“White Collar Crimes”, Application of the Non-Prosecution Agreement in Crimes against the macroeconomic order and the law selectivity
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10903213
Felipe Segura Guimarães Rocha1
RESUMO
O Acordo de Não Persecução Penal, instituto correlato à justiça consensual penal, e gestado para que fosse aplicado em relevante parcela das contendas criminais acabou, por consequência, a gerar reflexos significativos no âmbito da aplicação da lei penal. Pretende-se, por meio deste estudo, analisar os efeitos da instituição de mecanismos consensuais de solução de conflitos e seus impactos no enfrentamento à corrupção e à macrocriminalidade econômica, à luz da seletividade penal: pretende-se ainda avaliar a hipótese de a justiça penal negociada representar ou não efetiva alternativa ao paradigma punitivista inerente ao sistema de justiça penal e se esta barganha possui maior aptidão para reduzir a impunidade e aumentar as cotas de prevenção de ilícitos contra a Administração Pública e a ordem econômica
Palavras-chave: White Collar Crimes; Acordo de Não Persecução Penal; Macrocriminalidade Econômica;
ABSTRACT
Summary: The Criminal Non-Prosecution Agreement, an institute related to consensual criminal justice, and designed to be applied in a relevant portion of criminal disputes, ended up, consequently, generating significant consequences in the scope of the application of criminal law. The aim, through this study, is to analyze the effects of the institution of consensual conflict resolution mechanisms and their impacts on combating corruption and economic macrocrime, in the light of criminal selectivity: it is also intended to evaluate the hypothesis that criminal justice whether or not the negotiated agreement represents an effective alternative to the punitive paradigm inherent to the criminal justice system and whether this bargain has greater aptitude for reducing impunity and increasing the levels of prevention of crimes against the Public Administration and the economic orde.
Keywords: Non-Criminal Prosecution Agreement; Economic Macrocrime
INTRODUÇÃO
De uma análise acurada da trajetória da sociedade brasileira, observa-se ainda uma certa dificuldade na elaboração e implementação de políticas públicas aptas a cumprirem os preceitos constitucionais instituídos. Na esfera criminal, tal dificuldade se evidencia na morosidade existente durante o procedimento para a elucidação dos delitos, desde os dotados de grande complexidade, até os de mais ínfima projeção Observando-se tal fenômeno, uma das alternativas que se apresentou para tornar todo o conjunto mais eficiente, está alicerçada na implementação de um sistema que privilegie acordos entre o órgão estatal acusador e o investigado, notadamente, dentro de uma lógica que obedeça critérios equânimes e preestabelecidos.
O acordo de não persecução penal emerge então, como instrumento para realização de posturas pragmáticas, também servindo como óbice ao encarceramento indiscriminado. Esta aderência contribuiria, ainda que por meio de uma análise prognóstica, ao combate à seletividade historicamente propagado pelo sistema penal pátrio.
Em sendo o objetivo principal, analisar até que ponto tal avanço processual contribuiu para a expansão da seletividade penal e de que forma tais influências se manifestam, foi fundamental a busca de posicionamentos acerca do tema para confirmação ou refutação desta tese.
ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
O Acordo de Não Persecução Penal é uma alternativa criada em detrimento do processo penal tradicional que, se apresentou como sendo uma alternativa para resolução mais célere e eficiente de contendas criminais, sobretudo quando a responsabilidade do acusado é inquestionável. O instituto fora inicialmente previsto por meio da Resolução n° 181, de agosto de 2017, editada pelo Conselho Nacional do Ministério Público atualmente incorporado à legislação processual penal, através da lei n° 13.964/19
O cerne das propostas consistiria em ofertar à parte, a faculdade em aceitar uma medida alternativa, em contrapartida ao compromisso de não se ver processado criminalmente2. O investigado deste modo, evitaria o desgaste de um julgamento prolongado, estigmatizante e prejudicial aos seus interesses privados para, em troca, assumir a responsabilidade integral pelos atos criminosos que praticou, cumprindo medidas alternativas à aplicação das penas, que poderiam incluir, como exemplo, prestação de serviços à comunidade, reparação dos danos causados ou mesmo, acompanhamento psicossocial.
Tal instituto, também reconhecido como “diversão com intervenção”, trouxe à baila um mecanismo de solução do conflito penal diversa da tradicionalmente adotada:
[…] a diversão (diversion) caracteriza-se por ser mais uma forma de resolução dos conflitos processuais penais em que há a retirada de acusações ou a descontinuidade delas com a presença de advertências ou imposição de condições a serem cumpridas pelo acusado. Em geral, é aplicada em crimes de menor gravidade e, caso cumpridas as condições, resultará na conclusão do processo, sem qualquer condenação. Especialmente nos ordenamentos influenciados pelo sistema continental europeu, necessária é a observância de regras e condições estabelecidas em lei” 3.
Para além disso, tratou-se como um dos objetivos desta ferramenta, que a vítima tivesse voz na negociação das condições do acordo e que suas necessidades fossem consideradas na definição de seus termos, de forma a refletir os preceitos da justiça restaurativa: busca, em última instância, a resolução pacífica dos conflitos e a reconciliação entre as partes envolvidas.
A previsão de acordos penais, representa uma ruptura ao ideário punitivista, na medida em que substitui um sistema calcado na repressão, orientado por uma visão racionalista de prevenção. Evidencia-se, desta forma, a necessidade de implementação de mecanismos visando a solução célere e efetiva das contendas, orientadas pela economicidade e pelo consenso, possibilitando ainda, o fortalecimento das medidas de ressocialização: esta não poderiam ser obtidas, ao menos de modo tão eficiente, através das técnicas utilizadas no processo penal tradicional4.
O benefício se mostra cabível, inclusive, na maior parte dos delitos previstos na legislação vigente:
“Se fizermos um estudo dos tipos penais previstos no sistema brasileiro e o impacto desses instrumentos negociais, não seria surpresa alguma se o índice superasse a casa dos 70% dos tipos penais passíveis de negociação, de acordo” 5.
No âmbito empresarial, dada a particularidade e complexidade que envolvem os delitos correlacionados, reclama-se a instrumentalização específica do instituto para a melhor condução das investigações. A maioria dos crimes cometidos neste contexto macroeconômico por dirigentes ou funcionários das corporações empresariais, comportam a aplicação do Acordo de Não Persecução Penal, dado que atendem, em sua grande maioria, aos requisitos basilares previstos em lei para tanto, como a primariedade e o quantum de pena.
Exsurge assim, a barganha como opção viável à morosa e talvez ineficaz persecução criminal que se descortinaria com a consequente (e quase sempre a via eleita) deflagração da ação penal em face de infratores penais econômicos.
Contudo, a aplicação deste benefício em crimes de corrupção é tema de debate e controvérsia; alguns doutrinadores apontam que tais delitos demandariam uma resposta mais rigorosa e efetividade. Por outra banda, há quem enxergue a alternativa como uma forma de acelerar o trâmite da apuração de tais desvios perante o sistema de justiça criminal, possibilitando o remanejamento de esforços para casos mais complexos.
Todavia, as circunstâncias diretamente relacionadas à tal possibilidade serão melhor exploradas, a partir de uma crítica que aqui se formula, inicialmente a partir do conceito de seletividade do sistema penal.
A SELETIVIDADE PENAL NO BRASIL E OS REFLEXOS DO INSTITUTO DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL.
A seletividade dentro do sistema de justiça criminal se mostra presente na realidade jurídica pátria, tanto na fase de produção fase legislativa, quanto na aplicação da lei ao caso concreto, dentre elas, em sua etapa judicial – há um evidente direcionamento para qual parcela da população, estes regramentos restritivos serão direcionados – trata-se de mecanismo sociocultural gestado através do interrupto processo de socialização humana.
Há uma tendência, evidente, de o sistema penal em selecionar determinados grupos sociais para o processo de criminalização e punição. A seletividade do direito penal é resultado de uma construção sociocultural bastante diversificada, com influência da cultura, da mídia (populismo penal) e da imposição de valore sociais nos discursos de poder, que estão, a todo tempo, legitimando um processo de eleição – ainda que inconsciente – de condutas criminosas e do perfil do criminoso6.
Atribui-se ao direito penal a função coercitiva dentro da esfera da aplicação do ordenamento jurídico ao caso concreto sujeitando a sociedade, de modo indistinto e de maneira isonômica, ao seu cumprimento. No entanto, tal discurso utópico não encontraria eco na hipóteses a que as classes sociais menos abastadas estão expostas; por outro lado, as associações geradas por certos conglomerados econômicos, se destacam de acordo com sua maior ou menor proximidade ao poder, apto a demonstrar que o sistema penal seleciona, de maneira randômica e arbitrária, pessoas dos setores sociais mais fragilizados, as criminalizando7.
A Seletividade do Direito Penal é resultado de uma construção sociocultural bastante diversificada, com influência da cultura, da mídia (populismo penal) e da imposição de valores sociais nos discursos de poder, que estão, a todo tempo, legitimando um processo de eleição – ainda que inconsciente – de condutas criminosas e do perfil do criminoso(FERNANDES, 2017).
O acordo de não persecução penal, embora se revele como legítima ferramenta para contenção do direito penal em seu viés repressivo, parece, em uma primeira análise, somar forças com o viés seletivo das condutas incriminadoras – aqueles não eleitos pelo sistema penal como sendo seu objeto de incidência preferencial seriam beneficiados e incentivados à continuidade da prática de suas condutas desviantes. Doleiros, políticos, grandes empresários e lobbystas seriam, como de fato o são, os destinatários da maioria das benesses conferidas por lei, em detrimento das classes sociais marginalizadas, invisíveis que o são às politicas públicas de Estado, que acabam atingidos de forma muito menos intensa pelas alternativas trazidas pelo acordo de não persecução penal.
Há um evidente processo de segregação em andamento, quando se se analisa os requisitos de oferta do acordo: a privação de liberdade ficaria reservada primordialmente aos grupos mais vulneráveis da sociedade. Por outro lado, a imensa maioria da população carcerária, composta de pessoas que praticaram delitos patrimoniais por meio do emprego de violência ou grave ameaça ou relacionados ao tráfico de entorpecentes, estariam excluídos, a priori, do rol apto ao oferecimento do acordo, ao passo que pode ser ofertado em casos envolvendo corrupção e de lesões a bens jurídicos difusos e coletivos envolvendo valores exorbitantes – ou seja, a depender da posição que agente ocupa, ou de seu status social, restará definida qual medida repressiva que lhe cabe.
Ademais, a forma como o acordo é aplicado também pode ser influenciada por fatores que estão associados à seletividade penal: (1) sua oferta depende de certa margem de discricionariedade de membros do Ministério Público a um outro investigado. A ampla margem de eleição pode levar a decisões que sejam influenciadas por preconceitos e estereótipos sociais, afetando grupos específicos de forma desigual; (2) A seleção de casos que são elegíveis para oferta do benefício pode ser influenciada pelo perfil do acusado, incluindo sua classe social, gênero e origem étnica. Essa seleção pode resultar em uma maior propensão a oferecer o acordo a determinados grupos sociais e negá-lo a outros; (3) A aplicação do acordo de não persecução penal pode variar de acordo com a natureza do delito. Em casos de crimes mais graves, a tendência pode ser de rejeitar o acordo, enquanto em crimes considerados de menor gravidade, ele é mais frequentemente aceito pelo investigado. Isso pode levar a desigualdades na forma como a justiça é aplicada às diferentes espécies de delitos; (4) A seletividade penal também pode estar relacionada ao acesso desigual à justiça: grupos socioeconômicos mais vulneráveis podem ter menos acesso à defesa técnica qualificada e recursos legais adequados para negociar um acordo de não persecução penal mais brando, tornando-os mais suscetíveis à perseguição penal tradicional.
O alargamento da esfera de influência do sistema criminal, criminalizando condutas potencialmente lesivas a interesses coletivos, sob a égide de um discurso de tutela bens jurídicos abstratos, não se mostrou suficiente, até então, para diminuição os riscos oriundos do estabelecimento das novas formas de interação social pós-Segunda Guerra Mundial: tal incongruência se revelou em razão de diversos fatores, dentre eles, as incompatibilidades ideológicas, bem como, a própria seletividade inerente ao sistema penal. A Justiça Criminal não está vocacionada a atingir determinados segmentos da sociedade; no entanto, se mostra muito eficiente e direcionada a atingir as a população mais suscetível aos efeitos estigmatizantes de uma condenação criminal.
O Direito Penal com sendo mecanismo de coerção, apto a coagir o cidadão ao cumprimento da lei, revela-se justo e ideal que a punição aplicada aos violadores do ordenamento estatal seja realizado de modo isonômico. Entretanto, esse discurso permeado de utopia, não se coaduna com a realidade vivenciada; os integrantes das camadas sociais se destacam conforme sua localização mais ou menos próxima aos centros de poder. O sistema penal seleciona, de maneira arbitrária e randômica, indivíduos integrantes das glebas sociais mais humildes e os criminaliza (ZAFFARONI, 2001).
Existem alternativas para que a implementação do benefício se afaste das críticas (muitas delas pertinentes é verdade) de modo a excluir da aplicação de pena privativa de liberdade não apenas os detentores de altos espaços no extrato social, mas também, para alcançar parcela da população marginalizada que acaba sendo eleita pelo sistema como destinatária.
A quem diga ainda que a barganha penal não tem se mostrado, ao menos em boa parte dos casos, como ferramenta indutora da seletividade penal: o acordo não se direcionaria apenas às camadas abastadas, dispersando-se sobre uma realidade multifacetada e plural, de modo a abranges investigados das mais variadas origens sociais. Devidamente orientados por defensor técnico (público ou privado), acabam optar pelo aceito ou recusa método alternativo de solução do conflito penal em que estão inseridos. Sua eleição não é compulsória; evita-se, desta maneira, o full criminal trial e seus efeitos colaterais estigmatizantes, bem como ônus aos cofres públicos, em razão dos custos da demanda e de eventual fiscalização do cumprimento de pena privativa de liberdade. (CABRAL, 2019)
Portanto, e de forma a compatibilizar todas essas interpretações, se faz necessário, a formulação de critérios objetivos e de transparência: a análise da gravidade do crime, do histórico criminal do investigado, a colaboração com a investigação, a título de exemplos. A análise acerca de sua pertinência deve-se pautar nas circunstâncias do caso concreto e não em características pessoais do investigado, como raça, gênero, orientação sexual ou classe social. Deve-se garantir uma defesa adequada e informação sobre o acordo, de modo a evitar prejuízos do investigado por falta de conhecimento sobre seus direitos. Deve ainda ser estabelecido um órgão de revisão independente para garantir que as tomadas de decisão entre oferecer ou recusar o acordo sejam justas e imparciais, evitando assim o arbítrio, travestido de discricionariedade do órgão responsável. Que também seja promovido o acesso igualitário à justiça, garantindo que as partes envolvidas tenham as mesmas oportunidades de participação no processo e entender os termos do acordo, mantendo-se a transparência institucional sobre como os acordos são oferecidos, negociados e aceitos, de forma que confiança na justiça e no sistema penal seja mantida.
É essencial que os atores envolvidos no sistema de justiça estejam atentos aos reflexos seletivos das barganhas e adotem instrumentos para garantir que estes sejam aplicados de forma equânime e justa, evitando-se o alargamento das desigualdades decorrentes da seletividade penal – a implementação de práticas a serem instituídas através de programas de treinamento que tenham por objetivo de evitar preconceitos velados, verificação de critérios de escolha e lisura das condutas previstas nos acordos, pode se mostrar como sendo uma boa alternativa.
Tais constatações nos conduzem à posterior análise da aplicação destes benefícios também à classe social mais abastada. De forma a garantir sua equânime aplicação, deve-se analisar o surgimento do combate aos crimes econômicos e financeiros, elencando-se meios e alternativas de aplicação destes que possam minorar as consequências aspecto seletivo da persecução penal no Brasil, equilibrando-se discricionariedade e da seletividade do sistema penal, o qual deve se debruçar na resolução dos delitos cometidos pelos menos vulneráveis socialmente.
WHITE COLLAR CRIMES – ASSOCIAÇÃO DIFERENCIAL DE ERWIN SUTHERLAND E FORMAS ALTERNATIVAS DE ENFRENTAMENTO
Edwin H. Sutherland (não Erwin Sutherland) foi um criminologista norte-americano que viveu de 1883 a 1950. Ele é conhecido por desenvolver a teoria da “Associação Diferencial” e cunhou o termo “crimes do colarinho branco” na década de 30 do século XX, como resultado de dezenove anos de pesquisa sobre práticas criminosas no âmbito empresarial8.. Considera-se oficialmente gestada a teoria, às 20h00min do dia 05 de dezembro de 1939 na Sociedade Americana de Sociologia, onde Sutherland pronunciou sua conferência – é considerada, desta forma, a certidão de nascimento do Direito Penal Econômico9.
A partir de uma abordagem sociológica, pode se conceituar tais delitos como sendo os cometidos por pessoas de alta posição social, geralmente no contexto empresarial, político ou financeiro, que se utilizam de sua posição e influência para obter vantagens ilícitas ou prejudicar terceiros.
“Cabe alertar o leitor de que o conceito de “crime de colarinho branco” proposto pelo autor não está exclusivamente relacionado a crimes econômicos. A definição por ele apresentada é composta por dois elementos cumulativos: a condição pessoal do agente (deve ser “pessoa de respeitabilidade e alto status social”) e o caráter do ato criminoso (deve ser praticado “no curso de sua atividade”)10.
A teoria da Associação Diferencial de Sutherland, teoriza que o crime é aprendido através de interações sociais, especialmente dentro de grupos ou subculturas que têm normas favoráveis à prática criminosa. O comportamento criminoso não seira inato, mas sim aprendido por meio de processos de comunicação, observação e imitação de círculo social, processos de comunicação aos quais está exposto e de outros coletivos envolvidos em atividades criminosas.11
[…] a. forte poder econômico e social dos autores; b. cumplicidade das autoridades; c. privacidade que caracteriza a vida e atividade dos autores; d. complexidade das leis especiais que, às vezes procuram regular estes fatos, as quais pode ser manipuladas por hábeis advogados e contabilistas; e. prática através de empresas, tornando difusa a responsabilidade penal e dificultando a aplicação das diferentes leis nacionais, quando se trata de multinacionais; f. tendência a acreditar que as empresas maiores e mais importante são mais honestas do que as pequenas, reforçada por técnicas publicitárias para conservar a aceitação do público e manter sua boa imagem (CASTRO, 1983, p. 55-56).
As investigações conduzidas pelo estadunidense levaram à superação do conceito tradicional que envolvia a definição para o comportamento criminoso; passou-se a observar com maior seriedade para o fato de que a criminalidade esta entranhada nas mais diversas castas sociais, no entanto, é seletivamente partilhada por meio dos mecanismos atrelados à justiça criminal. Ou seja, por meio da Teoria da Associação Diferencial, chegou-se à conclusão de que o delito não está, obrigatoriamente, atrelado à prática de condutas desviantes, nem mesmo de manifestação de patologias sociais ou pessoais (inferioridade intelectual, deficiência biológica ou mesmo instabilidade emocional)12.
Os mecanismos que orbitam esta prática delituosa costumam, envolver fraudes, corrupção, lavagem de dinheiro, evasão fiscal e manipulação de mercado. Devido à complexidade e recursos envolvidos neste mecanismo criminoso, a investigação e o julgamento destas práticas muitas vezes se arrastam por longos períodos e consomem significativos recursos do Estado.
Por meio do sítio Departamento Federal de Investigação dos Estados Unidos (FBI) pode se extrair o conceito de tal nomenclatura de delitos:
[…] sinônimo de toda a gama de fraudes cometidas por profissionais de negócios e governo. Esses crimes são caracterizados por engano, dissimulação ou violação de confiança e não dependem da aplicação ou ameaça de força física ou violência. A motivação por trás desses crimes é financeira – para obter ou evitar a perda de dinheiro, propriedade ou serviços ou para garantir uma vantagem pessoal ou comercial (EUA, 2020, s.p.)13.
Sob este viés, o comportamento criminoso não seria determinado por fatores genéticos, tampouco produzido por desvios de caráter ou de condição social, pelo revés, gestado através da aprendizagem de processos comunicativos, aliando-se às técnicas de prática delituosa à racionalização do comportamento delinquente.
A criminalidade do colarinho branco, orienta o infrator que, de modo voluntário e organizado, e após detida análise de riscos e benefícios envolvidos na atividade ilícita, opta por delinquir. A forma sofisticada como se organizam os grupos criminosos voltados à prática de desvios comportamentais orientados contra a ordem econômica e financeira bem como de seu caráter difuso, dificulta sua investigação, bem como a individualização das condutas. Surge então o acordo de não persecução penal, como um novo instrumento na implementação de políticas criminais voltadas à contenção de delinquentes do alto escalão financeiramente organizado e, em casos que, angariadas provas suficientes para caracterização da materialidade bem como de indícios de autoria ou participação dos investigados.
Em crimes financeiros, muitas vezes é difícil comprovar, de forma inconteste, a autoria e materialidade, especialmente quando estes envolvem esquemas sofisticados de ocultação de provas. Isso pode tornar complexa a negociação de acordos, em sendo necessário necessária a obtenção de provas sólidas para embasar as negociações.
Tal instrumentalização descortina novas ferramentas que sejam capazes de promover uma tutela efetiva dos interesses difusos e coletivos, a produzir efeitos preventivos, de caráter geral e especial: restringir-se-ia o uso de penas privativas de liberdade aos delitos econômicos mais complexos e com grave repercussão social, nos quais fosse possível a atribuição pessoal de responsabilidade criminal, bem como uma maior exatidão no processo de individualização das condutas de cada um dos entes envolvidos.
Erwin Sutherland, salienta que a Justiça Criminal deve incentivas práticas de justiça restaurativa, de moda a priorizar a reparação o dano causado à vítima ou à sociedade e reinserção do indivíduo ao meio social. Nesse viés, o acordo de não persecução penal pode ser o instrumento ideal para operacionalizar este objetivo, possibilitando a célere resolução de conflitos em que reste incontroversa a materialidade, bem como a autoria, de forma a prestigiar o princípio da celeridade, economizando recursos que poderão ser realocados para operações de maior complexidade, a demandar a análise mais aprofundada pelo órgãos atrelados ao Sistema de Justiça Criminal (SUTHERLAND , 2019)
Neste ponto, cumpre salientar que o enfrentamento à corrupção e à macrocriminalidade econômica pressupõe mecanismos criativos de fiscalização e sistemas efetivos de controle e sancionamento que sejam capazes de inibir os estímulos favoráveis ao crime, mediante incremento dos custos e riscos relacionados à atividade criminosa.
Revela-se indispensável que, os sistemas de justiça criminal do Estado voltem-se, prioritariamente, à eleição de medidas restritivas de direitos, prestações pecuniárias, bem como, outros consectários voltados à efetiva prevenção e repressão dos delitos. Tais condições podem ser impostas ao investigado mediante acordo celebrado com o órgão ministerial, a prescindir de processos judiciais de questionável resolutividade
À vista do ineficiente modelo tradicional de contenção social, a implementação de mecanismos consensuais de solução de conflitos descortina-se como sendo uma alternativa promissora, a possibilitar a melhor racionalização das atividades de persecução penal e jurisdicionais. Apresenta-se também, como sendo uma maneria de solução célere e criativa, adaptando-se cada condição imposta ao investigado ao caso concreto e suas particularidades: traduz-se em legítima alternativa em busca da repressão e prevenção.
O combate à macrocriminalidade econômica não podem, tampouco deve, se resumir a fórmulas processuais enlatadas que busquem a qualquer custo a imposição de penas corporais; além das dificuldades de natureza ideológica e ontológica, este modelo não tem se mostrou capaz de fornecer soluções efetivas em tempo razoável, tampouco prevenir a prática de novos delitos. Coibir a prática de crimes de natureza econômica, demanda a inserção de novas práticas orientadas por decisões de natural político-criminal, que exponham a falibilidade da aplicação exclusiva das penas de natureza corporal para o enfrentamento desta modalidade específica de delito, e exponham novas alternativas que, de fato, venham a prevenir a ocorrência de novos ilícitos e reprimir os já praticados.
O combate a este tipo específico de delito cometido no âmbito empresarial, denota uma maior complexidade em seu tratamento, dada a enorme possibilidade de os envolvidos serem detentores de considerável poder econômico, influência e autoridade inerentes ao exercício de cargos de alto escalação em um conglomerado econômico, ainda mais quando tais agentes estão a perpetrar delitos também vinculados à corrupção sistêmica dentro da administração pública.
A implementação de mecanismos consensuais acaba por ofertar novos arranjos e opções, dentre as quais se destaca a própria confissão do investigado, bem como a sua concordância com as medidas impostas como condição e requisito de admissibilidade para a celebração do acordo – medidas que contem com a anuência do seu destinatário dificilmente serão ignoradas por este na fase de cumprimento. O investigado, em contrapartida, passaria a dispor da oportunidade de minimizar os ônus (econômicos, sociais e até psicológicos) decorrentes da oferta de uma acusação formal, que dentro de uma análise de perdas e ganhos que inerentes ao infrator de colarinho branco, passa a influenciar decisivamente para celebração destes negócios jurídicos
Sob esta viés, a previsão de acordos penais pode ser vista como ferramenta que está a cindir o paradigma punitivista, substituindo ideais retributivos por uma visão de prevenção, colocando em evidência, soluções orientadas pelo consenso e calcadas na celeridade e economicidade, orientadas pelo consenso, de forma a possibilitar o fortalecimento dos métodos dede ressocialização e de validação do ordenamento jurídico correlacionado: tal legitimação não pode ser obtido com a mesma eficácia por intermédio do processo penal tradicional (SCHÜNEMANN, 2002, p. 294)
Destaca-se que, conforme salientado, a aplicação do acordo de não persecução penal em crimes financeiros também apresenta desafios e críticas: é possível que eventuais condições diminutas fixadas nos acordos passem uma sensação coletiva de impunidade, desafiando a fiabilidade do sistema criminal: a perda dos bens obtidos ilicitamente e a fixação de sanções pecuniárias e restritivas de direitos atenderiam ao escopo de reafirmar a coercibilidade das normas penais, o que certamente não seria alcançado com tanta facilidade nos casos arquivados por ausência de provas, prescritos ou rechaçados pelo Judiciário, a caminhar na direção oposta. De modo a evitar tal percepção, é necessário que se promova um amplo debate, visando o aprimoramento das ferramentas de fiscalização da formalização e acompanhamento dessas barganhas. Garante-se, desta forma, a justa aplicação da lei penal, a responsabilização dos autores do leito bem como o ressarcimento de eventuais danos em decorrência da prática de crimes dessa natureza.
CONCLUSÕES E PROPOSTAS
A criminalidade do colarinho branco orienta-se por meio de método organizado e predilecionado, medindo a análise de riscos e benefícios da atividade ilícita, geralmente envolvendo questões complexas, danos financeiros significativos e impacto em múltiplas vítimas
As novas estratégias para prática de crimes adotadas pela macrociminalidade econômica, demandam o aperfeiçoamento de mecanismos de política criminal de enfrentamento; não há como não se reconhecer a ineficiência do sistema de justiça no tratamento dos desvios desta espécie de arranjo social. Diante de sua comprovada ineficácia, a implementação de práticas consensuais de negociação e solução de conflitos, descortina-se como uma eficaz e célere opção dentro de uma lógica de política criminal. Racionaliza-se a persecução penal e as práticas jurisdicionais, além de tornar viáveis soluções e efetivas, a se mostrar mais adequadas de acordo com o caso concreto, traduzindo-se em respostas efetivas de repressão à infrações contra a ordem tributária, econômica e financeira.
A complexidade envolvida na investigação das infrações de “colarinho branco” bem como o seu caráter difuso, onde a individualização das condutas se coloca como enorme desafio ao operador do direito, acaba por reclamar atuação por meio ferramentas que conduzam o investigador por soluções dinâmicas, e que sejam capazes de assegurar a proteção de bens jurídicos difusos coletivos. Tal condução deve ser apta a produzir efeitos preventivos e não apenas evidenciar ainda mais uma incômoda faceta do Direito Penal: seu caráter meramente simbólico. Restringir-se-ia a aplicação das penas privativas de liberdade apenas aos delitos mais graves, nos quais fosse realizável a atribuição pessoal de responsabilidade criminal de cada agente infrator.
Sob esta perspectiva, o desenvolvimento de uma política criminal direcionada ao eficaz enfrentamento da criminalidade econômica, passa pela análise do tipo específico de comportamento, bem como pelo modus operandi utilizado pelos esta espécie de transgressor, na tentativa de impor riscos à conduta desviante que a torne menos atrativa e financeiramente promissora: minora-se tal possibilidade, exsurgindo como efeito colateral, o sentimento de impunidade coletivo e garantindo-se, assim, a eficaz aplicação da lei penal em suas funções precípuas; ao menos as preventivas.
Conclui-se que, as novéis reformas criminais perpetuadas no Brasil, trouxeram significativos avanços para o enfrentamento da corrupção e dos demais delitos praticados dentro da esfera que abrange o conceito de “crime de colarinho branco”; foram trazidas alternativas ao antigo modelo processual demandista, superando conceitos contenciosos, a possibilitar a adoção de mecanismos mais dinâmicos e que objetivem meios consensuais de solução de litígios.
Não obstante, para que esta sistemática possa se tornar realizável na prática, faz-se imprescindível a reformulação do modelo de atuação dos players envolvidos na esfera de influência do sistema de Justiça, especialmente o Ministério Público e o Poder Judiciário, possibilitando o rompimento com sistemáticas de atuação superadas e que, ao longo dos anos, tem se mostrado como instrumentos ineficientes à resolução de conflitos criminais, apenas evidenciando a seletividade que esse sistema produz com a segregação do segmento mais vulnerável da sociedade e concessão de privilégios à outra camada, que se vê não responsabilizada por suas condutas desviantes. Tal camada, que se tem como dominante, deve sim ser objeto de responsabilização, mas, e preferencialmente, e desde que, em determinados contextos fáticos, através de soluções criativas e resolutivas, utilizando-se, estes players, dos novos instrumentos colocados à disposição, exaltando se os paradigmas de celeridade, consensualidade e prevenção criminal.
2CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira. Manual do Acordo de Não Persecução Penal. 2ª ed., Salvador: Juspodivm, 2021. p. 12-13.
3Bradalise Rodrigo da Silva, Justiça Penal negociada: negociação de sentença criminal e princípios processuais relevantes. Curitiba : Juruá , 2016, p. 24.
4Schunemann, Bernd. Temas actuales y permanentes del Derecho penal después del milenio. Madrid: Tecnos, 2002 p. 294.
5Lopes Junior, Aury. Direito processual penal. 17ed. São Paulo: Saraiva Jur., 2020 p. 220.
6Fernandes, Sérgio Ricardo Aquino; Pellenz Mayara; Bastiani Ana Cristina Bacega de. Fraternidade como Alternativa à Seletividade do Direito Penal. Sequência (Florianópolis), Florianópolis, n.76, p. 155-182, May2017 Disponívelem:<http://www.scielo.br/scielo.phpscript=sci_arttext&pid=S217770552017000200155&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 03 Agosto. 2023.
7Zaffaroni, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. Trad. Vânia Romano Pedrosa. Rio de Janeiro: Revan, 2001 p.132.
8Sutherland, E.H. Crime de colarinho branco: versão sem cortes. Coleção Pensamento Criminológico, n. 22. Trad. Clécio Lemos. Revan: Rio de Janeiro, 2015. p. 172.
9Viana, Eduardo. Criminologia. JusPODVM 6a Edição Brasil, 2018 p. 277
10Sutherland Edwin H. Crime de colarinho branco. Tradução de Clécio Lemos. 1. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2015, p. 12/13.
11Castro, L.A.C. Criminologia da reação social. Trad. Ester kosovski. Rio de Janeiro: Forense, 1983 p. 76.
12Ferro, Ana Luiza Almeida. Sutherland: A teoria da associação diferencial e o crime de colarinho branco. Revista De Jure, Belo Horizonte, n. 11, p. 144-167, jul./dez. 2008.
13EUA. Federal Bureau of Investigation (FBI). White Collar crime. Disponível em <https://www.fbi.gov/investigate/white-collar-crime>. Acesso em: 30 de julho de 2023.
REFERÊNCIAS
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Brasil, Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil.Brasilia, DF: Senado Federal, 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompila o.htm>
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