ASPECTS ABOUT THE PRISON AFTER CONVICTION IN SECOND INSTANCE: CONSIDERATIONS DUE TO THE ABUSE OF THE APPEAL SYSTEM FROM THE PERSPECTIVE OF FUNDAMENTAL RIGHTS
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7992051
Nicollas Andrey dos Santos Silva1
Sávio Túlio Caetano Santos2
RESUMO
O tema em tela tem como objetivo levantar uma discussão sobre a prisão após sentença penal condenatória em segunda instância, os entendimentos jurisprudenciais dos tribunais superiores desde a redemocratização até os dias atuais, observados pela ótica dos direitos fundamentais e os princípios constitucionais, bem como as consequências geradas ao Estado brasileiro, haja vista a controversa da temática. Para realização do artigo foi escolhido a forma de pesquisa de finalidade básica estratégica, com objetivo descritivo e exploratório, sob o método hipotético-dedutivo, com abordagem qualitativa e realizada com procedimentos bibliográficos e documentais. O tema é de grande relevância haja vista o levantamento de inúmeros debates acerca da prisão após condenação em segunda instância ou após sentença penal condenatória transitada em julgado, destacando o momento adequado para a prisão do acusado, bem como seus efeitos jurídicos sociais, analisando também a relação da eventualidade citada ao abuso do sistema recursal acompanhado do sentimento de impunidade, consequência da postergação do cumprimento de pena, através dos meios recursais.
Palavras-chave: Sentença, princípios, prisão, jurisprudência.
ABSTRACT
The theme in question aims to raise a discussion about imprisonment after a conviction in the second instance, the jurisprudential understandings of the superior courts since redemocratization until the present day, observed from the perspective of fundamental rights and constitutional principles, as well as the consequences generated to the Brazilian State, given the controversy of the subject. To carry out the article, the form of research with a basic strategic purpose was chosen, with a descriptive and exploratory objective, under the hypothetical-deductive method, with a qualitative approach and carried out with bibliographic and documental procedures. The theme is of great relevance in view of the survey of numerous debates about imprisonment after conviction in second instance or after a final conviction, highlighting the appropriate time for the arrest of the accused, as well as its social legal effects, also analyzing the relation of the mentioned eventuality to the abuse of the appeal system accompanied by the feeling of impunity, a consequence of the postponement of the fulfillment of the sentence, through the appeal means.
Keywords: Sentence, principles, prison, jurisprudence.
1-INTRODUÇÃO
A Carta Magna de 1988, denominada “Constituição Cidadã”, delegou ao STF a função de protegê-la, ou seja, é de responsabilidade da Corte Maior a interpretação de seu texto, proferindo decisões, que estão em plena concordância. Nesse prisma, os entendimentos jurisprudenciais proferidos recentemente têm contribuído para atingir a paz social, já que a Legislação é mutável e o Poder Legislativo não consegue acompanhar os avanços sociais e culturais em tempo hábil.
O debate acerca da prisão após condenação em segunda instância é um tema complexo e controverso que tem gerado discussões em diversos setores da sociedade. Em termos legais, a questão envolve princípios fundamentais do nosso sistema jurídico, como o devido processo legal, a ampla defesa, o contraditório, a presunção de inocência dentre outros.
Este artigo tem por objetivo analisar as diferentes vertentes que permeiam a temática, considerando os princípios jurídicos norteadores, as discussões sobre a constitucionalidade da problemática abordada nas instâncias superiores, bem como os argumentos a favoráveis e contrários a prisão em segunda instância e as consequências jurídico-sociais para coletividade. Para tanto, serão abordados diferentes aspectos que envolvem a temática, sob à luz da carta política, incluindo uma análise dos votos do último julgamento sobre o assunto,
Para isso, no primeiro tópico será apresentado o princípio do devido processo legal e o duplo grau de jurisdição, enfatizando a importância desses dispositivos na garantia da ordem jurídica, na proteção dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos.
Em sequência, no segundo tópico será discutido o princípio da ampla defesa e o contraditório, de modo a pontuar seus aspectos distintos, destacando sua relevância na garantia da paridade de armas entre as partes dentro do processo e na busca pela verdade real durante as etapas processuais.
Posteriormente, no terceiro tópico será abordado o princípio da presunção de inocência, que por sua vez será explorado de modo analítico dado sua tamanha relevância perante o tema. A presunção de inocência, também denominado como princípio da não culpabilidade, é um dos pilares do nosso sistema de judicial e tem sido objeto de intensos debates em relação à prisão após condenação em segunda instância observada as suas diversas interpretações ao longo da história.
Adiante, no quarto tópico será realizada uma análise sobre a constitucionalidade da prisão após condenação segundo grau de jurisdição, tendo em vista a interpretação da Constituição Federal em relação ao conteúdo.
Nos tópicos seguintes, serão expostos os principais argumentos a favoráveis e contrérios a prisão após condenação em segunda instância, que incluem questões relacionadas à efetividade do sistema de judiciário frente ao sentimento de impunidade e a segurança jurídica, à segurança pública em detrimento a função social dos estabelecimentos prisionais e os direitos dos cidadãos. Por fim, será realizada uma análise pormenorizada de cada votos proferidos pelos ministros do Supremo Tribunal Federal no último julgamento acerca do tema, buscando compreender seus diferentes posicionamentos e fundamentos jurisprudenciais envolvidos.
Para realização do artigo foi escolhido a forma de pesquisa de finalidade básica estratégica, com objetivo descritivo e exploratório, sob o método hipotético-dedutivo, com abordagem qualitativa e realizada com procedimentos bibliográficos e documentais.
2-PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
Vivemos em um País pautado por leis, ou seja, os atos processuais devem seguir o que diz a legislação vigente, logo, esse princípio é um dos mais importantes presentes no nosso ordenamento jurídico. Se voltarmos um pouco na história e analisarmos o sistema da época, vemos que era uma espécie de “tirania”, onde o rei figurava como o chefe supremo, tomando decisões totalmente parciais, e muitas das vezes uma pessoa que estava sendo julgada, nem fazia jus ao direito de resposta.
Atualmente, o nosso modelo de Estado, sendo democrático de direito, não permite condutas arbitrárias, tendo como base o princípio do devido processo legal, que garante ao acusado, o direito de através de um defensor, ter um julgamento justo, passando por um rito, este que deverá seguir as regras elencadas na carta magna. Basicamente o acusado deverá ter julgamento alinhado ao devido processo legal, devendo ser respeitado e garantido o direito à resposta durante as etapas do processo, e também não ter sua vida ou liberdade suprimidas sem embasamento legal (TOURINHO FILHO, 2011).
É importante ressaltar também que o indivíduo deverá passar por um rito processual composto por todas as suas fases importantes respeitando o contraditório e a ampla defesa. Esses direitos são tão indispensáveis no decurso de um processo que, na falta de algum deles o procedimento poderá ser considerado como nulo.
Dessa forma, o princípio do devido processo legal, além de ser um direito, também é uma garantia reservada a qualquer um que figurar como parte em um processo, eliminando o risco de que os juristas abusem de suas funções e julguem de forma parcial, desrespeitando as garantias dos cidadãos.
Outra premissa bastante pertinente ao tema em análise, é o princípio do duplo grau de jurisdição, que disponibiliza a parte interessada constituída em um processo, a possibilidade de recorrer pelo menos uma vez nas instâncias superiores, embora não esteja expressamente na Constituição Federal, esse princípio se apresenta de forma implícita na organização do poder judiciário, sendo disponibilizado ao indivíduo através do texto constitucional, para que através das instâncias busque a rediscussão da sentença proferida por um único magistrado, aumentando a segurança jurídica, através da reanalise da matéria (NUCCI,2013).
Nesse sentido além de ser garantido ao indivíduo a possibilidade de recorrer de decisões do juízo a quo, limita-se o debate da matéria para que o juízo ad quem não adicione nova discussão além da imposta em primeiro grau.
Uma circunstância que ocasionou a necessidade do surgimento desse princípio, é a condição de falha que o homem carrega consigo, assim, a chance de existir sentenças errôneas estará entranhada no poder judiciário, então através desse aspecto nasceu esse preceito, dizendo que as sentenças poderão ser recorridas, consequentemente gerando segurança jurídica, ao passo que, a decisão será revisada por legisladores hierarquicamente superiores.
3-PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA E O CONTRADITÓRIO
No ordenamento jurídico brasileiro, os princípios da ampla defesa e contraditório são considerados pela Magna Carta direitos e garantias fundamentais trazidos expressamente em seu artigo 5° inciso LV, devendo estes serem observados em todos os processos judiciais ou administrativos sendo esses princípios indispensáveis para as partes presentes no decurso de uma demanda judicial, assegurando o devido processo legal (BRASIL, 1988).
É precípuo ressaltar que os princípios não são considerados sinônimos apesar de estarem intimamente interligados, pois, para que se atinja o devido processo legal ambos devem estar presentes. Além disso, em que pese a sua aplicação seja destinada a processos judiciais ou administrativos, no inquérito policial não há que se falar em sua aplicabilidade obrigatória, uma vez que se trata de procedimento administrativo, denotando a figura do delegado a liberdade de agir sem interferência em seus atos, desde que respeitados os limites legais.
No que diz respeito ao contraditório, pode-se definir como o direito de tomar ciência sobre todos os atos praticados no processo e a possibilidade de reagir a estes, de modo a formar o convencimento do julgador através dos meios legalmente disponíveis. Destarte, a título de exemplificação, a falta de notificação do processado viola intimamente o princípio do contraditório (CAPEZ, 2022).
Em complemento ao princípio supramencionado, a ampla defesa traz a ideia da possibilidade de utilização dos meios disponíveis e necessários trazidos pelo ordenamento jurídico para formular a defesa do acusado, de forma a garantir a “paridade de armas” entre autor e réu dentro do processo. Assim, é garantido ao cidadão valer-se de todos meios recursais, sem que haja cerceamento de sua defesa.
Dito isto, atesta-se que estes princípios são basilares para efetividade do sistema jurídico brasileiro, pois garantem aos litigantes um julgamento justo, de modo a oportunizar a ambos apresentar suas versões dos fatos e atingir a sua pretensão.
4-PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
O princípio da presunção de inocência é primordial para o ordenamento jurídico, denotando extrema importância para análise do tema disposto. Ainda no período iluminista, com advento da Revolução Francesa, juntamente a Declaração Universal dos Direitos do Homem (FRANÇA, 1989), suas bases se formaram através do surgimento dos direitos individuais, que tinham por objetivo limitar a força do Estado perante o indivíduo. Adiante, em 1969 foi promulgado o Pacto de San Jose da Costa Rica que corroborou com a ideia de que a inocência deve ser presumida até que a culpabilidade seja provada por meio de um processo público.
A Constituição Federal de 1988, garante ao acusado à não culpabilidade até o esgotamento de todos os recursos disponíveis, em respeito ao devido processo legal (BRASIL, 1988). Nesse mesmo sentido, observa-se que o texto traz consigo o princípio da não culpabilidade, onde ninguém será considerado culpado antes da sentença penal condenatória, com a devida observância do devido processo legal, o duplo grau de jurisdição e um julgamento imparcial, ou seja, essa premissa concede ao cidadão o benefício da dúvida (in dubio pro reo) até que se prove sua autoria e materialidade, pois, antes manter um culpado em liberdade do que prender um inocente.
Embora a máxima supramencionada seja imperiosa no ordenamento jurídico brasileiro, para o direito não existem princípios absolutos, portanto, podem estes sofrer relativizações. É perfeitamente cabível as hipóteses de prisão provisória, haja vista que a própria magna carta trouxe em seu artigo 5°, inciso LXI, a prisão em flagrante que se dá no momento inicial da persecução penal. Contudo, é de suma importância atestar a natureza cautelar e de caráter processual, logo se, e somente se, a prisão não for efetuada o processo perderá a sua efetividade e não atingirá a sua pretensão (CAPEZ, 2022).
A fim de que seja reconhecia a prisão cautelar deve-se comprovar o periculum in mora, ou seja, não havendo a possibilidade de aguardar o decurso normal do processo para que se prenda o acusado sob pena deste se tornar infactível. Assim, o Código de Processo Penal, aduz que a prisão preventiva poderá ser decretada quando na ocorrência de um crime existir provas e indício de autoria suficiente para ensejar o cárcere provisória, além da necessidade para a garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal (BRASIL, 1941).
Destarte, sempre que constatado um iminente risco a ordem pública, visto que solto o acusado trará riscos a sociedade. Ademais, demonstrado que a instrução processual será prejudicada pelas atitudes do réu, seja por intimidação de testemunhas ou até mesmo a destruição de provas. E por fim, caso haja o iminente risco de fuga do mesmo. Todas estas hipóteses caracterizam a prisão provisória, desde que devidamente comprovados.
Ressalvadas as possibilidades aludidas acima, qualquer tipo de prisão realizada anteriormente ao trânsito em julgado é considerada antecipação da execução da pena de alguém que tecnicamente seria presumidamente inocente. Por conseguinte, tal ato feriria intimamente o princípio da presunção de inocência.
5-A CONSTITUIÇÃO E A PRISÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA
Em detrimento ao princípio da presunção de inocência atrelado aos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos, em tese o acusado somente poderá ser preso, após sentença condenatória transitada em julgado, contudo em acordo ao artigo 5° em seu inciso LXI da Carta Magna, “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei” (BRASIL, 1988).
Nesse prisma, por mais que o acusado tenha a oportunidade de recorrer, afastando a culpabilidade por ora, é evidente que após o julgamento e sendo desprovido o recurso, nesse momento não resta dúvidas quanto a materialidade do crime, logo não há como rediscutir o mérito nos tribunais superiores.
Por essa razão recentemente em 2020, foi apresentada uma proposta de emenda à Constituição pelo deputado Alex Manente, buscando alterações do artigo 102 e 105 da Constituição que trata da competência do STF e do STJ. Em breve resumo, o texto propôs a extinção dos recursos nessas instâncias, consequentemente, transformando a sentença nos tribunais regionais, em transitada em julgado, e ao invés de recorrer aos tribunais superiores, seria necessária iniciar uma nova ação revisional (MANENTE, 2020).
Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 pode-se observar a problemática que permeia o tema acerca das hipóteses sobre a prisão após condenação em segunda instância ou posteriormente ao trânsito em julgado, que vem sendo extremamente discutido nas Cortes Superiores do país, haja vista que seu entendimento foi modificado diversas vezes ao longo do tempo, tornado o assunto controverso. Tendo como último acordão decidido no ano de 2019 pela vedação da possibilidade da prisão em segunda instância, por seis votos a cinco, solidificando este entendimento até a presente data.
Por conseguinte, resta o questionamento, é válido ressaltar o sentimento de impunidade junto à ineficácia do sistema judiciário e o abuso do sistema recursal por parte de uma parcela privilegiada da população, ficando evidente o sentimento de impunidade? Ou, em contrapartida, a observância aos princípios constitucionais à presunção de inocência, a ampla defesa, ao devido processo legal e o contraditório estariam sendo violados em caso de relativização? Com esses debates em evidência, a seguir serão apresentados argumentos que ensejaram para a última decisão proferida sobre essa temática.
6-ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À PRISÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA
Segundo juristas e doutrinadores favoráveis a prisão após condenação em segundo grau, o direito de recorrer está sendo usado como meio principal, não para discutir os fatos e provas, em busca da inocência ou de uma decisão mais justa, mas para postergar um possível cumprimento de pena, ou seja, estão abusando dos recursos para driblar a justiça, refletido no atraso para julgá-los, contrariando um princípio indispensável no plano jurídico do Brasil, que é o princípio da celeridade, disposto no artigo 5° LXXVII da CF, “A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (BRASIL, 1988).
À vista disso percebe-se que, além de ir na contramão do princípio supracitado, fica evidente também que somente uma pequena parcela da população brasileira consegue utilizar o instrumento processual, ao passo que, exige um maior poder financeiro para buscar a rediscussão nas instâncias superiores, resultando na impunidade desenfreada de corruptos abonados, pois cidadãos comuns não conseguem chegar até as vias superiores utilizando os artifícios legais. Ao apresentar sua crítica em relação à morosidade da condenação, o advogado Modesto Carvalhosa repreende o abuso dos instrumentos de defesa disponíveis ao acusado:
“Transformou-se em um veículo de impunidade e múltiplo uso. Inclusive para anular processos já julgados em três instâncias ou para declarar a suspeição do juiz natural. Com tal conduta, o STF destruiu os fundamentos do Estado democrático de direito, criando no país um regime de impunidade para os grandes criminosos sem precedentes no mundo civilizado e mesmo no mundo incivilizado” (CARVALHOSA FILHO, 2021)
Um segundo argumento pertinente é que países que utilizam o princípio da presunção de inocência, adotam como regra a execução da pena em primeira ou segunda instância, sendo portanto um meio que buscaram para frear a distorção do objetivo substancial do direito de recorrer, logo as decisões além de combaterem a postergação ao cumprimento da pena consequentemente também a impunidade, gerariam mais segurança jurídica ao passo que as decisões se dariam de forma consistente e uniforme gerando resultados positivos inspirados nos ordenamentos jurídicos e jurisprudências internacionais.
Outro apontamento importante é que, a matéria de fato, e as provas que foram produzidas, não poderão ser rediscutidas nos tribunais superiores, esses que ficam a cargo de debater somente questões de direito, desse modo, não resta dúvidas quanto a materialidade do crime e o julgamento de mérito já na decisão em segundo grau, argumento esse que ensejou na recente proposta de emenda à Constituição citada anteriormente.
Por fim, analisando a realidade no âmbito judiciário, poucos processos são modificados, revertendo a condenação dos tribunais regionais, dessa forma fica entendido que nesses tribunais superiores, a discussão é somente quanto a adequação necessária das penas, originadas por erros de ritos processuais ou constitucionais, assim o direito à ampla defesa e ao contraditório foi garantido ao acusado, pois o seu limite termina na discussão do mérito.
7-ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À PRISÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA
Em que pese os argumentos favoráveis ao cumprimento da pena após a condenação em segundo grau, vários operadores do direito vão de encontro a este entendimento e prezam pela literalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal Brasileiro, que estabelece que a prisão só pode ocorrer em caso de flagrante delito ou por ordem judicial fundamentada, seja por condenação definitiva ou por prisão cautelar. (BRASIL, 1941).
Dessa maneira, observado sob a ótica do supracitado dispositivo legal, juntamente ao princípio da não culpabilidade tipificado no artigo 5°, inciso LVII da Constituição Federal de 1988, que alude o não cerceamento da liberdade do indivíduo antes que ocorra o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, isto é, aquela sentença que não comporta mais recursos e forma a coisa julgada material. O pensamento do legislador constituinte visou zelar pela liberdade e dignidade da pessoa humana.
Insta salientar que a presunção de inocência é cláusula pétrea da Lei Maior e de acordo com Leite (2019), violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma qualquer, pois implica em ofender todo o sistema de comandos e subverter seus valores fundamentais. A autora defende que a presunção de inocência só pode ser superada após o trânsito em julgado da condenação. Portanto, há que se respeitar o sistema jurídico vigente, a hierarquia entre as normas e princípios, bem como as suas respectivas ponderações, uma vez que a paz social somente é atingida onde a segurança jurídica impera.
Ainda sobre os argumentos contrários a temática, nota-se que um dos argumentos sustentados pelos defensores dessa linha de pensamento infere que o simples fato do cumprimento antecipado da pena, sem que haja a natureza cautelar da prisão, viola intimamente o preceito constitucional da presunção de inocência do acusado. Assim, salvo nas hipóteses de prisão fundamentada para a garantia da ordem pública, garantia da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para aplicação da lei penal, segue a regra constitucional.
Outro fator relevante diz respeito ao sentimento de impunidade trazido pela morosidade do judiciário brasileiro, ao passo que os mais favorecidos financeiramente gozam do benefício de postergar decisões através de recursos nas mais diversas instâncias. Não obstante, sob o aspecto legal, o sistema recursal é um direito indivíduo que tem como pretensão atingir um julgamento justo e, consequentemente, o devido processo legal. Seria realmente plausível a retirada de direitos para resolver essa problemática? Não, pois a denominada “constituição cidadã” veio com viés garantista, de forma a conceder benesses imprescindíveis ao indivíduo dentro do estado democrático.
Por fim, é de suma importância ressaltar que segundo o Politize! (2022), o país enfrenta um grave problema de prisões superlotadas, que contribui para a violação dos direitos humanos, a proliferação de doenças e o aumento da violência entre os detentos. A matéria afirma que o país possui um déficit de mais de 300 mil vagas no sistema carcerário e que cerca de um terço dos presos ainda não foram julgados. Nesse sentido cumpre salientar que o sistema prisional, que teoricamente deveria possuir caráter de ressocialização, mas na prática é presenciado o contrário, onde a pessoa privada de sua liberdade adentra de uma forma e retorna para a sociedade pior do que antes em razão do contato com organizações criminosas. O Estado se mostra incapaz no cumprimento de sua função neste quesito e, ampliar as hipóteses para destinar cidadãos para tal sistema é assinar um atestado de falência da ordem jurídica do estado democrático de direito.
8- ANÁLISE DOS VOTOS FAVORÁVEIS
Em colisão à postergação da condenação, a ministra Cármen Lúcia (2019) manteve o posicionamento da corte, deixando claro que a falta de confiança na aplicação e no cumprimento da pena gera uma sensação de impunidade, especialmente entre os mais ricos, que se sentem mais protegidos do que os mais pobres. Dessa forma fica evidente que a mudança de entendimento do STF beneficia os ditos colarinhos brancos, ou seja, aqueles que possuem recursos para se manterem livres da condenação, com isso, a essência do recurso que é a garantia ao contraditório fica corrompida, pelos abusos que acontecem no dia a dia e como bem argumentado pela ministra.
Luiz Fux (2019) em seu voto questiona o motivo de mudar a jurisprudência que permite a prisão após a segunda instância, alegando que essa regra é benéfica para evitar a impunidade e que o direito deve atender aos anseios da sociedade. Para o ministro, a condenação em segunda instância possui eficácia e força o suficiente para que se inicie o cumprimento da pena, além disso pontuou também que “O que a Constituição quer dizer é: até o trânsito em julgado, o réu tem condições de provar sua inocência. À medida em que o processo vai tramitando, essa presunção de inocência vai sendo mitigada. Há uma gradação” (FUX, 2019, ADC 54). O ministro pontua bem que a Constituição garante a possibilidade de defesa do réu até o fim do processo, mas que essa garantia vai diminuindo conforme o processo avança e as provas são apresentadas e que a Carta Magna ao se referir ao trânsito em julgado, não buscou promover o adiamento moroso da condenação, mas garantir que o cidadão reverta uma decisão errônea de forma legal e ética, como também garantir o ofendido de ver a justiça agindo em prol do sofrido.
Favorável também a condenação após segunda instância, Alexandre de Moraes (2019) defende que o Poder Judiciário e as instâncias ordinárias são enfraquecidos quando se desconsidera o julgamento de mérito que elas realizam. Ele defendeu também que a prisão após a condenação em segunda instância não viola a presunção de inocência, pois esta não impede outras modalidades de prisão cautelar. Ele também afirma que a Constituição não proíbe essa prisão, que seria uma forma de garantir a efetividade da Justiça. A crítica do ministro é pertinente, uma vez que não há motivação, necessidade e competência para rediscutir às provas arguidas e analisadas em primeira e segunda instância, bem como bem pontua que modificar esse entendimento, é duvidar da eficiência da justiça ao decidir às ações que são recebidas, observado o devido processo legal.
Para Edson Fachin (2019), o processo deve respeitar todas as garantias de liberdade do acusado, e que a prisão após a segunda instância não fere a presunção de inocência e que é compatível com o duplo grau de jurisdição. Ele também argumenta que não se pode esperar o julgamento de todos os recursos possíveis para iniciar o cumprimento da pena. Nesse sentido à crítica de Fachin é cirúrgica em relação à suspensão da execução da pena, através dos recursos interpostos em instâncias superiores, esses que em grande parte das vezes não são prioridade na fila para julgamento.
Por fim Luis Roberto Barroso (2019) aduz o destaque ao sentimento de impunidade, ao impossibilitar que a pena seja cumprida antes do trânsito em julgado, e defendeu que o problema da superlotação dos presídios não está ligado aos crimes cometidos por ricos, pois a maioria dos presos pertencem a classe baixa, não detendo recursos financeiros para contratar bons advogados.
Em breve análise aos votos favoráveis, fica evidente a preocupação dos ministros com o crescimento da impunidade em detrimento ao abuso recursal atrelado à presunção de inocência, com a insegurança jurídica, uma vez que a as decisões da corte são fáceis de sofrerem mutação a curto prazo, assim como com a perda de confiança das instâncias ordinárias, pois fica presumido que a maioria das decisões estão dotadas de erros, atestando as falhas como regra no âmbito judiciário.
9- ANÁLISE DOS VOTOS CONTRÁRIOS
Atendo-se ainda a análise minuciosa sobre os votos dos ministros do Superior Tribunal Federal sobre a prisão após condenação em segunda instância ou somente após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, cabe mencionar que, sob a luz das ações declaratórias de constitucionalidade 43,44 e 54, os argumentos jurídicos utilizados pelos magistrados para respaldarem as suas decisões pela literalidade do artigo 5°, inciso LVII da Constituição Federal e o artigo 283 do código de Processo Penal Brasileiro.
O ministro Gilmar Mendes (2019) ao proferir seu voto, sendo este contrário a prisão após a decisão do colegiado em segundo grau, o ministro afirma que o STF havia decidido em 2016 que a prisão após a segunda instância era uma possibilidade e não uma obrigação, mas que os tribunais passaram a aplicá-la de forma automática, sem análise do caso concreto. Desse modo, sua atual convicção, diferentemente do proferido no último debate acerca da temática, traz consigo que os tribunais passaram a adotar o entendimento de forma imperiosa e não como uma faculdade. Logo, a legislação penal brasileira é clara quanto a presunção de inocência do acusado e, se a morosidade da justiça causa tantos transtornos, não será uma reinterpretação da constituição que pacificará tal problemática.
Adiante, a ministra Rosa Weber (2019) aduziu que a Constituição de 1988 estabelece o trânsito em julgado como limite para a presunção de inocência e que o intérprete não pode ignorar essa regra expressa. Ela também afirma que a prisão após a segunda instância não pode ser imposta aos acusados sem que haja uma alteração constitucional. Assim, analisando com viés legalista, a jurista defendeu a literalidade do texto constitucional de modo que ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado e reforçou que o colegiado no qual faz parte possui a função de guardar a Lei Maior e garantir seu cumprimente, sem que haja a retirada de direitos nela tutelados.
Já o relator do caso, o ministro Marco Aurélio de Mello (2019) infere em sua sustentação que a Constituição Federal de 1988 assegura o princípio da presunção de inocência, que impede que alguém seja considerado culpado antes de uma decisão judicial irrecorrível. O ministro também afirmou que a Constituição prevê que a prisão antes da condenação definitiva é uma medida excepcional, que só pode ser aplicada quando houver fundamentos suficientes para isso. Dessa forma, o sistema penal brasileiro privilegia a investigação e a prova antes de restringir a liberdade do acusado. Portanto, o emérito jurista afirma seu posicionamento quanto o momento não possibilidade de execução antecipada da pena, salvo nos casos de prisão preventiva, uma vez que a semântica do texto legal torna claro a observância imprescindível ao princípio da presunção de inocência do acusado.
Contrário também a prisão após condenação em segunda instância, Ricardo Lewandowski (2019) acompanhou o posicionamento do relator, segundo ele o Supremo Tribunal Federal tem entendido, com uma breve exceção, que a presunção de inocência impede a execução provisória da pena, salvo se houver motivo para a prisão preventiva. O ministro também defendeu que a solução legítima para qualquer crise em uma democracia é o respeito incondicional à Constituição. Assim, a política criminal não pode contrariar o que a Constituição determina, mas sim, se basear nela. Destarte, sob a clarividência do Código de Processo Penal, especificamente em seu artigo 283 quanto ao momento em que inferida a responsabilidade do agente, bem como a Magna Carta, que alude como cláusula pétrea o respeito ao princípio da não culpabilidade, não seria possível a Suprema Corte interpretar tais dispositivos em sentido diverso.
O ministro Celso de Mello (2019), decano do tribunal, em que pese os diversos entendimentos versados sobre o tema, sempre tomou para si o posicionamento de que a execução das penas só pode ocorrer após o julgamento final, pois a Constituição garante a presunção de inocência dos acusados. Além disso, ele afirma que o processo penal é uma forma de evitar a violação dos direitos dos réus pelo estado e que não pode ser usado como meio de opressão ou abuso. Por conseguinte, torna-se evidente o caráter legalista de seu pensamento, haja vista que o princípio do devido processo legal deve ser respeitado, aliás, há que se observar o sistema recursal existente ao passo que a própria lei os prevê. Assim, a possibilidade de ajuizar recursos não pressupõe a ideia de postergar uma eventual condenação, mas sim uma faculdade e direito do indivíduo frente ao poder estatal.
Por fim, o ministro e então presidente do supremo, Dias Toffoli (2019), proferiu o voto de minerva que sedimentou o atual entendimento da corte sobre a literalidade do texto normativo do artigo 283 do código de Processo Penal, infere-se que “nesse texto, temos que o parlamento pediu a necessidade do trânsito em julgado. Não é um desejo do juiz, é de quem foi eleito pelo povo brasileiro” (TOFFOLI, 2019, ADC 54). Desse modo, o emérito operador do direito ressalta a importância da interpretação da norma penal supramencionada de forma ipsis litteris, como também a compreensão do preceito constitucional conforme pensou o legislador constituinte. Portanto, para Toffoli, o condenado somente poderá ser privado de sua liberdade somente após exauridas as possibilidades recursais.
Afinal de contas, segundo cita Guimarães Rosa (1964, p. 200), “Quem castiga nem é Deus, é os avessos”. Nesse sentido, a Magna carta traz claramente a regra que se deve seguir, sendo este um meio de coibir que os avessos prevaleçam sobre a norma mencionada. A liberdade, em que pese não possua caráter absoluto, é um bem jurídico extremamente importante e deve ser tutelado. Assim, ao final do julgamento das ações diretas de constitucionalidade 43,44 e 54, a Suprema Corte decidiu que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, sempre em consonância ao princípio da presunção de inocência ou não culpabilidade.
10-CONSIDERAÇÕES FINAIS
Posteriormente a análise das diferentes vertentes que envolvem a questão da prisão após condenação em segunda instância, é possível concluir que a medida deve ser adotada somente após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Essa conclusão se baseia nos princípios jurídicos fundamentais que regem o sistema jurisdicional brasileiro, como o devido processo legal, o duplo grau de jurisdição, a ampla defesa, o contraditório, a presunção de inocência, dentre outros princípios. Além disso, a Constituição Federal, bem como o Código de Processo Penal aduzem que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Tendo em vista os argumentos favoráveis ao cerceamento da liberdade após a decisão de um colegiado em segundo grau, é necessário garantir a efetividade do sistema de justiça, de modo a assegurar a proteção da coletividade. Contudo esses argumentos não são suficientes para justificar a restrição do direito à liberdade antes do trânsito em julgado, ao passo que esse é um direito fundamental elencado pela lei maior de forma explícita.
Outrossim, os argumentos contrários sobre a problemática abordada, além do disposto na Carta Magna, o Código de Processo Penal aduz as hipóteses das prisões cautelares, que garantem a aplicação efetiva da lei penal e contribuem para assegurar a ordem pública, econômica e a própria instrução penal. Desse modo não há que se falar no aumento da impunidade. Ademais, a ocorrência da violação do princípio da presunção de inocência, e a injustiça em relação aos acusados que possuem recursos pendentes de julgamento, mesmo que estes não versem sobre questões de fato, mas sim sobre erros processuais, são direitos adquiridos e positivados no texto legal que justificam a necessidade de aguardar o trânsito em julgado para que enseje em uma eventual condenação, garantindo assim a segurança jurídica.
Por fim, a análise dos votos proferidos no último julgamento realizado no Supremo Tribunal Federal sobre o tema, resta evidenciada a complexidade da questão e a existência de diferentes jurisprudências em relação à prisão após condenação em segunda instância. Destarte, em que pese a volatilidade de posicionamentos, os ministros que detém o dever de guardar a Constituição, seguiram os passos do legislador constituinte ao sedimentar o último julgado em relação a literalidade do artigo 5° inciso LVII, que por sua vez é considerado cláusula pétrea, sendo esta, passível de expansão e jamais de supressão.
Em síntese, com base exposto no presente trabalho, é precípuo ressaltar que a observância ao princípio da presunção de inocência, como também a garantia aos direitos fundamentais dos indivíduos devem sempre prevalecer em nosso sistema de justiça. Portanto, conclui-se que, o atual entendimento jurisprudencial é o que melhor se adapta ao sistema jurídico brasileiro, haja vista que os princípios mencionados que permeiam a temática, devem ser respeitados até o trânsito julgado, ressalvado as hipóteses legais, para que não haja uma ameaça a um retrocesso institucional, de modo a garantir o pleno funcionamento do estado Democrático de Direito, que preza pela paz social.
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1 Acadêmico do curso de Direito do Centro Universitário UNA de Bom Despacho/MG, da rede Ânima Educação. E-mail: nicollasjoly14@gmail.com.
2 Acadêmico do curso de Direito do Centro Universitário UNA de Bom Despacho/MG, da rede Ânima Educação. E-mail: savio.tulio12@gmail.com. Artigo apresentado como requisito parcial para a conclusão do Curso de Graduação em Direito do Centro Universitário UNA de Bom Despacho/MG, da rede Ânima Educação. 2023. Orientadora: Professora Camila Giovana Xavier de Oliveira Frazão.