VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA NA LEI MARIA DA PENHA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10257794


Romilda Lima Porto Ribeiro1
Lucas Souza Favoretti2
Carlos Augusto Lima Vaz da Silva3


RESUMO:  O presente trabalho versa sobre a temática da violência doméstica e familiar contra a mulher, tal qual descrita na Lei 11.340 de 07 de agosto de 2006. Objetiva, de modo geral, analisar a violência psicológica contra a mulher no âmbito doméstico e familiar, como uma das formas de violências descritas no artigo 7º da lei, bem como relacionar o artigo 7º, II, da lei 11.340 com o artigo 147-B do Código Penal. Inicialmente, apresenta-se o histórico da Lei Maria da Penha, após as formas de violências descritas na lei para, ao fim, destacar a violência psicológica contra a mulher no âmbito doméstico e familiar. Utiliza-se a revisão bibliográfica com técnica de pesquisa, que proporcionou a compreensão de que o novo crime de violência doméstica contra a mulher descrito no artigo 147-B do Código Penal é importante para que o sistema de justiça e as próprias vítimas tenham mais atenção com essa forma de violência e agressão aos direitos humanos das mulheres que é um dos mais invisibilizados. 

Palavras-chave: Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha); Violência Psicológica; Crime de Violência Psicológica contra a Mulher. 

Abstract: This work deals with the theme of domestic and family violence against women, as described in Law 11.340 of August 7, 2006. It aims, in general, to analyze psychological violence against women in the domestic and family context, as one of the forms of violence described in article 7 of the law, as well as relating article 7, II, of law 11.340 with article 147-B of the Penal Code. Initially, the history of the Maria da Penha Law is presented, following the forms of violence described in the law and, finally, highlighting psychological violence against women in the domestic and family sphere. A bibliographical review was used with a research technique, which provided the understanding that the new crime of domestic violence against women described in article 147-B of the Penal Code is important so that the justice system and the victims themselves receive more attention with this form of violence and aggression against women’s human rights, which is one of the most invisible. 

Keywords: Maria da Penha Law (Law 11.340/06). Psychological Violence. Psychological Violence against Women.

1 INTRODUÇÃO 

 A violência contra as mulheres, especialmente aquela ocorrida no âmbito doméstico e familiar, é um dos grandes desafios para a implantação dos direitos humanos. Isto porque, segundo a própria lei 11.340 de 07 de agosto de 2006, denominada Lei Maria da Penha, em seu artigo 6º, a violência contra a mulher no âmbito doméstico e familiar é uma violação dos direitos humanos.  

O tema ganha relevância, de igual modo, uma vez que as mulheres vêm a cada dia mais conquistando direitos e desbravando lugares que nunca antes estiveram ao seu alcance, muitas vezes, porque não lhes era permitido. Em determinados momentos históricos as mulheres eram proibidas de estudar, de votar, de sair de casa etc., a mudança deste quadro que atualmente parece algo natural, foi uma conquista geracional das lutas das mulheres. 

Com isso, também fica muito mais evidente várias formas de violência contra a mulher que eram invisibilizadas pelo patriarcado – sistema em que as mulheres são subordinadas aos homens – e pela misoginia – sistema em que há ódio ou aversão às mulheres – e diversas outras formas de opressão (Direitos, 2016).  

Dentre essas formas de violência, destacam-se a violência psicológica, a violência moral e a violência patrimonial, que muitas vezes são despercebidas em face da violência objetiva que atinge a integridade física e em diversos casos ceifa a própria vida da mulher em forma de feminicídio. Por essa razão e para reduzir o objeto da discussão é importante e se justifica o estudo da temática da violência psicológica no âmbito doméstico e familiar.  

Assim, o objetivo geral do presente trabalho é analisar a violência psicológica no âmbito doméstico e familiar, nos termos do artigo 7º da lei 11.340 especialmente em razão da recente lei n.14.188, de 28 de julho de 2021 que, dentre outras, inseriu o artigo 147-B no Código Penal brasileiro e criou o crime de Violência psicológica contra a mulher.  

No primeiro capítulo, apresenta-se a Lei Maria da Penha – Lei n. 11.340 de 07 de agosto de 2006, sua origem, objeto e finalidade; no segundo capítulo, discorre-se sobre as formas de violência descritas na Lei Maria da Penha; no terceiro capítulo, analisa-se uma das formas de violência, qual seja, a violência psicológica, nos termos do artigo 7º da Lei 11.340 de 2006, especialmente, relacionando-a ao recente crime de violência psicológica contra a mulher, descrito no artigo 147-B do Código Penal brasileiro. 

2 MARIA DA PENHA E A LEI MARIA DA PENHA 

A lei Maria da Penha não é uma lei concebida por homens e para homens. Ela é uma lei fruto da luta e da lida das mulheres, uma conquista de gênero, feita por e para as mulheres. Isto porque, “O pioneirismo e a coragem de algumas mulheres têm permitido o avanço feminino em conquistas significativas para toda a sociedade brasileira” (Teles, 2023, p.110).  

Assim, para compreender a construção histórica da Lei Maria da Penha é importante tratar da luta das mulheres, em especial da mulher que deu nome à lei: Maria da Penha Maia Fernandes. 

Após o transcurso do processo no âmbito da Comissão e da Corte Interamericana, em 2001, o Estado brasileiro foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, por omissão e negligência e assim teve que assumir, entre outros, o compromisso de reformar as suas legislações e políticas públicas, no que diz respeito à proteção da mulher em face das violências domésticas e familiares. 

Com isso, no ano de 2002, foi criado um consórcio de ONGs feministas para a elaboração de uma lei de combate à violência contra a mulher, que contou com diversas pessoas da sociedade, especialmente feministas e juristas com especialização na temática. Assim, após muitos debates com o legislativo e executivo, a discussão caminhou no parlamento e o Projeto de Lei n. 4559/2004 da Câmara dos Deputados chegou ao Senado Federal, em que foi aprovado por unanimidade em ambas as casas do parlamento. Assim, em 07 de agosto de 2006, o então presidente Luís Inácio Lula da Silva sancionou a Lei 11.340, denominada de Lei Maria da Penha. 

3 AS ESPÉCIES DE VIOLÊNCIA DESCRITAS NA LEI 

A lei Maria da Penha descreve as espécies de violência contra a mulher no âmbito doméstico e familiar. O Título II da Lei 11.340 de 2006 trata da violência doméstica e familiar contra a mulher. No primeiro capítulo do citado título II, estabelece-se o conceito de violência doméstica e familiar contra a mulher. De acordo com os termos do art. 5º da lei em comento:

configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: 
I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; 
II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; 
III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. (Brasil, 2006)  

Como se vê, a lei determina o âmbito de proteção da violência contra a mulher que se insere na proteção por ela albergada. Não se trata de qualquer violência, ou melhor de violência contra a mulher realizada em qualquer contexto, mas apenas aquelas baseada no gênero e que ocorra no âmbito doméstico e familiar ou de coabitação, tal descrito nos incisos do art. 5º, acima citado. 

Importante destacar que o parágrafo único deste mesmo artigo estabelece que as relações pessoas enunciados no artigo não dependem de orientação sexual, tratando-se, portanto, de questões relativas à natureza de gênero.  

O art. 6º da lei, por sua vez, informa que a violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos, isto significa que se trata de uma agressão que importa tanto para o direito interno quanto para o direito internacional dos direitos humanos. 

Maria Amélia de Almeida Teles e Mônica de Melo ao conceituarem violência, destacam que

Quer dizer uso da força física, psicológica ou intelectual para obrigar outra pessoa a fazer algo que não está com vontade; é constranger, é tolher a liberdade, é incomodar, é impedir a outra pessoa de manifestar seu desejo e sua vontade, sob pena de viver gravemente ameaçada ou até mesmo ser espancada, lesionada ou morta. É um meio de coagir, de submeter outrem ao seu domínio, é uma violação dos direitos essenciais do ser humano (Teles; Melo, 2003, p.15).

Para melhor compreensão desta agressão aos direitos humanos, a fim de preestabelecer formas de visualização mais fáceis para todos os envolvidos na questão, especialmente as mulheres que figuram como vítimas, o capítulo II da lei apresenta pormenorizadamente as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher. Assim, de acordo com o:

Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: 
I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; 
II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
III- a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; 
IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; 
V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria (Brasil, 2006).

Nas palavras de Alexandre Morais da Rosa e Ana Luisa Schmidt Ramos: 

a atenção à violência psicológica intensificou-se nos últimos tempos, com recentes movimentos de tipificação dos atos atentatórios à saúde mental da mulher (da perspectiva de gênero). Além do crime de violência psicológica propriamente dito, ainda neste ano de 2021 foi introduzido o artigo 147-A ao Código Penal, criando-se a figura típica da perseguição ou stalking. Tais iniciativas são indicativas de que se tem reconhecido, cada vez mais, a importância do cuidado à integridade da mulher na sua completude, atreladas ao dever de “devida diligência”. (Rosa; Ramos, 2021, p.1).

Nesse contexto é que surge a lei n. 14.188 de 2021, que trata da violência psicológica contra a mulher que se relaciona diretamente com a previsão de violência psicológica contra a mulher prevista no artigo 7º da lei 11.343 de 2006.  

A violência psicológica é prática corriqueira em nossos dias, mas, muita vez, tal conduta é invisibilizada, em razão da difícil prova do ocorrido, pois tais fatos ocorrem geralmente na clandestinidade. Também é outro motivo de inviabilização o fato de que as próprias vítimas muitas vezes desconhecem o fato de que sofrem danos emocionais, superiores àqueles que qualquer pessoa pode sofrer no seu dia a dia. 

Assim, passa-se a tratar da violência psicológica descrita na Lei Maria da Penha e após, trata-se da violência psicológica contra a mulher descrita no Código Penal. 

4 A VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA DA LEI MARIA DA PENHA E O CRIME DE VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA CONTRA A MULHER DO ART. 147-B DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO  

A violência psicológica também conhecida como agressão emocional é uma das formas silenciosas de violência contra a mulher que se realiza no âmbito doméstico e familiar e que mereceu atenção da lei 11.340 de 2006 (Silva, 2007). Contudo, a par da previsão normativa, especialmente no artigo 7º, há ainda muita dificuldade em se concebê-la na prática, isto é, não é de fácil verificação a violência psicológica, pois, não se trata de violência material ou objetiva, que cause danos físicos.  

Ocorre que, por essa ausência de concretude, muitas vezes, as próprias vítimas não conseguem perceber que sofrem danos emocionais para além de meros aborrecimento do convívio com pessoas da família, notadamente companheiros. Além disso, as relações subjetivamente violentas são escondidas em muros fechados da relação doméstica e familiar e perpassam em muitos casos várias gerações.  

A ampliação da proteção da mulher por meio da concepção de violência psicológica descrita na lei converge para a afirmação da vida, da integridade física e saúde da mulher, uma vez que o conceito de saúde da Organização Mundial da Saúde indica que “a saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade” (OMS, 2023).  

Como a proteção contra a violência psicológica tem por finalidade a manutenção de um quadro de bem estar mental e social da mulher, essa proteção diz respeito a implementação de um direito social, que é a saúde, para além dos direitos individuais de liberdade, direito de expressão e autodeterminação das mulheres, que são muito mais visualizados nos casos concretos. 

Algumas ações, realizadas de forma isolada ou em conjunto podem sugerir ou significar violência psicológica. São elas: Ameaças; Constrangimento; Humilhação; Manipulação; Isolamento (proibir de estudar e viajar ou de falar com amigos e parentes); Vigilância constante; Perseguição contumaz; Insultos; Chantagem; Exploração; Limitação do direito de ir e vir; Ridicularização; Tirar a liberdade de crença; Distorcer e omitir fatos para deixar a mulher em dúvida sobre a sua memória e sanidade (gaslighting)4

Esta última descrição da forma de violência psicológica é denominada na literatura estadunidense sobre a matéria de gaslighting5, um apagar e acender a luz, ou seja, uma consciência reduzida sobre a questão que vivencia decorrente de uma manipulação emocional do agressor. Ela diz respeito a uma maneira utilizada pelo agressor, que distorce, mente, induz e instiga para diminuir a mulher, até o ponto de que ela não perceba a opressão, ou quando vê que algo está errado pode pensar que isto ocorre porque Deus quer ou porque a culpa é dela, ou ainda porque talvez ela não esteja bem de discernimento. Todas essas situações invertem os pólos e tendem a produzir uma narrativa da mulher como louca, exagerada, sensível, confusa. 

Como se vê, muitas podem ser as ações danosas à saúde psíquica da vítima, especialmente realizadas em contexto de violência doméstica e familiar. No entanto, não havia uma previsão de incriminação específica de tais condutas que poderiam ser tipificadas como vários crimes ou sequer serem consideradas criminosas. De acordo com Eduardo Luiz Santos Cabette:

Ocorre que a Lei 11.340/06, embora tratando da violência doméstica e familiar contra a mulher, praticamente não prevê crime algum especial, salvo, excepcionalmente, mesmo assim após uma pequena reforma, o crime de descumprimento de medida protetiva de urgência, conforme artigo 24 – A do mesmo diploma, inserido pela Lei 13.641/18. No mais, o que a Lei 11.340/06 faz com relação à violência de gênero contra a mulher no âmbito doméstico e familiar é prever um tratamento penal, processual penal e de execução penal mais rigoroso e adequado ao agressor. Não obstante, os crimes a serem imputados são aqueles já normalmente previstos no ordenamento jurídico (v.g. Feminicídio, lesões corporais, ameaça, constrangimento ilegal, sequestro e cárcere privado etc.). (Cabette, 2022, p.01). 

Em outros termos, pode-se dizer que a Lei Maria da Penha propicia um sistema de proteção integral à mulher vítima de violência doméstica e familiar, protegendo-a, portanto, de todas as formas de violência elencada na lei, com o objetivo de acolhimento da vítima, inclusive, a partir de medidas protetivas em desfavor do agressor, ainda que não haja processo cível ou criminal em curso. 

Ainda nas palavras de Eduardo Luiz Santos Cabette, quanto ao fato de, em regra, inexistir a tipificação específica das violências descritas no artigo 7º da Lei Maria da Penha: 

Quanto à chamada “Violência Psicológica” sempre se procedeu dessa mesma forma. Havendo a situação de violência doméstica e familiar contra a mulher (artigo 5º., I a III) e configurada uma hipótese de “Violência Psicológica” (artigo 7º., II), o infrator seria submetido à imputação de algum crime previsto na legislação penal, como, por exemplo, ameaça, perseguição ou Stalking, sequestro e cárcere privado, constrangimento ilegal etc. Mais uma vez, seguindo a normalidade da Lei 11.340/06, a chamada “Violência Psicológica” descrita no artigo 7º., II do mesmo diploma não era um tipo penal específico, mas apenas uma descrição abstrata, uma definição de espécie de violência, que poderia abranger vários tipos penais, conforme as circunstâncias do caso concreto. (Cabette, 2022, p.02).  

Conforme Vier Machado e Dezanoski: 

Diante das dificuldades de operacionalização conjunta dos mecanismos extrapenais e penais, a doutrina tem se posicionado diversamente no que tange à aplicabilidade do conceito de violência psicológica. O que se observa nas doutrinas referentes à sua forma de aplicação é a existência de posições favoráveis à integral criminalização daquela, enquanto outras (os) posicionam de maneira contrária, defendendo a não criminalização da violência psicológica contra mulheres (Vier Machado; Dezanoski, 2014, p.108).

Ocorre que, esse quadro se modificou um pouco, no que diz respeito à “violência psicológica”, isto porque, com a recente lei n. 14.188 de 2021, altera a sistemática usual da Lei 11.340/06, criando-se um subsistema incriminador dentro do subsistema de tratamento específico da violência doméstica e familiar contra a mulher” (Cabette, 2022, p.02).  Nos exatos termos da nova lei: 

Violência psicológica contra a mulher  
Art. 147-B.  Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação: Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave. (Brasil, 2021). 

Assim, a partir da modificação ocorrida em 2021 com a nova lei a violência psicológica contra a mulher em âmbito doméstico e familiar passa a ser um crime específico, o que pode facilitar a percepção da violência psicológica no âmbito da Lei Maria da Penha, sendo, pois, positivo para prevenir tais condutas que antes eram bastante invisibilizadas. 

O crime de violência psicológica contra a mulher tipificado no art.147-B do Código Penal tem como sujeito ativo qualquer pessoa, portanto, trata-se de crime comum. O sujeito passivo, por sua vez, é a mulher. O objeto jurídico do crime é a integridade e a saúde psicológica da mulher e a sua liberdade individual, por esta razão está previsto no Capítulo VI – Dos crimes contra a liberdade Individual, do Código Penal.  

O tipo objetivo se centra no verbo “causar”, que significa motivar, originar, provocar. Trata-se de causar dano emocional à mulher, mas não é qualquer dano emocional, senão aquele que prejudique e perturbe o seu pleno desenvolvimento ou vise a degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões. Não há a previsão da conduta culposa, portanto o tipo subjetivo é o dolo. O crime se consuma com o efetivo dano psicológico ou emocional causado à mulher.  

5 CONCLUSÃO 

A violência psicológica é prática corriqueira em nossos dias, mas, muita vez, tal conduta é invisibilizada, seja pela difícil prova do ocorrido, quanto pelo próprio desconhecimento das vítimas em relação ao fato de que sofrem danos emocionais, superiores àqueles que qualquer pessoa pode sofrer no seu dia a dia. 

A violência psicológica atenta contra a saúde da mulher, isto porque a Organização Mundial da Saúde – OMS, compreende que saúde não é só o fato inexistir doença ou enfermidades, mas haver um completo bem-estar físico, mental e social das pessoas (OMS, 2023). 

Assim, é importante destacar o conceito e a ampliação da proteção de todos os tipos de violência ocorridas contra a mulher no âmbito doméstico e familiar e especialmente a violência psicológica, sendo notável a preocupação do legislador ao tipificar o crime de violência psicológica contra a mulher.  

O Tipo penal do artigo 147-B do Código Penal que criou o crime de violência psicológica contra a mulher é mais abrangente do que o artigo 7º da lei 11.340 de 07 de agosto de 2006 que prevê a violência psicológica contra a mulher, pois esta última a vincula ao âmbito das relações domésticas e familiares. O artigo 147-B do Código Penal dirige a proteção à mulher em qualquer situação, o art. 7º da lei Maria da Penha apenas nas relações domésticas e familiares.  


4Essas formas de realização da violência psicológica são descritas no site do Instituto Maria da Penha, disponível na internet em: TIPOS DE VIOLÊNCIA. Disponível em: https://www.institutomariadapenha.org.br/lei-11340/tipos-deviolencia.html#:~:text=Viol%C3%AAncia%20Psicol%C3%B3gica,%2C%20comportamentos%2 C%20cren%C3%A7as%20e%20decis%C3%B5es. Acesso em 05 set. 2023.
5Origem do termo – Gaslighting define as agressões a partir de atitudes de abusos psicológicos onde informações são distorcidas, omitidas para favorecer o abusador ou inventadas com a intenção de fazer a vítima duvidar de sua própria memória, percepção e sanidade. O termo gaslighting tem origem no filme “Gas Light” (À Meia Luz), de 1944. Na trama, o marido tenta convencer a mulher de que ela é louca, manipulando pequenos elementos de seu ambiente e insistindo que ela está errada ou que se lembra de coisas de maneira incorreta. O nome faz referência às lâmpadas que são alimentadas a gás, e em certo momento piscam. Ela nota, mas o marido a faz acreditar que está imaginando, fazendo com que a mulher duvide da própria sanidade. Conferir em: “VOCÊ ESTÁ FICANDO LOUCA”. ENTENDA O GASLIGHTING, UM DOS TIPOS DE VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA CONTRA A MULHER. Disponível em: https://www.defensoria.ce.def.br/noticia/voce-esta-ficando-louca-entenda-o-gaslighting-um-dostipos-de-violencia-psicologica-contra-a-mulher-2/. Acesso em 06 set. 2023.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

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BRASIL. Presidência da República. Lei n. 14.188, de 28 de julho de 2021. Define o programa de cooperação Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica como uma das medidas de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher previstas na Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), e no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), em todo o território nacional; e altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para modificar a modalidade da pena da lesão corporal simples cometida contra a mulher por razões da condição do sexo feminino e para criar o tipo penal de violência psicológica contra a mulher. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14188.htm.
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CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Violência psicológica contra a mulher (Artigo 147-B, CP). Meu site jurídico. Juspodium. 05 de maio de 2022. Disponível em: https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2022/05/05/violenciapsicologica-contra-a-mulher-artigo-147-b-cp/. Acesso em 06 set. 2023. 

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1Discente do Curso de Direito do Centro Universitário de Caratinga (UNEC) – Campus Nanuque.
2Discente do Curso de Direito do Centro Universitário de Caratinga (UNEC) – Campus Nanuque.
3Mestre em Direito e Inovação pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), professor do curso de Bacharelado em Direito do Centro Universitário de Caratinga (UNEC) – Campus Nanuque.