VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: 18 ANOS CRIAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA, OS ASPECTOS FUNDAMENTAIS QUE GARANTEM A PROTEÇÃO DA MULHER E OS DESAFIOS NO ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11522532


Miria Sabrina de Oliveira Amorim1


RESUMO 

Este artigo apresenta um estudo acerca da Lei 11.340/2006 e as suas repercussões  na sociedade brasileira, sob a perspectiva analítica da aplicação da legislação pelo  Estado, das alternativas utilizadas a fim de concretizar os objetivos inerentes à  concretização da norma e das dificuldades que ainda se enfrenta, como a  precarização dos instrumentos públicos. Tais dificuldades são evidenciadas pelo não  cumprimento integral com eficiência das medidas que a própria legislação prevê,  como a falta de estrutura organizacional, despreparo de profissionais atuantes, cita se a força policial, e dificuldade de acesso à justiça pelas populações rurais ou que  não integram grandes centros urbanos, ou mesmo da alta demanda dos grandes  centros urbanos, todas questões que obstruem o bom atendimento às vítimas de  violência doméstica no Brasil. Por fim, das práticas que podem ser adotadas para  que os problemas destacados sejam combatidos, assim como os avanços  alcançados por meio das estratégias conjuntas entre os órgãos do poder judiciário  para promover o combate à violência domésticas e acolhimento das vítimas através  do acesso à políticas públicas de positivação não só do combate à violência de  gênero como da sua prevenção. 

PALAVRAS-CHAVE: violência doméstica; enfrentamento; legislação. 

ABSTRACT 

This article presents a study on Law 11,340/2006 and its repercussions on Brazilian  society, from the analytical perspective of the application of legislation by the State,  the alternatives used in order to achieve the objectives inherent to the  implementation of the norm and the difficulties that still remain faces, such as the  precariousness of public instruments. Such difficulties are evidenced by the failure to  fully and efficiently comply with the measures that the legislation itself provides, such  as the lack of organizational structure, unpreparedness of working professionals,  such as the police force, and difficulty in accessing justice for rural populations or those who are not part of large urban centers, or even the high demand in large  urban centers, all issues that obstruct good care for victims of domestic violence in  Brazil. Finally, the practices that can be adopted so that the highlighted problems are  combatted, as well as the advances achieved through joint strategies between the  bodies of the judiciary to promote the fight against domestic violence and reception of  victims through access to public policies of positive action not only in the fight against  gender-based violence but also in its prevention. 

KEYWORDS: domestic violence; coping; legislation. 

1. INTRODUÇÃO  

Para evidenciar as atuações de combate à violência doméstica com enfoque  na criação da Lei Maria da Penha, os aspectos fundamentais que garantem a  proteção da mulher diante do contexto histórico normativo, correlacionando a  evolução da legislação vigente aos preceitos socioculturais que perpassam a  sociedade brasileira, bem como sua aplicação e resultado enquanto vetor de  controle e combate amplo à violência doméstica, o presente trabalho objetiva  demonstrar como a legislação atual pode atuar na prevenção e repressão a violência  doméstica, considerando o contexto sociocultural pelo qual a sociedade brasileira se  estabeleceu e a onda crescente de descredibilização da mulher diante da denúncia  dos casos de violência, que, consequentemente, gera temor às vítimas em buscar  denunciar seus agressores.  

Importando destacar que os direitos inerentes às mulheres nem sempre foram  respeitados e validados, razão da importância da existência de uma lei de cunho  garantidor de direitos e de proteção da mulher contra a violência, que por tempos  era tabu social. Para a criação de Constituição Federativa do Brasil de 1988, ter  como objeto de garantia de direitos fundamentais, incluindo a igualdade de gênero e  previsão de tratamento equitativo entre as pessoas, considerando as desigualdades  existentes em diversos aspectos, foi um avanço considerável para que novas  legislações mais específicas pudessem combater essas dicotomias sociais. 

Assim, a principal forma de combate à violência doméstica é a educação de  meninos e meninas, objetivamente a construir a ideia de respeito e igualdade entre  os gêneros a longo prazo. Porém, no presente, cita-se o papel fundamental do  estado enquanto garantidor da ordem social para as tratativas de cunho legislativo, buscando não só a prevenção como também a repressão da violência em todos os  aspectos, uma vez que a atuação dos 3 poderes pode resultar no maior alcance da  legislação como um todo. A exemplo, a atuação do Poder Judiciário quanto ao  julgamento de casos de violência doméstica no ano de 2022 promoveu a concessão  de 442.897 medidas protetivas, conforme o Painel de Monitoramento das Medidas  Protetivas de Urgência da Lei Maria da Penha. E, ainda, buscando a ampliação da  efetividade da Lei Maria da Penha através de ações de conscientização e  concretização da aplicação da lei, seja por meio de ações afirmativas de gênero e  apoio às vítimas de violência, como o que já vem sendo instituído através do  programa Justiça pela Paz em Casa, promovido também pelo Poder Judiciário, que  visa para agilizar o andamento dos processos relacionados à violência de gênero,  conforme explica o relatório “O Poder Judiciário na aplicação da Lei Maria da Penha:  ano 2022”. 

É, fundamentalmente, necessário entender como funciona a dinâmica de  tratamento atual aos casos de grande repercussão, por exemplo, em retrospecto ao  tratamento dado e tempos mais abastados da história, pois, assim, pode-se buscar  mecanismos de prevenção e combate. Nesse sentido, observa-se a importância da  pesquisa no que busca contribuir para a resolução de um problema social em larga  escala. Observando-se a aplicação da Lei Maria da Penha, principalmente,  considerando sua evolução desde sua criação, uma vez que é o eixo central no  combate à violência doméstica, destacando-se a contribuição dos estudos atuais,  bem como dados científicos promovidos, inclusive, pelo Conselho Nacional de  Justiça, para tornar o combate à violência doméstica cada vez mais eficiente e  amplamente difundido. 

2. A LEI MARIA DA PENHA 

2.1 Da criação da lei 11.340/2006 – 18 anos de história 

A lei 11.340/2006 foi criada com o objetivo de criar mecanismos que coíbem a  violência doméstica e familiar contra a mulher. Na prática, dentre suas medidas para  punir quem pratica a violência doméstica, trouxe alterações importantes para o  Código Penal brasileiro, passando a tratar como fato tipificado no ordenamento.

Sua criação foi um marco importante no panorama legislativo brasileiro,  especialmente no que diz respeito à proteção das mulheres contra a violência  doméstica e familiar. Seu surgimento foi resultado de um processo complexo, que  envolveu pressões sociais, debates legislativos e a necessidade de cumprimento de  obrigações internacionais assumidas pelo Brasil. 

O contexto que levou à criação da Lei Maria da Penha foi marcado por uma  crescente conscientização sobre a gravidade e a frequência da violência contra a  mulher. Movimentos sociais, organizações não governamentais e instituições de  direitos humanos vinham há anos clamando por medidas efetivas para enfrentar  esse problema. 

Dito isto, a legislação específica para os casos de violência doméstica nasceu  exatamente como qualquer outra norma, através de uma evolução histórica e sob  um contexto cultural de um país, pois apesar de impulsionada por um caso real que  obteve desdobramentos até então inédito para o mundo jurídico brasileiro. Essa  concretização é provada sempre sob um contexto histórico e sociocultural do meio  em que se insere, como bem explica Pedro Rui da Fontoura Porto: 

A historicidade a que nos referimos e que deve compor o horizonte de  sentido do intérprete da Lei 11.340/06 concerne à fase da história, ao menos do ocidente, em que por todos os lados se promove a defesa intransigente dos direitos humanos, para além de sua positivação em tratados internacionais e legislações internas, especializando-os em setores  bem determinados da população mais vulnerável, buscando compensar formalmente as desigualdades gestadas na faticidade. Esta pertença  histórica do homem moderno exige uma atitude positiva que rompa com o passado e instaure o novo que anseia por se tornar realidade. (Fontoura, 2018, p. 30) 

Logo, inerente à ação humana sob a constatação de que a existência de um  comportamento reprovável precisa da atuação do Estado para sua coibição, criam-se as normas como elas são. No caso da Lei 11.340/06, objetiva coibir e punir a  medida das ações de quem pratica a violência doméstica e familiar contra a mulher,  em observância, inclusive, à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de  Discriminação contra a Mulher (CEDAW), que já havia sido retificada pelo Brasil em  1984 e influencia diretamente a elaboração e revisão da legislação nacional  relacionada aos direitos das mulheres.

Ressalta-se que apesar da ratificação da convenção, ainda houve um  processo arrastado para a efetivação das cláusulas da CEDAW, apesar de alguns  anos depois a Constituição abordar a igualdade entre homens e mulheres e a  dignidade da pessoa humana, somente em 2006 temos a criação de fato de uma  legislação visando a coibição das violências sofridas pela mulher, que ainda assim,  não conferia um entendimento abrangente do que eram essas violência, passando  pelo processo de atualização ao longo dos anos, para enfim chegar a conceituação  atual. 

Por estas razões vê-se que a Lei 11.340 é uma resposta legislativa brasileira  a uma série de eventos e pressões sociais que destacaram a urgência de enfrentar a  violência doméstica e familiar contra a mulher no país. Seu contexto histórico é  caracterizado por uma longa luta das mulheres brasileiras por seus direitos e por um  crescente reconhecimento da gravidade e extensão da violência de gênero, desde  muito antes, em meados do século XX com os movimentos feministas crescentes  como com a repercussão do caso de Maria da Penha Maia Fernandes, que sofreu  tentativas de homicídio por parte do marido e enfrentou uma longa batalha judicial  por justiça, trazendo à tona o debate sobre a impunidade e a falta de proteção legal  para as vítimas desses casos e como isso contribuía para aumentar a pressão por  uma legislação mais eficaz. 

O entendimento do que é a violência doméstica, por sua vez, também foi um  passo importante, a sua conceituação precisava abranger as múltiplas formas pelas  quais a mulher sofria em razão da sua condição de gênero dentro das relações  domésticas, dado que não somente a violência física deveria ser combatida, mas  também a psicológica e a patrimonial. 

2.2 Conceituação de violência doméstica adotada pelo ordenamento 

O art. 5º da Lei 11.340, traz à luz os tipos de violência doméstica contra a  mulher sendo “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte,  lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. Esse  entendimento abrangente trazido no caput, é uma conceituação relativamente recente, pois não foi reconhecido de imediato à criação da lei, mas incluído anos  depois. 

Além disso, o art. 7º preceitua os requisitos para que o fato se enquadre como  a violência descrita conceituando os tipos de violência, atuando em complemento ao  que prevê o art. 5º, quais sejam: 

Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre  outras: 
I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; 
II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça,  constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância  constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à  autodeterminação; 
III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; 
IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; 
V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure  calúnia, difamação ou injúria. (Brasil, Lei 11.340/2006) 

Assim, observa-se que a violência doméstica não se resume às  consequências físicas, mas também nas de cunho moral, sexual e patrimonial. Esse  entendimento tornou-se necessário e desvinculadas, uma vez que a construção da  relação entre a vítima e autor, pressupõe uma hierarquia que gera repercussões  para além das agressões físicas e em muitos casos sequer existe a violência física,  por isso a necessidade de abordar as múltiplas formas de violência contra a mulher.

2.3 Compreensão dos aspectos positivos no ordenamento através da promulgação da lei. 

O papel do Estado na efetivação do combate à violência doméstica é central  nesse contexto. A Lei Maria da Penha não apenas criminaliza diversas formas de  violência contra a mulher, mas também estabelece mecanismos para prevenir,  punir e erradicar esses tipos de violência. Ela reconhece a violência doméstica como  uma violação dos direitos humanos e define políticas públicas que visam proteger as  vítimas e responsabilizar os agressores. 

Foram criadas mudanças importantes no Código Penal, incluindo a previsão  de pena mais gravosa para casos de violência doméstica e alterando o dispositivo  legal, incluindo-se ao código o §9º, no art. 129, do CP. A partir de então, diversas  mudanças ganharam espaço visando a proteção da mulher, como a criação de um  tipo penal para os crimes de feminicídio, sobressaindo a Lei 13.104 de 2015.  Caroline Espínola aponta que: 

O objetivo da Lei nº 11.340/2006 foi criar mecanismos no ordenamento jurídico brasileiro e no sistema de proteção às vítimas de violência familiar  destinados a coibir e a prevenir a violência doméstica contra a mulher, como forma de resgatar a cidadania, a autoestima e a autonomia daquelas que sofrem ou sofreram violência doméstica, colocando em prática preceitos contidos no § 8.º do artigo 226 da Constituição Federal 272, na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as  Mulheres e na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher. (Espínola, 2018, p. 116) 

A partir da promulgação da lei, foram inúmeros os avanços positivamente  alcançados para enfrentar a prática desse tipo de violência. Dentre os quais, a  criação das medidas protetivas e a criação de delegacias especializadas e casas de  abrigo. Essas ferramentas têm por principal objetivo justamente o acolhimento e  proteção da pessoa vítima de violência doméstica e familiar, considerando que o que  mais dificulta o seu combate é justamente a falta de acolhimento e de validação das  denúncias, o que leva inúmeras vítimas sequer buscar por ajuda diante da incerteza  de que haverá punição aos seus agressores, bem como o medo de que isso torne  as agressões ainda mais frequentes e piores.  

Essas questões ainda evidenciam que a efetivação dessa lei enfrenta  desafios significativos. Um dos principais é a falta de estrutura e recursos adequados  por parte do Estado para implementar as medidas previstas na legislação. Isso inclui a criação e manutenção de delegacias especializadas, casas abrigo, programas de  assistência psicológica e jurídica para as vítimas, além de políticas de  conscientização e educação voltadas para a prevenção da violência. 

Além disso, questões culturais e sociais profundamente enraizadas também  representam obstáculos para a efetivação da Lei Maria da Penha. Ainda persistem  estereótipos de gênero, machismo e naturalização da violência que dificultam a  denúncia por parte das vítimas e a responsabilização dos agressores. É necessário,  portanto, um esforço conjunto da sociedade civil, do poder público e do sistema de  justiça para promover uma mudança cultural e social que deslegitima a violência  contra a mulher em todas as suas formas. 

3. DA CRIAÇÃO DE MEDIDAS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA MULHER. 

3.1 Função do Estado na aplicação da lei 

A Lei 11.340 é o exemplo prático de como o Estado pode e precisa ser parte  ativa no combate à problemas sociais e na erradicação de lacunas, principalmente,  legislativas para que seja efetiva sua atuação frente ao problema. 

É claro que há uma importância histórica da legislação trazer medidas mais  rigorosas e específicas para combater a violência contra a mulher, a exemplo de  como os casos de violência contra mulher foram tratadas anteriormente à Lei Maria  da Penha. Por esta razão, as medidas protetivas são uma resposta legal direcionada  a resguardar a integridade física e psicológica das mulheres em situação de  violência, observada a importância dessas medidas como instrumento de prevenção  e contenção da violência. Todavia, ainda existem desafios a serem superados para  a plena aplicação dessas medidas, o que suscita a necessidade de um  acompanhamento multilateral para assegurar sua efetividade. 

O poder público é o agente integrador e garantidor que essas soluções sejam  possibilitadas e amplamente difundidas. A atuação do Estado não poderia se  resumir ao papel de legislar, mas também de aplicar a lei e fiscalizar o seu  cumprimento, bem como estar alinhado com os avanços sociais, para que os dispositivos jurídicos também não se percam com o tempo. Por essas razões, é  de suma importância atualizar e complementar as normas existentes, para que elas  possam atender a todos os âmbitos e momentos da sociedade. Assim, evidencia-se  o papel de atuação ativa entre os entes federativos, sendo: 

As medidas integradas de prevenção, presentes no artigo 8º, são formadas por ações no campo das políticas públicas que visam coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, a serem colocadas em prática por meio de um conjunto articulado de atividades da União Federal, dos  Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de entidades não governamentais. (Espínola, 2018, p. 119) 

Nesse sentido, é notório que os aspectos materiais abrangem disposições  substanciais e medidas concretas que visam proteger a mulher, prevenir a violência  e aplicar a pena cabível aos agressores. Ou seja, sua atuação adere às demandas  necessárias para que aquilo que é previsto na norma seja aplicado na sociedade,  em busca do objetivo de existência da norma em específico. Por exemplo, no caso  do atendimento especializado promovido pelas delegacias da mulher, é crucial que  os profissionais que atuam nesses lugares sejam adequadamente preparados para as demandas atendidas, como pela disponibilização de assistentes sociais e  psicólogos, bem como do treinamento adequado de policiais que atendem as  ocorrências.  

Com isso, essas previsões legais da Lei Maria da Penha expressam a  preocupação que o legislador teve em relação à melhor forma para que a mulher  vítima de violência possa pleitear seus direitos sem que seja, mais uma vez,  vitimizada por tratamentos desrespeitosos nas instituições responsáveis. É certo que  o judiciário não é um local de fácil acesso a população sem conhecimento jurídico,  quando se fala ainda de uma pessoa fragilizada e vulnerável por toda situação de  violência que vive, esse cenário pode ser ainda mais intimidador. Por isso, embora a  própria lei disponha que as vítimas podem pleitear diretamente ao juizado ou vara de  violência, sem necessidade de advogado ou defensor público, determinadas  demandas que visam a sua proteção em decorrência da violência vivida, é mais  comum que prefiram o acompanhamento para essas atividades. 

3.2 Da garantia da proteção ao direito da mulher: implementação de ações que promovem o combate à violência doméstica – Atuação do CNJ

A partir da criação da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340), sancionada em 7 de  agosto de 2006, houve sem dúvida um avanço considerável em relação ao combate  à violência contra mulher, entretanto, ainda há muito o que evoluir do cenário atual.  O Conselho Nacional de Justiça desempenha um papel central na fiscalização e  monitoramento da aplicação da Lei Maria da Penha. Dentre as práticas  disseminadas e que visam não só atualização dos mecanismos de combate à  violência doméstica, como também fiscalizar as ações implementadas, para que  sejam mais eficientes e colaborativas com as demandas sociais. 

Como forma de apresentar essas medidas de enfrentamento à violência  doméstica e de acolhimentos às vítimas, o CNJ apresentou em 2022 um relatório  denominado “O Poder Judiciário na aplicação da Lei Maria da Penha: ano 2022”,  onde, dentre outras demandas, abordou a concessão e aplicação dessas medidas,  revelando avanços, mas ressaltando a necessidade de aprimoramento na  fiscalização e acompanhamento de sua efetividade. 

Esse relatório apresenta estatísticas sobre o número de processos  instaurados, medidas protetivas concedidas, julgamentos realizados, entre outros  dados relevantes. Sendo importante não apenas para avaliar a eficácia da  legislação, mas também para identificar desafios e oportunidades de melhoria no  enfrentamento da violência de gênero. 

Acerca da problemática levantada anteriormente, Pedro Rui Da Fontoura  Porto, em sua obra “Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher: Lei 11.340/06  análise crítica e sistêmica”, realiza uma análise minuciosa da legislação, destacando  seus avanços e desafios. O autor ressalta a importância de uma abordagem crítica  para compreender a aplicação prática da Lei Maria da Penha e seu impacto na  sociedade. Como ferramenta de levantamento de dados que contribuem para esse tipo de análise, o relatório do Conselho Nacional de Justiça fornece uma visão  abrangente sobre a efetividade da legislação nos tribunais brasileiros.  

O relatório também destaca como persistem os desafios enfrentados, como a  demora na apreciação de processos, a falta de estrutura em algumas unidades  judiciárias e a necessidade de aprimoramento na comunicação entre os órgãos  judiciais e as autoridades policiais.

Além disso, uma plataforma online disponibilizada pelo CNJ, onde fornece  dados detalhados que permitem uma compreensão mais aprofundada do cenário de  violência doméstica no país. Essas informações são cruciais para identificar lacunas  na aplicação da lei e desenvolver estratégias mais eficazes. A plataforma, acessível  em medida-protetiva.cnj.jus.br, permite uma análise mais detalhada desses dados,  possibilitando a identificação de tendências, lacunas e áreas que exigem intervenção  imediata. 

Dessa maneira, o apoio e acolhimento realizados para que as mulheres em  situação de violência se sintam seguras para denunciar são imprescindíveis no  enfrentamento da violência contra a mulher baseada no gênero no Brasil. Outro fato  importante que precisa ser garantido a essas mulheres é o acesso à justiça nesses  casos. E é nesse sentido que atua o CNJ, buscando a ampliação da efetividade da  Lei Maria da Penha através de ações de conscientização e concretização da  aplicação da lei, seja por meio de ações afirmativas de gênero e apoio às vítimas de  violência, como o que já vem sendo instituído através do programa Justiça pela Paz  em Casa, promovido também pelo Poder Judiciário, que visa agilizar o andamento  dos processos relacionados à violência doméstica. 

4. COOPERAÇÃO SOCIAL E CREDIBILIZAÇÃO DAS VÍTIMAS

4.1 Dificuldades da atuação da Delegacia de Atendimento à Mulher 

Dentre as inovações promovidas pela Lei 11.340/06, o dispositivo que prevê a  atuação de delegacias especializadas no atendimento à mulher vítima de violência  doméstica é um dos mecanismos de suma importância para o acolhimento destas.  Em seu inciso III, do art. 35, da legislação é prevista a criação não só da delegacia,  como também de “núcleos de defensoria pública, serviços de saúde e centros de  perícia médico-legal”. 

Destarte, como uma das ferramentas para a garantia do cumprimento da  legislação, as Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher, são uma  particularidade na Lei 11.340 em transferir a competência dos Juizados Especiais  Criminais de julgarem os crimes referentes à violência doméstica e familiar contra a mulher, como era estabelecido pela Lei 9.099/95, sobrevindo o art. 41 da Lei Maria  da Penha, que fora objeto de discussão da ADC 19. A discussão quanto à constitucionalidade da norma, encontrou respaldo, justamente na própria razão de  existência da Lei Maria da Penha, conforme justificou em seu voto a Ministra Rosa  Weber: 

A Lei Maria da Penha reconhece o fenômeno da violência doméstica contra a mulher como uma forma específica de violência e, diante disso, incorpora ao direito instrumentos que levam em consideração as particularidades que lhe são inerentes. Reconhece, pois, a desigualdade de gênero, e vem assim a proteger a mulher no horizonte definido pelo art. 226, § 8°, da Constituição Republicana. (Brasil, 2012) 

Essas modificações na própria estrutura e na adaptação de órgãos do poder  público, visam, principalmente, o acolhimento das vítimas, em tese. Para a  promoção desses atendimentos é necessária uma ampla rede de órgãos bem  estruturados e que disponham de força especializada para que seja possível  alcançar o objetivo pelo qual a Lei foi criada. O que, na prática, ainda enfrenta  obstáculos, considerando que, no caso da atuação da delegacia de atendimento à  mulher decorre da falta de estrutura adequada, onde o investimento do poder  público é insuficiente para as demandas da especializada, ensejando na falta de  recursos financeiros e estruturais, além da cobertura insuficiente do atendimento em  algumas regiões, especialmente em áreas rurais e cidades interioranas. 

Essas dificuldades provocam uma série de outros percalços que desmotivam,  inclusive, as vítimas a procurarem por atendimento, o que as levam a permanecer  sob uma situação de violência. Essa desestruturação, promove a falta de integração  e coordenação entre diferentes órgãos e serviços, como polícia, judiciário,  assistência social e saúde, pode dificultar a oferta de um atendimento completo e  eficiente às vítimas, ensejando que as medidas protetivas não sejam devidamente  monitoradas, por exemplo. 

4.2 Treinamento e adequação da equipe de atendimento 

Treinar policiais, assistentes sociais, psicólogos e demais profissionais  envolvidos no atendimento às vítimas de violência doméstica para que possam  oferecer um atendimento humanizado e eficaz é a porta de entrada para que o combate à violência doméstica alcance a eficácia da implementação da norma no  cotidiano, isso por que esses são os profissionais a exercer o contato direto com as  vítimas e para comunicar o alcance em todas as etapas que ocorrem desde à  comunicação do crime às ações posteriores à atuação do poder judiciário é o  possibilita o alcance assistencial maior, para a implementação de redes de apoio,  como casas-abrigo, centros de atendimento psicológico e jurídico, e programas de  reintegração social e econômica para as vítimas. 

Essa é uma parcela importante da jornada da mulher que busca a ajuda  especializada no caso concreto, uma vez que o número de mulheres que deixam de  denunciar e buscar ajuda ainda é expressivo, justamente pela vergonha e medo do  julgamento. O que se desmistifica quando são ofertados profissionais que saibam  como criar um ambiente seguro e acolhedor, onde as vítimas se sintam ouvidas,  respeitadas e apoiadas. Pois ao oferecer estrutura não só física, através da  Delegacias de Atendimento à Mulher, como também de uma rede profissional, o  atendimento se torna de fato uma corrente que integra todas as fases: antes,  durante e depois da comunicação da violência. 

O atendimento especializado confere a garantia da proteção integral da  mulher, podendo inferir o que dispõe o art. 226, §8º, da Constituição Brasileira,  quanto à assistência dirigida aos integrantes do núcleo familiar, no contexto da Lei  Maria da Penha, tendo em conta o problema social que envolve a violência à mulher.  Logo, a legislação específica nada fere o que a própria constituição visa garantir,  somente direciona os esforços previstos pela norma mor para o contexto específico,  como exemplo, à previsão da capacitação de profissionais ao atendimento da  mulher. 

A fomentação dessa capacitação é objeto da Lei 11.340, como forma de  evitar que as mulheres vítimas sofram novos tipos de violações aos seus direitos na  própria delegacia, através de um atendimento pouco humanizado e de invalidação  do sofrimento da vítima, ou seja, uma sucessão de violências, passando pelos  mesmos questionamentos dos fatos muitas vezes gerando um sentimento de  menosprezo ou de que não estão acreditando no que estão contando.

Assim, ficou estabelecida uma série de medidas e procedimentos que ficarão  a cargo dos profissionais tanto das polícias civil, quanto nas militares, dos guardas  municipais e do corpo de bombeiros, se for o caso, para a efetivação das medidas  emergenciais com o objetivo de garantir a integridade física, moral e patrimonial das  mulheres vítimas de violência de gênero. Dentre as medidas previstas, o art. 11 da  Lei 11.340 apresenta o seguinte: 

Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências: 
I – garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário; 
II – encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal; 
III – fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida; 
IV – se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar; 
V – informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis, inclusive os de assistência judiciária para o eventual ajuizamento perante o juízo competente da ação de separação judicial, de divórcio, de anulação de casamento ou de dissolução de união estável. (Brasil, Lei 11.340/2006) 

Essas providências são fundamentais para que as mulheres tomem a decisão  de procurar a ajuda das entidades competentes, já que transmitem segurança para a  vítima, a sensação de não estar sozinha e de que possui direitos. Por isso, torna-se  necessário o debate acerca forma como as vítimas são recebidas e acolhidas  quando se dispõem a denunciar as violências que sofrem, pois o estigma enviesado  pelo senso comum de invisibilidade da mulher vítima de violência doméstica que a  torna refém do medo e da sensação de abandono pela própria comunidade em que  vive. 

Quando se discute sobre o atendimento a estas vítimas é possível abrir  espaço para o surgimento de políticas públicas que viabilizem a contratação,  formação e adequação de profissionais para que atuem de forma integrada e,  principalmente, de cuidado e acolhimento, o que possibilita também uma ruptura  com o estigma citado anteriormente.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 

A criação da Lei 11.340 foi um avanço importante no âmbito da legislação  brasileira para promover a garantia da proteção aos direitos das mulheres, em que  pese o combate à violência de gênero. Seus aspectos materiais refletem um  compromisso abrangente e multidimensional com a proteção das mulheres e o  combate à violência doméstica no Brasil. Através de medidas protetivas, aplicação  da pena aos agressores, atendimento especializado, prevenção da violência e  assistência integral às vítimas, a lei oferece um arcabouço robusto para enfrentar a  violência de gênero. No entanto, a efetividade dessa legislação depende da  implementação adequada e do engajamento contínuo de todas as esferas do Estado  e da sociedade civil. 

Sob este cenário, observa-se que, para alcançar a plena aplicabilidade da  legislação, incluindo a execução de todos os objetivos por ela traçados, é  imprescindível o esforço conjunto e multilateral entre governo, sociedade civil e  instituições diversas de apoio ao combate à violência de gênero, incluindo as  diversas formas de prevenção que podem ser alcançadas através da educação da  população em geral. Investimentos em infraestrutura, capacitação de profissionais,  campanhas de conscientização e políticas públicas efetivas são essenciais para  melhorar o atendimento às vítimas e reduzir a incidência de violência doméstica. 

Enquanto a função do Estado em assegurar que a Lei seja respeitada e  aplicada no Judiciário é mais abrangente e permeia diversas áreas da sócio jurisdicionais, envolvendo uma combinação de ações legislativas, executivas,  judiciárias e sociais, perpassando os aspectos processuais da lei. Assim, conclui-se  que o esforço em comum em diversos âmbitos da sociedade, justificando a garantia  do direito tutelado pela Lei 11.340, é a principal forma de dirimir as atuais problemáticas  que desafiam o alcance dos objetivos da legislação. Apesar das políticas aplicadas,  ainda existem empecilhos, estruturais, logísticos e de recursos humanos que  precisam ser ultrapassados. 

Para tanto, a atuação de órgãos como o CNJ tem um papel importante em  otimizar o esforço no enfrentamento à violência doméstica, pois visa não só a  celeridade processual, por exemplo, mas alcançar outros nichos, como o da prevenção e do acolhimento social. Assim, conjuntamente aos órgãos  especializados, incluindo a instrução e capacitação de pessoal, esse alcance se  torna muito mais amplo para seu objeto fim que é a garantia da proteção à mulher  vítima de violência doméstica.

6. REFERÊNCIAS 

BRASIL. Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais  Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: <  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm>. 

BRASIL, Lei 11.340, Lei Maria da Penha, 2006. 

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1Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário Fametro; E-mail: miria.sabrina124@gmail.com;  ORCID: https://orcid.org/0009-0004-9588-6867.