VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: DO ABUSO SEXUAL AO FEMINICÍDIO¹

DOMESTIC VIOLENCE: FROM SEXUAL ABUSE TO FEMINICIDE

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7879108


Werica Cardoso de Sousa2
Orientadora: Profª. Lidiana Costa de Sousa Trovão


RESUMO: Este trabalho tem como objetivo compreender o crescimento de casos de  violência doméstica que são originados a partir do abuso sexual e chegando ao  limite do feminicídio. Sabe-se que mesmo que a vítima busque a justiça, pedindo a  medida de segurança, ainda assim é comum os casos de violência doméstica, boa  parte deles as ocorrências são gravíssimas, levando ao óbito. Essa medida é um  dos mecanismos criados pela lei para coibir a violência de gênero e, claro, evitar que  o agressor cause maiores danos à vítima no aspecto psicológico, físico e sexual.  Nesse sentido, a eficácia na aplicação da lei torna-se essencial para que a vítima  acione os órgãos competentes e garanta o direito à liberdade, segurança e a vida, uma vez que a inércia do poder público podem afetar a mulher agredida no  momento de buscar seus direitos constitucionais, seja pelo sentimento de descrédito  das instituições, seja por medo de represálias por parte do denunciado. A violência  contra a mulher amplia-se de diversas formas, desde uma simples agressão verbal à  violência física, causando sofrimento a vítima e consequentemente aos familiares e  pessoas próximas. Em relação aos aspectos metodológicos, destaca-se a pesquisa  bibliográfica por meio de livros e artigos de autores renomados e especialistas na  temática abordada. Após a pesquisa, percebe-se que mesmo diante de uma  legislação específica, medidas protetivas e diferentes canais de denúncia contra a  violência doméstica, ainda assim os feminicídio continuam com números preocupantes. 

Palavras-chaves: Violência doméstica. Abuso sexual. Feminicídio. 

ABSTRACT: This work aims to understand the growth of cases of domestic violence  that originate from sexual abuse and reach the limit of femicide. It is known that even  if the victim seeks justice, asking for the security measure, cases of domestic  violence are still common, most of them occurrences are very serious, leading to  death. This measure is one of the mechanisms created by law to curb gender  violence and, of course, to prevent the aggressor from causing greater harm to the  victim in the psychological, physical and sexual aspects. In this sense, effective law  enforcement becomes essential for the victim to activate the competent bodies and  guarantee the right to freedom, security and life, since the inertia of the public power  can affect the assaulted woman when seeking their constitutional rights, either  because of a feeling of discredit towards the institutions, or because of fear of  reprisals on the part of the accused. Violence against women extends in different  ways, from a simple verbal aggression to physical violence, causing suffering to the victim and consequently to family members and close people. Regarding  methodological aspects, bibliographical research through books and articles by  renowned authors and specialists in the theme addressed is highlighted. After the  research, it is clear that even in the face of specific legislation, protective measures  and different reporting channels against domestic violence, femicides still have worrying numbers. 

Keywords: Domestic violence. Sexual abuse. Femicide. 

1. INTRODUÇÃO 

Ultimamente muitas são as iniciativas da sociedade civil no combate aos  diversos tipos de violências contra a mulher, resultantes e resultando em legislações  que buscam garantir proteção a essas. É notória também, a ampliação de casos de  violência e da frequência com que as denúncias são feitas.  

Pode-se afirmar que uma das violências mais severas praticadas é a violência  sexual que começa muitas vezes por uma simples importunação, abuso sexual e  chegar até mesmo ao feminicídio. A violência sexual é um ato que ocorre há séculos  e hoje representa uma problemática social grave, que precisa ser combatida. Sendo  um problema que afeta todas as classes sociais, independente de religião, cor ou  escolaridade.  

Essa é uma triste realidade de mulheres no Brasil e no mundo. Porém, sabe-se que as famílias de baixa renda estão mais expostas, devido a condição social, e  consequente vulnerabilidade a situações de violência. Isso não quer dizer que as  famílias de classes mais elevadas estejam fora dessa problemática.  

A violência contra a mulher é qualquer ação ou conduta, baseada no gênero,  que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no  âmbito público como no privado. De acordo com Art. 7º da Lei n.º 11.340, Configura  violência contra a mulher e qualquer ação ou omissão, baseada no gênero, que lhe  cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou  patrimonial. Pode, então a violência doméstica ser compreendida como uma espécie  da violência de gênero. 

Historicamente, as mulheres são subordinadas à figura masculina em  diversos campos, seja social, cultural, moral ou na política. Contudo, mesmo o fato  da sociedade patriarcal ser um fato antigo, a luta em combater a violência contra a  mulher foi se fortalecendo e mostrando que a discriminação contra as mulheres apenas por gênero também é um problema nacional, criando assim, punições para  os perpetradores. 

Muitos ainda são os obstáculos para que a sociedade mude de pensamento e  posteriormente conscientize-se que não é e não poder ser normal a grande  quantidade de mulheres sendo agredidas covardemente e mortas por simples ódio  ao gênero feminino ou por achar que a mulher merece só porque não está comportando-se conforme o esperado pela cultura machista.  

A motivação para a escolha dessa temática decorre da incidência maior de  casos de feminicídio durante a pandemia da Covid-19, visto que as mulheres  ficavam mais tempo dentro de casa e a partir disso, mas casos de violência  doméstica seguidos de abuso sexual e até mesmo feminicídios foram percebidas e,  consequentemente, mais denúncias realizadas, especialmente por terceiros.  

O trabalho apresenta a seguinte problemática: Porque cresceu os casos de  feminicídio no Brasil? Diante desse questionamento, ressalta-se que a Lei n.º  11.340/2006 – chamada Maria da Penha foi criada no intuito de resgatar a cidadania  feminina que por muito tempo esteve prejudicada devido a impunidade de décadas e  décadas num país que não permitia que a mulher ocupasse o lugar que ela merece  e conquista a cada dia. 

Assim, considera-se pertinente este trabalho que tem como objetivo geral compreender o crescimento de casos de violência doméstica que são originados a  partir do abuso sexual e chegando ao limite do feminicídio. A partir disso, destaca-se  os seguintes objetivos específicos: Analisar a relação entre violência doméstica e o  abuso sexual; Elaborar um estudo sintetizado da Lei Maria da Penha e os tipos de  violência contra a mulher; Identificar as causas do crescimento do feminicídio no  Brasil nos últimos anos. 

Em relação à metodologia dedutiva, trata-se de uma revisão bibliográfica por  meio de livros e artigos, fundamentada em conteúdos que descreveram acerca da  violência doméstica, enfatizando os motivos do crescimento dos casos de  feminicídio. 

2. A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E O ABUSO SEXUAL  

A violência doméstica contra crianças e adolescentes é uma violência que  está presente na grande maioria das famílias e em todas as classes, sendo, portanto, uma violência de natureza interpessoal. Nesse tipo de violência, o adulto transgride seu poder disciplinador, convertendo a diferença de idade, adulto-criança adolescente, numa desigualdade de poder intergeracional (GUERRA, 2010).  

A violência doméstica é um processo que pode se prolongar por dias, meses  e até anos, reduzindo a criança à condição de objeto de maus-tratos, subjugando-a ao poder adultocêntrico. Esse tipo de violência é uma forma de violação de todos os  direitos das crianças e “uma negação de valores humanos fundamentais à vida, à  liberdade, à segurança” (GUERRA,2010). A violência doméstica ao pertencer à  esfera do privado, acaba se revestindo da tradicional característica de sigilo. 

Esse tipo de violência têm maior evidência no contexto familiar de classes menos favorecidas porque a divisão entre o público e o privado é muito tênue. A proximidade entre essas famílias possibilita a publicitação da violência. Já a  ocorrência da violência doméstica em classes médias e altas é ocultada, na maioria  dos casos, pelas próprias famílias que se utilizam de recursos privados (psicólogos,  advogados, médicos) para lidar com as consequências da violência. 

Entre as formas de violência doméstica registradas pela literatura, destaca-se  o abuso sexual intrafamiliar. Esse tipo de violência é praticado dentro do lar,  normalmente por pessoas que têm com a criança ou o adolescente uma relação de  consanguinidade, responsabilidade e/ou de afetividade. O abuso-vitimização sexual  é:  

Todo ato ou jogo sexual, relação heterossexual ou homossexual, entre um  ou mais adultos e uma criança menor de 18 anos, tendo por finalidade  estimular sexualmente a criança ou utilizá-la para obter uma estimulação  sexual sobre sua pessoa ou de outra pessoa (GUERRA, 2010, p. 42). 

O abuso sexual é uma das modalidades da violência sexual infanto-juvenil,  que consiste na prática sexual ou erótica de uma pessoa com idade maior que a da  criança ou adolescente para obtenção de satisfação pessoal, por meio do poder e  submissão. 

O abuso sexual pode ser uma experiência forçada ou não, em que há  perpetração do abuso por relação sexual genital, oral ou anal; ou de formas mais passivas como a exibição de pornografias, sendo que a criança é colocada em uma situação de reprodução da pornografia infantil, o que pode causar traumas imediatos ou futuros no seu desAenvolvimento pessoal (LANDINI, 2011, p.41).

Uma definição bastante ampla de abuso sexual é trazida pela autora acima  mencionada, visto que a mesma faz uma classificação mais completa do abuso  sexual, abrangendo, desde exibicionismo do menor à realização do ato sexual.  

“A noção de abuso sexual pode ser expresso em diversos atos que vão desde caricias da criança/adulto ou adulto/criança, exibicionismo, voyeurismos,  manipulação dos órgãos sexuais à realização do ato sexual com ou sem  penetração”, explica Santos (2015, p.5). 

O ato abusivo pode ocorrer com ou sem o uso da força; e com ou sem contato físico. O abuso sexual ocorre sem contato físico quando há o assédio  sexual, o abuso sexual verbal, o exibicionismo e o voyeurismo. O abuso com contato  físico se classifica em atentado violento ao pudor; estupro, corrupção por indução de  menores e conjunção carnal mediante fraude que impeça a livre manifestação. De  acordo com Sayão (2006, p.56), as diferentes formas de abuso sexual podem ser  classificadas em: 

∙Abuso Sexual Extrafamiliar – quando o abusador não possui relações familiares ou de responsabilidade com o abusado, mas pode ser uma pessoa em que o abusado confie;  
∙Abuso Sexual Intrafamiliar – quando existe uma relação familiar ou de responsabilidade entre abusador e abusado. 

Portanto, infância e violência doméstica ou intrafamiliar são fronteiras que  devem ter uma estratégia revisada tanto no meio social, cultural e educacional por  ser um problema social que vem percorrendo a história do Brasil, perpetrando danos  e invadindo a inteireza física, psicológica e a autonomia da criança pelo uso  excessivo da força física. 

Já o abuso sexual extrafamiliar ocorre quando o abusador não é do grupo  familiar da vítima, podendo ser ligado a parentes (namorado (a) da(o) tia(a), filho(a)  da madrasta, ou padrasto, segundo marido da tia) ou conhecidos que têm convivência com a vítima (vizinho, professor, médico, religioso, comerciante do  bairro onde reside, amigo da família) e até mesmo um desconhecido (FALEIROS,  2006). 

O abuso é, geralmente, praticado sem o uso da força física, não deixando,  assim, marcas visíveis, o que dificulta sua comprovação e faz com que, em algumas  situações, as pessoas ao redor não dêem muita credibilidade ao relato da vítima. O  abusador, frequentemente, inicia seu jogo de sedução com atos que a vítima pensa serem demonstrações de carinho, afeto e até mesmo cuidado, e podem ser recebidas  com bastante prazer e satisfação, pois acredita ter atenção desta pessoa.  Em alguns casos, o agressor “conquista” dando-lhe presentes, doces,  guloseimas e afins, fazendo com que a vítima pense ser seu “preferido” (FALEIROS,  2006, p.177). Este tipo de situação tende a progredir e se tornar cada vez mais  abusiva. Neste ponto, inicia a coação da criança, através do poder que exerce sobre  ela, para obter satisfação sexual e, na maioria dos casos, utiliza a chantagem e pode  até fazer ameaças para que o abuso não seja revelado. A criança, por sua vez, fica  confusa, com medo, podendo até sentir-se culpada. 

Faleiros (2006, p.79) afirma que “a dominação sexual perversa é uma  construção deliberada, paciente e ritualizada de um relacionamento perverso, que se  mantém pela dominação psicológica de longa duração”. Começa por um processo  de sedução, que consiste na conquista sutil, que anula a capacidade de decisão da  vítima, e acaba em sua dominação e aprisionamento. 

Zurcher (2004, p.72) enfatiza que “existe um pacto de silêncio nos casos de  abuso sexual de crianças e adolescentes, ou seja, é um espaço de segredos,  principalmente por envolver familiares ou conhecidos”. A criança mantém-se sigilosa  porque acredita que ninguém pode protegê-la, pois pensa que outras pessoas da  convivência familiar, frequentemente a mãe, sabem do que está havendo e nada  fazem para impedir. Em alguns casos, as vítimas podem guardar segredo durante  muito tempo, porque acreditam que não seriam ouvidas, ou sentem-se  envergonhadas e, até mesmo, culpadas, sendo comum o agressor transferir a culpa, utilizando-se de argumentos tais como “ela que me seduziu”. 

O abuso sexual varia de atos que envolvem contato sexual com penetração:  coito oral, coito vaginal ou anal. O abuso sem penetração implica: toques impudicos  (manipulação dos órgãos genitais), beijos, masturbação, pornografia, produção de  fotos, exibicionismo, telefonemas obscenos. No caso de exploração comercial de  crianças e adolescentes, pode-se utilizar todas as formas descritas anteriormente,  que ocorre com o concurso de um indivíduo ou de uma rede de exploração  (FALEIROS, 2006).  

Esse flagelo humano é alimentado pela impunidade. Não é possível  contemplar a verdadeira amplitude do fenômeno, em razão do grande silêncio que  envolve o problema, o que, em virtude da assimetria da relação abusador/abusado,  ensejando o mutismo e o medo das vítimas.

É comum à criança que sofre abuso sexual acreditar ser a responsável, a causadora do próprio sofrimento por ter sido desobediente, má ou sedutora.Representa-se como um ser que não possui nada de bom dentro de si,nada para oferecer, por isso é maltratada. Essa crença da criança costuma ser reforçada pelo próprio agressor, que justifica sua violência através da inculpação da vítima (SANTOS, 2015, p. 33).  

O resultado desse fenômeno está diretamente relacionado com a idade da  criança e duração do abuso; às circunstâncias e se houve ameaça; à ordem de  relacionamento com o abusador e à inexistência de figuras parentais protetoras. O  impacto do abuso sexual sobre a saúde da criança é ainda maior quando a violência  está presente em relações que envolvem indivíduos com fortes vínculos afetivos,  como os pais ou membros da família. 

Portanto, o abuso é uma forma de violência que ocorre de maneira repetitiva  e intencional contra uma ou mais vítimas, quando alguém geralmente próximo ao(s)  vitimizado(s), usa de poder e/ou da força física para envolver a criança ou o  adolescente em atos sexuais, para os quais não estão preparados em nível  biológico, psicológico, cultural e social.  

Em síntese, o abuso sexual deve ser entendido como uma situação de ultrapassagem (além, excessiva) de limites: de direitos humanos, legais, de poder, de papéis, do nível de desenvolvimento da vítima, do que esta sabe e compreende, do que o abusado pode consentir, fazer e viver, de regras sociais e familiares e de tabus. E que infringem maus tratos às vítimas  (FALEIROS et al, 2001, p.07). 

Dessa forma, a violência doméstica deve ser abordada de forma cuidadosa e  embasada no respeito pelos elementos envolvidos, principalmente considerando que  tal fenômeno ocorre na constelação familiar. Por observar a família como principal  elemento de inclusão social, formador de princípios éticos e valores culturais,  acredita-se na pertinência de contextualizá-la. 

3. LEI MARIA DA PENHA 

A Lei n.º 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, é um dispositivo  legal que tenta por meio de suas medidas aumentar a severidade das punições  acerca de crimes domésticos. A respectiva legislação foi decretada pelo Congresso  Nacional e sancionada pelo ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. Mais  precisamente no dia 22 de setembro de 2006 entrou em vigor, e já no dia seguinte foi preso o primeiro agressor, no estado do Rio de Janeiro, tentando estrangular a  ex-esposa (REIS, 2016). 

A Lei n.º 11.340/2006 exibiu uma nova forma de interpretar a violência  doméstica, isto é, aquela praticada contra a mulher no seu ambiente domiciliar,  familiar ou de intimidade (art. 5º). Nesses casos, a ofendida passa a contar com  precioso estatuto, não somente de caráter repressivo, mas, sobretudo, preventivo e  assistencial, criando mecanismos aptos a coibir essa modalidade de agressão. Não  se quer deduzir, com isso, que apenas a mulher é potencial vítima de violência  doméstica. Também o homem pode sê-lo, conforme se depreende da redação do § 9.º do art. 129 do CP. 

Todo o caso de violência doméstica e intrafamiliar é crime, como aponta a Lei  Maria da Penha. Tais crimes são julgados em Juizados Especializados de Violência  Doméstica contra a Mulher, criados por essa legislação. Em cidades que não  existem, ocorre nas Varas Criminais. 

A lei também tipifica as situações de violência doméstica, proíbe a aplicação  de penas pecuniárias aos agressores, amplia a pena de um para até três  anos de prisão e determina o encaminhamento das mulheres em situação de violência, assim como de seus dependentes, a programas e serviços de proteção e de assistência social. A Lei n. 11.340, sancionada em 7 de agosto de 2006, passou a ser chamada Lei Maria da Penha em  homenagem à mulher cujo marido tentou matá-la duas vezes e que desde então se dedica à causa do combate à violência contra as mulheres (CNJ,  2015, p.02). 

Sancionada em 22 de setembro de 2006, a Lei Maria da Penha dá  cumprimento à Convenção para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a  Mulher. Para garantir a efetividade da Lei Maria da Penha, o Conselho Nacional de  Justiça trabalha para divulgar e difundir a legislação entre a população e facilitar o  acesso à justiça à mulher que sofre com a violência.  

É comum a realização de campanhas em todo o país contra a violência  doméstica, com foco na mudança cultural e para a erradicação da violência contra  as mulheres. Nesse sentido, observa-se a seguir os significados e tipos de violência  sofridos pela mulher. 

3.1 Significado e tipificação da violência

Há uma preocupação por parte do legislador não somente em definir a  violência doméstica e familiar, bem como especificar suas formas, até porque, no  âmbito Direito Penal, valem os princípios da taxatividade e da legalidade, sede em  que não se admitem conceitos vagos. 

Ainda assim, o rol trazido pela Lei não é exaustivo, pois o art. 7.º utiliza a expressão “entre outras”. Portanto, não se trata de numerus clausus, podendo haver o reconhecimento de ações outras que configurem violência doméstica e familiar contra a mulher. As ações fora do elenco legal podem gerar a adoção de medidas protetivas no âmbito civil, mas não em sede de Direito Penal, pela falta de tipicidade (DIAS, 2007, p.46). 

Além das sequelas decorrentes do reconhecimento do delito como violência  doméstica, como o aumento da pena (CP, art,. 61, II, f ), sujeita-se o réu às demais  vicissitudes que impõe a Lei Maria da Penha. Assim, mesmo que o crime possa ser  reconhecido como de pequeno potencial ofensivo, a ação não tramitam nas Varas dos  Juizados Especiais Criminais – JECrims, mas nas Varas Criminais, enquanto não  instalados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher – JVDFMs. No entanto, não faz jus o réu às benesses da Lei dos Juizados Especiais. 

A partir do momento que compreende-se a Lei Maria da Penha como mecanismo legal que combate violência doméstica e familiar contra a mulher, tal  violência pode ser tipificada conforme se verá a seguir: 

3.1.1 Violência física 

Conforme a Lei n.º 11.340 de 7 de agosto de 2006, em seu art. 7.º do: I: “a  violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou  saúde corporal.” Ainda que a agressão não deixe marcas aparentes, o uso da força  física que ofenda o corpo ou a saúde da mulher constitui vis corporalis, expressão  que define a violência física. 

A integridade física e a saúde corporal são protegidas juridicamente pela lei  penal (CP, art. 129). A violência doméstica já configurava forma qualificada de  lesões corporais: foi inserida no Código Penal em 2004, com o acréscimo do § 9.º ao  art. 129 do CP: “Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão,  cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de  hospitalidade”.  

3.1.2 Violência psicológica 

Fica evidente na Lei n.º 11.340/2006, no art. 7.º, II: “a violência psicológica,  entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da  auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise  degradar ou controlar as suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento,  vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização,  exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause  prejuízo à saúde psicológica e autodeterminaçã”.

Trata-se de previsão que não estava contida na legislação pátria, mas a  violência psicológica foi incorporada ao conceito de violência contra mulher  na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Doméstica, conhecida como Convenção de Belém do Pará. É a proteção da auto-estima e da saúde psicológica. Consiste na agressão emocional (tão  ou mais grave que a física). O comportamento típico se dá quando o agente ameaça, rejeita, humilha ou discrimina a vítima, demonstrando prazer  quando vê o outro se sentir amedrontado, inferiorizado e diminuído,  configurando a vis compulsiva (DIAS, 2007, p.48). 

A violência psicológica encontra forte alicerce nas relações desiguais de  poder entre os sexos. É a mais frequente e talvez seja a menos denunciada. A  vítima muitas vezes nem se dá conta que agressões verbais, silêncios prolongados,  tensões, manipulações de atos e desejos, são violência e devem ser denunciados.  

3.1.3 Violência sexual 

A Lei n.º 11.340, em seu artigo 7.º, III: “a violência sexual, entendida como  qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação  sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a  induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a  impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à  gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e  reprodutivos.” 

A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência  Doméstica – chamada Convenção de Belém do Pará – reconheceu a violência sexual como violência contra mulher. Ainda assim, houve uma  certa resistência da doutrina e da jurisprudência em admitir a possibilidade  da ocorrência de violência sexual nos vínculos familiares. A tendência  sempre foi identificar o exercício da sexualidade como um dos deveres do  casamento, a legitimar a insistência do homem, como se eu estivesse ele a  exercer um direito (DIAS, 2007, p.49). 

O Código Penal é severo com relação aos crimes perpetrados com o abuso  da autoridade decorrente de relações domésticas. Assim, reconhece como  circunstâncias que sempre agravam a pena o fato de o crime ter sido praticado (CP,  art. 61, II, e ): “contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge”; e (CP, art. 61, II,  f ): “com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade.” A Lei Maria da Penha inseriu neste dispositivo legal  mais uma hipótese: “com violência contra a mulher na forma da lei específica”. Com  este acréscimo, assim ficou redigido o dispositivo (CP, art. 61, II, f ): “com abuso de  autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de  hospitalidade, ou com a violência contra a mulher na forma da lei específica.” 

3.1.4 Violência patrimonial 

Art. 7º da Lei n.º 11.340, IV: “a violência patrimonial, entendida como qualquer  conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus  objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou  recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. 

A partir da nova definição de violência doméstica, assim reconhecida também  a violência patrimonial, não se aplicam as imunidades absolutas ou relativas dos  arts. 181 e 182 do Código Penal quando a vítima é mulher e mantém com o autor da  infração vínculo de natureza familiar.  

Não há mais como admitir o injustificável afastamento da pena ao infrator  que pratica um crime contra seu cônjuge ou companheira, ou, ainda, alguma  parente do sexo feminino. Aliás, o Estatuto do Idoso, além de dispensar a representação, expressamente prevê a não aplicação desta excludente da criminalidade quando a vítima tiver mais de 60 anos (DIAS, 2007, p.52).

A Lei Maria da Penha reconhece como violência patrimonial o ato de “subtrair” objetos da mulher, o que nada mais é do que simplesmente furtar. Assim, se subtrair  para si coisa alheia móvel configura o delito de furto, quando a vítima é mulher com  quem o agente mantém relação de ordem efetiva, não se pode mais reconhecer a possibilidade de isenção da pena. O mesmo se diga com relação à apropriação  indébita e ao delito de dano.  

3.1.5 Violência moral 

Art. 7.º da Lei n.º 11.340/2006, V: “a violência moral, entendida como qualquer  conduta que configure calúnia, difamação ou injúria”.

A violência moral encontra proteção penal nos delitos contra a honra:  calúnia, difamação e injúria. São denominados delitos que protegem a  honra, mas, cometidos em decorrência de vínculo de natureza familiar ou afetiva, configuram violência moral. Na calúnia, o fato atribuído pelo ofensor à vítima é definido como crime; na injúria não há atribuição de fato  determinado. A calúnia e a difamação atingem a honra objetiva; a injúria  atinge a honra subjetiva. A calúnia e a difamação consumam-se quando  terceiros tomam conhecimento da imputação; a injúria consuma-se quando  o próprio ofendido toma conhecimento da imputação (DIAS, 2007, p.54). 

Estes delitos, quando são perpetrados contra a mulher no âmbito da relação  familiar ou afetiva, devem ser reconhecidos como violência doméstica, impondo-se o  agravamento da pena (CP, art. 61, II, f ). De um modo geral são concomitantes à  violência psicológica. 

4. CONCEITUANDO FEMINICÍDIO 

Inicialmente, deve-se compreender o feminicídio como crime previsto no  Código Penal, inciso VI, § 2º, do Art. 121, quando cometido “contra a mulher por  razões da condição de sexo feminino”. O feminicídio foi abarcado na legislação  brasileira por meio da Lei n.º 13.104, de 2015. A ex-presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei n.º 13.104, em 9 de março de 2015. A respectiva lei altera o Código  Penal (art. 121 do Decreto Lei n.º 2.848/40), tornando o feminicídio como homicídio  qualificado, dentro do rol dos crimes hediondos. 

Feminicídio é um termo novo para uma prática antiga que acontece até os  dias de hoje, pois as mulheres morrem de formas trágica diariamente em todo o território nacional. São humilhadas, espancadas e agredidas brutalmente até o  momento em que chegam a óbito. A palavra feminicídio passou a ser usada para  designar um crime no Brasil a partir de 2015, pois existe nele uma particularidade.  Feminicídio é uma palavra que define o homicídio de mulheres como crime hediondo  quando envolve menosprezo ou discriminação à condição de mulher e violência  doméstica. A lei define feminicídio como “o assassinato de uma mulher cometido por  razões da condição de sexo feminino” e a pena prevista para o homicídio qualificado  é de reclusão de 12 a 30 anos atualmente. 

O assassinato intencional de mulheres cometido por homens é a manifestação mais grave da violência perpetrada contra a mulher e, em sociedades patriarcais, a condição feminina é o fator de risco mais importante para a violência letal, embora possa haver maior incidência em mulheres que possuem condicionantes raciais, étnicos, de classe social, ocupação ou geracionalidade (CARCEDO; SAGOT, 2000, p.74). 

O motivo capital para o uso da palavra feminicídio é de que o crime é  diferente por si só, pois trata-se de um crime de discriminação, atentado contra uma  mulher pelo fato de ela ser mulher. Tal discriminação decorre no machismo e do  patriarcalismo, que são culturas da sociedade ao colocar a mulher num lugar de  inferioridade e submissão. Dessa forma, a autoridade máxima é exercida pelo  homem e, consequentemente, a mulher se torna impotente, dedicando boa parte da  vida a servir (especialmente o homem). 

4.1 Fatores que elevam os casos de feminicídio 

O quadro que já era preocupante tornou-se alarmante, pois nos últimos dois  anos houve um crescimento nos casos de feminicídio. A classificação do feminicídio depende da interpretação da autoridade policial no momento do registro inicial e após a investigação do caso. Assim, é preciso que, em todos os estados do país, a polícia civil esteja capacitada para identificar casos de feminicídio, fazendo a distinção deste tipo específico de crime e um homicídio doloso simples, que não envolva alguma das situações descritas pela Lei 13.104/2015. 

Parte do aumento dos feminicídios é explicado pelo processo de aprendizagem das Polícias Civis na identificação dos casos, bem como, pela melhora na produção de estatísticas sobre esse tipo de crime. A desaceleração do aumento também pode estar relacionada a uma estabilização deste processo após vários anos de vigência da Lei. 

Existem disparidades entre os estados brasileiros na classificação dos feminicídios, a despeito de iniciativas nacionais como as Diretrizes para investigar, processar e julgar com perspectiva de gênero as mortes violentas de mulheres, elaboradas pela ONU Mulheres em parceria com a Secretaria de Políticas para Mulheres e com a Secretaria Nacional de Segurança Pública em 2016. 

Em 2020, 35% dos homicídios de mulheres foram classificados como feminicídios. No estado de Mato Grosso, por exemplo, foram quase 60%, enquanto no Ceará este percentual foi de 8%, muito abaixo da média nacional. O Ceará apresentou, ao mesmo tempo, a segunda maior taxa de homicídios femininos do país, com 7 casos por 100 mil mulheres, totalizando 329 vítimas em 2020. Diferenças como essa reforçam a ideia da classificação incorreta dos casos de feminicídio, que podem ser erroneamente vistos como homicídios simples (SOBRAL, 2022).

A figura anterior, destaca dados que configuram bem a realidade de crescimento do feminicídio no Brasil entre 2016 e 2021. De fato, deve haver mais denúncias pelo disque 100, mais investimentos na polícia civil e militar, criação de políticas públicas são algumas das medidas a serem tomadas. Sem esquecer, é claro, da eficiente aplicação da lei. 

É quase impossível não relacionar o período da pandemia com o crescimento da violência doméstica, pois os cônjuges ficaram mais tempo juntos em casa e da mesma forma, os vizinhos puderam observar de perto situações de violência contra a mulher das mais variadas formas. 

De acordo com dados levantados para o 15º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, pelo menos cerca de 15% dos homicídios de mulheres cometidos por companheiros ou ex-companheiros no Brasil não foram considerados feminicídios nos Boletins de Ocorrência registrados em 2020, mesmo que a Lei determine que tais casos deveriam ser classificados desta forma (SOBRAL, 2022). 

O gráfico abaixo destaca que os feminicídios são causados em sua maioria por companheiro e ex-companheiro da vítima. Outras mortes violentas ocorrem por desconhecidos.

Vale citar que a ferramenta mais comum para matar mulheres são as armas brancas (50%), seguidas pelas armas de fogo (29,2%). já para os demais homicídios contra mulheres, as armas de fogo são o principal instrumento (65%), seguidas das armas brancas (22,1%). Estudos já demonstraram que a presença de arma de fogo no domicílio aumenta o risco de uma mulher em situação de violência doméstica ser morta pelo companheiro. Não se pode esquecer que arma em casa também é fator de risco iminente. Tal descoberta nos adverte sobre o perigo de um aumento de feminicídios com as mudanças na lei federal de armas que estão se tornando cada vez mais permissivas e resultaram em um aumento dramático no número de civis armados (SOBRAL, 2022). 

Entre 2020 e 2021, viu-se um acréscimo significativo de 23 mil novas  chamadas de emergência para o número 190 das polícias militares solicitando  atendimento para casos de violência doméstica, com variação de 4% de um ano  para o outro. Significa dizer que pelo menos uma pessoa ligou, por minuto, em 2021, para o 190 denunciando agressões decorrentes da violência doméstica (MARTINS,  2022). 

O panorama atual vem confirmando que ainda há muito a ser feito no país, não apenas para diminuir a vulnerabilidade das mulheres em situação de violência, mas também para que os casos de feminicídio sejam adequadamente identificados e classificados. Embora parte do aumento dos feminicídios no Brasil possa ser atribuído à melhor compreensão da Lei e dos casos de mortes violentas de mulheres que envolvem violência de gênero, continuamos diante de um fenômeno subnotificado em centenas de registros oficiais. 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 

As dificuldades e desafios para o enfrentamento da violência contra mulher se  dá em decorrência da falta de articulação dos serviços públicos e rede de  atendimento, bem como a não atuação devida do poder público, órgãos e  profissionais envolvidos no desenvolvimento deste trabalho, isto é, combater a violência doméstica e garantir uma proteção às vítimas. Pelo fato de se estar vivenciando uma pandemia, as pessoas ficaram mais tempo em casa sem poder  sair e com isso, cresceu também o número de denúncias de violência doméstica,  bem como, os casos de feminicídio.

Portanto, as autoridades públicas devem tomar as medidas necessárias para  fornecer apoio adequado às vítimas e implementar medidas para combater a  violência doméstica, a fim de garantir o exercício pleno da cidadania e o  reconhecimento dos direitos humanos por meio de medidas para fortalecer o vínculo  entre as vítimas. Prepare-os para evitar a violência em casa. 

Enquanto a lei é aplicada, as autoridades não podem acelerar a resposta da  polícia a incidentes e proteger as mulheres vítimas de violência doméstica. Dessa  forma, a Lei n.º 11.340/06 mostra eficácia e competência, mas se não for aplicada  bem, cria impunidade, e isso não se deve à falta de lei, mas à falta de implementação. Cabe, portanto, às autoridades competentes implementar  adequadamente a lei de proteção das mulheres vítimas de violência doméstica. Ficou constatado que as mulheres são vítimas de feminicídio em praticamente todas as faixas etárias, com prevalência de óbitos ao longo de sua vida, como  mostram diferentes estudos e relatório anuais de segurança pública. Muitas vezes o  rompimento do relacionamento é a forma pela qual a mulher tenta acabar com a  violência, mas também termina quando ela se torna mais vulnerável e leva ao  aumento da violência, elevando o número de feminicídios. O fato de a mulher querer  viver solteira novamente não pode ser risco para ser vitimada pelo ex-companheiro. Portanto, acredita-se que o objetivo foi alcançado e a problemática  respondida, pois não se pretende esgotar o tema, mas sim torná-lo mais discutido  por acadêmicos de Direito, professores, sociedade em geral e claro, as mulheres  que não conhecem seus direitos previsto na legislação brasileira e as medidas  protetivas que lhe são ofertadas pela Justiça. 

REFERÊNCIAS 

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1Artigo apresentado ao Curso de Bacharel em Direito pela Unidade de Ensino Superior do Sul do Maranhão (UNISULMA).
2Graduanda em Direito pela Unidade de Ensino Superior do Sul do Maranhão (UNISULMA). E-mail: