SYMBOLIC VIOLENCE IN TEACHING WORK: AN EXPERIENCE REPORT
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202410172133
Raimundo Nonato Setuba de Souza1,
Denise Regina Quaresma da Silva2
RESUMO
Este relato tem por finalidade abordar a questão da violência simbólica no âmbito escolar, mais precisamente na ação da prática docente. Tal fato precisa ser discutido, pois o mesmo tem ganhado notoriedade nos estudos de diferentes pensadores. Este tipo de violência, no âmbito educacional, não é um fato recente e tão pouco considerado um ato de agressividade física, no entanto, está relacionado e estruturado, de acordo com Pierre Bourdieu, sob a imposição absolutista cultural de classes sobre os demais sujeitos. Percebe-se de forma bastante evidente a presença desse fenômeno no contexto escolar, onde se observa a reprodução na ação pedagógica do referido tipo de violência, ou seja, na ação prática do professor, no âmbito de sala de aula, em relação ao aluno, a qual é denominada pelo sociólogo francês já mencionado anteriormente, de violência simbólica.
Palavras-chave: Âmbito escolar. Violência simbólica. Prática docente
ABSTRACT
This report aims to address the issue of symbolic violence in the school environment, more precisely in teaching practice. This fact needs to be discussed, as it has gained notoriety in the studies of different thinkers. This type of violence, in the educational sphere, is not a recent fact and is not considered an act of physical aggression, however, it is related and structured, according to Pierre Bourdieu, under the absolutist cultural imposition of social class on other subjects. The presence of this phenomenon in the school context is quite evident, where the reproduction of the aforementioned type of violence is observed in the pedagogical action, that is, in the practical action of the teacher, in the classroom, in relation to the student, which is called by the french sociologist already mentioned symbolic violence.
Keywords: School Environment. Symbolic Violence. Teaching Practice
INTRODUÇÃO
O referido relato de experiência trata da questão da violência simbólica, que é considerada um fenômeno histórico e ao mesmo tempo bem presente no âmbito educacional contemporâneo. Tal fato é constatado aqui, sendo fundamentado na concepção de alguns pensadores, como Pierre Bourdieu, Bernard Charlot, entre outros, que propiciam uma reflexão e ao mesmo tempo uma compreensão desta temática, uma vez que a mesma tem sido problematizada e muito debatida em função de suas consequências e repercussão, tanto no contexto social como educacional. Nesse sentido, este tema tem ganhado espaço nos estudos de muitos pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento.
Nessa perspectiva, tem-se como finalidade tratar do fenômeno da violência, porém não uma violência física, no entanto, reconhecidamente como simbólica no cenário de sala de aula, mais precisamente do professor para com o educando. Percebe-se, de acordo com a concepção de alguns pensadores citados neste trabalho, que este fenômeno, no âmbito escolar, ocorre com a reprodução da imposição arbitrária presente nas classes dominantes, correlacionado com as desigualdades sociais e educacionais.
A própria escola, através de algumas práticas como, por exemplo, ações pedagógicas, incluindo planejamento, avaliações entre outros, acaba reiterando a situação em questão, ou seja, a reprodução da violência simbólica em seu próprio ambiente. Nessa perspectiva, busca-se refletir e compreender como tal fenômeno, por parte do professor para com o aluno, pode se manifestar aqui, mais especificamente na sala de aula. Para tanto, será feita a abordagem do conceito de violência simbólica a partir de alguns teóricos e também o relato de uma situação de violência simbólica observada durante o período de estágio docente. Ao final, seguirão reflexões a respeito de tal ação e possibilidades de ressignificados desta postura, a fim de contribuir com a autonomia e protagonismo dos alunos, bem como incentivar sua segurança e capacidade de fazer questionamentos, gerando espaços de aprendizagem.
PERSPECTIVAS TEÓRICAS A RESPEITO DA VIOLÊNCIA SIMBÓLICA NA EDUCAÇÃO
Entende-se que a questão da violência nas diversidades tipológicas é um fato que está presente, desde os tempos antigos, nos mais diferentes contextos sociais, e no campo educacional não é diferente. O intuito deste relato está voltado para a violência simbólica, e como esta, infelizmente, é presenciada no âmbito escolar e principalmente na ação da prática docente para com o educando, sendo fundamental que a referida temática esteja presente nos diferentes discursos do campo educacional. Tal tipo de violência, de acordo com Miriam Abramovay et al (2002), se manifesta pelo uso do poder abusivo com base no consentimento, o qual é estabelecido e imposto por meio da utilização de símbolos de autoridade, verbal e institucional, entre outros. Pierre Bourdieu reforça a ideia de que “a violência simbólica se expressa em uma forma de exercer uma relação de poder entre os indivíduos por meio da imposição de símbolos, normas e significados” (Bourdieu, 1998, p. 129).
Percebe-se que tal ato está relacionado com a reprodução do absolutismo cultural das classes, as quais são detentoras do poder. Nesse sentido, é notório que a escola, no que diz respeito à ação pedagógica, reitera tal cultura. Stoer (2008) nos afirma que
A ação pedagógica reproduz o arbítrio cultural das classes dominantes ou dominadas. A ação pedagógica reproduz a cultura dominante e, através desta, a estrutura de relações de força dentro de uma formação social, possuindo o sistema educativo dominante o monopólio da violência simbólica legítima. Todas as ações apoiam objetiva e indiretamente a ação pedagógica dominante, porque esta última define a estrutura e o funcionamento do mercado econômico e simbólico (Stoer, 2008, p. 15).
Assim, a imposição de ações e posturas no âmbito escolar ocorre pelo domínio absolutista, que é o encadeamento rígido no contexto cultural ditatorial, afinal, as temáticas e os procedimentos metodológicos, como também os processos avaliativos, são estabelecidos pela escola na figura do docente, como algo digno de ser transmitido e socializado no processo de construção de conhecimento do sujeito enquanto aluno. Nesse sentido ocorre, no processo de ensino e aprendizagem, a reprise ou a repetição da violência, porém não fisicamente, e sim, simbólica, em que essa não está relacionada com agressões físicas, mas consiste, de acordo com Bourdieu (1998), em uma forma de coação que se apoia no reconhecimento de uma imposição determinada. Constata-se ainda que
A imagem do professor sendo aquele que é fisicamente mais forte e que castiga o mais fraco também afeta a vantagem do saber do professor frente ao saber de seus alunos, que ele utiliza sem ter direito para tanto, uma vez que a vantagem é indissociável de sua função, ao mesmo tempo em que sempre lhe confere uma autoridade de que dificilmente consegue abrir mão (Adorno 1995, p. 104).
Normalmente, não há oposição por parte do dominado em relação ao seu dominador e tal fato, de um modo geral, é encarado pelo sujeito comandando com naturalidade, como fato comum. Percebe-se no âmbito escolar o descaso da origem do sujeito enquanto discente, bem como os seus conhecimentos anteriores, sua história de vida, sua cultura, levando muitas vezes a uma estruturação de conhecimento escolar padronizada, desconsiderando saberes pessoais que, quando bem direcionados e compartilhados, podem enriquecer e complementar o conhecimento acadêmico, alinhando teoria e prática, consolidando as aprendizagens. Para Bourdieu e Passeron (1992) a violência simbólica se estabelece no campo pedagógico mediante tal prática, a qual se fundamenta na relação de poder autoritário. Exige-se na ação prática docente que o mesmo detenha o poder de autoridade:
A educação deve ser um trabalho de autoridade. Para aprender a conter o egoísmo natural, subordina-lo a fins mais altos, submeter os desejos ao império da vontade, conformá-los em justos limites, será preciso que o educando exerça sobre si mesmo um grande trabalho de contenção. Ora, não nos constrangemos e não nos submetemos senão por uma destas razões: ou por força da necessidade física, ou porque o devemos moralmente. Isso significa que a autoridade é a qualidade essencial do educador (Durkheim, 1972, p. 53-54).
Os detentores das práticas pedagógicas usufruem da soberania, isto é, de um poder arbitrário que se constitui a partir das classes consideradas imperantes.
OBSERVAÇÃO DE UM CASO DE VIOLÊNCIA SIMBÓLICA NA SALA DE AULA
Uma situação de violência simbólica observada partiu de um professor no âmbito da sala de aula, ou seja, na prática docente em relação aos discentes, ocorrida em uma turma do 8º ano do Ensino Fundamental em uma escola na rede municipal de ensino no município de Itamarati-AM, no ano de 2022. Houve o convite de um professor de geografia da referida turma para trabalhar em conjunto com a seguinte temática: A paisagem local e o seu contexto histórico. Porém, houve surpresa ao se observar a postura do docente na sua prática pedagógica onde esta, sem dúvida alguma, se caracterizou como um ato de violência simbólica em relação aos alunos.
Ele solicitou aos discentes que os mesmos desenhassem o trajeto de suas residências até a escola, isso implicaria no desenho da rua na qual a residência de cada um estava situada, uma estrada cheia de relevos e composta por casas residenciais, ginásio poliesportivo, campo de futebol, uma fazenda e demais elementos, tanto de cunho natural como cultural, contidos ali. A instituição de ensino em questão está situada à margem de uma estrada que liga a cidade ao aeroporto. No decorrer da atividade proposta por este docente, alguns alunos contextualizaram os elementos que haviam no trajeto de suas casas até a escola. No entanto, foram coibidos, pelo professor, de qualquer interatividade entre os alunos a respeito do trabalho em execução, pois, segundo ele, os discentes deveriam fazer unicamente o que lhes foi incumbido, ou seja, apenas fazer o desenho e não discutir questões relacionadas sobre o mesmo.
Passaram-se alguns minutos e dois alunos conversavam entre si sobre os relevos presentes nas margens da estrada que é o caminho que os conduzem à escola. Eles falavam a respeito de que não havia habitação sobre os mesmos e mais uma vez o docente os advertiu e ordenou que voltassem suas atenções à atividade proposta, isto é, sem contextualização da mesma.
No final da atividade os discentes entregaram seus desenhos e um deles levantou a mão e perguntou ao professor se na próxima aula eles iriam discutir sobre os desenhos produzidos, pois haviam mostrado suas produções para a turma e tinham curiosidade em trocar percepções sobre os elementos que estavam no seu trajeto diário da casa até a escola. O professor respondeu que não era necessária nenhuma contextualização, pois apenas havia “mandado” fazer o desenho, pintar e entregar, somente isso. Na sequência, iria corrigir e atribuir a nota, encerrando o trabalho por aí. Não foi realizada nenhuma intervenção, pois havia uma combinação de participação efetiva através do estágio docente apenas na aula seguinte, referente ao contexto histórico das ruas e seus elementos. Dessa forma, manteve-se o cronograma relacionado à participação na prática da atividade elaborada e executada por ambas as partes, afinal, jamais se poderia imaginar que o docente mantivesse tal postura para com a turma. Apesar da discordância com a atitude do professor, se manteve a postura de observador das práticas pedagógicas e, no dia seguinte, durante a participação direta na aula através do estágio docente, concedeu-se espaço não só para os alunos contextualizarem suas ideias, como também ao professor titular da classe em questão, mas ele não participou da aula enquanto esta era ministrada, nem mesmo durante a interação com a turma.
Posteriormente, durante o intervalo, houve uma conversa com três alunos desta turma e eles disseram que normalmente o professor, nas suas aulas, não lhes concede espaço para compartilhamento de ideias, pois ele alega que discentes têm concepções diferentes e nunca chegarão a um consenso.
Nesse sentido, entende-se que o docente da turma em questão comete um ato de violência para com seus alunos, pois ao censurar a fala deles em determinados momentos e não dar importância às suas concepções no processo de aquisição de conhecimentos, mais precisamente no âmbito da sala de aula, acaba promovendo um ato de violência simbólica. Afinal, é um direito do aluno expressar seus pensamentos, suas ideias e concepções no transcorrer das aulas. Percebe-se, mediante esta situação, que o comportamento por parte desse professor não condiz com o ato de ensinar, e sim com uma atitude de violência simbólica contra o aluno.
Para Charlot (2002),
o ato de ensinar, ao se distanciar de alguns requisitos básicos como esclarecimento de mundo, responder questões consideradas relevantes, permissão para resoluções de problemas, abertura e acesso de novos universos, fontes de prazer e ainda proporcionar ao aluno se sentir inteligente e valioso, se torna um ato de violência simbólica (Charlot, 2002, pág. 432).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O fenômeno violência no contexto educacional tem se destacado nos debates contemporâneo, mas o tipo de violência que este relato aborda está relacionado com um tipo de violência que não se caracteriza pelo aspecto físico, mas por aspectos “invisíveis” constituídos na junção, ou seja, por vínculos de subjugação-submissão onde se perpetua o domínio e ao mesmo tempo há uma cumplicidade por parte do dominado, dado o estado nativo ou melhor, natural referente ao contexto real.
No âmbito educacional é notório, em função de sua própria natureza, que a violência caracterizada como simbólica, muitas vezes, passa despercebida, sendo ainda identificável por inúmeros fatores, como, por exemplo, quando o sujeito, na qualidade de educando, acaba recebendo o pré-julgamento ou quando este é reprimido, ou ainda quando ocorre a imposição arbitrária, de modo geral, por parte da escola em relação ao seu alunado.
Enfim, observa-se por parte do professor, sendo este dotado de inúmeros atributos e ao mesmo tempo com um perfil condizente com as ações teóricas, posturas que são denominadas de violência simbólica, causando um abismo entre teoria e prática e ainda a construção curricular no qual este acaba integrando ações condizentes com o referido tipo de violência.
Uma perspectiva para práticas mais adequadas e condizentes pode partir de ações pedagógicas saudáveis e incentivadoras de posturas de aprendizagem autônoma, reflexiva e crítica, contribuindo para a inibição de práticas de violência simbólica, gerando conscientização não somente nos professores, mas também no ambiente escolar como um todo, que é o reflexo da sociedade no qual o aluno está inserido. O aluno só pode ameaçar o poder de autoridade do professor quando este não está seguro das suas práticas pedagógicas e nem do seu papel como mediador do conhecimento. O autoritarismo, então, mostra-se como uma espécie de apoio às práticas de violência simbólica, ainda muito calcadas no temor e inferioridade, desprezando muitas vezes os conhecimentos intrínsecos dos sujeitos, que fazem toda a diferença na sua caminhada educacional quando evidenciados e respeitados.
REFERÊNCIAS
ABRAMOVAY, Miriam et. all. Escola e violência. Brasília: UNESCO, 2002.
ADORNO, Theodor W. Educação e Emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean Claude. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. 3. ed., Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992.
BOURDIEU, Pierre. Escritos de Educação. Petrópolis: Vozes, 1998.
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2007.
CHARLOT, B. A violência na escola: como os sociólogos franceses abordam essa questão. Sociologias, Porto Alegre, n.8, p. 432, 2002
DURKEIM, E. Educação e Sociologia. São Paulo: Melhoramentos, 1972.
STOER, S. R. A genética cultural da reprodução. Educação, Sociedade & Culturas, n. º 26, 2008.
1Mestrando em Educação pela La Salle. Graduado em Matemática pelo Centro Universitário FAVENI – UNIFAVENI (2022), em História pelo Centro Universitário Internacional UNINTER (2017), em Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental PROFOMAR (2008) pela Universidade do Estado do Amazonas-UEA. Professor de Ensino Fundamental na Rede Municipal de ensino SEMED e na rede Estadual SEDUC como professor de Ensino Médio. E-mail: professorsetuba@gmail.com
2Pós Doutora em Estudos de Gênero pela UCES (2011), possui graduação em Psicologia, Mestrado (2003) e Doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2007). Professora do Curso de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Mestrado em Saúde e Desenvolvimento Humano da Universidade La Salle. E-mail: denise.silva@unilasalle.edu.br