VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NO CENÁRIO DA COVID 19 E A LEI DO FEMINICÍDIO

DOMESTIC VIOLENCE IN THE COVID 19 SCENARIO AND THE FEMICIDE LAW

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8010349


Joyce Cristina de Sousa Brandão1
Wylliam Sousa Santos2
Izabel Herika Gomes Matias Cronemberg3


RESUMO

A violência doméstica no Brasil tem relação com os primórdios da história do país, porém mesmo com a distância histórica presente em todo o território nacional, onde índices de violência são alarmantes e no período da pandemia  cresceram assustadoramente. O presente trabalho objetiva: Analisar a violência doméstica e a Lei do feminicídio no contexto da crise sanitária do SARSCOV, que atingiu de forma impactante o Brasil e o mundo. O desenvolvimento da pesquisa se deu com foco nos objetivos traçados no trabalho, a partir de revisão da literatura subsidiada pela contribuição de autores que já pesquisaram sobre essa temática e por pesquisa documental, principalmente leis e normativas em especial a Lei Maria da Penha -nº11.340/2006 e a Lei do Feminicídio – nº13.104/2015.

Palavras-Chave:  Violência; Doméstica; Feminicídio; Pandemia.

ABSTRACT

Domestic violence in Brazil is related to the beginnings of the country’s history, but even with the historical distance present throughout the national territory, where violence rates are alarming and during the pandemic period they grew alarmingly. This work aims to: Analyze domestic violence and the Femicide Law in the context of the SARSCOV health crisis, which impacted Brazil and the world. The development of the research took place with a focus on the objectives outlined in the work, based on a literature review supported by the contribution of authors who have already researched this theme and by documental research, mainly laws and regulations, in particular the Maria da Penha Law -nº11. 340/2006 and the Femicide Law – nº 13.104/2015.

Keywords: Violence; Domestic; Femicide; Pandemic.

1 INTRODUÇÃO

O termo Violência Doméstica Contra a Mulher (VDCM) foi adotado pela Organização das Nações Unidas (ONU) desde a Assembleia Geral realizada em 1993. Embora muitos autores utilizam termos como “violência do parceiro íntimo” e “violência familiar contra a mulher”, para adoção do termo “violência doméstica contra a mulher” levou-se em consideração os inúmeros estudos realizados, sendo este o escolhido por tratar-se de uma acepção mais comum entre os trabalhos procedentes dos Estados Unidos. 

A definição mais ampla ficou desde então estabelecida e a violência contra a mulher passou a ser definida como: qualquer ato de violência baseada no gênero que produza ou possa produzir danos ou sofrimentos físicos, sexuais ou mentais na mulher, incluídas ameaças de tais atos, a coerção ou privação arbitrária da liberdade, tanto na vida pública quanto na privada (LUCENA, 2010).

A violência contra a mulher é um problema de longa existência, configurando como relação de desigualdade, a sociedade que sempre colocou a mulher em situações de inferioridade (GUEDES, et al., 2009). A violência por parceiro íntimo comumente é aceita pela mulher tanto pelo medo do seu parceiro, o constrangimento perante a sociedade, o pensar nos filhos, por isso em muitos dos casos essa violência acaba sendo consentida pela mulher (STÖCKL et al., 2013). Essa realidade é um problema de longa existência, é uma relação de desigualdade, a sociedade que sempre colocou a mulher em situações de inferioridade, muitas vezes a agressão é ocorrida dentro de seus próprios lares, pelos seus próprios companheiros.

A presente discussão configura-se como atual e relevante, primeiro, por que a violência atinge muitas mulheres, de forma abrupta e incisiva, demonstrando ser um problema real e complexo, tornando-se um fenômeno social e arrasador com agravantes sem precedentes que afetam a cidadania e a saúde feminina. Segundo, é através do cumprimento da Lei, explícita na Constituição em seu artigo 5°: que o Estado no exercício de suas competências torna-se corresponsável pela proteção e aplicabilidade da Lei n°11.340/2006 em casos que se configuram como violência contra à mulher. 

Por último, compreender a Lei n° 13.104/2015 como marco relevante e de reconhecimento para o enfrentamento da problemática e coibição da violência doméstica contra à mulher e feminicídio, além de apresentar dados dos anos 2018 e 2020 que se configuram como crime de violência praticado contra à mulher.

Na busca de responder a problemática da pesquisa que é: Como a Lei do feminicídio foi relevante no cenário da COVID-19? Para tanto recorreu-se uma metodologia de cunho qualitativo subsidiada por um referencial teórico em autores consagrados fundamentada também em pesquisa documental como nas Leis: nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) e nº 13.104/2015 (Lei do Feminicídio), o estudo encontra-se dividido em dois itens, no primeiro é tratado sobre violência a partir de uma análise histórica e conceitual demarcando as questões afetas a mulher e no segundo é tracejado sobre a violência pandêmica, o crescimento da violência doméstica e estratégias de enfrentamento em especial com a aplicabilidade da lei do feminicídio.

2 VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES: HISTÓRIA E CONCEITOS

Para falar sobre violência contra as mulheres no Brasil, não se pode olhar apenas o contexto atual, pois esse problema tem raízes histórica e se mantem enraizado até hoje, deixando diariamente visível que a sociedade se formou sob um domínio patriarcal.

2.1 O histórico brasileiro da violência doméstica

As mulheres experimentam, ao longo de suas vidas, vários tipos de violência, tipo verbal, física e sexual, que podem ser cometidas pelo parceiro, as consequências de violência sofrida pela mulher corporizam-se em agravos biológicos, psicológicos, morais e sociais, dificultando que a mulher vivencie a igualdade humana e social de forma plena, a violência à mulher pelo seu parceiro íntimo, como o propósito de manter o controle da relação (CASIQUE; FUREGATO, 2006).

Nesse sentido, Simões (2018) afirma que o feminicídio não é apenas um fenômeno social, mas também uma expressão da natureza da sociedade brasileira, sendo necessário um combate mais direcionado a violência. Políticas públicas direcionadas à proteção da mulher; desconstrução dos aspectos patriarcais de sociedade, bem como uma educação voltada às relações de gêneros são alguns exemplos de caminhos para a extinção deste tipo de violência.

Nesse sentido, precisa-se entender o fenômeno do Feminicídio no espectro de violência brasileiro. Feminicídio é o homicídio doloso praticado contra a mulher por “razões da condição de sexo feminino”, ou seja, desprezando, menosprezando, desconsiderando a dignidade da vítima enquanto mulher, como se as pessoas do sexo feminino tivessem menos direitos do que as do sexo masculino. 

Sob esta mesma ótica, é possível considerar o ápice da violência contra mulheres como o feminicídio praticado, mais que isso, é necessária uma efetividade da Lei do Feminicídio, bem como todo aparato jurídico para conter tal violência.

A Lei do Feminicídio foi promulgada no ano de 20184, até a presente data a morte de mulheres era punida dentro da aplicação genérica de homicídio (art. 121 da CP). Nesse sentido, não havia um aparato específico ao fato da violência contra a mulher de maneira direcionada ao seu gênero. Havia, em alguns casos, a especificidade enquadrada em outras categorias, tais como o inciso II do § 2º do art. 121:

§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.
Homicídio qualificado

§ 2º Se o homicídio é cometido:

I – Mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;

II – Por motivo fútil;

III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;

IV – à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;

V – Para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:

Pena – reclusão, de doze a trinta anos.

As penas só podem ser aplicadas mediante a utilização dessa lei, que assim como outras traz penas que sejam compatíveis com a gravidade da ocorrência, e reforça-se que mesmo muitas veze a sociedade não concordando com tais penalidades, é preciso ter em mente que por vezes a sociedade julga uma determinada penalidade, como muitos brandas para o crime cometido, porém sobre isso não deve culpabilizar os agentes da lei (advogados, promotores e juízes) pois esses seguem o que preconizam as leis promulgadas.

Dessa forma, a Lei Maria da Penha estabeleceu regras processuais a fim de proteger a mulher em casos de violência doméstica, isto é, sem tipificar qualquer conduta heterogênea. Como afirma a Lei nº 11.340/2006:

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.

I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

Art. 6º A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.

Corroborando com o trecho da lei, percebe-se que é preciso desmistificar a ideia que apenas atos físicos configuram-se de violência, essa ideia está tão disseminada na sociedade que muitas vezes nem a mulher agredia percebe que foi vítima, e tal pensamento fortalece ainda o mais o sentimento de impunidade por parte do agressor, e deixa a sociedade menos consciente sobre seu papel em relação ao combate desse problema.

Nesse contexto, embora a Lei Maria da Penha tenha elevado o padrão processual quanto às categorias de violência contra a mulher, ainda é possível que as medidas protetivas presentes na lei nº 11.340/2006 sejam aplicadas à vítima de feminicídio. Nesse sentido, as atualizações legislativas demonstram uma forte atividade jurisdicional no combate à violência contra a mulher.

1.2 Combate ao feminicídio e a responsabilidade estatal 

Diante das causas e contextos que levam a violência contra a mulher como um todo, garantir a segurança e não violação dos Direitos Humanos é papel do Estado. Além disso, a não omissão dos casos, bem como ações concretas de combate a esta violência devem conter e até diminuir as estatísticas alarmantes. Embora tenha tido um aumento nos casos de feminicídio durante a pandemia de Covid-19 (ponto que será analisado adiante), é importante ressaltar a importância da articulação entre Organizações Não-Governamentais de defesa da mulher, Secretarias de Defesa e Delegacias especializadas.

Há pelo menos três vias de atuação para a proteção de mulheres que sofrem ou sofreram violência ou tentativa de feminicídio. É preciso considerar três contextos de atuação: Prevenção, Resposta e Conscientização. Sendo a prevenção o aspecto da garantia do cuidado, há a responsabilidade de se evitar ao máximo a violência contra a mulher ou tentativa de feminicídio; enquanto a resposta se trata da efetividade mediante a agressão ou o crime, composta pelo cumprimento das leis em relação ao ato praticado. 

Vale ressaltar os avanços estruturais – embora ainda haja um longo caminho de enfrentamento a ser percorrido – uma vez que a Constituição de 1988 garante a igualdade jurídica entre homens e mulheres, sendo um claro avanço da Constituição cidadã, como está disposto no art. 5º:

Art.5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição (BRASIL, 1988).

Em contrapartida, alguns juristas questionam esta igualdade, uma vez que há garantias diferentes para mulheres em seus deveres e direitos. Entretanto, há de se garantir uma balança favorável compreendendo a relação de demanda do grupo mais necessitado com a justiça a ser aplicada. 

 Nessa perspectiva, para o filósofo educador a questão de justiça e igualdade perpassa a ideia de uma pura disposição de concessões, pelo contrário, é o entendimento da harmonia entre os saberes e as necessidades de cada um. Contextualizando, as concessões jurídicas e legislativas às mulheres são disposições legais a fim de garantir a diminuição do abismo das tratativas deste público em relação ao público masculino no Brasil, por isso, é de suma importância a ação do Estado Brasileiro em políticas públicas efetivas – além de avanços jurídicos – que garantam essa igualdade de gênero de maneira justa no contexto brasileiro.

Dessa forma, é possível catalogar os avanços – além das necessidades – de políticas públicas de proteção para a mulher, bem como parcerias entre Organizações Não-Governamentais e Delegacias especializadas no combate à violência contra a mulher. Tendo em vista a criação da Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres, em 2003, é possível traçar estes avanços de combate, como demonstra a tabela:

Tabela: Avanços legislativos e públicos

Avanços LegislativosAvanços Públicos
Constituição Federal – Art. 5ºCriação de Delegacias Especializadas de atendimento à Mulheres e/ou seções especializadas.
Lei Maria da Penha (Lei 11.340)Criação de núcleos de defensoria pública especializados no atendimento às mulheres em situação de violência
Lei do Feminicídio (Lei 13.104/2018)Criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (TJPI).

Fonte: Construção dos próprios autores a partir da leitura e interpretação de dados dispostos em https://www.tjpi.jus.br acessado pelos autores em 01/03/2023

Desse modo, as questões relativas aos avanços sociojurídicos da problemática envolvendo a violência contra a mulher, ganham um novo corpus frente a responsabilização do Estado e a conscientização da população. Uma vez que os campos de atuação migram, o problema da violência é enfrentado por todos os âmbitos, chegando assim, a uma tentativa mais efetiva de combate. Em contrapartida, embora haja todo este aparato jurídico e legislativo, muito falta em relação a efetividade do trabalho.

Ademais, embora as Constituições modernas proclamem a isonomia entre homens e mulheres, sabe-se que muitas vezes tal isonomia é apenas formal, não saindo da folha de papel, sendo necessário relembrar e criar mecanismos que garantam essa igualdade na vida prática, cotidiana, consubstanciando uma verdadeira igualdade material.  

Assim, a mulher começou a romper seu silêncio seguindo em busca de seus direitos, por meio de amparo legal, sendo muitas ações no sentido de prevenir a violência contra a mulher foram desenvolvidas no Brasil. Todavia, a lei Maria da Penha representou um grande salto na defesa dos direitos da mulher, centrando suas ações nas seguintes expressões de violência: 

I. A violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II. A violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição, contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer ou meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e a autodeterminação.

III. A violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada mediante intimidação, ameaça coação ou uso da força, que a induza a comercializar ou a utilizar qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimonio, à gravidez, ao aborto ou a prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação, ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV. A violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V. A violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria (art.7° da lei Maria da Penha, 2006, p.11).

No contexto mais amplo e fazendo de uso de uma reflexão livre das amarras patriarcais que cegam boa parte da população Brasileira, é possível entender que a questão que envolve a violência bélica-se que contra a mulher é diversificada, e as fere tanto no corpo (violência física) como na mente (violência em nível psicológico), o que compromete em diversos níveis seu desenvolvimento, e pode inclusive culminar com risco de morte.

A prática da violência doméstica no seio familiar, torna-se cada vez mais gravosa acarretando uma menor reação da mulher, por estar associado aos fatores de dependência financeira do agressor, culpa, medo, vergonha, abuso psicológico, a falta de conhecimento sobre seus direitos, a falta de acesso a serviços de atendimento a mulheres em situação de violência doméstica e familiar, proteção, entre outros.

A Lei Maria da Penha traz em seu art. 4º regras específicas para interpretação de seus dispositivos, devendo o intérprete se atentar aos fins sociais a que ela se destina, além das peculiares condições a que as mulheres em situação de violência doméstica e familiar estão submetidas. Assim, a interpretação deve estar atenta à ideia de maior proteção à mulher que se encontra em uma situação de vulnerabilidade, ou seja, os dispositivos devem ser interpretados favoravelmente à proteção da mulher, que é a pessoa a qual o legislador cuidou de conferir maior proteção.

A agressão emocional e psicológica, se enquadra quando ocorre ameaças, humilhações e discriminações, como também, quando o agressor sente prazer em ver a vítima sentindo-se diminuída, aterrorizada, amedrontada e inferiorizada.  Os benefícios trazidos a partir da lei são expressivos ao combate à violência doméstica, abrangendo o âmbito domiciliar e familiar, no qual o principal progresso foi a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com competência cível e criminal. Previsto no dispositivo legal artigo 14 da Lei Maria da Penha, é inquestionável o papel do Estado no julgamento e na execução das causas decorrentes da prática dessa violência. Porém apesar da lei, a sociedade brasileira ainda convive com inúmeros casos de agressões contra a mulher, sendo o feminicídio mais grave de todos os crimes. 

3 VIOLÊNCIA CONTRA MULHER DURANTE A PANDEMIA

A Pandemia causada pelo novo coronavírus 2019 (COVID-19) tornou-se um dos maiores desafios do século XXI. Atualmente, afeta todo o mundo. Seus efeitos ainda não têm preço, mas afetam direta e / ou indiretamente a saúde e a economia da população mundial. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a COVID-19 é uma doença infecciosa causada por coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2) causada pelo coronavírus relacionado à síndrome respiratória aguda grave no Reino Unido

O coronavírus (CoV), inicialmente isolado em 1937, ficou conhecido em 2002 e 2003 por causar uma síndrome respiratória aguda grave no ser humano denominada SARS. Na época, a epidemia foi responsável por muitos casos de infecções graves no sistema respiratório inferior, acompanhado de febre e, frequentemente, de insuficiência respiratória7. No entanto, foi rapidamente controlada e somente alguns países como China, Canadá e EUA foram afetados pelo vírus. O exaustivo trabalho de pesquisadores, profissionais de saúde, entre outros, levou à contenção do “gigante” (SANTOS,2021.p.45).

Muitas mudanças foram empreendidas em todo o mundo desde a disseminação da Covid-19, ela impôs transformações sociais, econômicas e em muitas outras áreas, dentre as muitas mudanças destaca-se a questão do distanciamento social como uma das alternativas adotadas para o enfrentamento da pandemia, como o distanciamento social.

A violência contra a mulher é um fenômeno global. Um terço das mulheres sofreu violência física ou sexual por parceiro íntimo, mais de um terço dos homicídios de mulheres são causados ​​por parceiro próximo. O isolamento social provocado pela pandemia COVID-19 tornou-se cada vez mais proeminente, até certo ponto, alguns indicadores preocupantes de violência doméstica podem estar relacionados com o isolamento social. 

Embora haja evidências do impacto do isolamento na violência doméstica, as notícias publicadas na mídia, estão nos estágios iniciais, informes de organizações internacionais salientam que esse tipo de violência tem aumentado. Na China, registros policiais mostram que durante esta epidemia, a violência doméstica triplicou. Na Itália, França e Espanha, a incidência de violência doméstica também aumentou após a implementação do Isolamento Social.

No Brasil, segundo a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH), do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), entre os dias 1º e 25 de março, mês da mulher, houve crescimento de 18% no número de denúncias registradas pelos serviços disque 100 e ligue 1808. No país, o necessário isolamento social para o enfrentamento à pandemia escancara uma dura realidade: apesar de chefiar 28,9 milhões6 de famílias, as mulheres brasileiras não estão seguras nem mesmo em suas casas (GARCIA et al,2020. p.2).

O isolamento se configurou como uma importante ação de combate a propagação do coronavírus, porém é preciso analisar os danos sociais e até mesmo psicológicos. 

3.1 Lei do Feminicídio e a Covid

Desde a chegada de covid-19 ao país, mulheres com histórico de sofrerem agressão tiveram seu risco ampliado, porque geralmente são forçadas a ficar em casa com seus agressores por mais tempo. 

Em nota técnica emitida pelo FBSP, em julho, eles atualizaram informações sobre violência doméstica durante a pandemia de covid-19, entre março e maio de 2020, em 12 Estados brasileiros (Acre, Amapá, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo). A queda nos registros de lesão corporal dolosa foi de 27,2%. As maiores reduções aconteceram nos Estados do Maranhão (84,6%), Rio de Janeiro (40,2%) e Ceará (26%). No entanto, nesse mesmo período, houve aumento de 2,2% nos casos de feminicídios. O Estado do Acre liderou com o maior número de registros (400%), passou de um, em 2019, para cinco casos em 2020; Mato Grosso (157%), de sete, passou para 18; Maranhão (81%), de 11 casos, para 20; e o Pará, (75%), de oito para 14 (GARCIA et al,2020.p.2).

Refletindo sobre a citação acima, é preciso destacar que esse problema torna-se ainda mais preocupante pelo fato dela trazer o panorama de um recorte temporal pequeno (março a maio de 2020), ou seja, uma pesquisa mais ampla poderia trazer dados mais preocupantes, no que se refere a violência contra as mulheres durante o distanciamento social. Destaca-se aqui que em nenhum momento pretende-se criticar ou diminuir a importância do distanciamento social, e sim apenas refletir sobre a ampliação do problema da violência durante esse distanciamento que mostrou ser uma importante estratégia de combate a pandemia da covid-19.

Essa situação de ampliação da violência contra a mulher é observada também em outros países onde há um grande número de pessoas isoladas. Um Grupo de Proteção Global (uma rede de organizações não governamentais) e algumas agências da ONU mostraram em suas pesquisas que em agosto a violência de gênero ocorreu com uma incidência de 90% maior em países como o Afeganistão. Síria e Iraque, que são países que já apresentam alto índice de violência de gênero. Ao menos três regiões da África relataram recentemente um aumento nos casos de violência de gênero em suas comunidades (BOURDIEU ,2020.p.63).

Nesse contexto é preciso ampliar esse debate, tanto pela sua relevância e necessidade de combater a violência contra a mulher, como pelo fato do distanciamento social ser uma necessidade imposta pela Pandemia vigente, como pelo necessidade da sociedade continuar a atenta aos muitos outros problemas que estão ocorrendo e possivelmente se ampliando durante o momento de distanciamento social (DUARTE et al,2022).

Globalmente, assim como no Brasil, durante a pandemia da COVID-19, ao mesmo tempo em que se observa o agravamento da violência contra a mulher, é reduzido o acesso a serviços de apoio às vítimas, particularmente nos setores de assistência social, saúde, segurança pública e justiça. Os serviços de saúde e policiais são geralmente os primeiros pontos de contato das vítimas de violência doméstica com a rede de apoio. Durante a pandemia, a redução na oferta de serviços é acompanhada pelo decréscimo na procura, pois as vítimas podem não buscar os serviços em função do medo do contágio (GARCIA et al,2020. p.3).

Para o enfrentamento destas questões estruturais da sociedade patriarcal agravadas na pandemia da Covid-19, exige-se do Estado políticas públicas de contenção do aumento da pandemia da violência doméstica no mundo. No entanto, a pandemia escancara a “fragilidade da política para as mulheres no Brasil, em que o Estado não tem investido na implementação das principais ações de enfrentamento da violência contra a mulher, previstas na Lei Maria da Penha, como a Casa da Mulher Brasileira” (ALENCAR et al.,2020, p.20).

As Delegacias de Defesa da Mulher (DDM’s) foram criadas no intuito de coibir e apurar os casos de violência doméstica contra a mulher. Afinal, as mulheres queixavam-se do tratamento recebido nas delegacias  comuns,  onde  não  tinham  amparo  algum  ou  solução concreta e imediata para restringir a violência sofrida (FILHO,2007.p.46).

As delegacias são  importantes instrumentos no enfretamento a violência contra mulher seja no período pandêmico ou não muito embora essas unidades ainda sejam poucas , restritas no geral as maiores cidades brasileiras, as mulheres podem buscar as delegacias convencionais, esse fato muitas vezes pode ser um fator de afastamento dessas vítimas, pois é comum não haver policiais mulheres em muitas cidades brasileiras ou quando tem, devido ao regime de escala pode ocorrer da vítima não ser atendida por um policial do sexo feminino, não que isso prejudique o atendimento, mas pode ampliar o possível constrangimento da vítima, ainda nesse contexto de proteção a mulher, é necessário citar a própria lei do feminicídio.

A Lei do Feminicídio traz a proteção, sobretudo, à vida da mulher. Ela fortalece a mulher para que não continue sendo vítima de abusos, constrangimentos e humilhações e busca eliminar o medo da mulher de fugir dessas atrocidades. A partir dos dados coletados após o início da vigência dessa Lei é que o Estado desenvolve uma série de políticas públicas para eliminar a discriminação e o ódio contra a mulher (LIMA; SANTOS,2019. p.8).

A lei foi sancionada em 9 de março de 2015, que altera o artigo 121 do Código Penal, dando ênfase ao crime de homicídio qualificado contra mulheres por razões de gênero, alterando a pena de 06 a 20 anos, para 12 a 30 anos (BRASIL, 2015). É claro que a lei por si só não traz efetividade, mas sim todas as mudanças estruturais que tiveram início ou foram fortalecidas através desse instrumento jurídico, embora a lei ainda possa ser melhorada, já é visível alguns ganhos.

Apesar de suas falhas quanto à prevenção de crimes e proteção às mulheres, com a Lei nº 13.104/2015, foram possíveis iniciarem um processo de desconstrução simbólica, imprescindível a conjuntura social da mulher, estimulando discussões para que evolua a difusão de políticas públicas, demonstrando que esse também é um problema do estado e da sociedade (LIMA; SANTOS,2019. p.8).

Esses debates ao serem desenvolvidas em diferentes espaços, gera informação, conhecimento e oportuniza a sociedade a realizarem mudanças na cultura machista e patriarcal vigente no Brasil, pois o termo pode parecer atual, mas o feminicídio teve início a várias décadas atrás e carrega raízes culturais que apontam o patriarcado como fator determinante para o entendimento sobre o assunto (MENDES, 2017).

A criação de lei fortalece a necessidade de ampliar o respeito e proteção às mulheres, a inserção do feminicídio no Código Penal, como forma agravada de homicídio, amplia o olhar da sociedade para complexidade do fenômeno, e possibilita uma consolidação nacional dos dados e a elaboração das políticas públicas necessárias para combatê-lo.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No Brasil ainda existe muito a ser caminhar no âmbito do enfrentamento e do combate à violência contra mulher, em especial no que se refere a proteção e amparo, pois a própria formação histórica do país sustenta um comportamento machista que minimiza a importância da mulher e ao mesmo tempo viola inúmeros direitos das Brasileiras.

Ao refletir sobre a ocorrência da pandemia em nível mundial e saber que ao mesmo tempo teve-se um aumento vertiginoso da violência contra mulher, verifica-se a importância da  Lei do feminicídio durante essa crise sanitária, pois ela foi um dos principais instrumentos jurídicos que oportunizou que houvesse justiça para as mulheres que foram vitimadas durante o período de isolamento, essas cidadãos viram sua casas se transforma em cárcere e recebem inúmeras violações vindas principalmente de pessoas que a princípio deveriam ser companheiras e não algozes.

Dessa forma saber que existe a Lei do feminicídio reforça a ideia de evolução no judiciário brasileiro, ao chamar atenção para um problema grave e crescente no Brasil, e que se ampliou ainda mais durante a pandemia (Covid19), por diversos fatores como: aumento do tempo que as pessoas ficavam juntas em casa e diminuição de atendimento nos serviços de especializados de amparo e proteção à mulher.

Mas apenas existência da Lei, não foi o bastante para prevenir, coibir e punir os atos de violência contra a mulher durante a pandemia, muitos outras normativas, instituições e pessoas também se dedicaram a esse fim, mas a Lei nº 13.104/2015, mostra que a sociedade brasileira está pouco a pouco evoluindo no combate a um problema que persiste há séculos no Brasil. Nesse contexto é imprescindível que a lei seja cada vez mais conhecida, aplicada e que o Estado avance nas formas de prevenir de fato e a representação de justiça alcançável para todas as mulheres.

REFERÊNCIAS 

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1Bacharel em Direito do Centro Universitário Santo Agostinho (UNIFSA). email: jjoyce.brandao18@gmail.com
2Bacharel em Direito do Centro Universitário Santo Agostinho (UNIFSA). email: wylliam.2016@gmail.com
3Orientadora. Professora do Centro Universitário Santo Agostinho (UNIFSA). Mestre e Doutora em Políticas Públicas Email: izabelherica@unifsa.com.br