos sinais do corpo. (Damásio,1994, p.80)

Sua argumentação se concentra na ideia de que razão e emoção não operam em oposição, mas sim em complementaridade, e que a ausência de elementos emocionais pode resultar em decisões prejudiciais, conforme o autor, ‘’nunca desejei contrapor a emoção à razão; pretendi, isso sim, ver a emoção como, no mínimo, uma auxiliar da razão e, na melhor das hipóteses, mantendo um diálogo com ela.’’ (Damásio, 1994, p.13). O autor também introduz o conceito de marcadores somáticos como parte fundamental do processo de tomada de decisão humana. Esses marcadores funcionam como um sistema de alerta interno, agindo automaticamente quando nos deparamos com escolhas significativas. Damásio (1994), sugere que os marcadores somáticos são reações emocionais e fisiológicas que ocorrem de forma automática em resposta a situações específicas, com base na experiência vivida e com impacto direto na tomada de decisão.

Ainda segundo Damásio (1994) os marcadores somáticos entram em ação, diante de circunstâncias consideradas relevantes, gerando sentimentos e emoções ligados às possíveis consequências de escolhas. Quando uma opção aciona um marcador somático negativo, experimenta-se um estado de alerta, indicando que essa escolha pode ter resultados desfavoráveis. Esse comportamento automático pode levar à rejeição imediata do alto risco da escolha, levando a alternativas mais seguras, portanto, os marcadores somáticos desempenham um papel crucial, permitindo uma tomada de decisão mais eficiente e rápida, reduzindo o número de opções a serem consideradas.

Em concordância com Damásio, os autores Calluso, Devetag e Donato (2021), explicam que emoções intensas podem distorcer as preferências dos indivíduos, levando-os a favorecer recompensas imediatas e até arriscadas ao invés de opções mais seguras e adiadas. Neste estudo, este fenômeno foi mais precisamente notável em estados emocionais de tristeza e desgosto, sugerindo que tais emoções podem ter um impacto mais profundo no cérebro. Esses achados propõem um mecanismo compensatório onde a busca por gratificação imediata e o risco podem ser estratégias inconscientes para atenuar sentimentos negativos, realinhando assim o equilíbrio emocional. Esta perspectiva oferece uma compreensão de como as emoções podem influenciar nossas escolhas, reconhecendo a complexa interação entre emoção e cognição com ênfase na tomada de decisão.

É importante ressaltar que os marcadores somáticos não são o único componente da tomada de decisão. A análise de custos e benefícios, assim como o raciocínio lógico, também desempenham papeis essenciais. No entanto, esses marcadores enriquecem o processo decisório, agindo como um sistema automático de alerta baseado em emoções e sentimentos associados a resultados futuros. Damásio confirma essa perspectiva ao afirmar que:

Os marcadores somáticos podem não ser suficientes para a tomada de decisão humana normal, dado que, em muitos casos, mas não em todos, é necessário um processo subsequente de raciocínio e de seleção final. Mas os marcadores somáticos aumentam provavelmente a precisão e a eficiência do processo de decisão. Sua ausência as reduz. Essa distinção é importante e pode com facilidade passar despercebida (Damásio, 1994, p.163).

Sob essa perspectiva, as contribuições de Damásio (1994), Kahneman (2011), Gladwell (2005), Lehrer (2009), Cosenza (2023), Bear, et al. (2017), Sapolsky (2018), revelam como a mente humana é um sistema integrado, onde processos neurobiológicos complexos desempenham um papel fundamental na tomada de decisão, mostrando as interações entre diferentes áreas cerebrais e influenciando nossas escolhas cotidianas.

3.2 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DA TOMADA DE DECISÃO

A tomada de decisão é um processo complexo que envolve uma variedade de aspectos neurobiológicos, nesse, o cérebro desempenha papel central, através de estruturas cerebrais de regiões e funções distintas, atuando de forma conectiva. Nessa relação anatomofuncional, cabe ressaltar a importância de neurotransmissores, do sistema de recompensa, das conexões neurais, da predisposição genética para impulsividade e compulsão como características de decisão e os processos cognitivos de planejamento, antecipação, memória de eventos, raciocínio, além do destaque de estruturas como córtex pré-frontal, o córtex cingulado anterior, o estriado ventral, o hipocampo, a amígdala, ínsula e o córtex orbitofrontal (Damásio, 1994; Filimon, et al. 2020).

Conforme Voigt, et al. (2019), o córtex pré-frontal é uma região do cérebro que está envolvida em várias funções cognitivas complexas, incluindo a tomada de decisão e a formação de preferências, os autores apontam também, a interação entre o hipocampo e o córtex pré-frontal ventromedial (vmPFC) na tomada de decisão baseada na memória;  o córtex cingulado anterior (ACC)  e sua relação na detecção de conflito entre decisões futuras e preferências existentes; o cortéx pré-frontal dorsolateral (dlPFC) e sua conexão com a atualização do valor do estímulo; e o hipocampo com sua atuação na memória de suporte do valor do estímulo.

[…] indivíduos com maiores mudanças de preferência induzidas por escolhas tiveram uma influência diminuída das áreas envolvidas no controle cognitivo (…) em regiões que calculam o valor da decisão e recordam a memória de escolhas passadas (…) a comunicação dinâmica entre ACC, dlPFC esquerdo, vmPFC e hipocampo esquerdo em repouso pode estar ligada à capacidade de um indivíduo de adaptar com flexibilidade suas preferências, dependendo do contexto de decisão. (Voigt, et al., 2019, p. 9, tradução nossa)

Segundo Ke Jiang, et al. (2021), o córtex pré-frontal é uma região do cérebro envolvida em muitos aspectos da tomada de decisão, incluindo a avaliação de riscos e recompensas, a regulação emocional e a escolha entre diferentes opções. O córtex pré-frontal também se comunica com outras regiões do cérebro, como o estriado, integrando informações e auxiliando no ato decisório e o hipocampo, envolvido na formação e recuperação de memórias. O córtex cingulado dorsal anterior também possui um papel importante na tomada de decisão, pois está envolvido na detecção de erros e no monitoramento de conflitos de decisão, sobretudo quando há demandas competitivas entre diferentes objetivos, ajudando a incorporar informações sobre experiências passadas e avaliar as consequências potenciais de opções distintas.

Além disso, o córtex insular anterior e a amígdala são estruturas que também estão envolvidas na interocepção, sinalizando a excitação corporal e outros aspectos do estado fisiológico, bem como na tomada de decisão guiada por recompensa. A rede de áreas que abrange essas estruturas se sobrepõe extensivamente com as partes do cérebro que são essenciais para a tomada de decisão guiada por recompensa, e esses substratos neurais compartilhados são as prováveis vias onde esses dois processos interagem (Fujimotoa, et al., 2021, p.1). Outros autores, destacam a participação de outras estruturas cerebrais no processo decisório, concomitantemente com o córtex pré-frontal, como por exemplo, a ínsula anterior, tálamo, córtex pré-frontal dorsolateral e córtex parietal (Zhang, et al., 2019). Em contrapartida, outros autores trazem para o campo de pesquisa a emoção e a cognição em conjunto com a tomada de decisão, e para isto, é necessário analisar o papel da amígdala neste processo.

Neste contexto, as emoções e sua interconexão com outros aspectos da experiência humana, é enfatizada como indissociável, como aponta o neurocientista John Ratey quando afirma que “[…] não podemos separar a emoção da cognição nem a cognição do corpo” (2001, p. 250).  A emoção é um fenômeno complexo e difuso, intrinsecamente relacionado com as respostas do corpo e a cognição. Ela se manifesta por meio de uma série de mudanças fisiológicas e mentais, que são desencadeadas por situações ou objetos que possuem um significado especial para o indivíduo. Como destacado por Damásio (1994), “[…] a emoção transmite informações cognitivas, diretamente e por intermédio dos sentimentos.” (Damásio, 1994, p. 13).

Quando uma situação de significado ocorre, essa informação é processada em estruturas cerebrais específicas que desencadeiam reações internas (Cosenza, 2023). Essas reações incluem variações nos batimentos cardíacos, reações químicas internas e contrações musculares, todas elas culminando em uma alteração no comportamento do indivíduo diante da situação. Em resumo, a emoção é um processo complexo que envolve interações entre o cérebro, o corpo e a mente, e é desencadeada por eventos ou estímulos que têm relevância para a pessoa, resultando em uma alteração em seu comportamento diante da situação.

Compreende-se que existem vias específicas para processar essas informações relacionadas à tomada de decisões, uma das quais envolve a amígdala cerebral. Conforme a pesquisa realizada por Grabenhorst e Schultz (2021), a amígdala desempenha um papel fundamental no processamento de estímulos e no gerenciamento de emoções e recompensa, bem como nas respostas de luta ou fuga. Os autores utilizaram o registro de atividade de neurônios individuais em primatas, revelando que a amígdala desempenha um papel significativo na tomada de decisões, operando como um núcleo de processamento de valor de recompensa. Durante a escolha baseada em recompensas, observou-se que neurônios específicos da amígdala codificam tanto o valor da informação percebida quanto das escolhas resultantes, sugerindo a existência de um mecanismo de decisão intrínseco a esta estrutura. Além disso, no contexto de observação social, alguns neurônios amigdalinos parecem prever as escolhas de outros indivíduos, um fenômeno que pode ser explicado pela convergência de sinais de valores sociais.

Essa estrutura cerebral tem a capacidade de receber informações tanto dos estímulos presentes no ambiente interno quanto no externo do sujeito. Isso permite que a amígdala avalie se um determinado estímulo tem relevância emocional, quando essa avaliação é feita, a amígdala ativa outras áreas do cérebro, desencadeando as mudanças mencionadas anteriormente (Cosenza, 2023), dentre elas, observa-se conectividade com o córtex orbitofrontal, conforme apontado por Rolls (2021), que desempenha papel crucial na avaliação de recompensas e punições, o que é fundamental na relação entre emoção e tomada de decisão.

Segundo Figueiredo, et al. (2022), este processo da tomada de decisão pode ser dividido em componentes distintos, como a antecipação, onde se pondera as possíveis consequências de uma ação; a recompensa, que se refere ao ganho potencial ou benefício esperado; a punição, que envolve as possíveis perdas ou consequências negativas; e o reprocessamento tardio, que é a reflexão após a ação ter sido tomada.  

Pensando nestes componentes para a tomada de decisão, os autores supracitados sugerem que um nível adequado de atividade na ínsula é necessário para desencadear respostas cerebrais a estímulos importantes, segundo Figueiredo, et al. (2022), um nível adequado de atividade na ínsula é essencial para o processamento adequado das emoções e para a antecipação do prazer, o que afeta diretamente a tomada de decisões, sendo assim, um dos centros implicados no processamento das emoções, sugerindo uma grande responsabilidade em sentimentos conscientes, ou seja, quando a sensação de prazer se antecipa ao ato. Magalhães (2022) explica que a ínsula atua como um módulo interpretativo, traduzindo informações sensoriais em estados emocionais, e está envolvida na percepção de expressões verbais, e até mesmo na condução de decisões que envolvem outras estruturas cognitivas com mecanismos relacionados ao processamento sensorial, afetivo e emocional. Os autores ainda destacam sua importância na análise prévia de ações, enquanto a conectividade entre a ínsula e a amígdala contribui significativamente para a formulação de julgamentos sociais, como a confiança.

A atividade da ínsula está associada às respostas automáticas do corpo a erros percebidos, que conforme Caixeta, et al. (2021) sugerem, está envolvida e engajada no processamento e na aquisição de conhecimentos relacionados a riscos e incertezas, delineando a limitação em prever integralmente um desenvolvimento da decisão. Em um estudo de neuroimagem realizado por Singer, et al. (2009) observou-se um aumento na atividade do córtex insular durante escolhas arriscadas, como em apostas, quando contrastadas com a tomada de decisões seguras, destacando sua relação com a instabilidade e complexidade das decisões. Em 2023, uma pesquisa realizada por Shi, et al., sugeriu os mesmos achados de Singer, et al. (2009), relacionando ainda que o sexo pode ocasionar comportamentos diferentes na tomada de decisão por níveis de estrogênio no córtex insular.

Além disso, a ínsula tem um papel crucial na motivação explícita, envolvendo-se na análise de informações sensoriais e viscerais e na regulação de respostas emocionais. Portanto, Figueiredo (2022) explica que a ínsula processa estímulos de várias regiões corporais, influenciando experiências subjetivas como fome e dor, e tem uma função seletiva na tomada de decisão, especialmente em situações com resultados conhecidos, reforçando sua relevância nas respostas emocionais e afetivas na tomada de decisão.

3.3 SISTEMA DOPAMINÉRGICO NA TOMADA DE DECISÃO

O papel mais evidente do sistema dopaminérgico na tomada de decisão está ligado à motivação e a avaliação da recompensa como resultado. O processo de aversão à perda pode acionar o sistema de forma semelhante à antecipação de recompensa, afetando igualmente as escolhas pretendidas, pelas relações de aprendizado e reforço, em resultados preditivos positivos e pela inibição de comportamento em predições negativas.

Segundo Kandel (2017), o sistema dopaminérgico mesocorticolímbico, originado da área tegmental ventral e da substância negra, é essencial para a regulação de comportamentos relacionados à recompensa, motivação e tomada de decisão. A área tegmental ventral é uma das principais regiões produtoras de dopamina, que ainda conforme Kandel (2020), projetam seus axônios para áreas como o córtex pré-frontal, hipocampo, corpo amigdalóide e núcleo accumbens[1], formando a via mesolímbica, que é conhecida como o principal componente do sistema de recompensa do cérebro.

A dopamina desempenha um papel crucial na atribuição de valor a estímulos e comportamentos, reforçando aqueles que são adaptativos e estão associados a recompensas. Lieberman e Long (2023) explicam que esse sistema é ativado quando os indivíduos são expostos a estímulos ou situações atraentes do ponto de vista evolutivo, gerando sensações de desejo e excitação. A dopamina age por meio de seus receptores, como os D1 e D2, que conforme Machado (2022) tem ações distintas em diferentes regiões do cérebro, influenciando a tomada de decisão de maneira variada.

No entanto, a regulação da dopamina e sua influência na tomada de decisão não é uniforme em todos os indivíduos. Yang, et al. (2022) demonstram que a função do sistema dopaminérgico pode variar de pessoa para pessoa devido a diferenças nos níveis de receptores, enzimas metabólicas, auto receptores e outros fatores. Além disso, estudos citados por Raine (2015) mostram que o sistema dopaminérgico está relacionado não apenas à busca de recompensas, mas também ao comportamento impulsivo e agressivo. Pessoas com níveis elevados de dopamina podem ser mais propensas a buscar recompensas de maneira impulsiva, enquanto aquelas com um desequilíbrio na regulação da dopamina podem apresentar comportamento agressivo inadequado.

A interação entre a dopamina e outros neurotransmissores, como a acetilcolina, também desempenha um papel importante na tomada de decisão. Chantranupong, et al. (2023) aponta em seus estudos a acetilcolina no estriado, sendo liberada pelos interneurônios colinérgicos, influenciando a liberação de dopamina, interação que pode afetar a tomada de decisão. Essa complexa rede de neurotransmissores e seus efeitos nos circuitos neurais do cérebro é crucial para entendermos como tomamos decisões, principalmente aquelas relacionadas a riscos e recompensas.

A tomada de decisão envolve a ação dos neurotransmissores em regiões específicas do cérebro, conforme Domenico e Mapelli (2023), como o córtex pré-frontal e a amígdala, que desempenham papeis críticos na regulação emocional e no processamento de informações. O equilíbrio entre a atividade dessas áreas e a modulação da dopamina desempenha um papel fundamental na capacidade de fazer escolhas adequadas e adaptativas.

Portanto, confirma-se através desse estudo que a tomada de decisão é um processo altamente complexo, influenciado por uma rede de neurotransmissores, como a dopamina, bem como por interações entre diferentes regiões do cérebro. A compreensão desses aspectos neurobiológicos é essencial para elucidar como as escolhas são feitas e como a disfunção nesse sistema pode contribuir para comportamentos arriscados, tais como a impulsividade, agressividade, tendências a gastos financeiros exacerbados e afins, que podem causar grandes impactos ao longo da vida de uma pessoa.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A compreensão das complexas relações que possibilitam a tomada de decisão continua evoluindo de forma consistente através de pesquisas científicas, discussões acadêmicas e aplicações da teoria na prática. Este artigo explorou os aspectos neurobiológicos da tomada de decisão, evidenciando a importância de estruturas cerebrais como o córtex pré-frontal, a ínsula e a amígdala, a relevância das conexões através das vias dopaminérgicas e as emoções como parte fundamental na influência das nossas escolhas.

Diante da abrangente compreensão que esta pesquisa proporcionou sobre os processos neurobiológicos envolvidos na tomada de decisão, torna-se evidente que este campo ainda reserva vastas oportunidades para futuraspesquisas. A complexidade revelada nos mecanismos de interação entre razão e emoção, bem como a influência significativa de estruturas cerebrais e neurotransmissores específicos, apresenta-se como um convite à exploração mais aprofundada em estudos futuros sobre o tema, lançando mais luz sobre as decisões que tomamos e como podemos mitigar o impacto das emoções sobre elas.

Discussões que busquem conscientizar a influência das emoções sobre a tomada de decisão, podendo tornar o indivíduo mais crítico em relação às “certezas” das escolhas. Estudos e discussões que possibilitem aplicações práticas nas diferentes áreas (jurídicas, psicológicas, neurocientíficas) que confirmem a complexidade da mente humana e corroborem para que ciência e senso comum se aproximem cada vez mais dos caminhos que moldam e consolidam nossa percepção da realidade e sinalizam para nossa perspectiva de futuro, através de suas escolhas.


1Principal estrutura do Estriado Ventral, constitui uma interface límbico-motora e tem um papel central nos circuitos de recompensa cerebral.


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1Acadêmica do Curso de Psicologia da Univinte. E-mail: juliabarretopsi@gmail.com 

2Acadêmico do Curso de Psicologia da Univinte. E-mail: saulolubian@gmail.com

3Mestre em Ciências da Linguagem, Especialista em Neurociência e Comportamento, Professora do Curso de Psicologia do Centro Universitário Univinte. E-mail: prof.cristina@fucap.edu.br