REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10045657
Jaenne V. Ribeiro1
RESUMO: A violência obstétrica não apenas viola os direitos fundamentais das mulheres, mas também compromete a qualidade da assistência à saúde durante o período de gestação, parto e pós-parto, por se perpetuar a transgressão ao direito da mulher. Na qual é fundamental ações jurídicas sejam aprimoradas e fortalecidas, garantindo a criação de legislação em prol dos direitos das mulheres com abordagem humanizada e respeitosa durante todo o ciclo gravídico-puerperal. A pesquisa tem como objetivo analisar a proteção contra a violência obstétrica no ordenamento jurídico brasileiro. Utilizou-se como método investigativo, o estudo bibliográfico, por permitir explorar e analisar diversas fontes de informação já existentes, como livros, artigos científicos, legislação, jurisprudência, revistas, normativas legais e as diretrizes éticas que visam proteger os direitos reprodutivos e a integridade física e emocional das gestantes. E por meio da pesquisa realizada pode-se constatar que muitas mulheres são vítimas de violência obstétrica, o que reforça a necessidade de que ocorra implementação de medidas jurídicas em prol da garantia de que todas as mulheres tenham uma experiência de parto e maternidade segura e respeitosa.
Palavras – chave: Direito da Mulher. Violência obstétrica. Ordenamento Jurídico.
ABSTRACT:
Obstetric violence not only violates women’s fundamental rights, but also compromises the quality of health care during pregnancy, childbirth and postpartum, by perpetuating the transgression of women’s rights. In which it is essential that legal actions are improved and strengthened, ensuring the creation of legislation in favor of women’s rights with a humanized and respectful approach throughout the pregnancy-puerperal cycle. The research aims to analyze protection against obstetric violence in the Brazilian legal system. Bibliographical study was used as an investigative method, as it allows exploring and analyzing various existing sources of information, such as books, scientific articles, legislation, jurisprudence, magazines, legal regulations and ethical guidelines that aim to protect reproductive rights and integrity. physical and emotional health of pregnant women. And through the research carried out, it can be seen that many women are victims of obstetric violence, which reinforces the need for the implementation of legal measures to ensure that all women have a safe and respectful childbirth and motherhood experience.
Keywords: Women’s Rights. Obstetric violence. Legal System.
1 INTRODUÇÃO
O parto é o processo físico e emocional pelo qual um bebê nasce do útero da mãe, tornando-se um ser independente e capaz de respirar e se alimentar por conta própria. É um evento complexo e natural que marca o fim da gestação e o início da vida extrauterina.
Vale advertir que o parto pode acontecer de maneira vaginal ou por meio de uma cesariana, sendo que a taxa de nascimentos por meio de cesariana atingiu, pela primeira vez no Brasil, uma marca alarmante, superando os 57% em 2022. Esse número está muito além do limite recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que preconiza que não mais que 15% dos partos devem ser realizados por cesariana. Acredita-se que o crescente índice de escolha por esse tipo de parto, parte do interesse das mulheres em não sofrer no momento do parto, principalmente no que se refere a violência obstétrica. Esse dado reflete uma tendência preocupante que ganha destaque no cenário da saúde materno-infantil no país (França; Pohlenz, 2022).
Independente de ser um parto normal ou cesárea, é primordial que durante todo esse processo, a mulher possa contar com o auxílio de profissionais de saúde, como obstetras, enfermeiros obstétricos e parteiras, para garantir um parto seguro e monitorar a saúde da mãe e do bebê. Paralelamente, os hospitais públicos e privados devem disponibilizar recursos de monitoramento para melhorar a garantia da saúde da criança e gestante, sendo necessário que os profissionais envolvidos adotem assistência humanizada.
Em razão disso, surgiu o interesse de investigar sobre o tema, formulando a seguinte problemática a violência obstétrica ocasiona transgressão ao direito da saúde da mulher? E para alcançar a resposta, foram elaborados alguns objetivos, sendo o geral: analisar a proteção contra a violência obstétrica no ordenamento jurídico brasileiro e os específicos: conhecer o conceito e caracterização da violência obstétrica, identificar as normas de proteção contra a violência obstétrica e constatar a relação dos direitos fundamentais da mulher e a violência obstétrica.
Apesar de existirem leis de proteção à saúde da mulher, a violência obstétrica é um grave problema que afeta a saúde e o bem-estar das mulheres durante o processo de gestação, parto e pós-parto. Essa discrepância se manifesta de diversas formas, incluindo a negligência, o desrespeito, o abuso verbal, psicológico e até físico por parte dos profissionais de saúde envolvidos no atendimento à mulher grávida. Essas práticas violam os direitos fundamentais das mulheres à saúde, à dignidade entre outros princípios essenciais, conforme determina assegura o Código Penal Decreto – Lei 2.848/40 e Constituição Federal de 1988. Além disso, atualmente existe o Projeto de Lei 422/23 inclui a violência obstétrica entre os tipos de violência previstos na Lei Maria da Penha (Bispo, 2020).
O direito à saúde da mulher é garantido por leis e convenções internacionais, como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) e a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), que reconhecem a importância de garantir que as mulheres tenham acesso a serviços de saúde adequados, respeitosos e livres de qualquer tipo de violência. No entanto, a violência obstétrica persiste em muitos sistemas de saúde ao redor do mundo (Cardoso e Morais, 2018).
Ademais, é importante destacar que a violência obstétrica representa a transgressão ao direito da saúde da mulher, isto ocorre quando os profissionais de saúde não oferecem o devido respeito à autonomia das mulheres em suas decisões relacionadas ao parto e à gestação. Incluiu também, imposição de procedimentos médicos desnecessários, na falta de informação adequada sobre as opções disponíveis, na ausência de consentimento informado e na desconsideração das preferências culturais e individuais das mulheres. Além disso, a linguagem agressiva, os comentários desrespeitosos e a falta de empatia por parte dos profissionais de saúde podem causar traumas emocionais duradouros nas mulheres (França; Pohlenz, 2022).
Para combater a violência obstétrica e promover o respeito aos direitos de saúde das mulheres, é necessário um esforço conjunto de profissionais de saúde, gestores hospitalares, formuladores de políticas e jurídicos. Isso envolve a implementação de treinamentos sensíveis ao gênero para os profissionais de saúde, a criação de diretrizes claras para a prática obstétrica baseada em evidências criminais, o estabelecimento de mecanismos para denúncias e monitoramento da violência obstétrica entre outros (Bispo, 2020).
Em última análise, a erradicação da violência obstétrica é essencial não apenas para garantir a saúde física e mental das mulheres, mas também para construir uma sociedade mais justa e igualitária, onde os direitos humanos de todas as pessoas sejam respeitados desde o início da vida.
Consciente de que muitas mulheres no momento do parto têm seus direitos violados, o presente trabalho foi elaborado visando analisar a transgressão ao direito da mulher na ocorrência de violência obstétrica. E a escolha pelo tema surgiu durante o curso de direito, da qual despertou o interesse de conhecer as ações que podem ser consideradas violência à mulher durante o pré-natal, parto e puerpério.
Dentre os meios possíveis de investigação, adotou-se a pesquisa bibliográfica o principal instrumento de investigação, por existir fontes primárias secundárias: livros, revistas, artigos, jurisprudência com obras publicadas que abordam o tema em questão.
2. CONCEITO E CARACTERIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
O processo de gestação e parto trata-se de uma ação natural da humanidade, no entanto, muitas mulheres durante esse período vivencia múltiplos tipos de violência, que se conceitua como descaso e desrespeito atribuídas por profissionais que atuam na área da saúde (médico, enfermeiros, técnicos e outros), independente ser no pré-natal, parto ou puerpério (Marques, 2020).
O termo “violência obstétrica” emergiu no cenário da América Latina por volta do ano 2000, coincidindo com o crescimento dos movimentos sociais dedicados à promoção do parto humanizado e respeitoso. Esse termo, muitas vezes empregado de forma ampla, abrange uma gama de práticas, que vão desde a excessiva medicalização do processo de parto até a prática de violência física direta contra a parturiente.
Para melhor compreender as especificações acerca da violência obstétrica na Argentina, convém citar o que diz Albuquerque (2018, p. 35)
O legislador argentino alocou a definição de violência obstétrica como modalidade de violência contra a mulher, juntamente com a violência doméstica, violência institucional, violência contra a mulher no trabalho, violência reprodutiva e midiática e, portanto, também a considerou como decorrência de características específicas advindas do gênero. No mesmo sentido, a Lei Orgânica sobre o Direito das Mulheres a uma Vida Livre da Violência,. vigente na Venezuela. Desta forma, a violência obstétrica consiste na apropriação do corpo e dos processos reprodutivos da mulher pelos profissionais de saúde que se exterioriza por meio do tratamento violento, do abuso de medicalização e da patologização dos processos naturais, que acarretam a perda de autonomia da parturiente e a capacidade de decidir livremente sobre seu corpo e sexualidade de forma negativa.
Compreende-se que a violência obstétrica envolve submeter as mulheres a dor desnecessária e intensa durante o parto, à realização de procedimentos não recomendados e a situações de humilhação que atentam contra a sua capacidade de tomar decisões sobre o próprio corpo e o processo de parto.
Segundo (Cardoso e Morais, 2018) Organização Mundial de Saúde com base nas inúmeras queixas de mulheres que afirmaram serem violentadas (xingamento, desrespeito, intervenções desnecessárias e etc.,), considerou que as atitudes do profissional enfermagem não correspondem assistência humanizada, ou seja, efetivam violência obstétrica independente ser no setor público ou privado.
Para melhor compreender sobre a violência obstétrica, convém destacar o que diz Zanardo (2018, p.11).
A violência obstétrica é um fenômeno que vem acontecendo há algumas décadas na América Latina. E um fator sempre presente entre as gestantes é a falta de informação e o medo de perguntar sobre os processos que irão ser realizados na evolução do trabalho de parto. Essa situação pode levá-las a se conformarem com a exploração de seus corpos por diferentes pessoas, aceitando diversas situações incômodas sem reclamar. gestantes do mundo todo sofrem abusos, desrespeito, negligência e maus-tratos durante o parto nas instituições de saúde.
Entende-se que a violência obstétrica aumenta o nível de sofrimento das mulheres no momento do parto, isso por que, não recebem atendimento de forma adequada e em tempo oportuno, sendo que as agressões se caracterizam de agressões verbais, negligência (omissão de atendimento) violência psicológica (ameaça, gritos e outros) e física (negar alívio de dor mesmo existindo métodos e estratégia específica).
VIOLÊNCIA POR NEGLIGÊNCIA:
Negar atendimento ou impor dificuldades para que a gestante receba os serviços que são seus por direito. Essa violência ocasiona uma peregrinação por atendimento durante o pré-natal e por leito na hora do parto.
VIOLÊNCIA FÍSICA:
Práticas e intervenções desnecessárias e violentas, sem o consentimento da mulher. Entre elas, estão a aplicação do soro com ocitocina, lavagem intestinal (além de dolorosa e constrangedora, aumenta o risco de infecções), privação da ingestão de líquidos e alimentos, exames de toque em excesso, ruptura artificial da bolsa, raspagem dos pelos pubianos, imposição de uma posição de parto que não é a escolhida pela mulher, não oferecer alívio para a dor, seja natural ou anestésico, episiotomia sem prescrição médica, “ponto do marido”, uso do fórceps sem indicação clínica, imobilização de braços ou pernas, manobra de Kristeller.
VIOLÊNCIA VERBAL:
Comentários constrangedores, ofensivos ou humilhantes à gestante. Seja inferiorizando a mulher por sua raça, idade, escolaridade, religião, crença, orientação sexual, condição socioeconômica, número de filhos ou estado civil, seja por ridicularizar as escolhas da paciente para seu parto, como a posição em que quer dar à luz.
VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA:
Toda ação verbal ou comportamental que cause na mulher sentimentos de inferioridade, vulnerabilidade, abandono, medo, instabilidade emocional e insegurança (MONTIEL, 2018, p.4).
As práticas de violências descritas na citação acima, traz a concepção de que é necessário que ações de intervenções precisam e devem ser acionadas para que as implicações adotadas por alguns profissionais não impulsionem implicações muitas vezes irreversíveis, já que a negligência coopera com o aumento do índice da taxa mortalidade tanto da mulher como também na criança. “Algumas situações de risco é comprovadamente um fator determinante de sua morbimortalidade, com destaque para as mortes maternas e neonatais” (Andrade; Lima, 2018, p.21).
É sabido que existe a necessidade de atendimento especializado para mulheres gestantes, e no momento do parto é primordial propor ações adequadas que visam objetivar segurança, bem-estar e acolhimento, afinal, essa fase da vida é considerada de grande vulnerabilidade e quando a mulher não recebe atendimento humanizado, poderá vivenciar impacto negativo, tais como, tristeza, depressão entre outras implicações. Já que as ameaças, xingamentos, gritos e humilhações adversas causam transtornos físicos, psicológicos e emocionais.
Conforme Carvalho (2018) a violência obstétrica é classificada como violação dos direitos das mulheres grávidas em processo de parto, devido a mesma durante essa transição não possuem autonomia de decisão sobre o próprio corpo, além de requerer cuidados durante e após o parto. Afinal, o parto é uma experiência profundamente complexa, que envolve não apenas aspectos biológicos, mas também dimensões psicológicas e emocionais, e quanto mais harmoniosa for o processo do nascimento, gradativamente desempenha um papel crucial na saúde e bem-estar tanto da mãe quanto do bebê.
2.1 Normas de Proteção Contra a Violência Obstétrica
As normas de proteção contra a violência obstétrica desempenham um papel fundamental na promoção dos direitos das mulheres durante o parto e o período perinatal. E como mencionado anteriormente, a violência obstétrica é uma forma de
abuso que pode ocorrer no contexto do atendimento médico durante a gravidez, o parto e o pós-parto. O que incluiu desrespeito à autonomia das mulheres, a negligência, o abuso verbal e físico, procedimentos médicos desnecessários e invasivos, entre outros (Cardoso e Morais, 2018).
O ordenamento jurídico brasileiro apresenta diversas normativas destinadas à proteção dos direitos das mulheres, além das garantias previstas na Constituição Federal. Dentre essas normas, destaca-se a Lei n. 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, e os dispositivos do Código Penal que tipificam crimes como feminicídio (art. 121, § 2º, VI) e lesão corporal (art. 129), entre outros. Recentemente, a Lei n. 14.321/22 foi promulgada, tornando crime a violência institucional, estabelecendo penalidades para aqueles que submetem vítimas de crimes violentos a procedimentos desnecessários ou invasivos, reavivando a situação de violência (Brasil, 2022).
No entanto, chama a atenção o fato de que não há uma legislação federal específica para tratar da violência obstétrica. Diante dessa lacuna legal, órgãos reguladores têm estabelecido resoluções para abordar questões relacionadas a essa forma de violência (Lopes, 2020).
A Lei Federal n. 11.108/05, conhecida como Lei do Acompanhante, embora não aborde a violência obstétrica de maneira direta, foi criada para garantir o bem estar das parturientes, assegurando o direito à presença de acompanhante no Sistema Único de Saúde (SUS). Contudo, é relevante destacar que não há sanção prevista para o não cumprimento desse dispositivo legal (Brasil, 2022).
Além disso, a Lei nº 11.634/07 assegura à gestante e parturiente o direito de conhecer e estar vinculada à maternidade onde receberá atendimento pelo SUS, garantindo o suporte necessário de acordo com a condição de risco gestacional (Brasil, 2022). Diante da ausência de uma norma federal específica sobre o tema, Spacov e Silva (2018) indicam que o suporte às mulheres vítimas de violência obstétrica é respaldado pela Constituição Federal, utilizando-se dos direitos fundamentais, e conta também com respaldo no Código Civil e no Código Penal para os casos mais graves.
É inquestionável a relevância em abordar as atribuições dos direitos fundamentais da mulher em combate à violência obstétrica, pois segundo Lopes, 2020) direitos fundamentais da mulher incluem o direito à vida, à igualdade, à dignidade, à saúde, à integridade física e psicológica, entre outros. Estes direitos são protegidos por diversas convenções e tratados internacionais, bem como pelas constituições de muitos países.
Por sua vez, a violência obstétrica refere-se a práticas inadequadas, abusivas ou desrespeitosas durante o parto e a assistência ao parto. Assim, quando ocorrem práticas de violência obstétrica, os direitos fundamentais da mulher estão sendo violados.
Segundo França e Pohlenz (2022) correlacionar o direito fundamental da mulher com a violência obstétrica também envolve a conscientização e a educação. É essencial que as mulheres conheçam seus direitos durante a gravidez e o parto, e que os profissionais de saúde estejam cientes das implicações éticas e legais de suas práticas. Embora que, muitas vezes, a violência obstétrica está enraizada em estereótipos de gênero e na desigualdade de poder entre médicos e pacientes. Garantir uma atuação judiciária consistente contra essa forma de violência, destaca-se a importância da criação de um preceito legal específico pelo Poder Legislativo, especialmente pelo Poder Legislativo federal. Embora os Estados e Municípios possuam competência concorrente para legislar sobre a proteção da saúde, muitos Estados promulgaram normas que definem e caracterizam a violência obstétrica (Marques, 2020).
São inúmeras consequências que a violência obstétrica pode ocasionar, foi promulgado a Lei nº 17.097, de 17 de janeiro de 2017, na qual no art.2º apresenta quais as ações são definidas como violência.
Art. 2º Considera-se violência obstétrica todo ato praticado pelo médico, pela equipe do hospital, por um familiar ou acompanhante que ofenda, de forma verbal ou física, as mulheres gestantes, em trabalho de parto ou, ainda, no período puerpério.
Art. 3º Para efeitos da presente Lei considerar-se-á ofensa verbal ou física, dentre outras, as seguintes condutas:
I – tratar a gestante ou parturiente de forma agressiva, não empática, grosseira, zombeteira, ou de qualquer outra forma que a faça se sentir mal pelo tratamento recebido;
II – Fazer graça ou recriminar a parturiente por qualquer comportamento como gritar, chorar, ter medo, vergonha ou dúvidas;
III – fazer graça ou recriminar a mulher por qualquer característica ou ato físico como, por exemplo, obesidade, pelos, estrias, evacuação e outros;
IV – Não ouvir as queixas e dúvidas da mulher internada e em trabalho de parto;
[…] (Zanardo, 2017, p.15).
É importante observar que, as violências obstétricas são acometidas por profissionais da área da saúde que atuam nas unidades hospitalares. E entre as condutas adotadas por profissionais que ferem os direitos da mulher, a Lei fez nº 17.097 fez abordagem detalhamento dos elementos que são incluídos como violência, tais como: impedimento de um acompanhante, realizar parto cesariano sem necessidade entre outros. Portanto, pode-se assegurar que a lei surgiu como mecanismo favorecedor da efetivação do parto humanizado.
O Estado de Santa Catarina, por exemplo, foi pioneiro ao elaborar a Lei n. 17.097/2017, posteriormente consolidada e revogada pela Lei Ordinária n. 18.322/2022, que define a violência obstétrica como qualquer ato que ofenda, de forma verbal ou física, as mulheres gestantes, em trabalho de parto ou no período puerpério (França; Pohlenz, 2022).
Outros Estados também promulgaram normas para proteger e amparar as mulheres, visando caracterizar a violência obstétrica e conceituá-la de forma clara. Marques (2020) destaca as leis do Distrito Federal (Lei n. 6.144/2018), Tocantins (Lei n. 3.385/2018, alterada pela Lei n. 3.674/2020), Mato Grosso do Sul (Lei n. 5.217/2018), entre outras. No entanto, é fundamental ressaltar que desde 2014 tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 7.633/2014, que visa humanizar a assistência à mulher e ao neonato durante o ciclo gravídico-puerperal, combatendo a violência obstétrica (França; Pohlenz, 2022).
Diante da ausência de uma lei federal específica, parlamentares têm proposto projetos de lei para tipificar a violência obstétrica e promover um atendimento humanizado às gestantes e parturientes (Lopes, 2020). Na Câmara Legislativa, encontram-se três projetos de lei que definem a violência obstétrica e preveem punições: PL 8219/17, do deputado Francisco Floriano; PL 7867/17, da deputada Jô Moraes; e PL 7633/14, do deputado Jean Wyllys (Cardoso e Morais, 2018) e por último atualmente encontra-se em análise da Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 422/23, na qual o documento trata a violência obstétrica como uma das formas de violência previstas (Nascimento, 2023).
O projeto Lei 422/23 foi apresentado pela Deputada Laura Carneiro, como proposta de estabelecer mecanismos eficazes para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Essa proposta reflete a necessidade de reconhecer e abordar a violência obstétrica de maneira mais assertiva, considerando suas particularidades e os danos que pode causar às mulheres (Lopes, 2020).
Caso o Projeto de Lei 422/23 seja aprovado, representará um avanço significativo na legislação brasileira, demonstrando o compromisso do poder legislativo em combater diversas formas de violência contra as mulheres e garantir um ambiente seguro e respeitoso durante o processo gestacional e no período pós-parto (Chinelato e Perrota, 2019).
A ausência de uma lei federal, juntamente com a falta de conhecimento sobre o tema por parte das mulheres e a institucionalização, contribui para a persistência da violência obstétrica nos ambientes hospitalares do Brasil. Portanto, é imperativo que o legislativo federal regulamente e promova debates sobre a violência obstétrica, aprovando uma legislação que proteja efetivamente os direitos das mulheres gestantes e parturientes.
Por certo, a violência obstétrica é uma grave violação dos direitos fundamentais da mulher, afetando sua vida, liberdade e dignidade. Trata-se de um subtipo de violência de gênero, em que a mulher é submetida a agressões físicas, psicológicas e até mesmo verbais durante o processo de gestação, parto e pós-parto, simplesmente por ser mulher e, muitas vezes, por ser considerada inferior pela equipe que a assiste, especialmente se essa equipe for composta por homens (Carvalho, 2018).
Desse modo, Nascimento (2023) garante que a inclusão da violência obstétrica na Lei Maria da Penha, por meio do Projeto de Lei 422/23 atualmente em análise na Câmara dos Deputados, representa um avanço significativo. Isso sinaliza a importância de reconhecer e punir esse tipo de violência, proporcionando uma legislação mais abrangente e protetora para as mulheres, especialmente durante momentos tão cruciais de suas vidas, como a gestação e o parto.
3 METODOLOGIA
Trata-se de um estudo de revisão bibliográfica, na qual foram analisadas pesquisas de forma detalhada artigos, dissertações, livros e revista eletrônica sobre violência obstétrica.
De acordo com Gil (2022), a pesquisa bibliográfica tem a função de elaborar fundamentos, a partir da leitura de publicações tais como livros, revistas, jornais, periódicos, artigos, estatísticas e matérias veiculadas na Internet para uma posterior organização dos textos em forma de resumos, citações e interpretações.
O trabalho foi realizado por meio da base de dados, Scientific Eletronic Library OnLine (SCIELO) e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILASC), que dispõem de materiais sobre o assunto, na qual utilizou os seguintes descritores: Direito da Mulher. Violência obstétrica. Ordenamento Jurídico.
A análise dos dados ocorreu por meio de leitura de todo material, e as principais informações foram compiladas e posteriormente foi realizada uma análise descritiva das mesmas buscando estabelecer uma compreensão e ampliar o conhecimento sobre o tema pesquisado para elaboração do referencial teórico. Lakatos e Marconi (2016) enfatizam que analisar é apresentar uma crítica sobre o material bibliográfico selecionado, trata-se de interpretar o que foi escrito pelos autores, é uma avaliação importante sobre o material científico.
Adotou-se como critérios de inclusão, obra publicada entre 2018 a 2023 nas fontes Scielo e LILASC, sendo artigos escritos inglês e português. Assim, a exclusão aconteceu mediante o descumprimento dos critérios inclusivos, tais como, publicações inferiormente ao ano de 2018 e de outra língua.
Os resultados dessa pesquisa foram apresentados de forma clara e organizada tendo em vista fornecer uma representação das principais informações coletadas.
3.1 Resultados e discussões
Dentre os achados da pesquisa pode-se constatar que a violência obstétrica se constitui em um grave problema de saúde pública e violação aos direitos humanos no contexto da assistência ao parto no Brasil. A violência obstétrica, caracterizada pela violação dos direitos reprodutivos e da integridade física e psicológica da gestante, demanda uma abordagem jurídica rigorosa e eficaz.
No ordenamento jurídico brasileiro Carvalho (2018) profere que a proteção contra a violência obstétrica encontra respaldo em diversas normativas e dispositivos legais. Em primeiro plano, destaca-se a Constituição Federal de 1988, que preconiza, em seu artigo 5º, inciso III, o direito à integridade física e moral, garantindo a inviolabilidade do corpo humano e vedando tratamentos desumanos ou degradantes.
No âmbito internacional, Gonçalves (2020) salienta que o Brasil é signatário de tratados e convenções que reforçam a proteção dos direitos humanos, tais como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), que reafirmam o compromisso com a eliminação da violência obstétrica.
Marques (2020) acrescenta que a Lei nº 11.108/2005, conhecida como “Lei do Acompanhante”, assegura às gestantes o direito a acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, visando proporcionar suporte emocional e afetivo à mulher, reduzindo a vulnerabilidade e a possibilidade de abusos no ambiente hospitalar. E a Lei nº 13.845/2019, denominada “Lei de Parto Humanizado”, reforça a garantia do direito à informação e ao consentimento informado, bem como a necessidade de respeitar as escolhas da gestante no processo de parto, protegendo contra práticas médicas coercitivas e desnecessárias.
Inquestionavelmente, as leis de proteção acionam aplicação e fiscalização dessas normativas, promovendo a conscientização da sociedade e dos profissionais de saúde quanto à importância do respeito à dignidade, autonomia e integridade física e psicológica da gestante durante o período gestacional e o parto. O que torna imprescindível que as instituições de saúde implementem políticas de prevenção, capacitação e sensibilização dos profissionais, com o objetivo de eliminar a violência obstétrica e proporcionar um ambiente seguro e respeitoso para as gestantes.
Diante do exposto, Nascimento (2023) e Madureira e Cordeiro (2020) articulam que é imperativo que se busque a efetivação dos direitos das gestantes, aprimorando o arcabouço jurídico existente e promovendo a conscientização da sociedade acerca da necessidade de proteção contra a violência obstétrica, visando assegurar uma assistência ao parto humanizada, digna e condizente com os princípios fundamentais dos direitos humanos e da Constituição brasileira, pois é “[…] dever de abstenção em suprir a vida de qualquer ser humano; […] o dever de investigar e punir mediante os instrumentos jurídicos internos a causa de óbito; […] e o dever de adotar medidas que previnam a morte evitável” (Albuquerque, 2018, p. 98).
Mediante a complexidade que está relacionado a violência obstétrica, (Carvalho, 2018) asseguram que além da carência nos serviços essenciais para o acompanhamento adequado durante a gestação e o parto, há um problema adicional: a falta de preparo e infraestrutura nos serviços de emergência para atender às parturientes. Esta situação evidencia a deficiência no sistema de saúde em fornecer um atendimento seguro e eficaz às mulheres grávidas, não apenas durante a gestação, mas também no momento crucial do parto.
Portanto, a violência obstétrica é uma forma de violência que não viola somente os direitos humanos da mulher, mas também impacta sua saúde física e mental, podendo gerar traumas profundos e duradouros. Por esse motivo, Gonçalves (2020) assegura que é essencial reconhecer a violência obstétrica como um problema sério que necessita de medidas efetivas para prevenção, conscientização e combate, tanto no âmbito legal quanto no campo da educação e sensibilização da sociedade.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora existam dispositivos legais relacionados à obstetrícia no Brasil, como a regulamentação do direito à presença de acompanhantes durante o parto, é evidente que o cumprimento dessas leis é frequentemente negligenciado, deixando as vítimas com uma sensação de impotência e impunidade.
Para resolver esse problema, é responsabilidade do Estado garantir a segurança e a dignidade das mulheres durante o processo de parto, intervindo para coibir práticas violentas na obstetrícia. A violência obstétrica é uma forma de violência de gênero que merece uma regulamentação específica e uma nova lei que garanta sua implementação integral.
Além disso, a pesquisa revelou que é crucial que as mulheres conheçam seus direitos para poderem buscar reparação em caso de violação. É também fundamental superar a inércia do Legislativo, uma vez que projetos de lei sobre o tema estão em tramitação desde 2014.
Por certo, a criação de uma lei federal específica é de extrema importância, pois ajudará a aumentar a conscientização sobre o problema, evitando que a violência obstétrica seja confundida com práticas normais. A implementação de uma sanção penal específica no Código Penal responsabilizará aqueles que praticam essa violência, contribuindo efetivamente para a redução dessa prática prejudicial às mulheres, como já foi observado em países que adotaram medidas legislativas específicas para combater a violência obstétrica.
A legislação brasileira atual não oferece proteção eficaz para gestantes e parturientes em relação à violência obstétrica. Portanto, a implementação de uma nova lei que regulamente e criminalize essa forma de violência é uma medida eficaz para proteger as vítimas e erradicar essa prática prejudicial.
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1 Graduando curso de Direito