TUTELA PROVISÓRIA E O ACESSO À JUSTIÇA

PROVISIONAL RELIEF AND ACCESS TO JUSTICE

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11113269


Mariana Dias da Silva1


RESUMO

O objetivo deste artigo é apresentar apontamentos acerca da tutela provisória a fim de demonstrar sua natureza constitucional decorrente do princípio constitucional do acesso à justiça.  Foi realizada uma revisão bibliográfica em algumas obras doutrinárias que discorrem acerca do acesso à justiça e da tutela provisória para apresentar seus principais aspectos inerentes à prestação jurisdicional a que se destina a proteção do bem jurídico a ser tutelado para dar efetividade ao acesso à justiça. Para esse propósito, busca-se explorar a bibliografia para demonstrar a importância desses institutos como instrumentos para a promoção do acesso efetivo.

Palavras-chave: Tutela provisória; Tutelas de urgência; Tutela cautelar; Tutela da evidência; Acesso à justiça.

ABSTRACT: 

The aim of this article is to show some points regarding provisional relief in order to demonstrate its constitutional nature resulting from the constitutional principle of access to justice. A bibliographical study was carried out in the doctrinal works that discuss the provisional relief. Therefore, the main aspects inherent to judicial relief will be presented in order to give effectiveness to the access to justice. For this purpose, we seek to explore the bibliography to demonstrate the importance of these institutes as instruments for promoting effective access to justice.

Keywords: Access to justice; Provisional relief; Urgent relief; Precautionary relief; Evidence relief.

1. INTRODUÇÃO

No âmbito do Direito Processual Civil, as tutelas provisórias desempenham um papel fundamental na busca pela efetivação do acesso à justiça. Estas medidas, conhecidas por sua natureza célere e instrumental, têm o propósito de assegurar a tutela dos direitos das partes durante o trâmite processual, conferindo-lhes uma resposta jurisdicional mais rápida e eficaz.

As tutelas provisórias representam um instrumento processual de caráter inovador, especialmente no contexto contemporâneo marcado pela necessidade de celeridade e efetividade no sistema judicial. Estas medidas, divididas em tutela de urgência e tutela da evidência, visam mitigar os prejuízos que uma demora excessiva na resolução dos conflitos pode causar às partes envolvidas.

A interconexão entre tutelas provisórias e acesso à justiça é um tema crucial e atual no debate jurídico. Ao se analisar a relação entre esses conceitos, torna-se evidente que as tutelas provisórias desempenham um papel essencial na promoção do acesso efetivo à ordem jurídica justa. Este artigo pretende explorar de forma mais profunda como essas medidas processuais impactam diretamente no acesso à justiça, analisando seus fundamentos, características e implicações práticas.

Lopes (2018, p. 32) destaca que os próprios termos em que se inseriu na Constituição Federal o referido princípio revelam a forte ligação com a tutela de caráter preventivo, termo de íntima relação com a tutela provisória, pelo seu componente de urgência.2

No contexto social, como consequência inerente ao convívio e à justiça da vida em sociedade, o Direito constitui a base para essa convivência e um de seus objetivos é coordenar os interesses, muitas vezes conflitantes para promover a ordem jurídica. 

Para Cintra, Grinover e Dinamarco (1996. p. 19) a função da ordem jurídica é exatamente a de harmonizar as relações sociais intersubjetivas, a fim de ensejar a máxima realização dos valores humanos com o mínimo de sacrifício e desgaste. O critério que deve orientar essa coordenação ou harmonização é do justo e do equitativo, de acordo com a convicção prevalente em cada época.3

Na medida em que há um direito constitucional que tutela a lesão ou ameaça ao direito, resta inadmissível a limitação ou o impedimento para a concessão da tutela provisória.  Nesse sentido observa Olavo de Oliveira Neto (2021. p. 41): (…) determinada pelo princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, a concessão da tutela provisória não poderá ser impedida ou sofrer limitações por parte da lei ou de uma decisão judicial.4

No decorrer deste estudo, abordaremos as definições e classificações das tutelas provisórias, contextualizando-as dentro do cenário mais amplo do acesso à justiça. Será examinado como essas medidas contribuem para a redução das barreiras que muitas vezes impedem ou dificultam o alcance do sistema judicial por parte dos cidadãos, especialmente daqueles em situação de vulnerabilidade.

Ao final, almejamos não somente enriquecer o debate acadêmico acerca das tutelas provisórias, mas também fornecer subsídios para reflexões sobre como aprimorar o acesso à justiça em nosso sistema processual, visando uma efetiva e igualitária prestação jurisdicional.

2. O ACESSO À JUSTIÇA 

As tutelas provisórias, ao serem compreendidas em sua essência, revelam-se como mecanismos processuais que buscam conciliar a necessidade de respostas rápidas e efetivas no âmbito judicial com a garantia dos princípios fundamentais do devido processo legal. Essas medidas, ao contrário do que poderia parecer à primeira vista, não comprometem a segurança jurídica, mas sim a promovem ao permitir uma resposta célere diante de situações urgentes ou de evidente probabilidade de sucesso da demanda.

A tutela de urgência, por exemplo, visa evitar danos irreparáveis ou de difícil reparação, sendo concedida sempre que houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito invocado e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. Já a tutela da evidência, por sua vez, se baseia na clara verossimilhança das alegações do autor, dispensando a demonstração de perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo quando amparada por prova documental suficiente.

É inegável que tais medidas têm um impacto direto no acesso à justiça. Em um contexto onde o tempo muitas vezes se revela um fator crucial para a realização da justiça material, as tutelas provisórias possibilitam o efetivo acesso ao Poder Judiciário, especialmente para aqueles que se encontram em situações de vulnerabilidade ou diante de interesses urgentes.

No entanto, é importante ressaltar que o uso adequado das tutelas provisórias requer uma análise cuidadosa, evitando-se excessos que possam comprometer a segurança jurídica ou ferir garantias constitucionais. A busca por um equilíbrio entre celeridade e respeito ao contraditório e à ampla defesa é essencial para assegurar a legitimidade e efetividade desses instrumentos.

No próximo trecho deste artigo, exploraremos mais profundamente como as tutelas provisórias impactam diferentes aspectos do acesso à justiça, desde a redução das desigualdades até a facilitação da participação dos cidadãos no processo judicial. Além disso, discutiremos os desafios e perspectivas futuras relacionadas a esse tema tão relevante no contexto jurídico contemporâneo.

No âmbito constitucional o acesso à justiça está previsto no inciso XXXV do art. 5ª da CF, prevendo que “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Por meio desta previsão ficou tutelado o direito de ação ou da inafastabilidade do controle jurisdicional.

Na mais recente inovação, o Código de Processo Civil reproduziu em essência essa garantia Constitucional em seu artigo 3º, “não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.”

Nas próprias palavras de Maria Teresa Sadek (2009, p. 175) o Acesso à justiça tem um significado mais amplo que o acesso ao Judiciário. Acesso à justiça significa a possibilidade de lançar mão de canais encarregados de reconhecer direitos, de procurar instituições voltadas para a solução pacífica de ameaças ou de impedimentos a direitos. Ao conjunto das instituições estatais concebidas com a finalidade de afiançar os direitos designa-se sistema de justiça.5

Na medida em que, naturalmente, surjam os conflitos, nota-se que culturalmente a solução desses conflitos esbarra no judiciário em consonância ao legítimo direito de ação. Não obstante, as portas do judiciário abertas ao cidadão, a efetividade resta inviabilizada pela burocracia e ineficiência do aparato de suporte para solução de conflitos, a exemplo da digitalização do processo em sentido amplo e prático, e, principalmente a lentidão que se tornou a principal característica da prestação jurisdicional. 

Para o Olavo de Oliveira Neto (2021, p. 63), “por mais eficiente e rápida que possa ser a atividade do Poder Judiciário, sempre haverá a necessidade de respeitar os princípios da ampla defesa e do contraditório, o que faz com que exista um tempo necessário para a prestação da tutela pretendida pela parte”.6

Conforme Cândido Rangel Dinamarco, mesmo que se reduza ao mínimo suportável a litigiosidade contida, restam ainda as dificuldades inerentes à qualidade dos serviços jurisdicionais, à tempestividade da tutela ministrada mediante o processo e à sua efetividade.7

Dinamarco complementa que isso significa que não basta alargar o âmbito de pessoas e causas capazes de ingressar em juízo, sendo também indispensável aprimorar internamente a ordem processual, habilitando-se a oferecer resultados úteis e satisfatórios aos que se valem do processo.8

A tutela jurisdicional garantida constitucionalmente será efetivamente cumprida se for exercida em observância à necessidade de entrega desse bem tutelado ao demandante, resguardada a devida instrução probatória mínima do direito perquirido, de forma tempestiva. 

Com vistas ao exposto, no entender de Bedaque (2009, p. 85):9

Inafastável, portanto, a necessidade de o sistema processual prever e regular uma providência jurisdicional destinada a eliminar qualquer risco decorrente da demora na oferta da prestação requerida. Trata-se, sem dúvida, de proteção inerente à garantia constitucional da ação, que não pode ser objeto de restrição por parte do legislador ordinário.  
O acesso à justiça assegurado na Constituição não está limitado às tutelas definitivas e satisfativas. A tutela cautelar de urgência deve ser incluída, portanto, no âmbito de proteção que a Constituição Federal confere ao direito da ação, que, em última análise, é direito de acesso às garantias do devido processo legal ou devido processo constitucional.

Para isso a previsão e instrumentalização da tutela provisória no novo Código de Processo Civil veio corroborar para promover o aprimoramento da ordem processual viabilizando dar maior celeridade à apreciação da lide, mesmo que antecipando a tutela ou postergando o contraditório.  

No entender de Luiz Fux (1996, p. 50):10

À luz do princípio do “acesso à justiça”, consagrado no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, que tem como corolário o direito impostergável à adequada tutela jurisdicional, não podia o legislador escusar-se de prever a “tutela urgente”, sob pena de consagrar a tutela “tardia e ineficiente”, informando a garantia constitucional por via oblíqua, na medida em que a “justiça retardada é justiça denegada”

As normas postas através do sistema legislativo e as regras de convivência social não são suficientes para promover ou restabelecer a ordem e a paz em sociedade quando os conflitos surgem. De forma inerente ao convívio em sociedade, essas regras são violadas em alguma medida, oportunidade em que se busca o judiciário para obter a tutela jurisdicional. Segundo Marinoni (2017, p. 28):11

A transformação da sociedade e do Estado fez surgir novas situações substanciais carentes de tutela. A necessidade de maior celeridade de tutela dos direitos, advinda das características dos “novos direitos” e das relações jurídicas próprias à sociedade contemporânea, colocaram em xeque o processo civil clássico, evidenciando a imprescindibilidade da adaptação do sistema de distribuição de justiça à evolução da sociedade.  

Para Piero Calamandrei (2000. p. 113), “na maioria dos casos, o direito, embora existente, não é violado, pois o indivíduo ajusta-se ao preceito concreto da lei e este instrumento passa até mesmo despercebido”.12

Não obstante o disposto no inciso XXXV do art. 5ª da CF, ao Estado também é permitido ofertar alternativas para a solução de conflitos, mesmo que fora do âmbito jurisdicional. Conforme o entendimento de Cassio Scarpinella Bueno (2022, p. 108):13

Assim, evitar o acesso à justiça é correto no sentido de buscar (e, até mesmo, incentivar, como faz o CPC de 2015) a solução de conflitos por outros métodos. Nunca, no entanto, no sentido de afastar, impedindo ou obstaculizando, o acesso à solução jurisdicional estatal quando malogradas aquelas tentativas ou, simplesmente, porque os interessados por ela não se interessam.

Entretanto, além de ofertar meios alternativos para tutelar direitos e solucionar conflitos, a exemplo da justiça arbitral e mediação, a tutela provisória se apresenta como mecanismo de efetividade ao acesso à justiça, de modo que essa tutela, com fundamento na Constituição Federal, foi replicada no Código de Processo Civil. Desta forma observa Olavo de Oliveira Neto (2021. p. 44):14

(…) a tutela provisória tem gênese constitucional (art. 5º, XXXV, da CF) e se ela visa justamente evitar que uma “ameaça de lesão” venha a se converter numa “lesão”, ou que se materialize na triste afirmação “ganhou, mas não levou”, então os aspectos decorrentes desses três princípios devem ser levados em consideração na interpretação, na utilização e na efetivação das várias espécies de tutelas provisórias, sob pena de ofensa ao Modelo Constitucional do Direito Processual Civil. 

O termo “acesso à justiça para Mauro Cappelletti; Garth (1988. p. 8)15 é reconhecidamente de difícil definição, servindo, no entanto, para determinar as funções essenciais do judicial, através do que as pessoas podem buscar a tutela de seus direitos e solucionar litígios com a proteção do Estado. Para tanto, inicialmente, o judiciário deve ser acessível a todos, e depois deve resultar na tutela do indivíduo e da sociedade com acesso à justiça, ou seja, de forma justa. 

3. TUTELA PROVISÓRIA 

Diante das dificuldades apontadas no tópico anterior, é importante demonstrar que o legislador, com vistas a solucionar o desejo social de ter acesso a prestação jurisdicional de forma mais célere e eficaz, obtendo tempestivamente a tutela do bem da vida, instituiu a Tutela Provisória, prevista no Livro V da Parte Geral do Código de Processo Civil de 2015 (art. 300). 

No Título I, dispõe que a Tutela Provisória pode ser fundamentada em urgência (podendo ser cautelar antecipada) podendo ser concedida em caráter antecedente ou incidental ou evidência. Nas palavras de Cassio Scarpinella Bueno16:

É correto entender a tutela provisória, tal qual disciplinada pelo CPC de 2015, como o conjunto de técnicas que permite ao magistrado, na presença de determinados pressupostos, que gravitam em torno da presença da “urgência” ou da “evidência”, prestar tutela jurisdicional, antecedente ou incidentalmente, com base em decisão instável (por isso, provisória) apta a assegurar e/ou satisfazer, desde logo, a pretensão do autor, até mesmo de maneira liminar, isto é, sem prévia oitiva do réu. 

Para que se pudesse atender à prescrição constitucional consoante o acesso à justiça de forma célere e efetiva, tão reclamada pela sociedade, foi preciso que o legislador trouxesse uma nova instrumentalização processual no sentido de compartilhar o tempo do processo entre as partes, de modo que o autor, dotado de aparência de razão e demonstrada urgência na tutela do bem da vida venha a obter do Estado, ainda que em caráter provisório, não devendo ser deixado à margem da prestação jurisdicional para apenas ao final obter a declaração final de procedência. 

No entendimento de Marinoni (2017, p. 170)17:

É preciso que, ao tempo do processo, seja dado o seu devido valor, já que, no seu escopo básico de tutela dos direitos, o processo será mais efetivo, ou terá uma maior capacidade de eliminar, com justiça, as situações de conflito, quanto mais prontamente tutelar o direito do autor que tem razão. 

As tutelas provisórias previstas no Código de Processo Civil permitem reduzir os danos da morosidade no acesso à Justiça com efetividade e justiça. 

Para Cassio Scarpinella (2022, p. 589)18 restringir, como faz o art. 1.059, a “tutela provisória” é agredir, frontalmente, o acesso à justiça garantido (expressamente) pelo inciso XXXV do art. 5º da CF. Não há espaço para o legislador desdizer ou limitar o que lá está garantido sem qualquer ressalva. É o próprio § 1º do art. 5º da CF que dá estofo suficiente a esta resposta. Mesmo nos casos em que as regras buscam menos que restringir, apenas limitar sua concessão, há inconstitucionalidade pelo que acabei de expor.

4. TUTELA DE URGÊNCIA

O artigo 300 do Código de Processo Civil prescreve que a tutela de urgência tem como requisito para a concessão da medida que o autor demonstre a probabilidade do direito e o perigo de dano ou resultado útil do processo.  A tutela de urgência não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão. Esse modelo foi apresentado com a reforma do CPC de 2015 que passou a exigir tão somente a probabilidade do direito e o perigo na demora. 

Nas palavras de Olavo de Oliveira Neto (2021, p. 63)19

“tutela significa proteção, o que faz com que tutela jurisdicional tenha o significado de proteção mediante o exercício da jurisdição. Mas essa proteção não pode acontecer de qualquer forma e a qualquer tempo, desvinculada das necessidades ditadas pelo direito material, sob pena do perecimento deste próprio direito.”

É importante destacar, no tocante à concessão de tutela antecipada, que o magistrado não poderá conceder a tutela antecipada com efeitos irreversíveis. Conforme o artigo 300, §3º, do Código Processual Civil “a tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão”.

O Código de Processo Civil de 2015 andou bem ao aludir à irreversibilidade dos efeitos da decisão, e não dos efeitos de decisão tout court, como constava do Código revogado de 1973. Com efeito, irreversíveis são os efeitos práticos, e não a decisão, uma vez que esta pode ser alterada em grau de recurso. 

O requisito de reversibilidade deve ser interpretado com cautela, porquanto, em certas hipóteses, a sua aplicação inflexível poderá gerar dano grave. Em razão disso, a doutrina tem ressaltado que a reversibilidade é via de mão dupla: se a concessão da medida pode causar dano ao réu, seu indeferimento pode sacrificar o direito do autor. 

Não obstante a importância da previsão apresentada no artigo 300, §3º, do CPC, a doutrina e jurisprudência são pacíficas em admitir, em casos excepcionais, por exemplo em caso de saúde, a superação apresentada no artigo 300, §3º, do CPC e a concessão de tutela antecipada irreversível, baseado no princípio, regra, postulado da proporcionalidade, o que é claro, devem ser feitas algumas considerações críticas sobre a adoção do princípio, eis que não pode servir de argumento retórico apto a esconder uma escolha arbitrária do julgador no caso concreto. 

São necessárias, portanto, algumas distinções terminológicas, bem como a análise precisa das três sub-regras que compõem o princípio, quais sejam, adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Primeiro, a antecipação da tutela tem fundamento constitucional no princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5, inciso XXXV), que garante o acesso à ordem jurídica justa, adequada e efetiva; segundo, a tutela antecipada cumpre importante função sistêmica de harmonizar direitos fundamentais em conflito, quais sejam, a efetividade da prestação jurisdicional rápida e eficaz, e a segurança jurídica, o que demanda o tempo necessário ao respeito às garantias do contraditório e ampla defesa. Tais direitos fundamentais constantemente se vêem sem conflito no caso concreto, em razão do tempo.20

Em terceiro lugar, tem-se que a vedação do §3º é constitucional por garantir a segurança jurídica da parte prejudicada pela tutela antecipada. Quarto, a quase unanimidade da doutrina e da jurisprudência considera ser possível a tutela antecipada mesmo quando produza efeitos irreversíveis, a despeito da vedação contida no artigo 300, §3º do CPC. Para justificar esta última premissa, os doutrinadores recorrem à proporcionalidade, à ponderação ou à razoabilidade.21

Tendo como base o atual Estado Democrático e Constitucional de Direito, é indispensável que os princípios e normas constitucionais (cláusulas pétreas, portanto, supremas às leis ordinárias) sejam observados em sua totalidade na aplicação das tutelas de urgência, portanto, a lei ordinária por si só não pode obstar o exercício daquelas.

Por conseguinte, tem-se que, ao conceder/aplicar a tutela de urgência, faz-se também essencial verificar anacronismos nos dispositivos legais, a partir de comparação com o ordenamento jurídico/sistema constitucional em vigor, superando-os a partir da interpretação e aplicação sistêmica das normas e princípios norteadores constitucionais – ou seja, sempre à luz da Constituição, já que nela se encontram direitos fundamentais, dentre eles o direito à prestação jurisdicional efetiva, proporcional e adequada. Assim, dispõe o art. 5º, LXXVIII.22

Em resumo, a partir deste inciso constitucional, é possível justificar, da garantia à razoável duração do processo e os meios que garantam sua tramitação célere (dentre outros princípios extraídos da CF/88), a aplicação totalmente legal da tutela de urgência – ainda que muitos juristas já afirmaram, sob égide dos Códigos de Processos anteriores, ser cabível tal medida jurisdicional.

5. TUTELA DE EVIDÊNCIA

O Código de Processo Civil de 2015 regulamentou esse instrumento processual destinado a viabilizar a tutela do direito do autor quando os fatos constitutivos do direito são incontroversos ou evidentes e a defesa é infundada, ou seja, quando o exercício da defesa pode ser visto como um abuso. A tutela de evidência independe da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo. 

Conforme entende Marinoni (2017, p. 193)23, esta espécie de técnica de tutela dos direitos é o resultado da admissão de que: i) o tempo do processo não pode ser jogado nas costas do autor, como se fosse o culpado pela demora inerente à investigação dos fatos; ii) portanto, o tempo do processo deve ser visto como um ônus; iii) o tempo deve ser distribuído entre os litigantes em nome da necessidade de o processo tratá-los de forma isonômica.

Percebe-se que essa técnica veio contribuir para a transformação da prestação jurisdicional no sentido de promover e oportunizar processualmente a efetividade e celeridade do acesso à justiça para os casos de conflitos onde independe de demonstração do perigo do dano ou de resultado útil do processo.24

Outro ponto que merece destaque concerne na admissibilidade de liminar inaudita altera parte na tutela da evidência. A opção do legislador ordinário foi de que, nos casos dos incisos II e III do art. 311 do CPC, a medida poderá ser deferida inaudita altera parte, enquanto nas hipóteses dos incisos I e IV, por força de uma interpretação contrária ao disposto no parágrafo único do art. 311 do CPC, estará o juiz impedido de conceder a liminar sem antes ouvir a parte contrária. Reforça a conclusão o teor do art. 9º, parágrafo único, II, do CPC, que indica a concessão de tutela da evidência, com base nos incisos II e III, como exceção à regra da vedação da decisão surpresa.25

De outra banda, Cassio Scarpinella Bueno (2022, p.580) não há inconstitucionalidade na opção realizada pelo legislador porque as hipóteses do citado parágrafo único não se relacionam com situações de urgência.  Para o doutrinador Marinoni (2017, p. 196)27 há inconstitucionalidade na opção legislativa porque ofende o princípio do contraditório, pois, para ele, “não há como admitir que um fato constitutivo está provado mediante documento antes da oitiva do demandado”.

De outro modo entendem   Olavo de Oliveira Nete e Patrícia Elias Cozzolino de Oliveira (2021, p. 234)28

(…) “não há como atribuir o vício da inconstitucionalidade ao art. 311, parágrafo único, do CPC, devendo o juiz, em casos extremos, com fulcro no Princípio da Efetividade, consagrado no art. 5º, XXXV, da Constituição República, conceder liminar inaudita altera parte também para as hipóteses constantes dos incisos I e IV, do mencionado preceito legal”.

O art. 311, parágrafo único, do Código de Processo Civil, destaca a possibilidade de o juiz conceder liminar inaudita altera parte em casos extremos, com base no Princípio da Efetividade consagrado no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal. Este dispositivo trata da concessão de medidas liminares em caráter antecedente, ou seja, antes da citação da parte contrária. Ele estabelece requisitos específicos para a concessão dessas liminares, visando garantir a segurança jurídica e o contraditório.

Em suma, verifica-se a ênfase da importância de uma aplicação dinâmica do direito processual, especialmente quando se trata de medidas urgentes para garantir a efetividade do acesso à justiça. No entanto, é crucial que essa interpretação seja feita com cautela, levando em consideração os princípios constitucionais e os limites do poder judicial para preservar a segurança jurídica e os direitos das partes envolvidas no processo.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Diante do que foi explanado no decorrer deste estudo ficou demonstrado que as tutelas provisórias são instrumentos de grande importância para que ocorra a prestação jurisdicional de forma mais célere, contemporânea e justa com maior efetividade ao cumprimento do acesso à justiça. 

A deficiência do acesso à justiça compromete a efetividade do direito e da prestação da tutela jurisdicional. As maiores adversidades que enfrenta a pessoa que almeja cessar a ameaça a direito ou sustação da lesão a direito são: a burocracia, a sobrecarga do judiciário e, consequentemente, a longa espera para a solução do litígio. 

Para que haja a efetivação dos direitos, através da prestação jurisdicional, o sistema judicial além de promover estratégias para oportunizar o acesso à justiça deve promover a satisfatividade e celeridade da prestação jurisdicional. 

O Código de Processo Civil de 2015 inovou com a disposições que promovem a celeridade da prestação jurisdicional e dinamismo em relação às tutelas de urgência, previstas nos artigos 294 e 31, além de diversas outras disposições legais que corroboram com o propósito de dar celeridade e efetividade à tutela do direito perseguido. 

As tutelas provisórias oportunizam ao judicante obter com celeridade a prestação jurisdicional através da tutela do direito almejado, concedendo a conservação do bem ao final com o êxito na demanda, para a tutela cautelar.

Um problema que se apresenta é que o judiciário, como Estado, embora sobrecarregado e centralizado em todas as etapas do processo, não delega aos jurisdicionados as diligências aos participantes do processo. Se essa mudança de estratégia ocorresse, pode-se ia pensar que uma descentralização estivesse a serviço da eficiência e da celeridade no longo caminho que se percorre até a finalização do processo, obtendo-se essa forma a tão almejada e distante prestação jurisdicional efetiva e contemporânea à violação do direito em questão dando ampla efetividade ao mandamento constitucional do acesso à justiça. 


2LOPES, João Batista. Tutela provisória no novo CPC: avanços e recuos. Revista Brasileira de Direito Processual, vol. 101. Belo Horizonte: Fórum, jan./mar. 2018.
3CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1996.
4OLIVEIRA NETO, Olavo de. Tutela Provisória. Olavo de Oliveira Neto, Patrícia Elias Cozzolino de Oliveira. São João da Boa Vista, SP: Editora Filomática Sorocabana, 2021.
5SADEK, MTA. Acesso à justiça: porta de entrada para a inclusão social. In LIVIANU, R., cood.Justiça, cidadania e democracia [online]. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisa Social, 2009. pp. 170-180. ISBN 978-85-7982-013-7. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>.
6OLIVEIRA NETO, Olavo de. Tutela Provisória. Olavo de Oliveira Neto, Patrícia Elias Cozzolino de Oliveira. São João da Boa Vista, SP: Editora Filomática Sorocabana, 2021.
7DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. Volume I. São Paulo: Malheiros: São Paulo: Malheiros, 2017).
8DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. Volume I. São Paulo: Malheiros: São Paulo: Malheiros, 2017, p. 205).
9BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização). São Paulo: Malheiros. 2009.
10FUX, Luiz. Tutela de segurança e tutela de evidência (fundamentos da tutela antecipada). [S. l.]: Saraiva, 1996.
11MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência [livro eletrônico] São Paulo: Editora dos Tribunais, 2017.
12CALAMANDREI, Piero. Introdução ao Estudo Sistemático dos Procedimentos Cautelares: Tradução: Carla Roberta Andreasi Bassi. Campinas: Servanda, 2000.
13BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil – 8ª edição 2022 (p. 109). Saraiva Jur. Edição do Kindle.
14OLIVEIRA NETO, Olavo de. Tutela Provisória. Olavo de Oliveira Neto, Patrícia Elias Cozzolino de Oliveira. São João da Boa Vista, SP: Editora Filomática Sorocabana, 2021.
15CAPPELLETI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1988.
16BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil – 8ª edição 2022 (p. 109). Saraiva Jur. Edição do Kindle.
17MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência [livro eletrônico] São Paulo: Editora dos Tribunais, 2017.
18BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil – 8ª edição 2022 (p. 109). Saraiva Jur. Edição do Kindle.
19OLIVEIRA NETO, Olavo de. Tutela Provisória. Olavo de Oliveira Neto, Patrícia Elias Cozzolino de Oliveira. São João da Boa Vista, SP: Editora Filomática Sorocabana, 2021.
20ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. São Paulo: Malheiros, 2005
21ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. São Paulo: Malheiros, 2005
22Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) 
23MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência [livro eletrônico] São Paulo: Editora dos Tribunais, 2017.
24MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência [livro eletrônico] São Paulo: Editora dos Tribunais, 2017.
25MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência [livro eletrônico] São Paulo: Editora dos Tribunais, 2017.
26BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil – 8ª edição 2022 (p. 109). Saraiva Jur. Edição do Kindle.
27MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência [livro eletrônico] São Paulo: Editora dos Tribunais, 2017.
28OLIVEIRA NETO, Olavo de. Tutela Provisória. Olavo de Oliveira Neto, Patrícia Elias Cozzolino de Oliveira. São João da Boa Vista, SP: Editora Filomática Sorocabana, 2021.

REFERÊNCIAS

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BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil – 8ª edição 2022 (p. 109). Saraiva Jur. Edição do Kindle.

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1Bacharel em Direito e Advogada – Universidade de Fortaleza. Pós-graduanda em Direito Processual Civil – Unichristus. Mestranda em Direito – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. E-mail: marianadiasadvocacia@gmail.com