REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202512180626
Marilene José1
RESUMO
O artigo analisa o uso da música como estratégia pedagógica na educação infantil, com foco em crianças de 3 a 5 anos, tomando como base exclusivamente uma pesquisa bibliográfica. O objetivo central é compreender como experiências musicais planejadas podem favorecer a aprendizagem e o desenvolvimento global nessa faixa etária, envolvendo linguagem, coordenação motora, funções executivas, interação social e expressão de emoções. Foram consultados artigos, revisões e estudos recentes sobre música na primeira infância, educação musical, desenvolvimento infantil e intervenções musicais em contextos educacionais. A partir da leitura e pesquisa desse material, observa-se que práticas como cantigas, brincadeiras rítmicas, roda de música, exploração de sons do corpo e de instrumentos simples ampliam oportunidades de participação, escuta, comunicação e imaginação, fortalecendo vínculos entre crianças e adultos de referência. Os autores revisados apontam que ambientes ricos em experiências sonoras tendem a favorecer a curiosidade, a atenção sustentada e a formação de memórias ligadas ao prazer de aprender. Defende-se que a música seja incorporada ao planejamento cotidiano das instituições de educação infantil como recurso transversal, articulado às demais linguagens, e não apenas como momento isolado de entretenimento. A pesquisa bibliográfica indica, ainda, a importância de investir em formação docente específica em educação musical e em condições materiais que permitam organizar tempos, espaços e materiais adequados para o trabalho com música na rotina escolar.
Palavras-chave: música; educação infantil; aprendizagem; desenvolvimento infantil; pesquisa bibliográfica.
1 INTRODUÇÃO
A educação infantil é entendida como etapa decisiva para o desenvolvimento integral, pois é nesse período que a criança estrutura modos de se relacionar com o corpo, com o outro e com a cultura. Entre as diferentes linguagens presentes no cotidiano das instituições, a música ocupa lugar de destaque, já que aparece em brincadeiras, festas, mídias digitais e rituais familiares. Quando a escola assume essa linguagem de forma intencional, pode transformar sons, ritmos e canções em oportunidades de exploração, expressão e construção de conhecimentos para crianças de 3 a 5 anos.
Pesquisas em desenvolvimento infantil e educação musical mostram que experiências musicais frequentes, estruturadas em cantigas, jogos rítmicos, batidas corporais e uso de instrumentos simples contribuem para o amadurecimento de atenção, memória de trabalho e controle inibitório, funções ligadas à organização do comportamento e da aprendizagem. Crianças que têm contato constante com propostas desse tipo tendem a apresentar maior envolvimento nas atividades, melhor capacidade de seguir combinações e mais autonomia para regular emoções na interação com o grupo (Lu, 2025).
Outra linha de estudos destaca a relação entre experiências sonoras e desenvolvimento da linguagem oral e da futura leitura. Jogos de rimas, exploração de sons do ambiente, brincadeiras com variações de intensidade e altura e cantos coletivos favorecem a percepção de semelhanças e diferenças entre sons, a ampliação de vocabulário e a produção de frases mais complexas pelas crianças pequenas. Tais benefícios aparecem tanto em contextos familiares quanto em práticas sistematizadas nas escolas de educação infantil (Pino, 2023).
Também se observa interesse crescente em intervenções musicais voltadas a crianças com necessidades específicas, como aquelas no espectro autista, com atraso de linguagem ou que utilizam implante coclear. Estudos com programas musicais estruturados indicam melhora em interação social, contato visual, iniciativa comunicativa e participação em atividades compartilhadas, apontando a música como recurso promissor para práticas pedagógicas mais inclusivas na educação infantil (He, 2024).
Pesquisas sobre contexto familiar e rotinas de cuidado indicam que ambientes domésticos nos quais canções, histórias cantadas e escuta musical estão presentes desde cedo oferecem condições ricas para a emergência da linguagem e da curiosidade da criança. Quando a escola dialoga com essas práticas, acolhendo repertórios trazidos pelas famílias e propondo novas experiências, amplia-se a rede de apoio ao desenvolvimento e reforça-se a parceria entre responsáveis e professores da educação infantil (Liu, 2024).
Apesar do conjunto de evidências produzidas, em muitas instituições a música ainda aparece somente como fundo sonoro para outras atividades ou como recurso para controlar o comportamento da turma, sem planejamento pedagógico definido. Em vários contextos, professores relatam insegurança quanto ao próprio preparo musical, ausência de materiais e pouco tempo para planejar propostas específicas, o que limita o potencial dessa linguagem como ferramenta de aprendizagem na rotina escolar (Cuervo, 2022).
Nesse quadro, torna-se necessário compreender melhor como a música pode ser utilizada de forma intencional pela educação infantil, especialmente nas turmas de 3 a 5 anos, em que a criança já apresenta maior autonomia motora e verbal, mas ainda aprende principalmente pela brincadeira e pela experiência sensorial. A pergunta que orienta este trabalho é: de que modo a utilização da música como estratégia pedagógica pode favorecer a aprendizagem e o desenvolvimento integral de crianças de 3 a 5 anos na educação infantil?
Como objetivo geral, busca-se analisar, a partir de pesquisa bibliográfica, o uso da música como estratégia de aprendizagem na educação infantil para crianças de 3 a 5 anos. De forma complementar, pretende-se descrever contribuições da música para dimensões cognitivas, linguísticas, socioemocionais e motoras; identificar propostas de trabalho musical presentes na literatura; e discutir implicações desse conhecimento para o planejamento pedagógico e para a formação de professores que atuam com essa faixa etária.
A escolha do tema se justifica pelo lugar que a música ocupa na vida das crianças pequenas e pela necessidade de superar uma visão restrita, que limita essa linguagem a momentos isolados de recreação. Ao reunir e organizar resultados de pesquisas recentes, espera-se oferecer subsídios para que professores, coordenadores pedagógicos e gestores incorporem a música de maneira planejada em projetos, rotinas e ambientes da educação infantil, favorecendo experiências de aprendizagem mais criativas, prazerosas e coerentes com os direitos de aprendizagem previstos nas políticas educacionais. Para isso, o estudo adota abordagem qualitativa, baseada em pesquisa bibliográfica em artigos, revisões e estudos empíricos publicados em bases como PubMed, SciELO e Google Acadêmico, selecionados de acordo com sua pertinência ao tema e à faixa etária investigada (Jiang, 2025).
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 Música e desenvolvimento cognitivo na educação infantil
O desenvolvimento cognitivo na educação infantil envolve a forma como a criança pequena passa a organizar percepções, lembranças, raciocínios e tomadas de decisão durante as interações com o meio. A música entra nesse processo como linguagem que mobiliza audição, corpo, imaginação e atenção conjunta com colegas e adultos. Em turmas de 3 a 5 anos, experiências como cantar em roda, marcar batidas com palmas, caminhar no ritmo de uma canção ou responder a pausas e retomadas sonoras convidam a criança a observar, comparar e ajustar sua ação ao que escuta, o que amplia a capacidade de perceber padrões e relações lógicas presentes nas situações do cotidiano escolar (Degé, 2021).
Quando o professor organiza sequências de atividades musicais que vão de propostas simples para desafios mais complexos, cria um espaço em que a criança precisa lembrar o que foi feito antes, antecipar o que virá a seguir e tomar decisões rápidas, como entrar na música no momento combinado ou trocar o movimento ao perceber um novo comando. Esse tipo de experiência mobiliza atenção sustentada, memória de curto prazo e raciocínio indutivo, já que a criança aprende a identificar regras que nem sempre são explicadas verbalmente, mas aparecem na organização do ritmo, da melodia e dos gestos que acompanham as canções (Visee, 2025).
As chamadas funções executivas, que envolvem controle de impulsos, flexibilidade para mudar de estratégia e capacidade de manter informações em mente durante uma tarefa, também são estimuladas em propostas musicais planejadas. Em jogos nos quais a turma precisa ficar parada quando a música silencia, trocar de movimento quando o professor troca o instrumento ou repetir pequenos padrões rítmicos na ordem correta, a criança treina a habilidade de inibir respostas automáticas, adaptar-se a mudanças e coordenar várias informações ao mesmo tempo. Estudos com crianças em idade pré-escolar indicam que programas estruturados de treino musical tendem a se associar a resultados mais elevados nessas habilidades quando comparados a rotinas sem esse tipo de experiência (Lu, 2025).
Outra linha de investigação mostra que o brincar livre com sons também pode apoiar o desenvolvimento cognitivo. Quando a sala oferece instrumentos simples, objetos que produzem barulhos variados e oportunidades para que as crianças inventem sons para personagens ou situações, o grupo é convidado a experimentar, testar hipóteses e organizar sequências próprias. Nessas situações, a criança decide como combinar sons, experimenta repetições e variações, compara o que funciona ou não funciona para expressar uma ideia e passa a controlar melhor sua própria ação durante o jogo musical, o que favorece tanto a autonomia quanto o refinamento de processos mentais ligados à criatividade e à solução de problemas (Kosokabe, 2025).
A música também pode ser usada para apoiar a autorregulação na rotina da educação infantil. Atividades que alternam momentos de grande energia rítmica com períodos de silêncio ou sons suaves ajudam a criança a perceber mudanças de estado no próprio corpo, como agitação, calma, cansaço ou disposição. Quando o professor utiliza canções específicas para organizar a entrada na sala, a arrumação dos materiais ou a transição para o descanso, oferece pistas sonoras que funcionam como marcadores de tempo, o que reduz conflitos, facilita a compreensão das combinações do grupo e abre caminho para maior foco nas experiências de aprendizagem propostas ao longo do dia (Bentley, 2023).
Esses resultados apontam que a música não deve ser tratada apenas como recurso para “animar” ou “acalmar” a turma, mas como linguagem que ajuda a estruturar o pensamento e a ação da criança pequena. Ao planejar atividades que envolvem escuta atenta, reprodução de padrões, criação de sequências e exploração de diferentes sons, o professor passa a dispor de mais uma ferramenta para observar como cada criança raciocina, se organiza em tarefas coletivas e responde a desafios graduais. Essa compreensão permite ajustar intervenções, oferecer apoio extra quando necessário e propor novas experiências musicais que dialoguem com o nível de desenvolvimento observado em cada grupo de 3 a 5 anos, fortalecendo o vínculo entre música e aprendizagem cognitiva na educação infantil (Jiang, 2025).
2.2 Música, linguagem e alfabetização emergente
A relação entre música e linguagem na educação infantil vem ganhando destaque porque ambas se organizam em torno de ritmo, entonação, pausas e padrões sonoros que a criança aprende a reconhecer desde muito cedo. Quando o professor trabalha cantigas, parlendas e jogos vocais com o grupo de 3 a 5 anos, não oferece apenas “momentos de diversão”: cria um ambiente em que a criança treina a escuta de sílabas, a percepção de rimas e a discriminação de sons parecidos, fundamentos que mais tarde vão apoiar o contato com a leitura e a escrita. Pino mostra que experiências musicais frequentes estão ligadas a melhor sensibilidade para os sons da fala e a avanços em compreensão oral na infância (Pino, 2023).
Nas atividades de sala, canções que repetem sequências de sílabas, exploram onomatopeias ou alternam trechos falados e cantados ajudam a criança a perceber que as palavras têm uma estrutura interna. Quando o grupo brinca de completar versos, trocar uma palavra por outra engraçada ou inventar finais diferentes para músicas conhecidas, amplia-se a atenção para detalhes da fala, como início e fim das palavras, sons que se repetem e variações de entonação. Zhao argumenta que o aumento do contato intencional com músicas na rotina de crianças pequenas favorece a aquisição de vocabulário e o domínio de padrões de frase, sobretudo quando a participação da criança é ativa e não se limita a escutar passivamente gravações (Zhao, 2024).
O ambiente familiar também exerce papel forte nesse processo. Quando responsáveis cantam para as crianças ao adormecer, criam canções para momentos de higiene ou utilizam músicas para marcar tarefas diárias, transformam situações comuns em oportunidades de interação verbal e emocional. Nas turmas de educação infantil, o professor pode aproveitar esse repertório, pedindo que o grupo traga músicas da família, adaptando letras para incluir o nome das crianças e construindo pequenas histórias cantadas. Liu mostra que crianças que vivem em lares onde a música está presente de forma constante tendem a apresentar melhor desempenho em vocabulário e interesse por materiais impressos, o que dialoga com metas de alfabetização emergente (Liu, 2024).
A alfabetização emergente envolve exatamente esse conjunto de experiências que antecede o ensino formal da leitura e da escrita, mas já coloca a criança em contato com livros, histórias, símbolos e usos sociais da língua. A música contribui quando se integra a práticas como rodas de leitura, exploração de capas de livros, dramatizações e produção de desenhos inspirados em letras de canções. Em propostas em que a turma canta uma história e depois reconstrói a narrativa com imagens, por exemplo, o grupo precisa lembrar a sequência de eventos, identificar personagens e estabelecer relações entre o que foi ouvido e o que está sendo representado. Kostilainen observa que atividades que combinam música e leitura compartilhada se relacionam a melhores resultados em linguagem e habilidades pré-acadêmicas em crianças que passaram por situações de risco ao nascer (Kostilainen, 2024).
As contribuições da música para a linguagem também aparecem em pesquisas que envolvem crianças com deficiência auditiva usuárias de implante coclear. Em salas de educação infantil que acolhem esses alunos, jogos com batidas de tambor, palmas marcadas e alternância de sons fortes e suaves podem ajudar na percepção de ritmo e intensidade, o que facilita a distinção entre diferentes sons da fala. Ao associar padrões sonoros a gestos, imagens ou cores, o professor cria múltiplas pistas para apoiar a compreensão. Zhu aponta que programas que incluem atividades musicais planejadas com esse público costumam estar ligados a ganhos em compreensão de fala e comunicação cotidiana (Zhu, 2025).
Na prática diária, a música pode ser articulada a atividades de consciência fonológica por meio de jogos simples. O professor pode propor que as crianças batam palmas para cada sílaba do próprio nome, substituam uma sílaba por outra em uma cantiga ou descubram quais palavras “combinam” com um som final específico. Quando isso se dá dentro de uma melodia, a tarefa se torna mais envolvente e menos ansiosa para o grupo, que participa com corpo e voz. De Hoyos discute que trajetórias em que a criança é exposta a brincadeiras musicais desde a educação infantil tendem a se associar a melhor desempenho posterior em tarefas ligadas à organização sintática e à fluência verbal (De Hoyos, 2025).
É importante que o professor diversifique os materiais usados nessas propostas, incluindo músicas de diferentes regiões, idiomas e estilos, ampliando o repertório cultural das crianças e abrindo espaço para que quem fala mais de uma língua em casa se reconheça nas atividades. Ao traduzir pequenas expressões, explicar palavras desconhecidas presentes nas letras ou criar novas versões com o grupo, o docente favorece a ampliação de vocabulário e o entendimento de que a língua é viva, histórica e varia conforme o contexto. Pino reforça que essa articulação entre música e discussão sobre palavras e sentidos contribui para que as crianças desenvolvam postura curiosa em relação à linguagem desde muito cedo (Pino, 2023).
A organização da rotina musical precisa estar conectada a objetivos claros de linguagem e alfabetização emergente. Não se trata apenas de encaixar uma “aula de música” isolada, e sim de espalhar experiências sonoras ao longo do dia, ligadas a momentos de acolhida, transição, leitura, brincadeira simbólica e encerramento. O professor pode registrar em diário de bordo como cada criança participa de jogos musicais que envolvem fala, observar quem já consegue completar versos, criar rimas ou propor mudanças nas letras, e usar essas informações para planejar novos desafios. Jiang lembra que intervenções estruturadas com música em contextos de infância têm mostrado efeitos em vários domínios do desenvolvimento, inclusive na comunicação, o que reforça a importância de planejar essa linguagem como parte da base para futuras aprendizagens de leitura e escrita (Jiang, 2025).
2.3 Dimensão socioemocional, autorregulação e inclusão
A dimensão socioemocional na educação infantil envolve a forma como as crianças aprendem a reconhecer e expressar sentimentos, relacionar-se com colegas e adultos e lidar com frustrações do dia a dia. A música entra nesse campo como linguagem que toca corpo e afetos ao mesmo tempo, pois envolve voz, movimento, contato visual e troca de olhares e sorrisos. Em uma roda de canções, as crianças se percebem pertencendo a um grupo, partilham preferencias musicais, repetem refrões em coro e experimentam a sensação de ser ouvidas quando o grupo canta seu nome ou sua ideia, o que fortalece vínculos e a percepção de que fazem parte de uma comunidade (Visee, 2025).
Nas rotinas de educação infantil, canções associadas a momentos de chegada, organização da sala, higiene ou despedida funcionam como marcadores que sinalizam mudanças de atividade. Quando o professor usa sempre a mesma música para transitar de uma situação para outra, a criança aprende a antecipar o que virá, o que reduz inseguranças, medos e reações de oposição ligadas à surpresa. Em vez de ordens abruptas, a turma recebe um convite musical que ajuda a reorganizar o corpo e a atenção, gerando sensação de previsibilidade e acolhimento nas passagens entre brincadeiras, lanche, descanso e outras propostas do cotidiano (Jiang, 2025).
A música também serve como canal de expressão emocional. Em muitas situações, a criança pequena tem dificuldade para nomear o que sente, mas consegue mostrar tristeza, raiva ou alegria por meio do tom de voz, da escolha de uma canção ou da maneira como canta junto com o grupo. Quando o professor abre espaço para que o grupo escolha músicas “para quando está feliz” ou “para quando sente saudade”, estimula que meninos e meninas criem associações entre melodias e estados emocionais, o que contribui para que pouco a pouco consigam reconhecer e comunicar seus sentimentos de forma mais clara e menos agressiva nas interações (Zhao, 2024).
No campo da autorregulação, propostas musicais que alternam ritmos acelerados e lentos, sons fortes e suaves, momentos de silêncio e explosões de som ensinam a criança a perceber mudanças internas. Ao correr e dançar em músicas animadas e, em seguida, deitar e respirar ao som de melodias calmas, o grupo experimenta a passagem da excitação à tranquilidade dentro de um ambiente seguro. Quando essa experiência se repete com frequência, a criança começa a identificar o que a ajuda a se acalmar, a se reenergizar ou a focar de novo, desenvolvendo recursos internos para lidar com frustrações, conflitos com colegas e tarefas que exigem mais concentração na rotina escolar (Bentley, 2023).
Na perspectiva da inclusão, estudos com crianças no espectro autista mostram que as atividades musicais podem abrir portas para interações que dificilmente aconteceriam apenas por meio da fala. Jogos de imitação de sons, canções com gestos combinados, uso de instrumentos em turnos alternados e pequenas “conversas musicais” em que o professor toca um padrão e a criança responde com outro criam possibilidades de contato em que o olhar, o sorriso e o movimento valem tanto quanto as palavras. Esses arranjos facilitam a entrada de crianças com menor repertório verbal em brincadeiras compartilhadas e fortalecem laços com colegas e adultos da turma (He, 2024).
Experiências de musicoterapia e de atividades musicais educativas também têm sido descritas com crianças que apresentam desenvolvimento atípico em outras áreas, como linguagem, coordenação motora ou atenção. Em sessões estruturadas, o uso de canções repetidas, instrumentos simples e movimentos coordenados em grupo é planejado para trabalhar habilidades como esperar a vez, ouvir o colega, seguir instruções em sequência e tolerar pequenas frustrações quando o jogo não sai exatamente como o esperado. Estudos mostram avanços em indicadores de participação social e comunicação quando a música é utilizada de forma organizada e contínua nesses contextos (Zhou, 2025).
Mesmo quando não há diagnóstico formal, a música contribui para que a turma aprenda a conviver com diferenças. Em atividades em que cada criança apresenta uma música de que gosta, danças de famílias ou festas da comunidade, o grupo entra em contato com repertórios variados, aprende a respeitar preferências distintas e descobre pontos em comum entre experiências culturais. O professor pode explorar essas situações perguntando o que cada um sentiu ao ouvir determinada canção, incentivando que as crianças comentem como o corpo reagiu e que memórias uma melodia despertou, o que favorece empatia e reconhecimento do outro como sujeito com história própria (Jiang, 2025).
A observação das crianças em atividades musicais também se torna ferramenta para o professor compreender como está o desenvolvimento socioemocional da turma. Em uma roda de música é possível notar quem se lança com entusiasmo, quem prefere observar de longe, quem evita contato físico ou se irrita com barulhos mais intensos. Esses sinais ajudam a identificar quem precisa de apoio extra, adaptações sensoriais, intervenções mais cuidadosas ou oportunidades diferenciadas de participação. Ao registrar essas percepções em diário de bordo e retomar as cenas em reuniões de planejamento, a equipe pedagógica consegue ajustar a forma de conduzir propostas musicais para acolher melhor cada criança (Visee, 2025).
Quando a música passa a integrar o currículo da educação infantil como linguagem prioritária, e não apenas como fundo sonoro, a escola reforça o compromisso com uma formação que valoriza emoções, vínculos e inclusão. Projetos que envolvem criação de canções com o grupo, construção de instrumentos com materiais simples, apresentações em pequenos grupos para outras turmas e participação de famílias em momentos musicais abrem caminhos para que a criança se veja como autora, capaz de contribuir com algo próprio para o coletivo. Nesse quadro, a música deixa de ser apenas entretenimento e se torna elemento central na construção de relações mais respeitosas, cooperativas e empáticas na infância (He, 2024).
2.4 Organização da rotina pedagógica com foco na música
Organizar a rotina pedagógica com foco na música implica tratar essa linguagem como parte estruturante do trabalho na educação infantil, e não como “extra” eventual. Para crianças de 3 a 5 anos, isso significa pensar o dia a dia como uma sequência de momentos em que o canto, o ritmo, a escuta e o movimento aparecem de maneira planejada, com objetivos claros de aprendizagem e desenvolvimento. A intencionalidade começa na elaboração do calendário semanal, quando o professor define quais experiências musicais serão retomadas, aprofundadas ou renovadas, em diálogo com as demais áreas do currículo, com as culturas infantis e com o contexto das famílias atendidas pela instituição (Cuervo, 2022).
Na prática, a música pode estar presente já na acolhida, quando as crianças chegam à escola. Uma canção de boas-vindas repetida diariamente ajuda a turma a se reconhecer, ouvir o próprio nome, observar quem está presente e quem faltou, criando um clima de proximidade. Ao longo da manhã, outras músicas podem marcar transições, como guardar materiais, ir ao banheiro, organizar a fila ou retornar para a sala. Essa organização sonora funciona como espécie de “relógio musical” que orienta o grupo, diminui a necessidade de comandos verbais constantes e contribui para que as crianças antecipem o que vai acontecer, aumentando segurança e engajamento nas propostas (Jiang, 2025).
O planejamento da rotina também pode contemplar momentos específicos de exploração musical mais prolongada, como rodas de canto, jogos de ritmo, danças coletivas e escuta de diferentes gêneros. Nessas situações, o professor define se o foco será trabalhar controle de movimentos, ampliar repertório de canções, explorar sons do ambiente ou brincar com rimas e aliterações. A escolha do repertório precisa dialogar com a faixa etária: canções curtas, com repetições, gestos simples e vocabulário próximo à experiência das crianças favorecem a participação ativa de todo o grupo, inclusive daqueles que ainda falam pouco ou que estão em processo de adaptação à escola (Degé, 2021).
Projetos de duração maior, como “músicas do mundo”, “sons da natureza” ou “histórias que viram canção”, também podem organizar a rotina por várias semanas. Em propostas desse tipo, o professor articula diferentes momentos do dia em torno de um fio condutor musical: na roda, apresenta uma nova música; no pátio, convida a turma a ouvir sons do entorno; na sala, constrói instrumentos com sucata; no momento de história, canta narrativas ligadas ao tema do projeto. Com isso, as crianças retomam ideias em contextos variados, reforçando aprendizagens cognitivas, linguísticas e socioemocionais relacionadas ao trabalho com música e linguagem (De Hoyos, 2025).
A organização dos espaços físicos contribui bastante para que a rotina musical aconteça de forma fluida. Um “cantinho de música”, com instrumentos de percussão simples, objetos que produzem sons variados e materiais para construção sonora, permite que as crianças explorem livremente durante momentos de brincadeira. Já para propostas mais dirigidas, o professor pode organizar a sala em roda, de forma que todos se vejam e escutem uns aos outros, ou em fileiras, quando o objetivo for acompanhar deslocamentos no espaço. A circulação entre esses arranjos ajuda a turma a compreender que diferentes formas de sentar, levantar e se mover correspondem a diferentes tipos de atividade musical (Visee, 2025).
Outro eixo importante da rotina diz respeito ao diálogo com as famílias. O professor pode pedir que os responsáveis enviem músicas que fazem parte do cotidiano da criança, como canções de ninar, cantos religiosos ou músicas de festas de família. Essas sugestões podem entrar no repertório da sala, seja em momentos de escuta, seja em rodas de canto, o que valoriza a cultura de origem de cada criança e reforça a sensação de pertencimento. Ao mesmo tempo, a escola compartilha com as famílias canções trabalhadas no dia a dia, para que possam ser retomadas em casa, fortalecendo a parceria entre educação infantil e ambiente doméstico na construção de experiências sonoras ricas (Liu, 2024).
A rotina musical também oferece ocasião para observação sistemática do desenvolvimento infantil. Em atividades que envolvem canto, ritmo e movimento, o professor percebe quem acompanha o grupo com facilidade, quem precisa de mais tempo, quem demonstra desconforto com barulhos fortes ou proximidade física, quem gosta de propor variações nas canções. Registrar essas percepções, por meio de anotações, fotos ou pequenos vídeos, permite acompanhar mudanças ao longo do tempo e planejar intervenções adequadas às necessidades do grupo e de cada criança, inclusive no campo cognitivo e social (Visee, 2025).
As tecnologias digitais podem entrar na rotina musical de forma crítica e criativa. Em vez de apenas reproduzir playlists longas em alto volume, o professor pode selecionar trechos curtos de músicas de diferentes países, apresentar instrumentos de outras culturas em vídeos curtos ou utilizar aplicativos simples para gravar a voz das crianças e reproduzir composições inventadas pelo grupo. Tais recursos precisam ser usados com parcimônia, de modo a não substituir o canto ao vivo, o contato olho no olho e o movimento conjunto, mas sim ampliar o repertório e criar novas possibilidades de registro e escuta das produções musicais da turma (Cuervo, 2022).
Na perspectiva da inclusão, organizar a rotina com foco na música implica pensar adaptações que permitam a participação de todas as crianças. Para aquelas com sensibilidade auditiva, o professor pode combinar momentos de som mais suave, oferecer abafadores ou permitir que escolham ficar um pouco mais afastadas em determinadas propostas. Crianças com deficiências físicas podem participar de jogos que priorizem gestos de mãos, olhares e expressões faciais, em vez de grandes deslocamentos. Crianças no espectro autista podem se beneficiar de sequências musicais previsíveis, com canções que se repetem e sinais claros de início e término de cada atividade (He, 2024).
A formação dos professores aparece como elemento decisivo para uma rotina musical consistente. Muitos educadores relatam insegurança para cantar em público, tocar instrumentos ou improvisar com as crianças, especialmente quando não tiveram experiências positivas com música em sua própria escolarização. A escola pode organizar oficinas internas, convidar educadores musicais para compartilhar jogos e canções, promover rodas de canto entre os adultos e criar momentos em que a equipe experimente ser aprendiz de música, vivenciando na pele os desafios e prazeres que as crianças sentem nas atividades propostas em sala (Degé, 2021).
Outro ponto é a articulação entre professores, coordenação pedagógica e equipe gestora na definição de diretrizes para o trabalho musical. Quando o projeto político-pedagógico da instituição reconhece explicitamente a música como linguagem central na educação infantil, fica mais fácil garantir tempo na rotina, recursos mínimos para compra ou confeção de instrumentos, organização de espaços e inclusão de objetivos ligados à experiência musical nos planejamentos e registros. Essa decisão institucional evita que a música dependa apenas da boa vontade de um ou outro professor e favorece continuidade entre turmas e anos, oferecendo às crianças trajetórias musicais mais estáveis (Pino, 2023).
Tornar a música eixo da rotina requer ainda sensibilidade para lidar com desafios concretos, como barulho, salas cheias e falta de materiais. Em vez de abandonar o trabalho por causa dessas dificuldades, o professor pode ajustar intensidade, duração e frequência das propostas, negociar com outras turmas o uso de espaços mais amplos para atividades que envolvam movimentos maiores e buscar materiais alternativos de baixo custo para construção de instrumentos, como latas, garrafas, sementes e pedaços de madeira. A literatura mostra que, mesmo em contextos com poucos recursos, é possível criar experiências musicais potentes quando há clareza de objetivos e compromisso em inserir a música no cotidiano das crianças pequenas (Lu, 2025).
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo reforça que a música, quando incorporada com intencionalidade ao trabalho da educação infantil, deixa de ser apenas “fundo sonoro” para se tornar linguagem que atravessa o modo como as crianças pensam, sentem e se relacionam. Na faixa etária de 3 a 5 anos, experiências com cantigas, jogos rítmicos, exploração de instrumentos simples e escuta atenta dialogam com o desenvolvimento cognitivo, com a linguagem oral, com a alfabetização emergente e com a construção de vínculos. A pesquisa bibliográfica mostrou que esse conjunto de experiências ajuda a organizar atenção, memória, autorregulação e participação nas atividades da sala, contribuindo para uma vivência de aprendizagem mais rica e coerente com as necessidades da infância.
Os estudos analisados também apontam que a música pode apoiar práticas mais inclusivas, ao favorecer a participação de crianças com diferentes ritmos de desenvolvimento, histórias de vida e condições de saúde. Jogos sonoros, canções com gestos combinados e sequências rítmicas em grupo criam oportunidades de envolvimento mesmo para quem ainda fala pouco, quem apresenta dificuldades de interação ou quem precisa de apoio diferenciado. Esse movimento exige que a rotina pedagógica seja reorganizada, com previsão de momentos específicos de trabalho musical, definição de objetivos claros, cuidado com a escolha de repertórios, diálogo com as famílias e observação contínua das respostas das crianças, de modo que a música faça parte do planejamento, dos registros e das decisões coletivas da escola.
Como estudo de base bibliográfica, o trabalho não acompanhou diretamente turmas de educação infantil nem avaliou resultados de intervenções em campo, o que abre espaço para futuras investigações de natureza empírica, com observações, relatos de professores, famílias e crianças. Ainda assim, a pesquisa produzida oferece pistas importantes para que educadores, coordenadores e gestores repensem a presença da música na educação infantil, articulando formação docente, organização dos tempos e espaços, parceria com as famílias e projetos pedagógicos que deem lugar à voz, ao corpo e à expressividade das crianças pequenas. Tratar a música como eixo do trabalho, e não como enfeite ocasional, contribui para que as instituições ofereçam experiências mais criativas, acolhedoras e desafiadoras, nas quais aprender e brincar estejam profundamente entrelaçados.
REFERÊNCIAS
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1Mestrado em Educação pela Universidad, Tecnológica Intercontinental (UTIC)
