VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA NO CONTEXTO FAMILIAR E A LEI MARIA DA PENHA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202408301526


Cristiane Nunes Santos1
José Claúdio Vieira2


RESUMO 

Considerando a dinâmica conjugal estabelecida nos contextos de violência psicológica, o presente estudo investigou o modo como estas conjugais idades se estabelecem e se perpetuam. As relações conjugais revelaram-se marcadas por intenso conflito, comunicação inadequada e baixa expressão da afetividade. Os resultados reforçam a importância de tratar a relação conjugal em seus aspectos estruturantes e relacionais, visando extinguir a violência psicológica como expressão relacional dos cônjuges. Não obstante, buscamos demonstrar os diversos tipos de violência doméstica existentes contra a mulher, sendo que neste não retratamos somente o aspecto doutrinário em relação aos tipos de violência, mas também o aspecto jurídico, tipificado na legislação ordinária pertinente. Em seguida, demonstramos as dificuldades existentes na relação, vítima e agressor versus órgãos públicos de defesa da mulher vítima de violência doméstica, fazendo um levantamento sobre todos os problemas existentes nesta relação de vítima e agressor em face à aplicabilidade da Lei Maria da Penha.

Palavras-chave:   Violência psicológica; Relação conjugal; Violência conjugal.

1. INTRODUÇÃO

Pela lei natural todos os seres possuem direitos que, todavia, não escusam a ninguém dos respectivos contributos que decorrem do seu uso.

Toda criatura é concedida à liberdade de pensar, falar e agir, desde que essa concessão subentenda o respeito aos direitos semelhantes do próximo. Desde que o uso da faculdade livre entende sofrimento e coerção para outrem, incide-se em crime passível de cerceamento daquele direito. Liberdade legítima decorre da legítima responsabilidade, não podendo aquela triunfar sem esta. 

A violência entre cônjuges ganhou evidência a partir da década de 70, com a ampliação dos movimentos feministas, responsáveis por descortinar o fenômeno, até então restrito à esfera doméstica. Ao redor do mundo, uma em cada três mulheres é vítima de algum tipo de violência durante a sua vida (Day et al., 2003; Paiva e Figueiredo, 2004; Rosa, Boing, Büchele, Oliveira e Coelho 2008). Contudo, no Brasil, estima-se que cerca de 30% das mulheres vivenciam algum tipo de violência por parte de seus companheiros (Lamoglia e Minayo, 2009; Miranda, Paula e Bordin, 2010; Vieira, Perdona e Santos, 2011).

De acordo com a DataSenado, instituto de pesquisas do Senado, em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência (OMV), a pesquisa, concluída em novembro de 2023, revelou que 30% das brasileiras já sofreram algum tipo de violência doméstica ou familiar provocada por homens. Os resultados do estudo foram regionalizados, indicando que esse índice é uniforme (considerando as margens de erro) em todo território nacional. Alvim e Souza (2005a) relatam que as brigas conjugais apenas são identificadas após a ocorrência da violência física, ao passo que a violência que não envolve dano físico permanece obscura nas pesquisas científicas. A dificuldade no trato do assunto parte da própria definição conceitual, que se mostra inespecífica ou carente da real dimensão fenomenológica.

Hirigoyen (2006) define a violência psicológica como “uma série de atitudes e de expressões que visam a aviltar ou negar a maneira de ser de uma outra pessoa” (p.  28).  Este artigo está estruturado da seguinte maneira: além desta introdução, apresenta-se revisão teórica sobre Nuances da violência psicológica, na seção dois. Na terceira seção de análise histórica das (DDM’s) delegacia da defesa da mulher, são apresentados os procedimentos metodológicos da pesquisa. Os resultados são apresentados, discutidos e analisados na quarta seção, depois da qual se apresentam as considerações finais da pesquisa, na seção cinco. Por fim, a seção seis contempla as referências utilizadas ao longo do trabalho.

2. REVISÃO DA LITERATURA

2.1 NUANCES DA VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA

A violência Moral está intimamente ligada à violência psicológica, que pode ser entendida como comportamentos ofensivos como humilhações, ofensas, gritos, xingamentos, entre outros. A violência moral diminui a autoestima da vítima afetada pelo trauma da violência doméstica. “Por não ser respeitada, a mulher tem seu ego ferido e acaba entrando em um estado de vulnerabilidade onde se vê constantemente agredida por alguém que lhe é de convívio íntimo e que deveria a proteger e amar.” (ALBUQUERQUE, 2018).

Contudo, a Lei Maria da Penha pune os crimes de violência moral contra a mulher cometidos em ambiente doméstico ou familiar. Sempre que o agressor praticar ação que configure calúnia, difamação ou injúria, ou seja, sempre que houver infração ao art. 7º, inciso V. da Lei n.º 11.340/2006, o agressor estará sujeito às penalidades previstas nos artigos: 138, 139 e 140 do Código Penal Brasileiro.

Os abusos psicológicos fazem parte de rodas de conversa, são discutidos na mídia, em escolas e universidades, entre parentes e amigos. Muita gente conhece o mecanismo desse tipo de violência que prende tantas pessoas ao sofrimento e até aponta maneiras de como sair da situação. Mas pouco se fala sobre uma questão igualmente importante: os danos causados à saúde emocional e física. E não são poucos. “A princípio, o que ocorre é uma reação estressada, ansiosa e de culpa em relação ao agressor. No entanto, com o passar do tempo, a pessoa pode desenvolver ansiedade com outros relacionamentos, retraimento social, baixa-autoestima e, consequentemente, depressão”, resume Maycoln Teodoro, professor de psicologia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e membro da diretoria da SBP (Sociedade Brasileira de Psicologia.

Para tanto, analisa Teodoro (2012) Muita gente acredita que os abusos psicológicos são praticados apenas por psicopatas ou narcisistas perversos. Mas não são. É verdade que alguns transtornos podem potencializar esse comportamento, porém qualquer pessoa pode agir assim, por variados motivos. “Por exemplo, o racismo e o machismo possuem um papel importante neste tipo de abuso, pois criam um imaginário no qual um pessoal se sente com direito de retirar a voz do outro por se julgar superior”,

Dito de outra forma, o abuso psicológico faz um estrago na vida de quem o sofre. E a tarefa de curar as feridas que ele deixa é difícil porque muitas pessoas sequer percebem que estão sendo vítimas de uma violência. “Ele é o mais difícil de ser identificado por ser mais sutil. No entanto, existem pesquisas mostrando que ele é preditor do abuso físico, de sofrimento mental, e produz um estado de sofrimento que confunde a vítima”, (Prof. Dr. Maycoln Teodoro 2006). Isso faz com que a pessoa não consiga sair da relação abusiva por achar que o agressor age daquela maneira por querer seu bem.

Hirigoyen (2006) categoriza a violência psicológica em formas distintas de expressão: (1) controle; (2) isolamento; (3) ciúme patológico; (4) assédio; (5) aviltamento; (6) humilhação; (7) intimidação; (8) indiferença às demandas afetivas (9) ameaças.  Mesmo sem a presença do ato amedrontador, através das ameaças existe “possibilidade de”, já que “a antecipação de um golpe pode fazer tanto mal ao psiquismo quanto o golpe realmente dado, que é reforçado pela incerteza em que a pessoa é mantida, sob a realidade da ameaça” (Hirigoyen, 2006, p. 41).

No geral, o abuso emocional acontece dentro de relacionamentos familiares, profissionais e sociais, onde existe o objetivo de causar sofrimento a uma das partes. Críticas maldosas, acusações, xingamentos, ofensas, desprezo, ironia, ameaças veladas, silêncio como forma de punição, controle de todos os passos da vítima, frases ditas com o propósito de confundir e outros comportamentos são repetidos pelo abusador ao longo do tempo. Isso faz com que a pessoa abusada perca o equilíbrio necessário para se ter uma vida plena. Mas ao contrário das doenças físicas que provocam sintomas fáceis de reconhecer, os sinais da violência psicológica são mais difíceis de interpretar. Segundo Luiz Cuschnir, psiquiatra e coordenador do Grupo de Gêneros do Ipq-FMUSP (Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), quem sofre abusos psicológicos geralmente se sente infeliz, mesmo que aparentemente tenha a vida que deseja, e costuma ficar triste sem saber o motivo.

Entre outros fatores, Guimarães, Maciel e Silva (2007) referem a violência psicológica como uma substituição ao diálogo, tentando comunicar algo que a verbalização não dá conta.

Em suma, A pessoa também pode apresentar sintomas característicos da depressão como vontade de chorar, anedonia (perda da capacidade de sentir prazer ou de se divertir), além de ansiedade, medo e desinteresse por tudo. Esse conjunto de sensações faz com que a vida perca o brilho. “Há um empobrecimento das vivências que correspondem a suas habilidades e capacidades, diminuindo o seu potencial vital. Sentimentos ou pensamentos de desvalia e de desamor, sem empatia, sem ressonância amorosa”, completa o especialista.

Pesquisas acerca da violência física apontam predominantemente o homem como agressor (Dantas-Berger e Giffin, 2005; Trindade, Almeida e Rozendo, 2008; Martínez e Marín, 2009; Tichy, Becker e Sisco, 2009; Lira e Méndez, 2008), ao passo que Dantas-Berger e Giffin (2005) consideram a violência psicológica como um fenômeno de maior trânsito entre os sexos, que ocorre pela inadequação do processo comunicacional.

2.2 CONSEQUÊNCIAS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER E O CENÁRIO JURÍDICO ANTES E DEPOIS DO ADVENTO DA LEI Nº 11.340/06

Dentre os tipos de violência existentes, passamos a elencar, inicialmente, a  violência física, sendo que está na maioria parte das vezes só surge quando a mulher resiste à violência psicológica, ou seja, quando o homem não consegue controlar como desejaria uma   mulher, considerada demasiadamente independente, por isso, diante da ação física praticada  pelo homem, acaba-se deixando traços visíveis, uma vez que é a agressão física e não o abuso  psicológico anterior onde que é considerado como violência pela própria mulher, como também pelo o mundo exterior.

A violência física inclui uma ampla gama de sevícias, que podem ir de um simples empurrão ao homicídio: beliscões, tapas, socos, pontapés, tentativas de estrangulamento, mordidas, queimaduras, braços torcidos, agressão com arma branca ou com arma de fogo… […]. Bater no ventre com a mão espalmada, puxar os cabelos, empurrar, torcer os braços são atos agressivos que não deixam marcas, e alguns homens sabem muito bem disso. Basta um cachecol ou uma gola roulé para dissimular uma tentativa de estrangulamento. Mas, quando os violentos se deixam levar pelo impulso, vemos muitas vezes chegarem nas urgências dos hospitais mulheres em estado semelhante ao do boxeador depois de uma luta, com a arcada superior afundada, fraturas no nariz ou perfurações do tímpano. Muitas pancadas são dirigidas ao ventre quando a mulher está grávida, como se precisassem atingir uma capacidade de reprodução, ou então ao rosto, aos olhos, como se quisesse anular o olhar que pode julgar e destruir o pensamento. Esses gestos evidenciam que o objetivo é anular o outro como sujeito. (HIRIGOYEN, 2005, p. 45- 46).

Cuschnir (2001) afirma que além da saúde mental, a física também sofre consequências diretas ou indiretas. “Por exemplo, a privação, baixa qualidade e excesso do sono propiciam efeitos hormonais que afetam vários sistemas. Além de problemas alimentares, dependências e abusos de substâncias e de álcool, disfunções gastrointestinais, afecções dermatológicas, problemas ortopédicos e posturais, etc.”

Portanto, é possível   encontrar na maioria dos casos, que ela não está fazendo o suficiente pelo relacionamento. “A confusão entre cuidar, atender ou servir o outro faz a pessoa sentir-se forçada a atos ou funções que ultrapassam a possibilidade de escolha. Isso gera uma humilhação consciente ou camuflada por outros conceitos psicológicos que distorcem a percepção do que está ocorrendo”, diferencia Cuschnir. E mesmo quando a vítima tem consciência do que está acontecendo, é comum ela se submeter às regras do agressor, muitas vezes por dependência financeira, medo do abandono e de maus tratos ou de ter sua intimidade exposta.

No que diz respeito, mais especificamente à medida que comportamentos como hostilidade, frieza emocional, intimidações, humilhações em público vão sendo repetidos, as vítimas acabam aceitando tudo isso como se fosse algo natural, parte da rotina. Elas se acostumam a ser manipuladas (consciente ou inconscientemente), ter suas opiniões ignoradas, ser impedidas de sair de casa ou de encontrar amigos e familiares. Esse sofrimento vai minando a saúde dia após dia.

Outra forma de violência contra a mulher é a que se insere no contexto da pressão econômica e financeira, ou seja, a violência patrimonial, que na sua essência é mais comum do que imaginamos, é vista como uma forma de armadilha ou uma chantagem a mais que impedem as mulheres de saírem da relação  abusiva e alienante; contudo, elas têm idênticas dificuldades em deixar o parceiro, também, quando trabalham e se sustentam-se de forma independente, gerando-se um pretexto por parte do agressor, em adquirir muitas vezes uma licença ou uma profissão aleatória, de modo a deixarem de trabalhar e serem sustentados por suas companheiras. Nesse caso, surge a culpa que as leva a permanecer no relacionamento. Há também o caso mais clássico, em que o medo das dificuldades materiais, em consequência da sua dependência econômica, impede as mulheres de deixarem um cônjuge violento.

Diante disso, vale ressaltar que a partir do aumento elevado da violência em todos os setores, principalmente no âmbito doméstico, ocorreu uma evidente necessidade de uma legislação específica para a proteção dos direitos atinentes à defesa da mulher, ou seja, essa uma lei especifica que viesse a coibir a violência contra as mulheres no âmbito doméstico, e assim, o fez o legislador infraconstitucional, ao criar a chamada Lei Maria da Penha, intitulada sob nº 11.340, de 07 de agosto de 2006.

Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause danos emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. (BRASIL, 2006, p. 01- 02). Consideramos, não somente definidas pela doutrina e autores consagrados os tipos de violência doméstica, também, não deixaram de estarem expressos na lei ordinária.

Portanto, tais considerações levam as mais sérias reflexões para, justificarmos nosso trabalho a partir da informação de que a violência contra a mulher é um fenômeno global de consequências gravíssimas, tanto para ela, quanto para a família e a sociedade, considera que a violência dos homens contra as mulheres é examinada em diversos níveis e aspectos, uma vez que se exprime, principalmente, no campo social pelas desigualdades e discriminações negativas. Contudo, torna-se imprescindível nós refutamos a necessidade de conhecermos e aprimorarmos cada vez mais a nossa legislação quanto à aplicabilidade no contexto social, principalmente quanto ao seu aspecto jurídico, concretizado na prática do dia-a-dia, pois a sociedade clama por uma segurança jurídica, e são uma vez que é nesses fatores primordiais que estão pautadas a importância e a necessidade de resguardar as garantias e direitos constitucionais previstos como dispositivos normativos fundamentais  à pessoa.

2.3 APLICABILIDADE DA LEI MARIA DA PENHA

Antes do advento da referida lei, os crimes de violência doméstica eram considerados crimes comuns contra as mulheres, e isto se dava pelo fato de inexistir uma lei que regulasse exclusivamente os tipos de violência contra a mulher, em especial que estabelecesse normas procedimentais referentes ao processo de apuração destes crimes, não somente isso, ocorria também o fato de que as penas aplicadas a este tipo específico de crime, eram brandas e muitas insignificantes.

Nesta época, notou-se um número assustador de ocorrências de crimes praticados contra as mulheres, sendo que em muitos não eram tão levados ao conhecimento das autoridades competentes, porque algumas vezes, por constrangimento, outras em consideração aos filhos que não gostariam de ver seus pais presos, ou por motivos íntimos e particulares da própria vítima (SOUZA, 2001). Quando nos deparamos com uma situação de violência doméstica contra a mulher, observamos que a maioria das pessoas que tomam conhecimento do ato violento, sempre querem que se faça justiça contra o agressor ou pelo menos exigem das autoridades competentes que tomem alguma providência com relação ao ato criminoso. Entretanto, elas esquecem que por trás deste criminoso ou agressor covarde está um pai de família, um marido, um companheiro, pelo qual, independente da violência ou agressão, a vítima ainda nutre um sentimento de amor ou paixão, e que em muitos casos desiste de tomar alguma providência e não admitem que as autoridades competentes realizem seu trabalho. Causando, diante disso, um grande problema para que se consiga realizar com eficácia a aplicabilidade da Lei. 

Em 7 de agosto de 2006, a lei Maria da Penha foi sancionada pelo então presidente Luiz Inácio da Silva. A mesma apresenta 7 títulos com 46 artigos, sendo um célebre instrumento de proteção às mulheres em relação a toda ação baseada no âmbito familiar ou íntimo (INSTITUTO MARIA DA PENHA, 2022).

A lei é baseada na Maria da Penha Maia Fernandes que é uma farmacêutica bioquímica que conheceu seu ex-marido, Marco Antônio Heredia Viveros, natural da Colômbia, durante o período que estava cursando seu mestrado em Parasitologia. Com o tempo, passaram a namorar, vindo a se casar em 1976, e, logo após o nascimento das três filhas, constituíram uma família em Fortaleza, onde começou o histórico de violências contra a mulher (PENHA MAIAFERNANDES, 2012). 

A Lei Maria da Penha, define em seu artigo 7, alínea III, a violência sexual cometida em contexto de violência doméstica e familiar, ou seja, cometida por alguém da rede social íntima da mulher e não por estranhos. Complementando o Código Penal, a definição do crime na Lei Maria da Penha, contribui para a esclarecer as variadas formas de violência sexual, que vão muito além do estupro. Fazendo com que uma violência desta gravidade seja mais reconhecida na sociedade.

Verificou-se através de dados estáticos, citado anteriormente o aumento dos casos de violência contra a mulher, a legislação teve que se aprimorar para alcançar os casos que ainda não estavam previstos na Lei ou, ainda, aumentar a pena daqueles já previstos, conforme é possível observar na tabela abaixo.

Tabela 01 – Mudanças na Lei Maria da Penha

LEIMUDANÇA LEGISLATIVA
13.505/2017I. Prevê que os atendimentos realizados à mulher vítima de violência doméstica, sejam realizados por servidoras do sexo feminino; 
II. Prevê, também, que as perguntas realizadas para a investigação do crime, devem preconizar a saúde mental da vítima.
13.772/2018I. Incluiu a “violação da intimidade” como uma forma de violência doméstica.
13.641/2018I. Criminaliza a conduta do agente que descumprir a medida protetiva da vítima.
13.894/2019I. Previu a possibilidade de o Juízo encaminhar a vítima para assistência judiciária para ajuizamento de divórcio ou separação judicial; 
II. Atribuiu o dever ao Delegado de Polícia de informar a vítima seus direitos e os serviços disponíveis; 
III. Deu prazo de 48hrs para que o Juízo decida sobre medida protetiva de urgência.
13.871/2019I. Obrigou o Estado a custear os gastos realizados para atendimento da vítima de violência doméstica pelo SUS; 
II. Instituiu que o agressor deverá restituir os Estado sobre os gastos utilizados com monitoramento e outros dispositivos de segurança;
13.882/2019I. Instituiu a possibilidade de que as mulheres vítimas de violência doméstica, possam matricular/transferir os filhos para unidades escolares mais próximas à residência.
13.880/2019I. Instituiu a apreensão de arma de fogo que estiver sob a posse do violentador, nos casos de violência doméstica.
13.836/2019I. Tornou obrigatória a inclusão no boletim de ocorrência, nos casos de violência doméstica.
13.827/2019I. Permitiu que as autoridades policiais possam aplicar medidas protetivas à vítima, sendo, posteriormente, confirmada pelo magistrado.
13.984/2020I. Estabeleceu a frequência do agressor aos centros de educação, como medida protetiva.
14.132/2021I. Criminaliza a prática de perseguição.

Fonte: NÃO SE CALE, 2021.

É de suma importância consideramos que a Lei salvaguarda o direito da vítima, porém esse conceito não é absorvido e internalizado pelas mulheres que acreditam, buscar na realidade um lugar para acalmar seu sofrimento e não o solucionar, pois esta solução, na maioria dos casos, daria fim a sua vida conjugal, e o que é pior, na visão dela, daria fim a sua unidade familiar.

Não somente este aspecto de sentimentos de desistência em relação à queixa pela mulher vítima de violência, faz-se mister, também, esclarecemos um outro problema de extrema constância nas Delegacias de Defesa da Mulher, que é o fato da dificuldade de 16 compreensão pelas mulheres sobre a competência para tomar providências diante de qualquer caso concreto. Ou seja, muitas mulheres são vítimas de violência, mas estas não são caracterizadas pelo âmbito doméstico ou familiar, o que exclui a competência das DDM’s, e isso ocasiona muitas vezes um desestímulo da mulher em procurar a delegacia competente.

3. ANÁLISE HISTÓRICA DAS (DDM’S) DELEGACIA DA DEFESA DA MULHER

As Delegacias de Defesa da Mulher (DDMs) são unidades policiais especializadas no atendimento de violências cometidas contra as mulheres. Uma de suas atribuições está no registro de ocorrências, investigação e apuração desses crimes, além da solicitação das medidas protetivas previstas na lei Maria da Penha. Afinal, as mulheres queixavam-se do tratamento recebido nas delegacias comuns, onde não tinham amparo algum ou solução concreta e imediata para restringir a violência sofrida.

Entretanto, devemos analisar a eficácia das DDM’s, com muita cautela, principalmente, quando verificamos que 70% (setenta por cento) dos registros de queixa são retirados pela vítima. E mais espantoso ainda é o fato de que este é um procedimento comum e recorrente que vem minando a credibilidade da estratégia das delegacias, já que reforça o mito de que as mulheres não querem mudar a sua situação, e gostam de apanhar. No entanto, verificamos que para a polícia a queixa tem que ser tratada do ponto de vista penal, isto é, na linguagem jurídica do crime, as mulheres que se queixam, raramente consideram essas queixas como passíveis de criminalização. O fato é que a maioria das mulheres ao procurarem uma DDM percebem que sua queixa não pode ser reconhecida pela instituição policial, pois esta adéqua sua demanda à linguagem jurídica do crime, denunciando, por exemplo, uma ameaça, para legitimar a reclamação de um marido que está perturbando a ordem doméstica, apenas com amantes e bebedeiras, e esquecem, que o problema principal enunciado não se enquadra em nenhum crime previsto em lei.

A concepção equivocada do que seja exatamente direito ou interesses das mulheres, varia bastante, e uma boa parte da demanda dirigida às delegacias são intervenções na área civil, como soluções legais para a separação ou outras expectativas, tais como dar uma boa repreensão no marido.

Assim sendo, as profissionais das DDM’s tampouco consideram as queixas como pertencentes ao que entendem como seu campo de atuação, já que muitas vezes estas não podem ser enquadradas em crimes tipificados em lei, percebem que a intenção das mulheres muitas vezes está distante da ideia de punir seus parceiros conforme previsto em lei. Portanto, para Souza (2001), verifica-se que as profissionais de delegacia e as mulheres que as demandam, compartilham de igual interpretação do fato: a violência doméstica não lhes parece uma ocorrência passível de criminalização. Daí o encontro que se verifica no ato de retirada da queixa. Sendo que este encontro contrasta fortemente com a proposta de política pública reivindicada pelo movimento feminista, assumida pelo Estado e materializada nas DDM’s, que busca justamente tratar esses eventos como crimes passíveis de averiguação e punição, baseando-se em uma ideia liberal de direitos individuais. Ressaltando que esta interpretação da retirada da queixa lhe dá um sentido diverso da idéia comum de que o procedimento seria fruto da falta de consciência das mulheres de seus direitos ou de sua cidadania, ou até de sua submissão, enquadrando o processo como uma ocorrência institucional a partir de concepções de direitos diversos.

Quando a queixa é retirada pelas mulheres, portanto, não é percebida como contraditória ao movimento que as levou a registrá-la. Ao contrário, elas tendem a retomar a negociação com o acusado em uma posição superior à qual se encontravam anteriormente. Na visão dessas mulheres, a suspensão do processo seria, então, não um ato contraditório à queixa, mas um elemento que pode favorecer o retorno da reciprocidade rompida, que é muitas vezes o seu interesse principal.

Devemos considerar também que para enquadrar uma violência contra a mulher em violência doméstica ou familiar geram em muitos casos a dispensa da mulher quanto ao atendimento pelas DDM’s, passando esta de competente para incompetente diante de tal fato, isto é, as delegacias passam a se eximir em atender a mulher vítima de violência doméstica e familiar, por achar que o caso dela não se enquadra dentro de seu rol de competências. Por fim, notamos que diante de todas as dificuldades encontradas pelas Delegacias de Defesa da Mulher, encontram-se presentes nestas apenas algumas das mais sobressalentes, mas que possuem uma magnitude importante para a solução dos conflitos e preservação da mulher frente a uma pacificação do grupo familiar.

4. METODOLOGIA

Esta é uma pesquisa descritiva, de natureza qualitativa. De acordo com Gil (2008), as pesquisas descritivas possuem como objetivo a descrição das características de uma população, fenômeno ou de uma experiência. A pesquisa descritiva pode estabelecer relações entre variáveis e permitir, ao final da análise, novas visões sobre uma realidade já conhecida.  

Para atingir o objetivo almejado, empregou-se a pesquisa de caráter exploratório por envolver levantamento bibliográfico, desenvolvendo e esclarecendo conceitos e ideias, de forma a proporcionar uma visão geral do fato estudado (GIL, 1999). Para tanto, a pesquisa recorreu à utilização de matérias publicadas sobre o tema de estudo, desde publicações avulsas, periódicos e sites relacionados às questões da pesquisa, principalmente foram consultados livros e artigos científicos, a fim de alcançar o objetivo proposto (MARCONI; LAKATOS, 2003). 

Dessa forma, amparou-se no arcabouço teórico da Lei Maria da Penha, intitulada sob nº 11.340, de 07 de agosto de 2006, com a finalidade de revelar a relevância  em relação ao objeto de estudo da pesquisa, notamos que a busca pela análise da aplicabilidade e vicissitudes da Lei Maria da Penha necessita de um olhar direcionado especificamente a dois órgãos mais importante no combate à violência doméstica e na fiscalização da referida lei, a saber, as Delegacias de Defesa da Mulher (DDM’s) e o Ministério Público (MP), uma vez que esses órgãos atuam direta e indiretamente nos casos de violência doméstica contra a mulher e são suficientemente capazes de fornecer dados relativos à eficácia da lei e seus principais paradigmas, além de fornecer dados precisos quanto às dificuldades encontradas na execução do que determinam as normas legais que protegem as mulheres vítimas de violência doméstica. Esse conjunto de informações permitiu um entendimento maior, além de um avanço na literatura sobre o assunto, proporcionando um avanço do conhecimento científico.

5. DISCUSSÃO E ANÁLISE DOS DADOS

Ora, conforme preconizado por (BRASIL, 2022), como interpretação e apoio hermenêutico para os efeitos produzidos para a proteção da mulher presentes no texto normativo da Lei Maria da Penha, é de suma importância ressaltar os mecanismos de proteção previstos nos termos da Constituição na Convenção Interamericana para Punir e Erradicar a 35 Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará, de 1994), internalizada pelo Decreto 1.973/1996, em que no artigo. 4º, assegura os direitos à integridade física e mental e à segurança pessoal e em seu artigo. 7º, exige que os Estados Partes adotem medidas jurídicas para impedir a ação criminosa vinda do agressor (BRASIL, 2022). 

Cabe ressaltar a importância da Lei Maria da Penha no ordenamento jurídico, ajudando mulheres que sofrem com as perseguições, com as medidas protetivas para manter o perseguidor o mais longe da vítima por meio determinação judicial.

6. CONCLUSÕES

Este estudo se mostra como relevante no atual contexto por poder contribuir significativamente para o alinhamento do conceito da Lei Maria da Penha.  Contribuindo para o fenômeno que se configura principalmente na invasão da privacidade e intimidade da vítima, conjuntamente ou não com outros crimes, como lesão à honra, à imagem, ao nome, entre outros. Violando assim, um dos direitos fundamentais, o “de ir e vir”, garantido a todos pela Constituição Federal e as vítimas não devem se calar.

De fato, é que independente do posicionamento e da adoção de medidas pela Delegacia de Defesa da Mulher, chegamos a conclusões precisas, nas quais, além de refletirmos sobre suas respostas, façamo-nos também repensar nossa condição de cidadão em prol de um desenvolvimento sadio presente e futuro aos nossos descendentes.

Com as atualizações e avanço das legislações que protegem e amparam mulheres, a Lei n° 14.132/21 surgiu como um a fim de combater o crescimento do fenômeno de perseguição que vem aumentando ao longo dos anos no Brasil. Concluindo, é importante a conscientização da sociedade sobre a seriedade do crime de stalking, pois o mesmo provoca abalos psíquicos na vítima, que passa a pautar sua vida pelo medo que sente do stalker.

Por fim, analisando de forma geral, chegamos à conclusão de que a aplicabilidade da Lei Maria da Penha precisa e necessita com urgência ser repensada como uma lei destinada à condição da mulher, não somente como vítima, mas como coautora de uma modificação cultural existente em nossa sociedade, o machismo dominante, que não admite perder para uma mulher, ou viver dividindo o mesmo espaço com ela, acreditando na submissão cultural da mulher ao homem, ainda existente em nossos dias.

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, A. Capacidade jurídica e direitos humanos. 2018. ‎Lumen Juris, Rio de Janeiro: 284.

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em http://www.senado.gov.br/SF/legislação/const/.pdf. p. 05. Acesso em 05 de setembro de 2009.

CUSCHNIR, L; MARDEGAN JR., E. Homens e suas máscaras: a revolução silenciosa. 2. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2001. 226 p. 

DAY, V.P., Telles, L.E.B., Zorato, P.H.; Azambuja, M.R.F., Machado, D.A.  & Silveira, M.B.  (2003).  Violência doméstica e suas diferentes manifestações. Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, 25(25), 9-21.

GUIMARÃES, F., Maciel, S.  A.  B.  & Silva, E.  C.  (2007).  Mas ele diz que me ama:  cegueira relacional e violência conjugal.  Psicologia: Teoria e Pesquisa, 23(4), 481-482.

HIRIGOYEN, M.F. (2006). A violência no casal: da coação psicológica à agressão física. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil.

INSTITUTO MARIA DA PENHA, IN: https://www.institutomariadapenha.org.br. Acesso em: 07 de novembro de 2022.

LAMOGLIA, C.V.A., Minayo, M.C.S. (2009). Violência conjugal, um problema social e de saúde pública:  estudo em uma delegacia do interior do Rio de Janeiro. Ciência & Saúde Coletiva, 14, 595-604.

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1Mestre em Marketing e Design Do Vestuário. Universidade do Minho Portugal. Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/7363494118653169
2Pós graduação em Direto Militar e Penal  Faculdade Unima Curitiba- Pr. Pós graduação em Segurança Publica Faculdade Iguaçu Capanema- Pr. Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/4380330649865021