VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E A CRISE INVISÍVEL: A VULNERABILIDADE FINANCEIRA E PATRIMONIAL DAS MULHERES

DOMESTIC VIOLENCE AND THE INVISIBLE CRISIS: WOMEN’S FINANCIAL AND ASSET VULNERABILITY

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11461420


Anna Julia Vieira Monteiro1,
Simone Araújo Carneiro2,
José Roniel Morais Oliveira3,
Miquéias Moreira de Araújo4


RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso teve como objetivo investigar de que forma a vulnerabilidade financeira e patrimonial da mulher em situação de violência doméstica compromete o seu acesso à justiça e a proteção em face da violência perpetrada no âmbito doméstico e/ou familiar. Para tanto, foram estabelecidos objetivos específicos, incluindo contextualizar a violência doméstica, discorrer sobre a vulnerabilidade financeira da mulher nesse contexto e relacionar a patrimonialização da violência às dificuldades de acesso da mulher à justiça. Metodologicamente a pesquisa classifica-se como qualitativa, descritiva e bibliográfica. Os resultados apontam para a complexidade da violência doméstica, que vai além das agressões físicas ou verbais, incluindo o controle financeiro e patrimonial como forma de manipulação e controle por parte do agressor. Evidenciou-se a importância de medidas legais para proteger os direitos das vítimas, como a restituição de bens subtraídos e a suspensão de procurações conferidas ao agressor. Logo, foram discutidas medidas preventivas e de enfrentamento da patrimonialização da violência, enfatizando a conscientização pública, o fortalecimento das leis e políticas de proteção e o empoderamento econômico das mulheres. Conclui-se que há desafios a serem enfrentados, especialmente no que diz respeito à falta de recursos financeiros e à dependência econômica das vítimas, que continuam sendo obstáculos significativos para superar a violência doméstica e acessar a justiça. Portanto, é fundamental que o Estado, organizações da sociedade civil e comunidades trabalhem juntos para promover a igualdade de gênero e eliminar todas as formas de violência contra as mulheres.

Palavras-chave: Gênero. Violência Doméstica. Vulnerabilidade Patrimonial.

ABSTRACT

The present dissertation aimed to investigate how the financial and patrimonial vulnerability of women in situations of domestic violence compromises their access to justice and protection in the face of violence perpetrated within the domestic and/or family sphere. To this end, specific objectives were established, including contextualizing domestic violence, discussing women’s financial vulnerability in this context, and relating the patrimonialization of violence to women’s difficulties in accessing justice. Methodologically, the research is classified as qualitative, descriptive, and bibliographic. The results point to the complexity of domestic violence, which extends beyond physical or verbal aggression, including financial and patrimonial control as a form of manipulation and control by the perpetrator. The importance of legal measures to protect the rights of victims, such as the restitution of stolen assets and the suspension of powers of attorney granted to the aggressor, was evidenced. Thus, preventive and coping measures against the patrimonialization of violence were discussed, emphasizing public awareness, strengthening laws and protection policies, and women’s economic empowerment. It is concluded that there are challenges to be faced, especially regarding the lack of financial resources and the economic dependence of victims, which continue to be significant obstacles to overcoming domestic violence and accessing justice. Therefore, it is fundamental for the State, civil society organizations, and communities to work together to promote gender equality and eliminate all forms of violence against women.

Keywords: Gender. Domestic Violence. Patrimonial Vulnerability.

1 INTRODUÇÃO

A violência doméstica é uma realidade preocupante em muitas sociedades, trazendo consigo consequências devastadoras para as vítimas e comunidades como um todo. No Brasil, essa problemática não é diferente, e tem sido objeto de preocupação crescente por parte de diversos setores da sociedade, incluindo acadêmicos, profissionais do direito, ativistas de direitos humanos, dentre outros.

No entanto, além das questões sociais e psicológicas, a vulnerabilidade financeira e patrimonial da vítima surge como um fator significativo na busca por justiça em face dos seus agressores. Dentro desse contexto, a disponibilidade de recursos financeiros e patrimoniais dos agressores se apresenta como um fator crítico, que influencia diretamente o acesso das vítimas à justiça em casos de violência doméstica.

Não se ignora que a Lei Maria da Penha é um marco legislativo na proteção dos direitos das mulheres no Brasil, e demonstra sensibilidade ao reconhecer e abordar diversas formas de violência, inclusive a violência patrimonial, como manifestações graves e frequentes de violação aos direitos humanos.  Portanto, ao consagrar a violência patrimonial como uma forma de violência, a Lei Maria da Penha evidencia a compreensão de que o poder econômico muitas vezes está concentrado nas mãos do agressor, impactando profundamente a autonomia e a dignidade da mulher, dificultando seu acesso à justiça e perpetuando o ciclo de violência.

Portanto, o estudo proposto é de relevância social, academia e jurídica, na medida em que todas as formas de violência doméstica são compreendidas como violação grave dos direitos humanos, que causa sofrimento físico, psicológico e emocional às vítimas, além de perpetuar ciclos de violência que se estendem por gerações.

Diante do exposto, fica evidente a importância de se investigar como vulnerabilidade financeira e patrimonial da mulher em situação de violência doméstica, estudo que tem o potencial de gerar conhecimentos relevantes sobre o tema e contribuir para ampliar o debate acadêmico sobre as relações de poder, gênero e desigualdade presentes na sociedade brasileira.

Assim, dar-se-á seguimento ao estudo pautando-se no seguinte problema de pesquisa: Como a vulnerabilidade financeira e patrimonial da mulher, em face do seu agressor, impacta o acesso das vítimas à justiça em casos de violência doméstica? A legislação brasileira disponibiliza mecanismos para que a mulher vitimada tenha acesso à justiça em condições de igualdade com o agressor, mitigando ou afastando a vulnerabilidade financeira?

Nesse contexto, busca-se fundamentação para validar a hipótese de que a disponibilidade de recursos financeiros e patrimoniais dos agressores impacta negativamente o acesso das vítimas à justiça em casos de violência doméstica. A disparidade econômica pode criar obstáculos significativos para as vítimas, restringindo sua capacidade de buscar ajuda legal e proteção judicial de maneira efetiva. Embora a legislação brasileira ofereça mecanismos para garantir a igualdade de acesso à justiça, como a Lei Maria da Penha, as desigualdades socioeconômicas muitas vezes resultam em um acesso desigual aos recursos legais e à proteção judicial entre vítimas e agressores, comprometendo a efetiva tutela dos direitos da mulher vitimada, especialmente diante da diversidade de formas de violência contempladas pela legislação, incluindo a violência de natureza patrimonial. Logo, a vulnerabilidade financeira e patrimonial da mulher, em situação de violência doméstica, é uma questão que precisa ser considerada, pois impacta significativamente o acesso da mulher à justiça.

Dessa forma, o objetivo geral é investigar de que forma a vulnerabilidade financeira e patrimonial da mulher em situação de violência doméstica compromete o seu acesso à justiça e, consequentemente, a proteção em face da violência perpetrada no âmbito doméstico e/ou familiar.

Por sua vez, os objetivos específicos incluem contextualizar a violência doméstica, apresentando a definição e tipos de violência e, ainda, os principais fatores que fomentam esta modalidade de violação dos direitos humanos; discorrer sobre a vulnerabilidade financeira da mulher em situações de violência doméstica, apresentando principalmente a violência patrimonial e as principais consequências da vulnerabilidade financeira; e, ainda, relacionar a patrimonialização da violência às dificuldades de acesso da mulher em situação de violência doméstica à justiça.

Destarte, a pesquisa classifica-se como qualitativa, no que diz respeito à abordagem, e a sua natureza é básica, voltada para a geração de conhecimento teórico. O procedimento adotado consiste na revisão bibliográfica, concentrando-se na análise e interpretação de fontes disponíveis na literatura acadêmica e científica. Por fim, em relação aos objetivos, a pesquisa é descritiva, buscando descrever e compreender detalhadamente os fenômenos estudados sem buscar explicações causais ou generalizações.

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Neste estudo adotou-se uma abordagem qualitativa para estudar a Vulnerabilidade Financeira e Patrimonial das Mulheres no brasil do ponto de justa jurídico. A escolha por essa abordagem se justifica pela complexidade do tema. Quanto à natureza da pesquisa, a mesma é de abordagem exploratória, que permite investigar aspectos ainda pouco conhecidos ou explorados sobre o tema.

No que se refere aos meios técnicos de investigação, utilizou-se, principalmente, a pesquisa bibliográfica e documental, que envolveu a revisão de literatura especializada, incluindo livros, artigos científicos, dissertações, teses e outros documentos relevantes sobre o tema, permitindo uma compreensão ampla e aprofundada do estado atual do conhecimento sobre o tema.

Em relação ao recorte da pesquisa, concentrou-se em fontes e documentos que contribuíram de forma significativa para o entendimento do tema, excluindo aqueles que não apresentavam relevância direta ou consistência metodológica.

Para a coleta de dados, utilizou-se de instrumentos de pesquisa como fichamento bibliográfico e análise documental, consistindo na sistematização e organização das informações relevantes encontradas na literatura especializada, permitindo uma visão panorâmica e detalhada do conhecimento disponível sobre o tema. Já a análise documental envolveu a identificação, coleta e interpretação de documentos oficiais, legislações e outros materiais relevantes para a pesquisa.

A análise dos resultados foi realizada por meio de técnicas hermenêuticas e de análise de conteúdo, utilizadas para interpretar textos normativos e acadêmicos, buscando compreender o significado e a aplicação dos conceitos relacionados à a Vulnerabilidade Financeira e Patrimonial das Mulheres.

Dessa forma, os procedimentos metodológicos adotados neste estudo visam proporcionar uma compreensão abrangente e aprofundada sobre a violência obstétrica, do ponto de vista jurídico. Por meio da combinação de diferentes abordagens e técnicas de pesquisa, busca-se contribuir para o avanço do conhecimento nessa área e para o desenvolvimento de estratégias eficazes para compreensão da definição da a Vulnerabilidade Financeira e Patrimonial das Mulheres.

3 CONTEXTUALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
3.1 Definição e tipos de violência doméstica

A Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006, é fruto do Projeto de Lei nº 4.559/2004 sofreu sucessivas alterações durante seu trâmite parlamentar, até que a Lei n. 11.340/20068 foi sancionada em 07 de agosto de 2006 e entrou em vigor a partir de 22 de setembro do mesmo ano (Dias, 2022).

Assim, a aprovação da Lei Maria da Penha teve ampla repercussão nacional e internacional. Ela é considerada um dos marcos legislativos mais inovadores e avançados em todo o mundo para o enfrentamento da violência contra a mulher e, também, uma das leis nacionais mais conhecidas da população brasileira. Ela tem sido um eixo importante sob o qual amplos setores da sociedade brasileira têm reconhecido que a violência de gênero tem caráter social e relacional, ou seja, é um fenômeno social produzido em meio a relações sociais desiguais de poder baseadas em gênero, classe social, raça-etnia, idade, nacionalidade, religião, deficiência etc. (Severi, 2019).

O Brasil, até o advento da Lei Maria da Penha, implementou medidas pontuais na legislação pátria, no afã de atender às recomendações da Comissão Interamericana, a exemplo das alterações no Código Penal no ano de 2004, por força da Lei nº 10.886, com a inclusão dos §§ 9º e 10, no art. 129, que trata da lesão corporal, majorando as penas (Dias, 2022). Contudo, o principal e mais importante passo se deu com o advento da Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006, intitulada de Lei Maria da Penha, em homenagem à vítima postulante.

Entre as inovações no tratamento judicial da violência contra as mulheres, Cunha e Pinto (2017) destacam, prontamente, a própria definição de violência contra  a mulher, enunciada de forma ampla e inserida num sistema de proteção dos direitos humanos; bem como a previsão de medidas protetivas que reiteram a compreensão de que o problema não deve ser tratado como isoladamente da justiça criminal e, ainda, estratégias educativas para reprimir a reprodução social do comportamento violento e a discriminação baseada no gênero.

Nesse contexto cumpre esclarecer que a violência de gênero é compreendida como fenômeno complexo que se manifesta de diversas formas, incluindo física, psicológica, sexual e econômica, e é direcionada a indivíduos com base em seu gênero. Este tipo de violência é enraizado em desigualdades de poder e nas normas sociais que perpetuam a subjugação e o controle de um gênero sobre o outro (Dias, 2022).

Anote-se, ainda, que a violência de gênero não só causa danos imediatos às vítimas, mas também tem impactos de longo prazo em sua saúde física, mental, emocional e econômica, além de contribuir para a manutenção de um ciclo intergeracional de violência (Bianchini; Mazzuoli, 2009). Significa dizer que a violência de gênero surge a partir das normas e expectativas sociais associadas aos papéis de gênero atribuídos a homens e mulheres desde o nascimento. Estas normas predefinem comportamentos, responsabilidades e oportunidades, contribuindo para a criação de desigualdades de poder entre os gêneros (Silva; Cunha, 2020).

Portanto, a violência de gênero ocorre quando essas normas são utilizadas para justificar e perpetuar formas de controle, discriminação e agressão direcionadas a indivíduos com base em seu gênero percebido. Este fenômeno é enraizado na construção social de gênero, que reforça estereótipos prejudiciais e limitantes, e é exacerbado pela falta de reconhecimento e respeito pela diversidade de identidades de gênero (Dias, 2022). Assim, a violência de gênero, ao mesmo tempo em que reflete a estrutura patriarcal, também é por ela sustentada, estrutura esta que privilegia uma visão hierárquica e desigual das relações entre homens e mulheres na sociedade.

No âmbito da violência de gênero, tem-se a violência doméstica contra a mulher, modalidade que refere-se a qualquer forma de agressão física, psicológica, sexual, econômica ou emocional perpetrada por um parceiro íntimo ou membro da família, com o objetivo de controlar, subjugar ou causar danos à mulher. Esta forma de violência ocorre dentro do ambiente doméstico e é frequentemente motivada por desequilíbrios de poder, crenças patriarcais e normas sociais que perpetuam a subjugação das mulheres (Dias, 2022).

Anote-se, ainda, que a violência doméstica não se limita a um único incidente, mas é caracterizada por um padrão de comportamento abusivo que pode causar danos físicos e psicológicos graves, afetando negativamente a saúde, o bem-estar e a autonomia das mulheres. Portanto, e nos termos do art. 5º da Lei Maria da Penha, a violência doméstica abrange qualquer ação ou omissão baseada no gênero que resulte em morte, lesão, sofrimento físico, sexual, psicológico, dano moral ou patrimonial contra a mulher (Cunha; Pinto, 2017). Essa violência pode ocorrer tanto no ambiente da unidade doméstica, compreendida como o espaço onde pessoas convivem permanentemente, com ou sem vínculo familiar, quanto no âmbito da família, que engloba indivíduos unidos por laços naturais, de afinidade ou vontade expressa. E, ainda, abrange qualquer relação íntima de afeto, mesmo que o agressor não coabite com a vítima, sendo independente da orientação sexual das partes envolvidas (Brasil, 2006).

No que tange as formas de violência doméstica, o art. 7º da Lei Maria da Penha descreve diversas formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, que abrangem desde agressões físicas até violações emocionais e patrimoniais. A violência física, como definida, engloba qualquer ação que cause dano à integridade ou saúde corporal da mulher (Brasil, 2006).  Pode se manifestar através de golpes, empurrões, socos, estrangulamentos e qualquer tipo de contato físico que resulte em lesões visíveis ou invisíveis (Dias, 2022). E, além dos ferimentos imediatos, a violência física pode deixar cicatrizes emocionais profundas, afetando a autoestima, a saúde mental e o bem-estar geral da pessoa agredida. É uma violação grave dos direitos humanos e um crime passível de punição legal, exigindo ações imediatas para proteger e apoiar as vítimas (Cunha; Pinto, 2017).

A violência psicológica, por sua vez, abrange condutas que causem danos emocionais, diminuição da autoestima ou que prejudiquem seu desenvolvimento pessoal, podendo ocorrer através de ameaças, constrangimentos, humilhações, manipulações e outras formas de controle (Brasil, 2006).

Dando seguimento, a violência sexual inclui qualquer ato que force a mulher a participar de relações sexuais não desejadas, induza à prostituição, impeça o uso de contraceptivos ou limite seus direitos sexuais e reprodutivos (Brasil, 2006). Segundo Dias (2022), o legislador inovou ao reconhecer que a mulher pode ser vítima de violência sexual perpetrada pelo próprio marido, rompendo com a errônea concepção de que o companheiro ou esposo não figuraria, por exemplo, no polo passivo de um crime de estupro.

Já a violência patrimonial envolve a retenção, subtração ou destruição de bens, documentos, recursos econômicos e outros elementos importantes para sua autonomia e bem-estar financeiro (Brasil, 2006). Dada a relevância ao presente estudo, será retomada oportunamente.

Por último, tem-se a violência moral diz respeito a condutas que difamem, injuriem ou caluniem a mulher, afetando sua reputação e dignidade (Brasil, 2006). Para Pinto e Cunha (2017), a violência moral é uma forma de agressão que ataca a dignidade e a reputação da vítima por meio de palavras, gestos ou comportamentos que difamam, injuriam ou caluniam. Esta forma de violência pode incluir insultos, humilhações, ameaças verbais, chantagens emocionais, manipulações psicológicas e qualquer outra conduta que cause danos emocionais e sociais à pessoa agredida.

De fato, ao contrário das lesões físicas, a violência moral deixa marcas invisíveis, mas profundas, afetando a autoestima, o bem-estar emocional e até mesmo a capacidade da vítima de confiar em si mesma e nos outros. É uma violação dos direitos humanos e um ataque à integridade pessoal que requer uma resposta firme e solidária para proteger e apoiar as vítimas, bem como para promover uma cultura de respeito e empatia em todos os níveis da sociedade (Dias, 2022).

Não é demais ressaltar que dentre os 46 artigos da Lei Maria da Penha, há diversos que se voltam a mecanismos para a proteção da mulher vítima de violência doméstica e familiar. Afinal, o objetivo primordial da lei é exatamente “criar mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica contra a mulher” (Brasil, 2006, s. p.). Nessa ordem de ideias, importa destacar que foi a primeira lei brasileira a incorporar a perspectiva de gênero, definindo em seu art. 5º a violência como “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial” (Brasil, 2006, s.p.), além de deixar claro que a violência não se reduz a agressão física (Shecaira; Ifanger, 2019).

A título de exemplo, no art. 8º estão previstas campanhas educativas de prevenção, inclusive com inserção da temática nos currículos escolares, capacitação permanente dos agentes públicos para questões de gênero, raça ou etnia e implementação de atendimento policial especializado para as mulheres. Percebe-se, dentro do eixo preventivo, especial relevância para medidas coletivas que priorizem a educação da população para transformar a cultura da violência e estabelecer uma nova consciência social (Santos; Machado, 2018).

Destarte, pode-se afirmar que a Lei Maria da Penha, que dispõe sobre violência doméstica e familiar contra a mulher, nasceu do comprometimento do Estado brasileiro perante o Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos (Santos; Machado, 2018), e da imperiosa necessidade de se estabelecer normas específicas para a prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher, incompatível com os princípios que norteiam um Estado Democrático de Direito.

3.2 Principais fatores (causas) da violência doméstica e impactos na vida das mulheres

Embora a estrutura patriarcal seja indiscutivelmente um fator central na perpetuação da violência de gênero e da violência doméstica contra as mulheres, é importante reconhecer que esses fenômenos são multifacetados e decorrem de uma variedade de causas inter-relacionadas. A estrutura patriarcal estabelece uma hierarquia de poder que coloca os homens no topo e as mulheres em uma posição de subordinação, o que pode legitimar e normalizar a violência como um meio de manter esse sistema de dominação. No entanto, outras dinâmicas sociais, culturais, econômicas e individuais também desempenham papéis significativos na perpetuação da violência contra as mulheres (Silva, 2020).

Isso se deve porque a violência doméstica é um fenômeno complexo e multifacetado, com raízes em uma variedade de fatores sociais, culturais, econômicos e individuais. Compreender as causas desse problema é fundamental para desenvolver estratégias eficazes de prevenção e intervenção.

Um dos fatores é exatamente a desigualdade entre homens e mulheres, um dos principais impulsionadores da violência doméstica. Normas sociais e culturais que perpetuam a ideia de superioridade masculina e subordinação feminina criam um ambiente propício para o abuso e a violência (Silva, 2020). Por exemplo, normas culturais e tradicionais que valorizam a masculinidade agressiva e desvalorizam a feminilidade podem reforçar estereótipos de gênero prejudiciais e influenciar atitudes em relação à violência.

Não bastasse isso, fatores econômicos, como desigualdades salariais e falta de oportunidades econômicas para as mulheres, podem criar dependência financeira das vítimas em relação aos agressores, dificultando a busca de ajuda ou a saída de relacionamentos abusivos (Dias, 2022).

Ademais, as normas culturais e tradicionais também fomentam essa modalidade de violência. De fato, em muitas sociedades, as normas culturais e tradicionais legitimam a violência como uma forma aceitável de resolver conflitos dentro do ambiente doméstico. Essas normas podem incluir a crença de que os homens têm o direito de controlar e disciplinar suas parceiras (Cunha; Pinto, 2020).

De igual forma, a falta de educação e conscientização sobre os direitos das mulheres e a natureza prejudicial da violência doméstica pode contribuir para sua persistência. Quando as pessoas não são informadas sobre seus direitos ou não têm acesso a recursos de apoio, é mais provável que permaneçam em situações abusivas (Silva; Cunha, 2020).

Tem-se, ainda, que problemas de saúde e abuso de substancias como álcool e drogas pode corroborar para o fomento da violência doméstica e familiar. Significa dizer que transtornos de saúde mental, como transtorno de estresse pós-traumático, depressão e dependência química, podem aumentar o risco de comportamento violento dentro de relacionamentos íntimos (Mainart; Silva, 2021). O abuso de substâncias também pode desempenhar um papel significativo na escalada da violência doméstica.

O consumo excessivo de álcool, por exemplo, pode diminuir os inibidores naturais de uma pessoa, aumentando a probabilidade de comportamento agressivo e impulsivo. Em muitos casos, indivíduos que abusam de álcool podem tornar-se mais propensos a expressar sua violência física, verbal ou emocionalmente contra seus parceiros ou membros da família. Além disso, o abuso de álcool pode agravar problemas subjacentes de saúde mental, como depressão e ansiedade, que por sua vez podem contribuir para o ciclo da violência.

Por último, mas não menos importante, tem-se o ciclo de violência. Muitas vezes, a violência doméstica é um padrão repetitivo de comportamento que segue um ciclo previsível de tensão, explosão e reconciliação. O ciclo da violência pode ser difícil de quebrar sem intervenção externa (Baptista et al., 2020).

No que tange os principais impactos na vida das mulheres, tem-se os danos físicos e psicológicos, pois a violência doméstica pode resultar em lesões físicas graves, incluindo contusões, fraturas e ferimentos graves. Além disso, as vítimas muitas vezes sofrem traumas psicológicos duradouros, como ansiedade, depressão e transtorno de estresse pós-traumático (Silva; Cunha, 2020).

Outrossim, não se pode ignorar que os agressores frequentemente controlam e limitam o acesso das vítimas a redes de apoio, isolando-as de amigos, familiares e outros recursos de suporte. Isso pode aumentar o sentimento de solidão e desamparo das vítimas.

Ademais, a violência doméstica não afeta apenas as mulheres diretamente envolvidas, mas também pode ter efeitos prejudiciais nas crianças que testemunham ou experimentam o abuso. Essas crianças correm maior risco de problemas de saúde mental, comportamentais e de desenvolvimento (Silva; Cunha, 2020).

De igual forma, as vítimas de violência doméstica muitas vezes enfrentam dificuldades para manter o emprego devido aos efeitos da violência em sua saúde física e emocional. Além disso, a dependência financeira do agressor pode dificultar a capacidade da vítima de deixar o relacionamento abusivo (Dias, 2022). E, por último, é preciso destacar que as crianças que crescem em lares onde há violência doméstica têm maior probabilidade de repetir esse padrão de comportamento em seus próprios relacionamentos quando adultos, perpetuando assim o ciclo de violência intergeracional.

Destarte, tem-se que a violência doméstica contra as mulheres é um problema profundamente enraizado que requer estratégias diversas para prevenção e intervenção. É essencial abordar os sintomas visíveis da violência, bem como os fatores subjacentes que a perpetuam, incluindo desigualdades de gênero, normas culturais prejudiciais e falta de acesso a recursos de apoio.

Superada tal análise, é preciso refletir sobre a vulnerabilidade financeira da mulher em situações de violência doméstica, objeto da próxima seção.

4. VULNERABILIDADE FINANCEIRA DA MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

A vulnerabilidade financeira da mulher em situação de violência doméstica é uma realidade complexa e preocupante que muitas vezes a mantém presa em relacionamentos abusivos. A dependência econômica do agressor pode tornar difícil para a vítima buscar segurança ou sair do relacionamento abusivo, especialmente se ela não tiver recursos financeiros próprios ou acesso a apoio externo. A falta de controle sobre os recursos financeiros, a proibição de trabalhar fora de casa ou a sabotagem de oportunidades de emprego são táticas comuns usadas pelos agressores para manter o poder e o controle sobre a vítima.

Não bastasse isso, questões legais relacionadas à divisão de bens ou ao sustento financeiro após a separação podem criar barreiras adicionais para as mulheres que tentam escapar da violência doméstica. A vulnerabilidade financeira das mulheres em situação de violência destaca a importância de políticas e serviços que visam fortalecer sua independência econômica e oferecer apoio financeiro e jurídico para facilitar a transição para uma vida livre de abusos. Logo, é preciso aprofundar a análise da violência patrimonial, objeto do próximo tópico.

4.1 Violência patrimonial como consequência da dependência econômica da mulher

A violência patrimonial é uma forma insidiosa de abuso que muitas mulheres enfrentam como consequência direta de sua dependência econômica dentro de relacionamentos abusivos. Essa forma de violência envolve uma série de comportamentos que têm como objetivo controlar ou restringir o acesso da mulher aos recursos financeiros e bens materiais, deixando-a vulnerável e desamparada (Costa; Motta; Resende, 2021).

Cumpre registrar que, em muitos casos, o agressor busca exercer controle sobre as finanças da mulher, restringindo seu acesso a contas bancárias, cartões de crédito e dinheiro, o que a impede de tomar decisões financeiras independentes (Dias, 2022).

Não bastasse isso, o agressor pode ameaçar ou destruir bens pessoais da mulher, como roupas, pertences pessoais ou documentos importantes, com o objetivo de intimidá-la ou fazê-la sentir-se impotente. Portanto, essa forma de violência pode criar uma atmosfera de medo e coerção, tornando ainda mais difícil para a mulher buscar ajuda ou escapar da situação abusiva (Baptista et al., 2020).

De fato, a dependência econômica da mulher dentro do relacionamento muitas vezes é resultado de uma série de fatores, incluindo disparidades salariais de gênero, interrupção da carreira para cuidar da família, falta de acesso a oportunidades de emprego ou educação, e até mesmo políticas governamentais inadequadas que não oferecem suporte suficiente para mulheres em situações vulneráveis (Camargo; Santos, 2022).

Ocorre que, quando uma mulher não tem controle sobre seus próprios recursos financeiros ou não possui meios de sustento independentes, ela fica em uma posição de vulnerabilidade significativa, tornando-a mais suscetível à manipulação e controle por parte do agressor. Isso a torna ainda mais propensa à situações de submissão, não raras vezes inconscientes (Alves et al., 2024).

Nesse cenário, os impactos da violência patrimonial podem ser profundos e duradouros. Além do estresse emocional e psicológico causado pela manipulação e coerção financeira, as mulheres podem enfrentar dificuldades práticas, como falta de moradia, insegurança alimentar e incapacidade de sustentar a si mesmas e a seus filhos. Exatamente por isso é preciso reconhecer que essa forma de abuso pode afetar negativamente a autoestima e a autoconfiança da mulher, tornando ainda mais difícil para ela buscar ajuda e reconstruir sua vida após deixar o relacionamento abusivo (Silva; Cunha, 2020).

Por fim, cumpre salientar que a violência patrimonial e a dependência econômica das mulheres, são necessárias medidas abrangentes que abordem as causas subjacentes dessa vulnerabilidade. Isso inclui políticas que promovam a igualdade de gênero no local de trabalho, programas de educação financeira e empoderamento econômico para mulheres, acesso a recursos de apoio financeiro e jurídico, e serviços de moradia e assistência social para mulheres que buscam deixar relacionamentos abusivos.

4.2 Principais consequências da vulnerabilidade financeira

A vulnerabilidade financeira é uma realidade complexa que afeta milhões de pessoas em todo o mundo, mas suas consequências são especialmente graves para as mulheres em situações de violência doméstica. A dependência econômica do agressor pode criar uma série de obstáculos que dificultam a busca de ajuda e a saída do relacionamento abusivo.

Não se pretende, nesse ponto, esgotar a análise da questão, até porque, como dito, ela é bastante complexa. Busca-se demonstrar quais são as principais consequências da vulnerabilidade financeira para a mulher no contexto da violência doméstica.

Uma das principais consequências dessa vulnerabilidade é a manutenção em relacionamentos abusivos, onde as mulheres muitas vezes se sentem presas devido à falta de recursos financeiros próprios para deixar o agressor. O medo de retaliação por parte do abusador, que muitas vezes controla os recursos financeiros da família, pode ser paralisante e impedir a mulher de denunciar o abuso ou buscar auxílio (Camargo; Santos, 2022).

De igual forma, a falta de recursos financeiros pode dificultar o acesso a serviços jurídicos adequados, como advogados especializados em questões de violência doméstica. Sem assistência legal, as mulheres podem se sentir desamparadas e incapazes de tomar medidas legais para se proteger e proteger seus filhos (Silva; Cunha, 2020). A falta de recursos também pode limitar o acesso a abrigos para vítimas de violência doméstica e outros serviços de apoio, deixando as mulheres sem opções seguras para buscar refúgio e suporte (Costa; Mota; Resende, 2021).

Outra consequência significativa da vulnerabilidade financeira é o medo de não conseguir sustentar a si mesma e a sua prole em caso de separação do agressor. Muitas mulheres dependem financeiramente do parceiro abusivo e temem não conseguir encontrar emprego ou garantir o sustento da família após a separação. Esse medo pode levá-las a permanecer em relacionamentos abusivos, mesmo quando estão cientes dos riscos para sua segurança e bem-estar (Santos; Bugai; Karpinski, 2022).

Além desses desafios imediatos, a vulnerabilidade financeira das mulheres em situações de violência doméstica pode ter efeitos de longo prazo em sua saúde física, emocional e financeira. A falta de acesso a recursos financeiros pode resultar em dificuldades financeiras persistentes, como dívidas acumuladas, falta de moradia e insegurança alimentar (Maldonado et al, 2020). Esses problemas financeiros podem agravar ainda mais o estresse e a ansiedade das mulheres, tornando mais difícil para elas reconstruir suas vidas após deixar o relacionamento abusivo.

Em meio a esse cenário tem-se que, para lidar com essas consequências devastadoras, é fundamental implementar políticas e programas que fortaleçam a independência econômica das mulheres e garantam o acesso a recursos de apoio financeiro, jurídico e social. Isso inclui medidas como programas de capacitação profissional, assistência financeira para vítimas de violência doméstica, acesso gratuito a serviços jurídicos especializados e investimento em abrigos e serviços de apoio comunitário (Silva, 2022).

Por fim, cumpre ressaltar que é importante conscientizar sobre os impactos da vulnerabilidade financeira das mulheres e combater estigmas e estereótipos que possam impedir que elas busquem ajuda. Somente através de esforços coordenados em todos os níveis da sociedade, podemos esperar criar um ambiente onde todas as mulheres tenham os recursos e o apoio necessários para escapar da violência doméstica e construir vidas seguras e autônomas para si mesmas e suas famílias (Piciula; Pavarina, 2021).

Cumpre, após destacadas as principais consequências da vulnerabilidade econômica da mulher em situação de violência doméstica, discorrer sobre a patrimonialização dessa modalidade de agressão, objeto do próximo tópico.

5. PATRIMONIALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Falar sobre violência doméstica deveria ser uma questão exclusivamente relacionada à segurança e bem-estar das vítimas, sem ter que considerar patrimônio ou recursos financeiros do agressor. No entanto, e infelizmente, a realidade atual obriga a enfrentar a preocupante tendência da patrimonialização da violência doméstica. Esse fenômeno ocorre quando o abusador utiliza recursos financeiros como uma ferramenta de controle e coerção sobre a vítima, tornando-a ainda mais vulnerável e presa ao ciclo de abuso (Silva, 2022).

Ademais, a escassez ou indisponibilidade de recursos financeiros por parte da vítima pode ser explorada pelo agressor para perpetuar o controle e a manipulação, dificultando ainda mais a busca de ajuda e a saída do relacionamento abusivo. Portanto, é preciso abordar a questão da patrimonialização da violência doméstica e desenvolver estratégias eficazes para proteger as vítimas e responsabilizar os agressores por seu comportamento abusivo.

Portanto, passa-se a abordar, nesse ponto, as dificuldades de acesso à justiça e a proteção patrimonial da vítima, bem como as medidas de prevenção e enfrentamento da patrimonialização.

5.1 Dificuldades de acesso à justiça e proteção patrimonial

A patrimonialização da violência doméstica é um fenômeno alarmante que se tornou uma preocupação crescente nas discussões sobre violência de gênero, interessando ao presente estudo a violência doméstica contra a mulher. Refere-se ao uso deliberado de recursos financeiros, bens materiais e controle econômico, pela pessoa do agressor, como forma de exercer poder e controle sobre a vítima.

Nesse contexto, as dificuldades de acesso à justiça e proteção patrimonial surgem como questões importantes, que exacerbam o sofrimento das vítimas e dificultam sua busca por segurança e reparação. Logo, uma das principais dificuldades enfrentadas pelas vítimas de patrimonialização da violência doméstica é o acesso limitado à justiça (Santos; Bugai; Karpinski, 2022).

Isso se deve porque, as barreiras legais, burocráticas e financeiras impedem as vítimas de buscar proteção legal e obter justiça para os abusos sofridos. A falta de recursos financeiros para contratar advogados, por exemplo, e custear despesas judiciais, pode deixar as vítimas sem opções viáveis para buscar reparação legal, especialmente em casos que envolvem disputas sobre propriedade e divisão de bens (Alves et al., 2024).

Muitas vezes, as mulheres não têm acesso ao patrimônio do casal, ficando a administração sob a responsabilidade do companheiro ou marido. Essa falta de acesso cria uma situação de extrema vulnerabilidade para as mulheres, especialmente em casos de relacionamentos abusivos (Baptista et al., 2020). Quando o controle dos recursos financeiros e do patrimônio fica exclusivamente nas mãos do parceiro, a mulher se torna dependente dele para suas necessidades básicas e para qualquer tipo de transação financeira.

Nesse cenário tem-se o agravamento da situação, pois o agressor pode utilizar essa condição de dependência para exercer controle e poder sobre a vítima. O acesso restrito aos recursos financeiros limita a capacidade da mulher de tomar decisões autônomas e buscar ajuda em caso de violência doméstica, pois ela pode temer retaliações financeiras ou represálias por parte do agressor.

A situação se agrava se considerada a falta de sensibilidade por parte do sistema judiciário em relação à patrimonialização da violência doméstica, fenômeno que pode resultar em respostas inadequadas ou insuficientes por parte das autoridades (Mainart, 2021). Muitas vezes, os juízes e profissionais jurídicos subestimam a gravidade do controle financeiro e econômico exercido pelo agressor sobre a vítima, minimizando sua importância em relação a outras formas de violência mais visíveis, como agressão física ou sexual. Isso pode levar a decisões judiciais injustas que não protegem adequadamente os direitos e interesses das vítimas.

Além das dificuldades de acesso à justiça, as vítimas de patrimonialização da violência doméstica enfrentam desafios significativos na obtenção de proteção patrimonial adequada. O controle exercido pelo agressor sobre os recursos financeiros e bens materiais da vítima pode deixá-la em uma posição de extrema vulnerabilidade econômica, tornando difícil para ela tomar medidas para proteger seus ativos e propriedades (Shecaria; Ifanger, 2019). Isso se deve porque o agressor pode usar táticas como a alienação de bens, o endividamento deliberado ou a transferência ilegal de propriedade para manter o controle sobre a vítima e impedir sua independência financeira.

Portanto, é preciso abordar não apenas a necessidade de implementação de medidas que melhorem o acesso à justiça e fortaleçam a proteção patrimonial das vítimas de patrimonialização da violência doméstica, mas também as medidas de prevenção e enfrentamento da patrimonialização, o que inclui desde o fornecimento de assistência jurídica gratuita para vítimas de violência doméstica, de forma mais amplia, até a sensibilização e capacitação dos profissionais do sistema judiciário sobre a natureza e gravidade da patrimonialização da violência, bem como o desenvolvimento de políticas e procedimentos que garantam a proteção dos direitos e interesses das vítimas, incluindo a proteção de seus recursos financeiros e bens materiais.

Portanto, é fundamental promover a conscientização pública sobre a patrimonialização da violência doméstica e sua gravidade como forma de abuso, e incentivar a denúncia e o apoio às vítimas, fomentando medidas de prevenção e enfrentamento, como se passa a expor.

5.2 Medidas de prevenção e enfrentamento da patrimonialização

A violência patrimonial, quando ocorre no âmbito doméstico e familiar, nem sempre é algo visível à primeira vista. Ao contrário de formas mais óbvias de abuso, como violência física, por exemplo, a violência patrimonial muitas vezes se manifesta de maneiras sutis e insidiosas, tornando-a difícil de ser detectada e reconhecida. Por exemplo, pode envolver o controle ou restrição do acesso da vítima aos recursos financeiros, como a administração exclusiva das finanças pelo agressor, a negação de acesso a contas bancárias ou cartões de crédito, ou a recusa em fornecer dinheiro para necessidades básicas da vítima.

Ademais, a violência patrimonial pode incluir a destruição ou danificação de bens pessoais da vítima, a transferência ilegal de propriedade ou a alienação de bens compartilhados sem o consentimento da mulher. Logo, essas formas de abuso financeiro e patrimonial podem deixar a vítima em uma posição de extrema vulnerabilidade econômica e dificultar sua capacidade de buscar ajuda ou sair do relacionamento abusivo (Silva, 2022).

Portanto, é importante reconhecer que a violência patrimonial pode ser tão prejudicial e debilitante quanto outras formas mais visíveis de violência doméstica, e tomar medidas para proteger as vítimas e responsabilizar os agressores por seu comportamento abusivo. Isso se deve porque a patrimonialização da violência doméstica representa uma forma insidiosa de abuso que afeta milhões de mulheres em todo o mundo (Baptista et al., 2020). Diante desse desafio complexo, é preciso implementar medidas eficazes de prevenção e enfrentamento para proteger as vítimas e responsabilizar os agressores por seu comportamento abusivo, ou seja, autores de qualquer forma de violência.

Uma das medidas fundamentais na prevenção da patrimonialização da violência doméstica é a conscientização e educação pública. É essencial promover uma compreensão mais ampla e aprofundada sobre a natureza e os impactos desse tipo de abuso, destacando sua gravidade e suas consequências para as vítimas (Costa; Motta; Resende, 2021). Isso inclui campanhas de conscientização em escolas, locais de trabalho e comunidades, bem como treinamento para profissionais de saúde, assistentes sociais, policiais e outros profissionais que possam entrar em contato com vítimas de violência doméstica.

Outrossim, é importante fortalecer as leis e políticas que protegem os direitos das vítimas e responsabilizam os agressores por seu comportamento abusivo. Isso pode incluir a criminalização específica da violência patrimonial, garantindo que os agressores sejam responsabilizados legalmente por seu comportamento abusivo e que as vítimas tenham acesso a recursos legais para proteger seus direitos e buscar reparação (Severi, 2019).

Outra medida importante é o fortalecimento dos serviços de apoio e proteção às vítimas de violência doméstica. Isso inclui a expansão e melhoria dos abrigos e centros de acolhimento para vítimas de violência doméstica, garantindo que as mulheres tenham um local seguro para buscar refúgio e apoio quando necessário (Santos; Machado, 2018). E, também, é imperioso fornecer assistência jurídica gratuita e acessível para as vítimas, ajudando-as a entender seus direitos legais e tomar medidas para proteger-se contra o abuso patrimonial.

É igualmente importante desenvolver programas de apoio econômico e empoderamento financeiro para as vítimas de violência doméstica. Isso inclui o fornecimento de treinamento profissional, educação financeira e assistência para encontrar emprego e se tornar financeiramente independente. Esses programas podem ajudar as mulheres a romper o ciclo de dependência econômica do agressor e reconstruir suas vidas com segurança e autonomia.

Além das medidas preventivas, é também preciso garantir uma resposta eficaz e coordenada para enfrentar casos de patrimonialização da violência doméstica quando eles ocorrem. Isso inclui o desenvolvimento de protocolos claros e procedimentos de atendimento para profissionais de saúde, assistentes sociais, policiais e outros profissionais que possam entrar em contato com vítimas de violência doméstica (Baptista et al., 2020). É fundamental que esses profissionais estejam bem treinados e preparados para reconhecer os sinais de abuso patrimonial, oferecer apoio e encaminhamento adequados e tomar medidas para proteger a segurança e o bem-estar das vítimas.

Cumpre registrar, nesse ponto, que o art. 24 da Lei Maria da Penha aborda especificamente a proteção patrimonial das vítimas de violência doméstica, estabelecendo medidas que visam garantir a segurança e preservação dos bens da sociedade conjugal ou aqueles de propriedade particular da mulher agredida (Dias, 2022). Logo, tais medidas podem ser determinadas pelo juiz, liminarmente, ou seja, de forma provisória e imediata, visando evitar danos irreparáveis à vítima.

Primeiramente, o artigo prevê a restituição de bens que tenham sido indevidamente subtraídos pelo agressor à vítima. Isso significa que, se o agressor tiver tomado posse indevida de bens pertencentes à vítima, o juiz pode ordenar sua devolução imediata, garantindo assim a preservação do patrimônio da vítima (Brasil, 2006).

De igual forma, o juiz pode determinar a proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum entre o casal (Brasil, 2006). Essa medida visa proteger os bens da sociedade conjugal, evitando que o agressor realize transações financeiras que possam prejudicar os interesses da vítima durante o processo judicial (Dias, 2022).

Outra medida prevista é a suspensão das procurações conferidas pela vítima ao agressor (Brasil, 2006). Muitas vezes, os agressores têm acesso a documentos e procurações que lhes permitem realizar transações financeiras em nome da vítima. Ao suspender essas procurações, o juiz protege a vítima de possíveis abusos financeiros por parte do agressor (Dias, 2022).

Ainda, o artigo prevê a possibilidade de prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a vítima (Brasil, 2006). Isso significa que, caso a vítima tenha sofrido danos materiais em decorrência da violência doméstica, o agressor pode ser obrigado a depositar uma caução judicial para cobrir esses danos, garantindo assim a reparação dos prejuízos causados à vítima.

Portanto, o art. 24 da Lei Maria da Penha estabelece medidas importantes para proteger o patrimônio das vítimas de violência doméstica, garantindo assim sua segurança e preservação de seus direitos materiais durante o processo judicial. Elas visam evitar que o agressor exerça controle e poder sobre os bens da vítima, contribuindo para a efetivação da justiça e o restabelecimento da dignidade das vítimas de violência doméstica.

Posta assim a questão, não há dúvidas de que a prevenção e o enfrentamento da patrimonialização da violência doméstica exigem uma estratégia integrada e ampla, que inclua conscientização pública, fortalecimento das leis e políticas de proteção às vítimas, fortalecimento dos serviços de apoio e proteção, desenvolvimento de programas de apoio econômico e empoderamento financeiro, e uma resposta eficaz e coordenada por parte dos profissionais que trabalham com vítimas de violência doméstica. Somente através de esforços coordenados em todos esses aspectos, podemos esperar fazer progressos significativos na prevenção e no enfrentamento desse tipo de abuso e proteger os direitos e a dignidade das vítimas.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo do presente estudo buscou-se discorrer sobre a vulnerabilidade financeira e patrimonial da mulher, vítima de violência doméstica, e o fenômeno da patrimonialização da violência. Ficou claro que a violência doméstica não se limita a agressões físicas ou verbais, mas também pode se manifestar de maneiras sutis e manipulativas, incluindo o controle financeiro e patrimonial por parte do agressor. A falta de acesso aos recursos financeiros e a restrição ao controle sobre bens materiais colocam as vítimas em uma posição de extrema vulnerabilidade, dificultando sua capacidade de buscar ajuda e sair do ciclo de abuso.

De fato, quando uma mulher se encontra em uma posição de dependência econômica do agressor, ela fica mais suscetível a formas diversas de abuso, incluindo o controle financeiro e patrimonial. Essa vulnerabilidade é explorada pelo agressor como uma ferramenta de manipulação e controle, tornando ainda mais difícil para a vítima buscar ajuda ou sair do relacionamento abusivo.

Portanto, a análise detalhada dos artigos da Lei Maria da Penha relacionados à violência patrimonial revelaram a importância de medidas legais para proteger os direitos das vítimas e responsabilizar os agressores por seu comportamento abusivo. O art. 24 da retromencionada norma legal, em particular, destaca a possibilidade de o juiz tomar medidas como a restituição de bens indevidamente subtraídos, a proibição temporária de transações financeiras e a suspensão de procurações conferidas pelo agressor à vítima. Essas disposições legais são essenciais para garantir a segurança e a preservação dos bens das vítimas de violência doméstica.

De igual forma, discutiu-se a importância de medidas preventivas e de enfrentamento da patrimonialização da violência doméstica. A conscientização pública sobre a natureza e os impactos desse tipo de abuso, o fortalecimento das leis e políticas de proteção às vítimas, o desenvolvimento de serviços de apoio e proteção e o empoderamento econômico das mulheres são aspectos-chave nesse processo.

No entanto, é importante reconhecer que ainda há desafios a serem enfrentados, pois a falta de recursos financeiros e a dependência econômica das vítimas continuam sendo obstáculos significativos para a superação da violência doméstica, em situações como a saída de relacionamentos abusivos e, também, quanto ao acesso à justiça. Logo, é fundamental que o Estado, das organizações da sociedade civil e comunidades trabalhem juntos para criar um ambiente que promova a igualdade de gênero, o respeito pelos direitos das mulheres e a eliminação de todas as formas de violência contra elas.

Destarte, conclui-se que é preciso enfrentar a vulnerabilidade financeira e patrimonial das mulheres vítimas de violência doméstica e o fenômeno da patrimonialização da violência como questões urgentes que exigem uma resposta abrangente e coordenada, pois são necessários esforços conjuntos e comprometidos podemos esperar garantir a proteção e o bem-estar das vítimas.  

REFERÊNCIAS

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1Estudante de Direito na Faculdade Ages de Senhor do Bonfim (2024)

2Estudante de Direito na Faculdade Ages de Senhor do Bonfim (2024)

3Professor de Direito na Faculdade Ages de Senhor do Bonfim – BA (orientador – 2024)

4Professor de Letras na Faculdade Ages de Senhor do Bonfim – BA (coorientador voluntário – 2024)