OBSTETRIC VIOLENCE: CRIMES, WOMEN VICTIMS OF VIOLENCE AND WOMEN’S RIGHTS
REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.10946702
André Henrique de Oliveira1
Vitor Martins Cortizo2
Guilherme Soares Vieira3
Resumo
O objetivo deste trabalho acadêmico é demonstrar a violência obstétrica em suas ramificações e questões importantes sobre os crimes, as vítimas e os direitos da mulher, bem como apresentar esta modalidade de violência como um obstáculo para a efetiva concretização dos direitos fundamentais da mulher. Ao longo da história, percebe-se que existe uma mudança completa no que se refere ao momento do parto, sendo inserido diversas tecnologias, que impactam de maneira positiva, já que essa assistência reduziu a morbimortalidade, mas trouxe algumas adversidades, como a violência obstétrica. A metodologia alvitrada para este trabalho acadêmico foi embasada primeiramente em uma pesquisa bibliográfica extensiva e análise qualitativa. Conclui- se que, a violência obstétrica é um problema grave e sistêmico que requer uma abordagem holística e baseada nos direitos humanos. Desta maneira, ao contextualizar sua história, analisar suas origens na sociedade brasileira e abordar seus impactos sobre a vida da parturiente e do neonatal, podemos trabalhar para erradicar essa forma insidiosa de violência.
Palavras-chave: Crimes. Mulheres. Parto. Violência Obstétrica.
1 INTRODUÇÃO
A violência obstétrica é caracterizada por ações exercidas contra a mulher no uso de sua saúde sexual e reprodutiva, que existe a possibilidade de acontecerem por meio de profissionais de saúde ou outros profissionais que possuem envolvimento no suporte à mulher no momento do ciclo gravídico-puerperal, sendo que também abrange os casos de abortamento. Posto isto, o presente trabalho será delimitado na violência obstétrica: crimes, mulheres vítimas de violência e os direitos da mulher.
Assim, diante o vasto número de mulheres que já sofreram violência obstétrica, é imprescindível um maior rigor e estudo sobre tal tipo de violência, pois as mulheres ficam expostas a muitos perigos que a violência no meio obstétrico por oferecer em suas várias formas, atrapalhando exponencialmente a experiência do parto e pós-parto. Então, o questionamento mais importante deste trabalho é: De que forma garantir a plena proteção emocional e física das mulheres, sobretudo perante o expressivo número de mulheres que são submetidas a violência obstétrica e passam por situações humilhantes, tendo seus direitos humanos fundamentais violados?
Isto posto, este trabalho acadêmico possui como objetivo geral demonstrar a violência obstétrica em suas ramificações e questões importantes sobre os crimes, as vítimas e os direitos da mulher, bem como apresentar esta modalidade de violência como um obstáculo para a efetiva concretização dos direitos fundamentais da mulher. Logo, os objetivos específicos foram contextualizar a história da violência, explorando origens e padrões; analisar a perspectiva histórica da violência obstétrica e a origem na sociedade brasileira; e abordar os diferentes crimes relacionados a violência obstétrica e de que modo estes podem afetar a vida da parturiente e do neonatal sob a luz dos direitos fundamentais da mulher.
Sendo assim, este trabalho se justifica na escassa percepção da violência obstétrica por muitos, inclusive algumas mulheres desconhecem seus direitos. Semelhante a outras formas de violência de gênero, a violência obstétrica precisa ser reconhecida, assegurando proteção às vítimas e responsabilização dos agressores. Assim, enfatiza-se a relevância de abordar essa temática, evidenciando sua existência e os danos irreversíveis ou psicológicos que acarreta, contrastando com a experiência memorável que deveria ser. Ressalta-se que, este trabalho pode proporcionar às mulheres uma compreensão adicional de uma das várias possíveis formas de violência que podem enfrentar durante o período mais sublime de suas vidas.
Desse modo, a metodologia proposta para este trabalho acadêmico foi embasada primeiramente em uma pesquisa bibliográfica extensiva e minuciosa, que abrangeu artigos acadêmicos, autores, livros, leis e documentos legais que possuem relação com a violência obstétrica. Após, foi realizada uma análise qualitativa completa que visou tomar conhecimento sobre casos concretos, carência dos dispositivos legais e a necessidade de maior rigor da norma.
1 HISTÓRIA DA VIOLÊNCIA: EXPLORANDO ORIGENS E PADRÕES
Com uma história complexa que se estende por várias épocas, a violência tem sido uma questão proeminente conhecida por muitos. No entanto, foi apenas no séc. XIX, quando os direitos humanos foram oficialmente reconhecidos nas constituições em todo o mundo, que o tema da violência recebeu um escrutínio mais extenso, gerando interesse entre segmentos díspares da sociedade. Hoje, a violência continua a ser uma preocupação premente para toda a humanidade (LIMA, 2019).
A violência teve imensa importância na vida de nossos antigos antepassados. Guerras motivadas pela conquista, escravidão e penas cruéis eram comuns nas histórias das primeiras civilizações como Grécia, Roma, Mesopotâmia e Egito. Muitos imperadores romanos reforçaram o seu domínio através da conquista militar, permitindo-lhes dominar sociedades subjugadas e defender a brutalidade como forma de entretenimento no Coliseu. O uso da violência como um espetáculo público emocionante, como a execução de prisioneiros ou a exibição de combates de gladiadores, era uma característica proeminente destas sociedades. Esse tipo de selvageria, impregnada da cultura e da política da época, sem dúvida contribuiu para o seu alicerce histórico (BERNASKI, 2018).
De acordo com Bernaski, (2018), as raízes da violência também estão presentes em muitas culturas não ocidentais. Guerras tribais na África, conflitos religiosos no Oriente Médio e práticas tradicionais de intolerância em várias partes do mundo são exemplos de como a violência se entrelaça com a história e a cultura de diversas sociedades. A modernidade trouxe novas formas de violência, como o terrorismo internacional, crimes de guerra e a disseminação da violência por meio da mídia e da tecnologia. A globalização conectada a culturas e sociedades, mas também trouxe desafios complexos, incluindo o aumento da violência relacionada ao comércio ilegal de drogas, tráfico humano e conflitos étnicos em escala global.
1.1 A caracterização da violência sob a perspectiva da Lei Maria da Penha
A Lei Maria da Penha, Lei nº 11.340/2006 promulgada no Brasil em 2006, representa um marco significativo na caracterização da violência, especialmente no contexto das relações interpessoais, com foco primordial na violência contra a mulher. Essa lei foi criada com o objetivo de coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra as mulheres, sendo uma resposta à necessidade urgente de enfrentar esse problema enraizado na sociedade brasileira. A caracterização da violência sob a perspectiva da Lei Maria da Penha é de extrema relevância, pois ajuda a compreender a complexidade desse fenômeno e a direcionar esforços para combatê-lo de forma eficaz (ROSA, 2021).
Na visão de Souza et al (2021), a Lei n. 11.340/2006, oferece uma abordagem abrangente e inovadora para entender e enfrentar a violência de gênero, considerada uma das mais abrangentes e progressistas leis de combate a violência de gênero do mundo. Logo, Mata (2019) enfatiza que a perspectiva da Lei Maria da Penha destaca a importância de se analisar não apenas os atos isolados de violência, mas também o contexto em que ocorrem. Ela reconhece que a violência de gênero está enraizada em desigualdades históricas entre homens e mulheres, bem como em estereótipos de gênero prejudiciais. Portanto, a lei busca não apenas punir os agressores, mas também promover a conscientização, a prevenção e a educação para mudar essas dinâmicas sociais prejudiciais.
Segundo Rodrigues (2018), a Organização Mundial da Saúde (OMS) designou oficialmente a violência de género como uma preocupação de saúde pública em 1990. Este reconhecimento decorre do entendimento de que a violência de género não só viola os direitos humanos, mas também dificulta o avanço socioeconómico, tornando-se um importante problema de saúde pública. Ainda Rodrigues (2018), em 1983, Maria da Penha Maia Fernandes sobreviveu a duas tentativas de homicídio do marido e ficou paralisada. Assim, a sua luta por justiça e proteção está na origem da Lei Maria da Penha no Brasil. O processo judicial expôs a impunidade do agressor e a insuficiência de recursos legais para assistir Maria da Penha. Com o apoio de grupos de mulheres e ativistas dos direitos humanos, Maria da Penha embarcou numa dura batalha por uma representação justa. Significativo para sua cruzada foi o papel desempenhado por Batalha Dela ao destacar a questão da violência contra as mulheres e a urgência de modificações nas leis do Brasil.
Fonseca e Álvares (2022), enfatizam que após muitos anos de mobilização e pressão dos defensores dos direitos das mulheres, aconteceu a promulgação da Lei Maria da Penha em 2006. Esta legislação distribuiu medidas de proteção mais rigorosas às mulheres vítimas de violência doméstica e incluiu a nomeação de aproximação do agressor e criação de juízes específicos. Logo após, foi inserida no ordenamento jurídico brasileiro a Lei 11.340/06, contendo diversas medidas protetivas de urgência para salvar a cidadania da mulher e garantir o direito da mulher viver sem violência. É considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) a terceira melhor lei do mundo para combater a violência doméstica, perdendo apenas para as leis do Chile e da Espanha. Observa-se que a história de vida de Maria da Penha é muito parecida com a vida de muitas mulheres que apresentam sinais visíveis e invisíveis de violência em seus corpos e almas. Maria da Penha passou a ser símbolo dessa razão, sua vida está simbolicamente escrita e assinalada pelo nome de uma lei (OLIVEIRA, 2021).
Segundo Campos e Gianezini (2019), a Lei Maria da Penha foi extremamente reconhecida internacionalmente como um marco na proteção dos direitos das mulheres e no combate à violência de gênero. Assim, atraiu outras nações para adotar medidas semelhantes. Lei nº 11.340/2006 é um exemplo notável de como a perseverança e a mobilização da sociedade civil podem levar a mudanças significativas na legislação e na conscientização sobre questões de gênero e violência doméstica, desempenhando um papel fundamental na proteção das mulheres contra a violência e na promoção da igualdade de gênero no Brasil.
O comportamento abusivo nos relacionamentos não se trata apenas de incidentes violentos, mas sim de um padrão de hostilidade – é aqui que entra a legislação sobre violência baseada no género. A Lei Maria da Penha reconhece o ciclo de violência, destacando a necessidade de o quebrar. Além disso, coloca a proteção e o apoio da vítima como prioridade máxima, implementando medidas eficazes como a contenção do agressor para garantir a segurança do sobrevivente (SOUZA et al, 2021).
Sendo assim, a violência contra a mulher não é uma ocorrência isolada, é instituída nas relações sociais e reproduzidas pela sociedade. A seguir apresenta-se as formas de violência contra as mulheres. A Violência física – É entendida como qualquer comportamento que prejudique a segurança ou a saúde física de uma mulher. Para Souza (2018), a violência física incide quando uma pessoa causa ou tenta causar dano por meio de força física, e porta algum tipo de ferramenta que pode causar lesões internas e externas a uma pessoa, colocando em risco sua integridade física, de diferentes formas ou até mesmo com o uso de armas e espancamentos e várias outras formas (SOUZA, 2018).
A violência moral – é uma das diferentes formas de violência que podem ser praticadas contra a mulher. De acordo com o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), esse tipo de violência é comtemplado na Lei 11.340/2006 – Lei Maria da Penha, qualificada como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria, insultos, xingamentos ou atribuição de fatos inverídicos (TJDFT, 2018).
Violência psicológica – Esse tipo de violência é um ato ou omissão com a intenção de humilhar ou controlar as ações, comportamentos, crenças e decisões de outra pessoa. Ocorrendo também no ambiente familiar, onde uma pessoa comete ou omite qualquer ação contra outra com o objetivo de constranger e prejudicar o crescimento e o desenvolvimento psicológico dessa pessoa. A violência psicológica pode ocorrer de várias formas, como chantagem, manipulação, intimidação direta ou indireta, insultos constantes; humilhação; desvalorização; perseguição, isolamento de amigos e familiares; ridicularização; negligência (atos de omissão a cuidados e proteção contra agravos evitáveis como situações de perigo, doenças, gravidez, alimentação, higiene; ameaças, dentre outras, ou seja, é a violência percebida como qualquer comportamento que lhe ocasione dano emocional e a diminuição da autoestima (SÁ, 2012). Provavelmente a violência psicológica seja a forma mais frequente de violência e a menos denunciada, pois muitas vezes nem a própria vítima tem noção de que está sendo alvo deste tipo de abuso (REIS, 2018).
A violência patrimonial – É uma forma invisível e altamente destrutiva de violência doméstica, uma tentativa de controlar a vida de alguém usando dinheiro, bens ou documentos. No Brasil, pouco se discute sobre o assunto, contudo o ato abusivo é uma das maneiras de agressão contra a mulher consagrada na Lei Maria da Penha. Apesar de que esse tipo de violência seja comum no cotidiano, são poucas as denúncias registradas pelas vítimas (LEWGOY, 2021).
A violência sexual – É um acontecimento que alcança, indistintamente, mulheres de todas as classes sociais, etnias, religiões e culturas. A violência sexual é percebida como uma grave violação dos direitos humanos e um problema de saúde pública, por suas limitações à autonomia da mulher, e muitas outras consequências (ALBERGUINI, 2019). Envolvendo ameaças, coerção, intimidação ou força, qualquer comportamento que obrigue uma mulher a participar, testemunhar ou manter relações sexuais indesejadas enquanto enfrenta intimidação é considerado violência sexual (ALBUQUERQUE, 2020).
A Lei de Importunação Sexual (Lei 13.718/2018) define os crimes de importunação sexual, de divulgação de cena de estupro, sexo ou pornografia, e do mesmo modo determinada os motivos de aumento da pena para esse crime (IBDFAM, 2018). De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) (2018), seja na esfera pública ou privada, a violência contra a mulher ocorre de diversas outras formas, tais como:
Violência de gênero: Ocorre pelo simples fato de ser mulher, independente de raça, classe social, religião, idade ou outras circunstâncias, é resultado de uma estrutura social que subjuga o gênero feminino e/ou integra outras formas de violência.
Violência institucional: impulsionada pela desigualdade de gênero, étnico-raciais, econômicas e outras, as quais são predominadoras em diversas sociedades Essas desigualdades são formalizadas e institucionalizadas nas mais variadas organizações privadas e também por omissão de agentes públicos que prejudicam o atendimento às vítimas de violência, bem como dos diversos grupos que compõem essas sociedades (CNJ, 2018, p. 01).
As mulheres do mesmo modo estão expostas a diversos outros tipos de violência de forma quase invisível. O preconceito e a falta de respeito em relação às mulheres são exemplos dessas formas de violência, pois agiram para comportamentos mais graves e prejudiciais (BRANDÃO, 2012). Essas formas de agressão são complexas, insidiosas e acontecem de modo isolado, acarretando graves consequências para as mulheres. Cada uma das manifestações de violência contra as mulheres constitui uma violação dos direitos humanos e precisa ser denunciada.
1.2 A abordagem da violência obstétrica à luz da Lei Maria da Penha
Nos contextos médico e jurídico, a violência obstétrica era uma forma de violência há muito negligenciada, até que a Lei Maria da Penha trouxe um avanço significativo na compreensão e no combate a tal violência. A abordagem agora lança luz sobre uma questão crucial relativa aos direitos reprodutivos e à dignidade das mulheres no momento da gravidez e do parto (VALENTE, 2023).
Cardozo (2023) enfatiza que a violência obstétrica é uma questão de direitos humanos e de gênero. A Lei Maria da Penha fornece uma base legal sólida para a responsabilização dos profissionais de saúde envolvidos em casos de violência obstétrica, bem como para a conscientização das mulheres sobre seus direitos reprodutivos. Valente (2023) expõe sobre a humanização do parto, a importância da reforma dos sistemas de saúde para garantir que as mulheres recebam cuidados dignos e respeitosos durante o processo de dar à luz. No contexto internacional, a Organização Mundial da Saúde (OMS) também tem desempenhado um papel relevante na conscientização sobre a violência obstétrica, destacando sua relação com os direitos humanos.
Alves (2022), ressalta que a abordagem da violência obstétrica à luz da Lei Maria da Penha representa uma evolução importante no entendimento e combate a essa forma de violência de gênero. Tanto no cenário internacional quanto nacional, têm contribuído para essa discussão, destacando a necessidade de proteger os direitos reprodutivos e a dignidade das mulheres durante o processo de dar à luz.
2 PERSPECTIVA HISTÓRICA DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA E A ORIGEM NA SOCIEDADE BRASILEIRA
A violência obstétrica é um conceito amplo que pretende descrever todos os procedimentos de natureza violenta contra a mulher. Dessa maneira, existem vários tipos de violências, sendo elas: Físicas, psicológicas, verbais ou sexuais (implícitas ou explícitas). Posto isto, tais agressões são realizadas por profissionais de unidades de saúde contra mulheres grávidas e suas famílias durante o período pré-natal, pós-parto ou aborto espontâneo (DUTRA, 2017).
Sendo assim, conforme Martins et al (2019), o termo violência obstétrica é normalmente aplicado a partos excessivamente medicalizados, à violência física contra as mulheres durante ou após o parto, ou ao público em geral. Com isso, estes abusos podem assumir uma forma física ou psicológica e podem ter o maior efeito sobre uma mulher durante a sua vida, sendo que, muitos desses traumas são irreversíveis.
Neste sentido, Zanardo et al (2017) elucida que, no começo do século XX, a taxa de internações para partos aumentou, no término do século quase 90% dos partos eram realizados em hospitais. Logo, isto tem sido acompanhado por um aumento na utilização de tecnologias destinadas a iniciar, melhorar, regular e monitorizar o trabalho de parto. Dessa maneira, todas essas tecnologias são destinadas a tornar o trabalho de parto mais comum e permitir que a mãe e o bebé desfrutem de maiores benefícios associados à sua saúde.
Desse modo, foi durante a década de 80, o momento em que os debates sobre a violência das mulheres começaram a questionar os métodos tradicionais de controlo da natalidade que violavam os direitos das mulheres, esses direitos já estavam protegidos por lei. Então, disputas a respeito da cerimônia de nascimento iluminam a questão, mas surgiram questionamentos sobre como é que procedimentos comuns que são ensinados aos alunos como apropriados se tornam considerados violentos? Em que circunstâncias eles deixam as mulheres? As réplicas foram iniciadas no período em que os movimentos de mulheres começaram a abordar a autonomia, o corpo feminino, os direitos sexuais e reprodutivos, a individualidade, a ciência feminista e a Medicina Baseada em Evidências (RODRIGUES, 2022).
À vista disso, em 1993, com a criação da Rede pela Humanização do Parto e Nascimento (REHUNA), o vocábulo violência obstétrica em território brasileiro foi primeiro definido e depois aumentado em resposta ao reconhecimento de instâncias de violência, das consequências associadas e o constrangimento de cuidar de uma mulher durante o trabalho de parto. No entanto, esta organização hesitou por conta de uma possível resposta agressiva por parte dos profissionais de saúde, acusados de violência (VELASCO, 2017).
Neste viés, Rodrigues (2022) expõe que, no Brasil, depois da revisão das condutas associadas à assistência ao parto, o Ministério da Saúde iniciou, em 2001, uma publicação que descrevia, entre outras coisas, a Manobra de Kristeller e a episiotomia de rotina como sendo “angustiantes” e “ineficazes”. Apesar disso, eles ainda são comumente utilizados hoje, porém uma pesquisa realizada pela Fiocruz, Nascer no Brasil, mostrou que 53,5% dos indivíduos femininos entrevistados durante o parto normal tiveram o períneo cortado.
Com isso, Rezende (2019) elucida que, a violência no meio obstétrico é cometida contra qualquer mulher, independentemente da sua classe, religião, etnia, idade, orientação sexual, e tem efeitos duradouros na sua saúde física e mental. Porém, o volume desse tipo de violência nos hospitais públicos é excedente, isso se explica principalmente pela alta demanda dos serviços e a maioria dos pacientes atendidos nessas unidades são pobres. Como resultado, ele diz que a violência obstétrica tem uma população maior de vítimas de grupos vulneráveis, isso é verdade por causa da discriminação de gênero, situação que não impede que essas mesmas vítimas participem de outros grupos de discriminação, como aqueles que utilizam a cor de sua pele, renda ou outros motivos.
Desse modo, Nogueira (2021) ressalta que, uma das características mais importantes da violência obstetrícia, é que a mesma é praticada por agentes de órgãos públicos, que precisariam agir para defesa daquela que ali chega na sua maior condição de fragilidade. Portanto, é muito importante salientar que, quaisquer práticas de abuso ou violações nessas circunstâncias podem acabar por configurar em uma situação da violência supracitada, e, além disso, há de se pensar que, a vítima nessa situação não é só a mulher, mas também o nascituro. Logo, durante o pré-natal, é definido como violência a carência de informação; ou informação confusa e fragmentada, indiferença da equipe médica, demora no atendimento, atitudes no geral que faça a mulher se sentir humilhada, exposta, fragilizada.
Hodiernamente, conforme Gil (2015), existe até documentação de que, o aumento dos casos de depressão pós-parto é causado pela violência obstétrica. Assim sendo, práticas como a realização de cesariana ou episiotomia em mulheres sem o seu consentimento; não poder comparecer com pessoa escolhida para ser acompanhante; submetendo-as a procedimentos dolorosos ou humilhantes, como lavagem intestinal, obrigando-as a dar à luz em um momento que não é biologicamente adequado ou a fazer um aborto, são práticas que caracterizam a violência supracitada. Portanto, essas ações são consideradas violentas, desrespeitosas ou zombeteiras.
Tendo isso em vista, Lima e Lopes (2019) afirmam que, a Manobra de Kristeller, que é comumente utilizada em hospitais para facilitar o nascimento do bebê, é um procedimento que envolve subir em direção ao útero para empurrar a criança para dentro da pélvis durante o parto. Sendo assim, existe a possibilidade de ser aplicado nos antebraços, braços, nas mãos e pernas. Neste sentindo, também existe a Episiotomia, que é representada por um procedimento médico que envolve médicos para majorar o comprimento da abertura vaginal com um corte feito na vulva com tesoura ou lâmina, sendo que, ocasionalmente, não é utilizado anestésico (ESTEVAN, 2021).
Por conseguinte, de acordo com Rocha (2016), a cesariana eletiva pode ser estimada como uma forma de violência obstétrica, no momento em que, for realizada sem a devida autorização da paciente e prescrição anterior (ZANARDO et al, 2017). Igualmente, o enema, que é uma limpeza no intestino, é realizado rotineiramente, porque existe a crença de que esse procedimento trará benefícios como parto mais rápido e menor contaminação do períneo. Porém, realizar o enema sem discriminação é considerado violência à mulher durante o trabalho de parto, pois é um constrangimento inadmissível, pois estudos demonstram que o número de infecções fecais durante o trabalho de parto não é reduzido, o contrário é verdadeiro, a mulher fica sujeita a humilhações, dores e desconfortos. É um procedimento ponderado prejudicial ou ineficaz pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e não deve ser concretizado rotineiramente durante o trabalho de parto em hospitais (LIMA; LOPES, 2019).
Nesta perspectiva, segundo Martins et al (2019), no momento da parturição, a violência pode assumir forma física ou psicológica, sendo que, o abuso físico é considerado excessivo no seu grau de intrusão, com procedimentos injustificados, como o carácter doloroso e repetitivo do exame vaginal, o carácter desnecessário da tricotomia, e a falta de anestesia. Assim, a episiotomia pode levar a vários efeitos adversos nas mulheres, incluindo potencial para infecção, dor pós-parto e necessidade de analgésicos, e, além disso, outros casos de intervenção não consensual incluem aqueles em que a mulher não autoriza o procedimento de episiotomia. Logo, a utilização de um soro que contém ocitocina sintética para induzir a contração artificial do parto, é feita com o objetivo de acelerar o processo do parto.
De forma consequente, a administração de ocitocina é caracterizada pela produção dessa substância hormonal, que promove a aceleração das contrações uterinas e do processo de parto, no entanto, o corpo é responsável por criá-lo (PONTES; SOARES, 2018). Sendo assim, em consonância com Lima e Lopes (2019), os profissionais da área da saúde têm um papel crucial no processo de nascimento humanizado, mas isso é lamentável porque a prática já é um problema na área obstétrica, pois os médicos a aprendem sem qualquer fundamento científico como uma suposta tradição.
A violência moral contra as mulheres associada à obstetrícia tem um sério impacto na saúde das mulheres, mas muitas mulheres que dela participam não conseguem denunciá-la e, em vez disso, apoiam o comportamento. Portanto, este comportamento é mais evidente no tratamento da mulher, particularmente no uso de linguagem desumana e na conduta para com a mulher (LIMA; LOPES, 2019). Martins et al (2019) elucida que, a pressão na área psicológica é uma das formas mais comuns e significativas de violência obstétrica.
2.1 Legado e mudanças: impacto da conscientização na sociedade brasileira
O parto é um período com muito significado, pois é uma experiência que muda permanentemente o rumo da vida da mulher, é o precursor natural da maternidade, durante o qual ela terá a oportunidade de sentir e vivenciar sensações que a valorizarão como mulher e mãe. Sendo assim, no parto, a mulher sente-se exposta, porque é uma experiência profunda que pode envolver dor, trabalho de parto e medo da morte ou da perda do bebê, sendo que, entende-se que, é função dos profissionais de saúde tornar esse momento o mais agradável possível para a mulher, mas a maior parte da assistência que a mulher recebe durante o parto é prejudicial porque diminui a capacidade da mulher de múltiplas maneiras. Logo, o viés da família sobre este evento está sujeito às emoções pessoais dos membros (MARTINS et al, 2019).
Martins et al (2019) enfatizam que em 2014, o Ministério da Saúde afirmou que, todas as mulheres grávidas, em trabalho de parto, recém-nascidos e puérperas necessitam receber cuidados de saúde destinados a reduzir o número de lesões causadas por potenciais complicações durante a gravidez, o parto e o período pós-parto. Desse modo, a superação da violência obstétrica pressupõe a reatribuição da mulher ao papel da gestante, do recém- nascido e do puerpério, como condição dos direitos da mulher. Como resultado, é vital que os procedimentos médicos intraparto sejam realizados apenas quando houver um aumento significativo na probabilidade de um resultado perinatal positivo (TRAJANO; BARRETO, 2021).
Assim, segundo Zanardo et al (2017), a datar de 2015, algumas propostas foram tentadas na tentativa de alterar esse quadro, a divulgação dos documentos do Ministério da Saúde “Diretrizes para Atendimento à Gestante: cesárea” e “Diretrizes para Atendimento à Gestante: parto normal”, que buscam definir o procedimento e garantir a determinação quanto à via de parto de maneira informada, ponderando os riscos e benefícios do procedimento, bem como compartilhada entre a gestante e a equipe. Não obstante, o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) iniciaram iniciativas para promover o parto natural, incluindo um projeto piloto que está em andamento em 23 hospitais privados e 5 hospitais do SUS que realizam cesarianas acima de 80% e 60%, na devida ordem.
3 DIFERENTES CRIMES RELACIONADOS A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA: PARTURIENTES E NEONATAL SOB A LUZ DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA MULHER
O processo de gestar é um momento modificador na vida das mulheres, seja do ponto de vista biológico ou social. Assim, ao longo da história, percebe-se que existiu uma mudança completa no que se refere ao momento do parto, sendo inserido diversas tecnologias, que impactam de maneira positiva, já que essa assistência reduziu a morbimortalidade, mas trouxe algumas adversidades, como a violência obstétrica (LUNA et al, 2022).
Sendo assim, em conformidade com o Ministério da Saúde brasileiro, a violência obstétrica é considerada abuso, negligência e desrespeito às gestantes ou aos seus parceiros, o que faz com que elas sintam vergonha do tratamento que receberam. Desse jeito, a mesma pode ser caracterizada ao negar acesso ao pré-natal, dificuldade para realizar exames, impedimento da presença de acompanhante durante o trabalho de parto, não realização de nenhum tipo de acompanhamento pré-natal, realização de episiotomia (corte cirúrgico no períneo) e uso de humor humorístico, zombeteiro e constrangedor declarações destinadas a mulheres grávidas são exemplos disso (FERREIRA, 2023).
Em vista disso, de acordo com Jardim e Modena (2018), a Organização Mundial da Saúde (OMS) categoriza os diferentes tipos de VO e destaca cinco classes que implementam as definições legais: 1 – ações rotineiras e desnecessárias, medicalização da mãe ou do bebê, 2 – abuso, humilhação e agressão física ou verbal, 3 – falta de recursos e insuficiência instalações, 4 – ações perpetradas por moradores e profissionais sem autorização da mãe, mediante informações completas, precisas e suficientes, 5 – discriminação por motivos culturais, econômicos, religiosos e étnicos. Assim sendo, é notória a grande variedade de atos que caracterizam a violência obstétrica.
Desta maneira, em harmonia com Carvalho et al (2022), na pesquisa “Nascer no Brasil” realizada no período de fevereiro/2011 a outubro/2012 com a aplicação do questionário em 23.940 mulheres no pós-parto, verificou-se o excesso de práticas no parto e nascimento, mostrando a incidência de intervenções prejudiciais que são realizadas nos hospitais sem necessidade, expondo as mulheres e seus recém-nascidos a efeitos adversos ou complicações resultantes das condutas médicas.
Por conseguinte, assim como já apresentado no capítulo anterior, no que tange as manifestações e categorias sobre a violência obstétrica, a mesma possui como principais incidências: Xingamentos, episiotomia, ocitocina, manobra de Kristeller, enema, cesárea eletiva, linguagem desumana, pressão psicológica, humilhação sexual, assédio e toques agressivos ou persistentes sem o consentimento. Deste modo, ressalta-se que, tal violência possui uma enorme variedade nas suas formas de ocorrer.
Desse jeito, Ferreira (2023) denota que, em conversa com o jornal da Universidade de São Paulo (USP), uma jovem de 19 anos, que foi uma das voluntárias da pesquisa do Instituto de Psicologia (IP) da USP, ainda se emociona ao falar sobre os abusos e desrespeitos a que foi submetida em 2021. Durante o processo de parto, B. L. afirmou que, sentiu muita dor e sofreu muito, sendo que, ela recebeu ocitocina por injeção intravenosa, além de ter colocado um cateter urinário na mesma hora, este último era problemático e só foi retirado quando o bebê nasceu. Então, seus foram de desamparo e solidão, pela falta de um companheiro que pudesse lhe dar apoio e por não ter conhecimento do que estava acontecendo e, hoje, quando olha para o filho, ainda relembra a violência obstétrica que sofreu e se emociona.
Assim, em concordância com Luna et al (2022), a Organização Mundial da Saúde (OMS) elucida que, em todas as partes do mundo as mulheres são violentadas nos ambientes de saúde, isso se manifesta como maus-tratos, incluindo a falta de direito à alimentação ou caminhada, cesarianas desnecessárias, ou mesmo a realização de episiotomia sem informar a gestante mulher. Logo, este tipo de violência contra as mulheres pode afetar diretamente o estado mental, físico e espiritual das mulheres, bem como o seu direito à plena cidadania.
Destarte, a amostra do estudo concretizado pela USP incluiu 20 gestantes e puérperas (período que se segue ao parto até o corpo da mulher retornar ao estado anterior à gravidez) com idades entre 11 e 19 anos, pacientes dos dois maiores hospitais públicos para mães e bebês em João Pessoa e Campina Grande, na Paraíba. Tendo isso em vista, sentir medo, impotência e solidão foi comum no relato da maioria das mães adolescentes, sendo que, muitas delas reconheceram que estavam preocupadas com um novo filho, pois possuíam medo do que poderia acontecer novamente no parto (FERREIRA, 2023).
Indo além, por ser considerada um símbolo de violência, a violência verbal, moral e psicológica são formas de violência comuns entre profissionais de saúde em todas as áreas. Apesar disso, a VO é a menos documentada e mais frequente entre as mulheres que a vivenciam e, frequentemente, os agressores têm a discriminação racial como um componente de seu agravamento sobre as mulheres negras (ESPIRITO SANTO, 2020).
Dessa maneira, em consonância com Lima (2020), a manobra de Kristeller é definida pela aplicação de pressão na parte do fundo do útero com o indivíduo subindo no corpo da mulher, ou pressionando a barriga na mão, antebraço ou quadril da mulher, para facilitar o nascimento do filho durante o período de expulsão. À vista disso, em harmonia com Maia (2018), limitar as posições da gestante na cama, limitar a água e a comida, impedir o acompanhante, separar o bebê saudável da mãe e utilizar linguagem desrespeitosa ou inadequada, tudo isso leva à intensificação do sentimento de medo, insegurança, dor e constrangimento. Outrossim, de acordo com Ferreira (2023), na pesquisa efetivada pela USP, diversas participantes relataram que, elas sentiam que, os procedimentos aos quais foram submetidas antes e durante o processo de nascimento não foram acompanhados de compreensão ou empatia.
As práticas prejudiciais no setor da saúde, especialmente no que diz respeito ao parto, têm um efeito significativo na vida reprodutiva das mulheres, estes efeitos incluem um efeito adverso na sexualidade e no desejo de ter filhos. O período exato do nascimento, assim como outros fatores, é crucial para a criação do vínculo entre mãe e filho, esse vínculo se forma durante o decorrer da gravidez, por isso é importante saber o momento exato do nascimento. Depois do nascimento, ocorre o primeiro encontro direto entre a mãe e o bebê. Sendo assim, isto leva a uma reestruturação emocional das expectativas que foram antecipadas durante toda a gravidez (ASSIS et al, 2020).
Assim, os problemas no momento do parto podem afetar tanto a mãe quanto o filho, um dos sentimentos mais comuns afetados é a ansiedade. Como tal, a ansiedade associada ao parto leva a um padrão anómalo da frequência cardíaca, a uma diminuição da capacidade de contrair o útero, a um aumento da duração da fase ativa do trabalho de parto e a um baixo índice de Apgar, todos os quais têm um efeito negativo na qualidade da experiência do parto. Como o apoio emocional, a orientação e o conforto são fatores que contribuem para a redução da ansiedade, isso tem um efeito positivo no processo de parto e na experiência da mulher, sendo que, é reconhecido que, métodos brutais e desumanos podem afetar negativamente tanto a mãe como o bebé, devido ao elevado grau de stress (LUNA et al, 2022).
3.1 Direitos humanos fundamentais da mulher: análise sob a perspectiva legal e ética: princípios legais e éticos que garantem o respeito à autonomia, à dignidade e à integridade da mulher durante o parto e o pós-parto
As taxas de mortalidade no momento do parto, entre gestantes e seus filhos, ainda superam os níveis recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em decorrência de monitoramento insuficiente e procedimentos extras desnecessários que prejudicam as vítimas. Em vista disso, essas condutas violam princípios legais, princípios esses garantidos principalmente pela hodierna Constituição Federal do Brasil (SOUZA, 2023).
Por conseguinte, na violência obstétrica, o outro tema frequente é a dinâmica de poder entre médicos e enfermeiros e mulheres grávidas ou mulheres que estão a fazer um aborto.
Com isso, em nome de “protocolos para o conhecimento” ou “obstetrícia médica”, a autonomia das mulheres é muitas vezes perdida e este desequilíbrio de poder é mais evidente quando os profissionais de saúde utilizam a desculpa da necessidade para perpetrar violência e abuso durante o processo de parto (MOURA et al, 2023).
Assim sendo, segundo Souza (2023), no contexto das equipes de saúde, é fundamental reconhecer a necessidade de reavaliar a formação dos profissionais de saúde, com foco na humanização e na valorização da dignidade e autonomia das mulheres. Posto isto, é fundamental reconhecer que, os métodos humanizados são defendidos pelo Ministério da Saúde, apesar de ainda apresentarem problemas associados às práticas tradicionais. Além disso, a Política Nacional de Humanização (PNH) deriva do conceito de que toda pessoa é considerada legítima e possui direitos e valores, sendo que, estes são incentivados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Isto posto, de acordo com Tavares (2023), a dignidade da pessoa humana é uma das normas fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que, este sistema também está diretamente ligado aos direitos da mulher durante todas as fases da vida, incluindo o nascimento de um filho e o pós-parto seguinte. A Constituição Federal de 1988 informa que, o valor da dignidade humana é o valor supremo que deve ser apreciado e protegido em todas as áreas da atividade social e jurídica. Como resultado, a vida humana é o valor mais importante e a sua valorização.
Assim sendo, de acordo com Viapiana (2022), embasado no entendimento acima, a 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo condenou um hospital que praticava violência obstétrica, processo número 1003402-79.2014.8.26.0132. Logo, todos os juízes aceitaram aumentar o valor monetário da indenização por danos morais, que em primeira instância era avaliado em R$ 20 mil, e aumentaram para R$ 50 mil. Ademais, os documentos indicam que a mulher havia sido internada na maternidade antes do parto, mas ficou sem assistência médica durante dez horas após o parto, o que resultou na expulsão do recém-nascido e na sua caminhada pelo corredor, e, indo além, para o relator, o desembargador Márcio Boscaro afirmou que, a falha do sistema de saúde está realmente comprovada.
Em outro caso, conforme o Tribunal de Justiça do Estado do Acre (TJAC) (2021), a Vara Cível de Plácido de Castro efetuou a condenação de um hospital em Rio Branco, no Estado do Acre, pela prática de violência contra mulheres grávidas, visto que, os réus devem pagar ao paciente US$ 50.000 por danos morais e US$ 20.000 por danos estéticos. O diretor da unidade judiciária reconheceu a ocorrência de violência obstétrica, em decorrência de uma episiotomia malsucedida, houve violação da integridade física da gestante. Em consequência, o juiz explicou que, era demonstrável que a má execução do método de episiotomia e sua sutura teve impacto significativo na privacidade do autor.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A contextualização da história da violência é essencial para compreender suas origens e padrões ao longo do tempo. Assim sendo, desde início da sociedade, a violência tem sido uma presença constante na sociedade, manifestando-se de diversas formas e em diferentes contextos, sendo que, guerras, conflitos étnicos, violência doméstica e abuso de poder são apenas alguns exemplos das muitas faces desse fenômeno complexo. Logo, a análise desses padrões históricos revela não apenas a persistência da violência, mas também as mudanças em suas formas e motivações ao longo dos séculos.
Nesta visão, ao abordar os diferentes crimes relacionados à violência obstétrica, é crucial considerar o impacto devastador que essas práticas podem ter na vida da parturiente e do neonato, sob a luz dos direitos fundamentais da mulher. Sendo assim, a violência obstétrica não apenas viola os direitos reprodutivos e a autonomia das mulheres, mas também coloca em risco sua saúde física e emocional, além da saúde e bem-estar do recém-nascido.
Assim, conclui-se que, a violência obstétrica é um problema grave e sistêmico que requer uma abordagem holística e baseada nos direitos humanos. Desta maneira, ao contextualizar sua história, analisar suas origens na sociedade brasileira e abordar seus impactos sobre a vida da parturiente e do neonatal, podemos trabalhar para erradicar essa forma insidiosa de violência e garantir que todas as mulheres tenham o direito de dar à luz com dignidade, segurança e respeito pelos seus direitos fundamentais.
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1Discente do Curso Superior de Direito da Instituição Universidade Evangélica de Goiás Campus Ceres. e-mail: ceres.andre@gmail.com
2Docente do Curso Superior de Direito da Instituição Universidade Evangélica de Goiás Campus Ceres. e-mail: cortizo1979@gmail.com
3Diretor do campus Ceres da Universidade Evangélica de Goiás e Coordenador do curso de Direito. e-mail: Guilherme.vieira@unievangelica.edu.br