DESEJAMOS LIBERDADE PARA VIVER AFETOS SEM MEDO: VISIBILIDADE LÉSBICA E TRAJETÓRIA SOCIAL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10198666


Fernanda Scappa1
Ana Claudia Kissner Batista2


RESUMO

O presente artigo visa propor uma reflexão a respeito de como as narrativas sociais podem ser dispositivos que delimitam lugares de existência lésbica, podendo também torná-las invisíveis diante da sociedade. A construção deste trabalho dedica-se às particularidades das demandas das mulheres lésbicas e aos seus processos de subjetivação no contexto da formação em Psicologia. Busca-se discutir os impactos éticos desse cenário nas práticas psicológicas, além disso, propõe uma análise da ausência de políticas públicas que assegurem os direitos dessas mulheres em relação à vivência lésbica e aos seus processos de subjetivação, examinando os efeitos na atuação do psicólogo. Entendendo todo esse contexto, são empregadas referências bibliográficas, e a teoria existencialista para fundamentar as discussões.

Palavras chaves: Lesbianidade. Psicologia. Existencialismo.

ABSTRACT

This article seeks to propose reflection on how social narratives can be devices that delimit places of lesbian existence, and can also make them invisible in society. The construction of this work is dedicated to the particularities of the demands of lesbian women and their processes of subjectivation in the context of training in Psychology. It seeks to discuss the ethical impacts of this scenario on psychological practices, in addition, it proposes an analysis of the absence of public policies that ensure the rights of these women in relation to the lesbian experience and their subjectivation processes, examining the effects on the psychologist’s performance. Understanding this entire context, bibliographical references and existentialist theory are used to support the discussions.

Keywords: Lesbianity. Psychology. Existentialism.

1. INTRODUÇÃO

Quando levantamos discussões a respeito da visibilidade lésbica, percebemos que existem diversos estigmas que marginalizam as mulheres lésbicas no decorrer da história. Partindo desse ponto, o presente artigo busca descrever o percurso histórico da luta simbólica desses sujeitos que, constantemente vivenciam negligências e apagamento social, como também busca entender o papel da psicologia nesse contexto.

Ao falar em lesbianidade, nos referimos às mulheres cis e trans que se relacionam de forma afetiva e sexual com outras mulheres. Romeiro (2019) aborda o relacionamento entre mulheres não sendo algo aceito pelas sociedades ocidentais, a partir do momento em que optaram em dar privilégio aos homens e ao capital, os relacionamentos entre mulheres foram classificados como inadequados. Ocorre dessa forma, pois essas relações subverteram as três “normas” do sistema patriarcal capitalista, essenciais para sua existência: a exaltação fálica, a heterossexualidade compulsória e a geração de herdeiros para o capital (apud Romeiro; Santos, 2020).

Desde o cristianismo ocidental, a punição à homossexualidade masculina tornou-se crime e a homossexualidade feminina foi apagando-se dos aparatos discursivos e das linguagens, ou seja, não se fala, logo, não existe. A inquisição julgou as vivências homossexuais femininas, chamando-as de sodomitas, no entanto quando se nomeia uma imagem, cria-se um personagem no imaginário social. Logo, as mulheres homossexuais não tinham direito a um nome, tampouco á existência (Swain, 2004 apud Chaves, 2019).

A heterossexualidade compulsória comprova como o apagamento social e as relações de gênero têm influência sobre as lésbicas como um fio condutor que as leva para o que é considerado “natural”, a sua inclinação “feminina” de mãe e esposa, e isso pode ser notado dentro de uma relação com outro homem, já que todos os aspectos citados são atribuídos ao binarismo de gênero (Canciani, 2017). A heterossexualidade é configurada como uma instituição política que preserva as mulheres submissas aos códigos sociais (Rich, 2012 apud Canciani, 2017).

Vale evidenciar a relevância do marcador de gênero, sendo uma pauta de toda vivência lésbica, em uma sociedade patriarcal, machista, capitalista e misógina que traz fragmentos bem específicos quando refere-se à violência e discriminações voltadas a esse grupo. Os modelos de feminilidade, o rompimento de estrutura familiar heteronormativa, sexual e reprodutiva, são sistemas que influenciam nas violências de gênero vivenciadas; a junção entre raça, cor, etnia e questões socioeconômicas intensificam ainda mais essas agressões (Fernandes; Soler; Leite, 2018).

Como visto, a marginalização ocorre por conta de uma sociedade estruturalmente patriarcal, baseada em identidades heteronormativas que reforçam padrões de uma norma que deve ser seguida, essas narrativas de gênero produzem opressão e violência diária que atravessam a existência das mulheres lésbicas. O modo como essas mulheres são vistas pela sociedade reflete em diferentes esferas de suas vidas, incluindo também o campo de prevenção de agravos e da promoção da saúde, esses fatores ocorrem por conta da falta de acolhimento e preparo dos profissionais, e essa prática contribui para o distanciamento dessa população dos serviços de saúde, ocorrendo, por exemplo em consultas, pressupor a heterossexualidade da paciente, reforçando para que as necessidades das mulheres lésbicas não sejam atendidas ou abordadas (Silva et al, 2022).

Dessa forma, é fundamental problematizar esse assunto, principalmente no contexto acadêmico, visto que há uma escassez nas grades curriculares, que não abordam de forma profunda as questões sobre sexualidade e gênero. Nesse sentido, de que forma o profissional prestará um atendimento qualificado, para que não seja um potencializador de violência e vulnerabilidade para as mulheres lésbicas?!

É perceptível o sofrimento da comunidade lésbica decorrente da falta de apoio dentro das instituições de saúde; essa falta ocorre pelo preconceito da sociedade contemporânea e de pessoas que por vezes escolhem não falar sobre sua relação com a própria sexualidade, o que contribui também como uma afetação à saúde física e psicológica dos sujeitos em questão. Esse processo, muitas vezes marcado por medo e inseguranças pode ser doloroso, dificultando passar por isso sozinha, o apoio psicológico tem extrema importância em ajudar a lidar como esse momento (Souza; Alves et al, 2020). Como no decorrer do tempo as mulheres lésbicas estão expostas a situações de vulnerabilidade, por conta das violências que atravessam suas vidas, as políticas de saúde direcionadas para a comunidade lésbica foram produzidas e desenvolvidas por meio de movimentos sociais. Essas ocorrências estimularam o olhar para tal questão, contudo, apesar de todos os avanços na área da saúde, o preconceito e a invisibilidade se tornam ainda presentes nestes estabelecimentos, assim, um espaço que tem objetivo de promover a saúde para todos, torna-se um lugar incapaz de atender as demandas dessa comunidade (Negreiros et al, 2018 apud Souza; Alves et al, 2020).

Partindo desses fatos, a visibilidade lésbica ainda é uma temática que precisa ser debatida na sociedade contemporânea, uma vez que, em um sistema patriarcal os relacionamentos afetivos e sexuais entre mulheres ainda representam uma repulsa social.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1. SEXUALIDADE

A configuração das diversas manifestações da sexualidade é compreendida por fatores culturais, dessa forma, em vez de ser considerada como algo puramente individual, a abordagem da sexualidade é conduzida dentro do contexto das dinâmicas de poder (Amaral; Ribeiro; Barros, 2021).

Ainda no século XIX a sexualidade permanecia sob poder da ordem moral e religiosa por teólogos que diferenciavam o certo e o errado. Com o começo da modernidade, nesse novo contexto de organização social que perpassa a vida dos indivíduos, surgem várias instâncias do saber, e assim, criaram-se novos dispositivos de controle e institucionalização (Foucault, 1994 apud Neves, 2018).

Em um raciocínio liberal, começaram surgir críticas aos costumes morais vitorianos, com isso, uma atual ciência da sexualidade ia surgindo. Primeiro, sob uma visão clínica, o início da sexologia foi frisado pelos trabalhos de Richard Krafft-Ebing (1886). Posteriormente, no século XX, surgem os primeiros estudos sobre estratégias e técnicas para ajudar nas relações de casais, escrita pelo autor Theodoor Van de Velde (1926). Um dos autores de grande influência dentro dos paradigmas da psicologia, Freud também se torna referência e contribui com a sua teoria em relação à importância da sexualidade (Neves, 2018).

Ao discutir sobre sexualidade, movimentamos o pensamento para não se limitar apenas à constituição da palavra, do prazer e da identidade. Ir além da definição, é se atentar para os aspectos que são capturados pela ciência a fim de produzir a verdade sobre os sujeitos. Quando discutimos sobre sexualidade superamos algumas classificações, como a proibição e a repressão, pecado ou desejo, algo promíscuo ou natural, contudo, ao compreendermos esse movimento, é interessante observarmos como a sexualidade é tomada como objeto de verdade, alvo de narrativas por intermédio das quais posições de sujeitos são construídas (Amaral; Ribeiro; Barros, 2021).

Foucault (2006) nos ajuda a compreender o dispositivo como uma prática discursiva e também práticas de fazeres, ou seja, às quais são constituídas pelas nossas condutas, aquilo que fazemos e falamos. Seguindo essa definição, o dispositivo inclui todos os aspectos que estão presentes na nossa vida, desde um processo histórico, cultural, social e material; O dispositivo atua nos aspectos mencionados, na aceitação e constituição enquanto indivíduos e na organização social (apud Ribeiro, Coelho, 2020).

Através dessa ideia de dispositivo, podemos assegurar que as identidades sociais são construídas no âmbito da cultura e da história, e o modo como as pessoas vivenciam sua sexualidade influencia diretamente a formação dessas identidades. No espaço midiático, ocorre uma organização das identidades de gênero que também é moldada pelo exercício da sexualidade (Ribeiro; Coelho, 2020).

Uma vez que os corpos e suas representações são moldados pela cultura, é natural que os produtos midiáticos também sejam moldados por mudanças nos padrões culturais, hábitos, estilos de vida e lutas sociais. O movimento feminista desempenha um papel crucial nesse processo, influenciando as novas formas de prazer e as oportunidades de resistência que moldam as representações da sexualidade nos meios de comunicação (Braz; Miranda, 2019).
A sexualidade é parte constituinte e inerente à existência humana, está presente desde o seu nascimento até sua morte, atravessando a vida do sujeito desde os períodos mais antigos e desempenha uma influência no seu papel social. É importante na individualidade do sujeito e podemos afirmar que faz parte do elemento básico da personalidade do indivíduo, colaborando para um modo mais subjetivo de ser, sentir, de manifestar-se, comunicar-se e de viver o amor (Ninaus et al. 2016; Gonçalves et al. 2013 apud Braz, Miranda, 2019).

É considerado que as propostas acerca da nomenclatura sexualidade são vastas e dinâmicas, que no decorrer do tempo serão mutáveis. Portanto, a sexualidade é uma junção de características, sendo elas: afeto, carinho, carências, impulso sexual, modo de se vestir, orientação sexual entre outros, todos esses elementos se dão pelas nossas experiências e particularidades, que constroem a identidade sexual e de gênero (Louro, 2008 apud Ribeiro, Coelho, 2020).

Reconhecendo a diversidade de perspectivas possíveis sobre essas questões, é nossa convicção que é essencial abandonar visões que perpetuam a discriminação e violência contra a comunidade LGBTQIAP+, bem como reforçam estereótipos sexistas e misóginos. A história das questões de gênero e sexualidade têm sido marcada por narrativas de preconceito, invisibilidade e discriminação, e é por isso que defendemos firmemente a posição de que a Psicologia deve evitar adotar discursos e práticas que ampliem a violência e desigualdades de gênero e sexualidade (Amaral; Ribeiro; Barros, 2021).

Ao reconhecer que gênero e sexualidade são produtos moldados ao longo da história, influenciados por fatores sociais e culturais, é crucial destacar que, a partir desses marcadores sociais, nossa identidade como sujeitos de diferentes gêneros e sexualidades é moldada pelo ambiente cultural em que vivemos. Nesse sentido, é fundamental abordar o compromisso social da Psicologia, uma vez que este campo de conhecimento se dedica ao estudo das subjetividades (Amaral; Ribeiro; Barros, 2021).

2.2. ROMPIMENTO DA HETERONORMATIVIDADE E A EXISTÊNCIA LÉSBICA

Para melhor entendimento, Lionço (2008) descreve que a heteronormatividade é um fator que silencia o reconhecimento da diversidade sexual. Respaldada na biologia humana de reprodução, onde não inclui as dimensões sociais e simbólicas da sexualidade (apud Silva, Freitas, 2022). O modelo heteronormativo apresenta perspectivas e definições de papéis sociais e sexuais, dentro desse modelo desenvolvem-se explicações das mais diversas formas de expressões sexuais de homens e mulheres, por exemplo, a heterossexualidade compulsória (Oliveira et al, 2021).

A naturalização da heterossexualidade como única forma de relação afetiva e sexual é enxergada como um desafio, pois o sujeito que não é hetero, é visto como não legitimado, silenciado, e isso pode agravar as desigualdades sexuais, principalmente, a da mulher lésbica que desafia o pensamento social da sexualidade que discursivamente se pretende afirmar heterossexual e masculina (Silva, Freitas, 2022 p.11).

Nesse modelo, criam-se diversos discursos para esclarecer fatores da causalidade da lesbianidade, nos quais percebem-se estereótipos criados coletivamente da imagem das mulheres lésbicas como uma tentativa de serem homens, ou como respostas a um trauma derivado de um abandono paternal ou violência sexual, assim como de frustrações amorosas com homens (Oliveira et al, 2021). Há um reforço social da heterossexualidade para as mulheres como um modo de certificar o direito masculino ao acesso físico, econômico e emocional sobre elas, isso é construído desde a infância, por meio dos contos de fada, televisão e propagandas, a se sujeitar para esse “amor” incontrolável pelo homem (Rich, 2010 apud Silva, Freitas, 2022)

Conforme Brandão (2010) a sociedade utiliza adjetivos pejorativos como, “caminhoneira”, “invertida”, “passiva ou ativa”, “mulher-macho”, “chupa-charque”, “sapatão” entre outros, para se referir a essas mulheres. Essas narrativas contribuem para a reprodução da opressão e sub-representatividade das vivências lésbicas, além disso, o machismo está presente na sociedade e torna-se existente em relação à performance identitária e prática sexual entre mulheres, esses fatores reforçam um lugar de falta de reconhecimento e respeito das mulheres lésbicas enquanto sujeito (apud Romeiro, Santos, 2020).

A sexualidade lésbica sofre de alguns mitos, assim como associar essa identidade a uma mulher ninfomaníaca ou aquela cujo desejo sexual é praticamente irreal. Assim, pode-se dizer que essas deturpações são uma forma da sociedade buscar estabelecer domínio sobre os corpos e sexualidade que não estão dentro de um padrão pré-estabelecido (Swain, 2004 apud Morais, Camargo, 2020).

Nota-se que todas as “explicações” para a lesbianidade tem como base a figura masculina, essas “justificativas” deslegitimam a possibilidade de relações homoafetivas entre mulheres serem genuinamente movidas pelo desejo e atração de umas pelas outras, depositando sobre a figura feminina controle e submissão ao homem (Oliveira et al, 2021).

O feminismo lésbico traz uma proposta mais radical e revolucionária na luta pela emancipação das mulheres; as críticas centrais desse grupo é a construção do matrimônio enquanto uma instituição patriarcal e a heterossexualidade como sistema de opressão para as mulheres (Curiel, 2007 apud Alves, 2023).

Para Flausino (2002) a performance da feminilidade apresentada pela mídia, é uma forma de regular a conduta sexual da mulher, classificando o que é certo e errado, o desviante e o inusitado (apud Oliveira et al, 2021).

Analisando essa dinâmica, a mulher lésbica para ser minimamente “aceita”, deve manter-se dentro de um padrão de feminilidade. São modelos estereotipados da existência lésbica; esse estereotipo este que estabelece formas especificas de agir e viver, para considerar enquanto algo adequado para a lesbianidade estar mais próxima da concepção social de “ser mulher”. A feminilidade assume um sistema de dominação, normatização e universalização, perante todas as adversidades sociais da existência lésbica, essa acontece quando fica sujeita a um modelo socialmente construído do que é ser mulher, agora, de ser mulher lésbica (Oliveira et al, 2021).

Ao trazer para discussão a concepção da identidade lésbica que se deu por uma construção errônea, podemos citar Swain (2004) que traz uma nova perspectiva para tal questão. De acordo com Swain (2004) não há exclusivamente uma única identidade lesbiana, visto que não   tem um modelo a ser seguido, não há uma receita ou mistérios; pressente-se uma busca e compreensão do próprio corpo que é disposto para prazer de outrem e de si mesmo. […] O “mistério” da identidade lésbica continua ao mesmo tempo que não existe, um padrão de comportamento, uma conduta única, um modo de ser imposto a todas (apud Morais, Camargo, 2020).

A construção da identidade lésbica é uma busca por visibilidade, como forma de enfrentar a violência histórica, rejeição em seus diversos contextos e os estigmas produzidos sobre esses sujeitos. O único componente chave da identidade lésbica é o fato de se relacionar exclusivamente com outra mulher, para além disso, os significados de diversos símbolos, incluindo os corporais, é a construção enquanto sujeitos (Almeida, Heilborn, 2008 apud Alves, 2023).

Desse modo, ampliar essa visão é ver sob um outro angulo a identidade da mulher lésbica, é falar sobre as possibilidades da sexualidade feminina, mesmo que se mantenha um discurso de associar mulheres lésbicas somente àquelas que são desfeminilizadas, ainda chamadas de modo pejorativo de “caminhoneiras”. Ser lésbica não tem a ver com a anulação da feminilidade ou da desvalorização da mulher (Morais, Camargo, 2020).

O termo lésbica refere-se a um movimento sócio-histórico, em que sujeitas politicas afirmaram-se enquanto lésbicas de maneira autônoma e independente, buscando incessantemente visibilidade para suas lutas e suas existências (Alves, 2023). Para Falquet (2013) a palavra lésbica engloba uma identidade coletiva e política, politizando-se em relação à prática do sistema heterossexual enquanto organização social (apud Alves, 2023).

A luta das mulheres lésbicas começa por uma necessidade de um lugar social, reconhecimento e validação, pela formação da identidade pessoal e sexual, na construção histórica foram vivências-lutas invisibilizadas e oprimidas, são pontos importantes de vários movimentos gerados no decorrer da história, alcançando menor ou maior amplitude, mas com profundo reflexo social (Oliveira et al, 2021).
A resistência lésbica frente à ditadura, é sinalizada por uma luta pela visibilidade e direito à existência, ser vista para existir. Assim, surgiram grupos autônomos e exclusivos de lésbicas, sempre em conformidade com a luta pela redemocratização, sobrevivendo ao conservadorismo e moralismo da direita, à lesbofobia dos grupos feministas e à misoginia dos grupos gays. “Que sejamos todas como Cassandra Rios ao nos questionarem se não temos medo, em respostas diremos: tenho sim, da minha própria coragem” (Fernandes, 2014 apud Alves, 2023, p.46).

2.3. CONSTITUIÇÃO DO SER MULHER

Em sua obra “O ser e o Nada: Ensaio de Ontologia Fenomenológica”, Sartre (1943) nos ajuda a compreender o conceito de sujeito, sendo necessário, em primeiro lugar, esclarecer as duas categorias ontológicas que ele explora em sua teoria.

Neste trabalho, Sartre delineou sua compreensão da realidade, classificando-a em dois modos de existência: o ser-em-si e o ser-para-si. O ser-em-si está relacionado com a objetividade, ou seja, com os objetos que são alvos da consciência, englobando tudo o que não é a própria consciência. Sartre resumiu as características essenciais do ser-em-si em três princípios fundamentais: o ser simplesmente existe; o ser é tal como é, de forma independente; e o ser tem sua existência intrínseca.

O mesmo autor, postula que não existe uma dicotomia entre um “Para-si” e um mundo separado, como dois entes isolados cuja forma de comunicação precisa ser posteriormente descoberta. Ele argumenta que o “Para-si” é, em si mesmo, uma relação intrínseca com o mundo (p. 388). Além disso, ele sustenta que para a realidade humana, existir significa estar presente em um local específico, como “aí, sentado na cadeira”, “aí, junto a esta mesa”, ou “aí, no alto desta montanha, com tais dimensões, tal direção etc.” Isso é considerado uma necessidade ontológica (p. 391). Portanto, pode-se concluir que desde o nascimento, o ser humano está constantemente em interação com a objetividade, os outros, seu próprio corpo, o tempo, entre outros (Sartre, 1943).

Sartre (1943) aborda a questão do sujeito ao se basear na ideia heideggeriana de ser-no-mundo. Isso implica que todos os seres humanos estão inerentemente imersos na materialidade e em um contexto que engloba aspectos sócio-históricos, econômicos, políticos e familiares. Portanto, fica evidente que o existencialismo não enxerga o sujeito como algo abstrato e desconectado da objetividade, mas sim de uma forma concreta e interligada.

Por meio desse conceito ser-no-mundo, Sartre (1943) auxiliará na compreensão da constituição do ser mulher que é atravessada por uma cultura, questões políticas e sócio históricas. Partindo de uma construção cultural e social, ser mulher é viver por determinações de regras sociais que interferem no nosso modo de existir.

No livro “A Mulher Desiludida” Simone de Beauvoir (1967) aborda a história de três mulheres, suas relações humanas e seus papéis sociais, que nos ajudam a compreender essa constituição e atravessamentos do “ser mulher relacional”.

A primeira história “A idade descrição” trata de uma escritora de certa idade que, assombrada pelo receio de que o avanço da idade possa impactar negativamente sua criatividade na escrita, se vê incapaz de aceitar a decisão de seu filho de seguir um caminho distinto daquele que ela sempre idealizou para ele, ou seja, uma carreira acadêmica. Isto desencadeia uma série de conflitos envolvendo a mãe e o filho, a mulher e o marido, assim como a mãe e a nora, manifestando diferentes estados emocionais pelos quais a protagonista pode sentir-se traída, relutante em reconhecer a realidade quando esta lhe é apresentada. E, ao longo de toda a narrativa, a velhice assume um papel proeminente, atuando como pano de fundo da história.

No segundo capítulo “Monólogo” depois de dois casamentos fracassados, o suicídio da filha mais velha e a perda da guarda do filho mais novo, a personagem encontra-se numa constante culpa por ter “falhado” como mãe e ressentimentos à única companhia. Nessa história, encontramos os pensamentos de uma mulher abastada que vive solitária às vésperas do Ano Novo. Ela é inclemente em relação às pessoas ao seu redor, a quem responsabiliza por suas frustrações. À medida que nos aprofundamos na história, percebemos que a verdade horrível sobre a narradora se revela, enquanto ela está em seus quarenta anos. Apesar das adversidades descritas neste conto, o que realmente chama a atenção é a mudança marcante no estilo de narração. Este resultado é fruto das reflexões noturnas de uma mãe que perdeu a guarda de seu filho, uma mãe que projeta seu ressentimento em tudo e todos, destilando veneno, ódio e vingança sobre seus próprios familiares.

Por último, “A mulher desiludida” conta a história da mulher que foi traída pelo seu marido e por vezes se comparou com a amante. O texto narra o gradual declínio de Monique em seu casamento, à medida que os dias passam. Após vinte anos de união, seu mundo é abalado por uma revelação dolorosa de seu marido, ele está tendo um caso com uma mulher mais jovem. É importante ressaltar que, à época em que Simone de Beauvoir escreveu essas histórias, as mulheres eram inteiramente dependentes de seus esposos. Monique havia construído sua vida em torno desse homem, e a notícia dada por ele abala profundamente sua existência. Sua vida como um todo se vê ameaçada por essa revelação. Simone de Beauvoir oferece um relato franco de uma situação que era ainda mais devastadora em uma época em que as mulheres não tinham autonomia financeira, especialmente uma mulher de meia-idade que não contava com o benefício da juventude ao seu lado.

Nessa história narrada, vemos que essas mulheres têm em comum que suas vidas foram expostas de alguma forma, todas passam por uma angústia existencial, seja pela perda da identidade, profunda solidão, sentimento de vazio. A situação à qual foram expostas destruiu a percepção das mulheres que elas acreditaram ser.

Simone traz de forma lúdica na história das três mulheres, a angústia pela perda de papéis sociais aos quais são impostas, sendo como mãe, esposa e filha, e que para serem validadas como mulher e respeitada na sociedade acreditam que precisam ter um lar, marido e filhos, dentro de uma visão patriarcal, o papel da mulher é destinado a ser dona de casa, exercer a qualquer custo a maternidade, enquanto homem deve proteger a mulher, e a mesma deve obediência ao homem.

Historicamente foi atribuído a mulher a função de cuidado incondicional, podemos perceber esse movimento na narrativa onde elas se perderam de si mesmas para viver em função do outro, dentro dessa lógica é um destino reservado para todas as mulheres. Simone de Beauvoir (1967) traz a seguinte problematização, a mulher passa por conflitos entre uma existência autônoma e seu “ser-outro. São ensinadas que para agradar, é preciso procurar agradar, se fazer objeto, portanto, renuncia constantemente sua autonomia; nesse círculo vicioso é vantajoso para sociedade que a mulher exerça sua liberdade para que possa compreender e descobrir o mundo, assim, menos se ousará a se afirmar como sujeito.

Em seu livro “O Segundo Sexo” (1967), Simone de Beauvoir destaca que “ninguém nasce mulher: torna-se mulher”, não há destino biológico, psíquico e econômico que define a forma que a mulher assume o seio da sociedade; A sociedade como um todo elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que denominam de feminino, a partir desta doação de outrem pode constituir um sujeito como um outro.

A passividade que fundamentalmente caracteriza a mulher “feminina” é uma característica que começa a se formar nela desde os primeiros anos de vida. No entanto, é incorreto supor que isso seja uma característica biológica inata, na realidade, trata-se de um papel que é atribuído a ela por influência de seus educadores e da sociedade (Simone Beauvoir, 1967).

Com as contribuições de Simone, compreendemos que os homens sempre tiveram a liberdade e a facilidade de ocupar espaços sociais, para eles não foi atribuído um papel de servir. Enquanto o “torna-se mulher” é produto de uma construção histórica e cultural que cada mulher vivencia de forma particular, pois implica em questões raciais, de sexualidade e identidade de gênero, determinando-a como mulher, tirando a possibilidade e a liberdade de uma essência natural. 

2.4. INVISIBILIDADE LÉSBICA NA PRÁTICA CLÍNICA DE PSICOLOGIA

Como Herek (2010) fundamenta, na história a heterossexualidade monogâmica já foi considerada pela psicologia e pela medicina um modelo de normalidade, os comportamentos opostos a isso, eram considerados patológicos. A exemplo disso, nas primeiras edições do DSM o termo “homossexualismo” associa-se a patologia ou transtorno de personalidade (apud Padilha; Fazzano; Gallo, 2021).

Embora haja inúmeras iniciativas visando a despatologização das orientações sexuais, os psicólogos exteriorizam suas crenças de gênero e concepções acerca das orientações sexuais por meio da cultura em que estão inseridos, ou seja, se a cultura tem como base princípios heteronormativos, também pode se tornar um reflexo aos profissionais da Psicologia (Drescher, 2010; Herek, 2004 apud Vezzosi et al, 2019).

Por conta da discriminação social, pessoas LGBTQIAP+ começaram a procurar – por obrigação, orientação psicológica para reverter a sexualidade. As terapias conversivas eram destinadas para mudar a expressão espontânea das orientações sexuais (Heldeman, 2002 apud Vezzosi et al, 2019). Visto que algumas(ns) psicólogas (os) reforçam a discriminação das mulheres lésbicas, vale ressaltar a necessidade de notar outras formas em que o preconceito pode ser manifestado dentro do ambiente clínico (Padilha; Fazzano; Gallo, 2021).

Nos estudos realizados por Vezzosi (et al, 2019) 12,43% dos psicólogos (as) brasileiros concordam que devem ajudar a reverter a orientação sexual de homossexual para heterossexual. Essa porcentagem é intrigante, pois quando levamos em consideração que o espaço psicoterapêutico deveria ter função de cuidado integral, afetivo e emocional, por fim acaba se tornando um ambiente hostil, produzindo mais sofrimento e vulnerabilidade para o paciente.

A autora Silva (2021) traz problematizações em relação à condução do psicólogo no processo terapêutico: quando o psicólogo fala para uma mulher lésbica que seu sofrimento é fruto de uma doença, ao patologizar esse sofrimento, especialmente em grupos que estão expostos a uma vulnerabilidade e opressão social, quais são as consequências que ele vai produzir na vida das mulheres lésbicas?!

No momento em que se observa a base estrutural de uma sociedade, compreendemos os valores e práticas que a compõe, que partem de princípios heteronormativos, consequentemente a isso, o psicoterapeuta inserido nessa cultura, poderá reproduzir tais comportamentos e visões heteronormativos em sua atuação profissional, tornando-se contribuinte para o preconceito (Padilha; Fazzano; Gallo, 2021).

Quando apontamos que há invisibilidade na prática clínica, Silva (2021) traz fatos para elucidar tais afirmativas:

[…] pacientes que sofreram questionamentos se houve sofrimento na infância para justificar a lesbianidade; psicólogos que vincularam a violência por familiares com lesbianidade; falta do amor materno ou busca uma mãe na relação; até mesmo a ausência do pai. Associam também decepção/trauma de relacionamento com homens, como sugerir para paciente experimentar se relacionar sexualmente com homens para ter certeza se é lésbica. Muitos psicoterapeutas tem como objetivo checar se a paciente lésbica, é lésbica mesmo (p.48).

Quando não nos mobilizamos a olhar para vivências e para histórias dessas mulheres e não levamos para debate dentro do centro acadêmico, as práticas dos futuros profissionais tendem a uniformizar o que não é passível de padronização e reproduzir cada vez mais essa invisibilidade a esses modos de subjetivação. Visto que estamos inseridos numa sociedade heteronormativa, há uma pré-concepção de que a mulher seja heterossexual (Moreira; Pão, 2022).

Nesse sentido, a lesbianidade está num lugar de esquecimento, do que não é dito e visto, da não-possibilidade. Ainda, a psicologia é ausente dentro desse campo de discussão, refletindo diretamente os princípios éticos da prática da formação do psicólogo para com essas mulheres, as situações das quais são referenciados seguirão a serem perpetuadas e aplicadas no dia a dia, negligenciando e gerando mais sofrimento para essas mulheres (Moreira; Pão, 2022).

As mulheres lésbicas estão expostas a esse sofrimento. Para certas mulheres a psicologia ainda vem sendo um aparato de opressão, um local onde as lésbicas ainda são classificadas como anormais e desviantes; ao falar sobre a própria sexualidade, começam a ser questionadas, indagadas, com intuito de colocarem em dúvida sua sexualidade. Essa forma antiética de conduzir o processo produz um sentimento de culpa de serem quem são ou abandonarem o espaço de psicoterapia (Silva, 2021).

Perante a construção da formação da psicologia em não tratar as questões subjetivas que atravessam a existência lésbica, sejam suas demandas, experiências ou violências que sofrem, é evidente a falta de comprometimento de olhar para essas questões onde está envolvida a vivência múltipla das mulheres lésbicas, portanto, a importância de a psicologia ser questionada, debatida e refletida e, para a partir disso, a sua construção se dar de forma coletiva (Moreira; Pão,2022).

É importante que o psicólogo (a) esteja aberto e seja respeitoso quando for atender uma lésbica, estar atento para entender de onde vem o sofrimento, como faria com qualquer outro paciente. Portanto, ser lésbica não significa ser traumatizada, ter sofrido abuso sexual e nem um transtorno de personalidade, significa apenas que uma mulher se atrai apenas por outras mulheres. Os psicólogos precisam ter um olhar crítico, entender como a lesbofobia pode ser um dos fatores que contribui para o adoecimento dessas mulheres.  Sendo assim, quando é vista somente pela perspectiva individual, sem levar em consideração outras implicações na vida do sujeito, a clínica ausenta-se de sua potencialidade e passa a ser um lugar normatizador e patologizante de experiência humana (Silva,2021).

3. METODOLOGIA

A presente pesquisa se tratou de uma revisão integrativa de literatura, que consiste em um método capaz de reunir diferentes tipos de pesquisa. O propósito geral de uma revisão de literatura de pesquisa é reunir conhecimentos sobre um tópico (Souza; Silva; Carvalho, 2010).

A revisão integrativa, diferente de outros métodos, consiste na reunião e síntese de resultados de estudos sobre um determinado tema ou objeto de forma sistemática e organizada. O diferencial desse método está na abrangência do estudo, pois permite a inclusão simultânea de pesquisas experimentais e quase-experimentais, o que amplia a compreensão do objeto ou tema investigado. Além disso, a revisão integrativa possibilita a combinação de resultados de estudos teóricos e empíricos, proporcionando diversas possibilidades de estudo, como definição de conceitos, revisão de teorias ou análise metodológica (Botelho; Cunha; Macedo, 2011; Mendes et al, 2008 apud Cavalcante; Oliveira, 2020).

Aqui, a metodologia utilizada para construção do projeto foi revisão bibliográfica, realizou-se pesquisas de cunho científico nas múltiplas áreas do conhecimento e a velocidade com que essa produção, em suas configurações variáveis como, teses de doutorado, dissertações de mestrados e artigos científicos, tem sido divulgada, reivindicam estudos de cunho científico (Botelho; Cunha; Macedo, 2011 apud Cavalcante; Oliveira, 2020).

Utilizou-se como fonte de busca o Google Acadêmico, SciELO e Dissertações de mestrados- Universidades Estaduais e Federais. Os critérios para a escolha de artigos para a fundamentação teórica desta pesquisa foi a data de publicação de 2017 a 2023, como foi utilizado abordagem existencialista para o desenvolvimento deste trabalho, beneficiou-se de bibliografias mais antigas de 1943-1967. Outro critério utilizado foi a definição das palavras-chaves, sendo elas: “sexualidade”, “lesbianidade”, “gênero”, “psicologia clínica”.

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

A partir dos estudos analisados nesta pesquisa, é possível observar que por muito tempo a vivência das mulheres lésbicas foi se apagando das narrativas sociais, onde, os discursos religiosos, morais e machistas potencializam a invisibilidade, pois, num sistema patriarcal mulheres lésbicas não são legitimadas socialmente.

A lesbofobia pode se manifestar de várias formas e afetar a vida e a saúde das lésbicas também de diferentes maneiras. Alguns exemplos incluem a exclusão familiar, dificuldades relacionadas ao emprego, impactos na saúde mental, taxas elevadas de suicídio e automutilação, maior prevalência de alcoolismo e uso de drogas. As lésbicas são mais suscetíveis a essas situações do que as mulheres heterossexuais e, portanto, requerem mais atenção em relação à proteção e prevenção dessa forma de violência, que tem um impacto direto na saúde (Santos, 2020).

A existência e segurança das mulheres está em constante ameaça, além das questões descritas acima a coerção religiosa em torno da sexualidade ainda é um problema difícil de solucionar, visto que ainda nos dias atuais, ocorre uma prática de estupros consecutivos que têm como finalidade reverter a sexualidade lésbica em heterossexual, inclusive essa é uma prática realizada por líderes de diferentes doutrinas religiosas (Romeiro, 2019)

O Dossiê sobre lesbocídio no Brasil 2014-2017, é um marco na pesquisa sobre as lésbicas no país. A expressão lesbocídio é designado à morte de mulheres lésbicas por conta de lesbofobia, melhor dizendo, é um ato criminal de repulsa e ódio contra a existência lésbica. Há um elevado nível de crueldade que esses assassinatos apresentam, registros demonstram casos em que tiros são direcionados às vítimas, casos de esquartejamentos e de rostos que são desconfigurados. O Dossiê alega que, entre 2014 e 2017, 72% dos casos de lesbocídios aconteceram em vias públicas e 28% nas residências das vítimas, os assassinatos executados por homens são 83%, enquanto 17% são cometidos por mulheres (Fernandes; Soler; Leite, 2019).

Ainda sobre a pesquisa, são localizadas categorias de lesbocídios cometidos por parentes homens e homens com vínculo afetivo ou consanguíneo, assim dizendo, homens que têm algum convívio com a mulher vitimada. Essas duas categorias são responsáveis por 64% dos registros de lesbocídio no ano de 2014 e 2017, à medida que outros 36% dos assassinatos haviam sido cometidos por homens desconhecidos.

Por meio desses dados, percebemos que o maior índice de assassinato é realizado por homens, tal brutalidade é motivado pela misoginia, por um preconceito enraizado que dissemina ódio contra as mulheres, contudo, o lesbocídio ocorre por uma insatisfação do homem com a existência da mulher lésbica, podendo ou não possuir algum vínculo familiar ou doméstico.

Quando elucidado sobre violência cultural e social que são considerados fatores externos, também precisamos falar sobre fatores internos como agressão psicológica, sendo esse fator qualquer conduta que cause danos emocionais, gerando insegurança, auto ódio e sentimento de medo e vergonha de saber que por toda a vida, foi estimulada a pensar sua sexualidade enquanto algo errado, sujo e doentio.

Há profissionais que, apesar de seus esforços para acolher, não se dedicam a compreender plenamente os impactos enfrentados não apenas por mulheres, mas especialmente por aquelas que são lésbicas. A falta de aprofundamento nas experiências de mulheres negras, desfeminilizadas, ou aquelas com filhos, entre outros contextos, contribui para a ausência de referências concretas que poderiam servir como apoio.

Essa lacuna tem repercussões significativas na vida das mulheres, privando-as de pontos de referência tangíveis para orientação. Além disso, quando o acolhimento falta na psicoterapia, o ambiente que deveria ser seguro muitas vezes se transforma em um campo de violência. Isso pode resultar em maior repressão e distanciamento na busca por outros profissionais, perpetuando um ciclo prejudicial.

Ao mobilizar pensamento para vivência coletiva que é atravessada por violência que interfere e afeta na construção subjetiva das mulheres lésbicas, devemos repensar a prática enquanto da profissional psicologia para não ser mais um perpetuador de violência, olhar para vivência lésbica como possibilidade, é romper com uma visão heteronormativa, é assumir uma postura antinatural, é desconstruir estereótipos sobre a lesbianidade.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que a experiência lésbica transcende camadas que vão além da orientação sexual, especialmente em uma sociedade onde as mulheres são socializadas para direcionar afeto exclusivamente aos homens. Ser lésbica implica ter a validade da própria sexualidade constantemente questionada, principalmente devido à falta de um componente masculino nas relações. Além disso, enfrentamos a objetificação e fetichização de nossas relações e corpos, muitas vezes reduzidos a instrumentos de satisfação masculina.

Ao refletir criticamente, torna-se evidente que ser lésbica não se resume apenas ao amor entre mulheres; essa identidade carrega consigo uma carga de desafios que confronta a lógica heteronormativa que sustenta os interesses político-sociais. A falta de representação e visibilidade, tanto nos modelos sociais quanto na mídia, amplifica a sensação de deslocamento, resultando em um sentimento de adoecimento e isolamento entre as mulheres lésbicas.

No contexto desse processo de adoecimento, é crucial que a psicologia ofereça um espaço seguro, aberto e acolhedor para a escuta dessas vivências. Isso é fundamental para evitar a perpetuação de dinâmicas que contribuem para o sofrimento das mulheres lésbicas, proporcionando um ambiente voltado para o entendimento e apoio necessários ao alcance da possibilidade de ser livre para viver afetos sem medo.

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1 Discente do Curso Superior de Psicologia do Centro Universitário UNIVEL. E-mail: nandascappa56@gmail.com

2 Docente do Curso Superior de Psicologia do Centro Universitário UNIVEL. E-mail: ack.batista@univel.br