UTILIZAÇÃO DA CRIOPRESERVAÇÃO COMO ALTERNATIVA PARA MANTER A FERTILIDADE EM MULHERES COM CÂNCER

USED OF CRYOPRESERVATION AS AN ALTERNATIVE TO MAINTAIN FERTILITY IN WOMEN WITH CANCER

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.11406454


Beatriz Oliveira Rodrigues1
Leticia Pereira de Oliveira Sousa2
Natasha Christine Caraça Machado3
Thayná da Silva Pereira4


RESUMO

INTRODUÇÃO: A preservação da fertilidade é uma preocupação para mulheres diagnosticadas com câncer, dadas as consequências potencialmente agressivas dos tratamentos oncológicos na função reprodutiva. O presente estudo pretende demonstrar a utilidade e os benefícios da criopreservação no contexto da manutenção da fertilidade feminina em casos de tratamentos oncológicos. METODOLOGIA: Trata-se de uma revisão da literatura, onde foram pesquisados artigos e trabalhos publicados nos últimos 5 anos escritos e traduzidos para língua portuguesa. O levantamento dos estudos foi efetivado por meio de base de dados, como Scientific Eletronic Library Online (SCIELO), National Library of Medicine (PubMed). REVISÃO DE LITERATURA:  O resultado da criopreservação de oócitos em pacientes com câncer foi comparável ao de pacientes que optaram por adiar a gravidez. Foi evidenciado que uma resposta ovariana satisfatória pode ser alcançada durante a preservação da fertilidade em pacientes femininas com câncer. Embora a realização de qualquer procedimento possa retardar o início do tratamento oncológico, uma pesquisa mostrou que esse atraso não afeta a sobrevida livre de doença ou a sobrevida global. CONCLUSÃO: Os artigos apontam os avanços tecnológicos da criopreservação. Essas inovações trazem esperança para mulheres jovens que lidam com o diagnóstico de câncer, oferecendo uma chance valiosa de preservar sua fertilidade e planejar famílias futuras após completarem o tratamento contra o câncer. Sendo assim, é crucial que as pacientes recebam aconselhamento adequado sobre suas opções de preservação da fertilidade.

Palavras-chave: Criopreservação. Preservação da fertilidade. Fertilidade feminina. Câncer.

1 INTRODUÇÃO

O câncer é desenvolvido através de células que se multiplicam desordenadamente. Elas podem se originar sem motivo, a partir de diversos lugares do corpo, invadindo outros sistemas e se espalhando por diversos órgãos. Estudos comprovam que cerca de um em cada 250 adultos será sobrevivente de tratamentos de câncer, haja vista que a quimioterapia e a radioterapia, em junção com cirurgias, podem resolver aproximadamente 90% dos casos¹. 

Em mulheres, o câncer de mama e de colo de útero são os mais comuns. Segundo a Agência Nacional de Pesquisa sobre Câncer (IARC) e Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2020, quase 1 milhão de novos casos foram relatados no mundo em mulheres de 0 a 39 anos². Diante desses dados, fica evidente que não apenas a cura, mas também a qualidade de vida e preservação da fertilidade são cruciais para estas pacientes.

Quando realizada na parte inferior do abdômen, a radioterapia pode causar falência ovariana permanente e até mesmo a infertilidade. O mesmo pode ocorrer no procedimento de quimioterapia, utilizando-se de drogas distintas que apresentam diferentes graus de toxicidade. Essa poderá, além de eliminar o tumor, prejudicar também as funções dos ovários.  Esses tratamentos invasivos são muitas vezes a única opção que a mulher pode ter, entretanto poderão definir para sempre um futuro infértil³.

Sob esse viés, o congelamento de oócitos se torna uma alternativa para que as mulheres submetidas a tratamentos oncológicos possam ter uma chance de manter sua fertilidade mesmo após o tratamento, não se preocupando com a possibilidade de que as funções do aparelho reprodutor sejam afetadas e que isso comprometa o desejo de engravidar4.

Além disso, a criopreservação de tecido ovariano é uma técnica que tem como objetivo preservar a fertilidade em pacientes oncológicas que ainda não atingiram a puberdade. Ela consiste no congelamento de fragmentos do córtex ovariano obtidos por laparoscopia – procedimento realizado cirurgicamente de modo minimamente invasivo. A criopreservação de tecido ovariano é uma opção para minimizar – ou até evitar – esse dano se for aplicada antes do início do tratamento oncológico. Logo após a reimplantação do tecido, existe a possibilidade de gestação natural ou por estímulo ovariano utilizando-se da fertilização in vitro, bem como da restauração da função hormonal ovariana5.

Sendo assim, é importante lembrar que a escolha do formato mais adequado de preservação da fertilidade depende do tratamento proposto e do tempo que se dispõe antes do início dele, sem que possa existir o comprometimento da saúde do paciente, na qual o cálculo e a avaliação da especialidade em conjunto com a equipe oncológica se tornam imprescindíveis para entender como a fertilidade pode ser afetada e para planejar o futuro reprodutivo6,2. Portanto, o presente estudo pretende demonstrar a utilidade e os benefícios da criopreservação no contexto da manutenção da fertilidade feminina em casos de tratamentos oncológicos.

2 METODOLOGIA 

O presente estudo é uma revisão da literatura, a qual foi elaborada nas seguintes etapas: definição do tema; objetivo da pesquisa; estabelecimento de critérios de inclusão e exclusão por meio de palavras-chave relacionadas ao tema; seleção de artigos utilizados e discussão de resultados.

Uma vez definido o objetivo do estudo, iniciou-se a busca pelos artigos. As pesquisas foram realizadas através das bases de dados Scientific Electronic Library Online (SCIELO) e Medical Literature Analysis and Retrieval Sistem on-line (MEDLINE/PubMed). Foram utilizadas as seguintes palavras-chaves em português e inglês: criopreservação (cryopreservation), preservação da fertilidade (fertility preservation) e câncer (cancer). Somente estudos publicados no período 2019-2024 foram incluídos, sendo descartadas as revisões (sistemáticas e da literatura) e artigos que não se relacionassem com a temática pesquisada. Os filtros utilizados como critérios de inclusão foram “nos últimos 5 anos” (in the last five years) e (and) “textos gratuitos” (free full text). 

Para seleção dos trabalhos aqui analisados, foram consideradas as pertinências do título, procedimentos metodológicos propostos e coerência e confiabilidade dos resultados alcançados. Por fim, para melhor entendimento dos dados, todos os materiais foram tabulados, seguido de análise e discussão dos autores.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Foram encontrados 430 resultados após a pesquisa nas bases de dados. Desses, foram selecionados 12 artigos que foram utilizados como base para a presente revisão. Quase a metade (41,6%) dos artigos foi produzida nos Estados Unidos. A maioria dos tipos de estudo são observacionais retrospectivos. Cerca de 25% dos artigos abordam a criopreservação de tecido ovariano em pacientes jovens vítimas do câncer e dois artigos abordaram uma análise mais profunda acerca do câncer de mama. Os dados podem ser observados no Quadro 1.

Quadro 1 – Principais características dos artigos selecionados para revisão.

Autor/Ano/PaísTipo de EstudoMétodoResultadosConclusão
Wald et al., 2022, EUA7Observacional RetrospectivoMulheres na pré-menopausa com câncer de mama foram submetidas a preservação da fertilidade diagnosticada entre janeiro de 2011 e janeiro de 2019 com modelos univariados e multivariados utilizados para avaliar a associação de estágio baixo vs. alto.Das 267 mulheres submetidas à preservação da fertilidade, a maioria apresentou a doença em estágio baixo (80,5%), e no grau II/III (88,1%). A avaliação da reserva ovariana não difere por estágio ou grau.  O número de oócitos maduros médio por contagem de folículos antrais não diferiu por estágio ou nota. Da mesma forma, o total de oócitos recuperados, o total de oócitos maduros recuperados e a porcentagem de pacientes que conseguiram preservar mais de 10ml não diferem de acordo com o estágio ou grau de câncer de mama. O grau e o estágio do câncer de mama não afetam a estimulação ovariana ou o resultado da preservação da fertilidade.
Cobo et al., 2021, Espanha4Baseado nas provas existentes sobre o temaO estudo baseia-se nas provas existentes sobre resultados das técnicas de vitrificação de óvulos maduros como estratégia para preservação da fertilidade em variadas situações, como pacientes oncológicos, endometriose, e outras patologias não relacionadas ao câncer.



A idade da paciente no momento da coleta de oócitos afeta fortemente os resultados em todas as populações estudadas. Pacientes submetidas a preservação da fertilidade e pacientes com endometriose devem ser aconselhadas a optar pela técnica em uma idade jovem (<35 anos). A indicação para preservação da fertilidade pode estar relacionada às taxas de sucesso, pois resultados menos satisfatórios são alcançados em pacientes com endometriose e câncer. No entanto, o papel da doença neste último ainda precisa ser comprovado.Houve resultado significativo na eficiência da conservação ovariana que pode ser ofertada a mulheres como forma de prevenir a diminuição da fertilidade por razões do câncer, endometriose ou idade avançada.  
Goeckenjan et al., 2020, EUA8Observacional RetrospectivoA maioria dos dados sobre os resultados da criopreservação de ovócitos (CO) concentra-se em mulheres saudáveis. Foram comparadas tendências, características do ciclo e desfechos entre mulheres congelando ovócitos para preservação da fertilidade por câncer versus eletivos e outros diagnósticos médicos ou relacionados à fertilidade.Os ciclos foram divididos em 4 grupos distintos: câncer, eletivos, infertilidade e indicação médica. Foram calculadas tendências e comparadas as características do ciclo e do resultado entre os 4 grupos. Modelos log-binomiais foram usados multi variáveis para estimar associações entre indicação e dose de gonadotrofina, hiperestimulação e cancelamento e modelos de regressão de Poisson utilizados para estimar associações entre indicação e produção e maturidade ovocitária.Embora as características demográficas dos pacientes fossem diferentes entre aqueles submetidos à criopreservação (CO) ovariana para indicação de câncer, os resultados do ciclo foram comparáveis aos do CO eletivo (pacientes que decidiram postergar a gravidez). Os resultados do subsequente descongelamento do ovócito, fertilização de embrião e os ciclos de transferência permanecem desconhecidos.
Van der Plas et al., 2021, Holanda9Observacional RetrospectivoO presente estudo mostra  os resultados reprodutivos de pacientes sobreviventes de câncer cervical que foram submetidos a conservação da fertilidade, entre as opções de tratamentos encontra-se traquelectomia radical vaginal (VRT) em paciente em estágio inicial e técnicas de preservação de fertilidade.Os resultados reprodutivos foram obtidos em 58 pacientes. Cerca de 89,6% mantiveram seu desejo de parentalidade após o tratamento do câncer. Após o VRT, relatamos uma taxa de gravidez de 61,9% entre as pacientes que tentaram conceber (n = 24). 15 pacientes conceberam 21 gestações que resultaram em 15 nascimentos vivos, resultando em uma taxa de nascimentos vivos de 75,0%. Após quimio ou radioterapia, foram estabelecidas 3 gestações de substituição (21,4%) usando material congelado-descongelado com bons resultados neonatais.Para aqueles que necessitam de tratamento gonadotóxico, a preservação da fertilidade e a gestação de substituição oferecem uma alternativa promissora para alcançar uma descendência biológica.
Carvalho et al., 2021, Brasil10Estudo de casoO estudo relata a obtenção de ovócitos ex vivo guiada por ultrassonografia em uma mulher com tumor ovariano borderline bilateral, para quem a recuperação transvaginal convencional foi considerada insegura devido ao risco aumentado da disseminação de células malignas. A soma foi de 20 folículos ovarianos aspirados e desses foram obtidos 16 ovócitos. Foi realizada a vitrificação de 12 oócitos em metáfase II e 3 oócitos maturados in vitro. O resultado enfatiza a viabilidade da recuperação de oócitos maduros ex vivo após a estimulação ovariana controlada para pacientes com alto risco de disseminação maligna por abordagem convencional. O estudo enfatiza a viabilidade da recuperação de ovócitos maduros após estimulação ovariana controlada para aqueles com alto risco de disseminação maligna pela abordagem vaginal convencional. Além disso, reforça o benefício do uso da orientação ultrassonográfica para o acesso aos ovários e folículos, o que pode ser um aditivo importante para se atingir o melhor resultado possível.
Kawwass et al., 2020, EUA11 Observacional RetrospectivoForam avaliadas as taxas de gravidez e de natalidade das mulheres após o câncer e com que frequência elas usam tecido ovariano criopreservado ou gametas.O estudo incluiu 29.631 ciclos autólogos de criopreservação ovariana (CO). O total anual e os ciclos relacionados ao câncer aumentaram ao longo do período do estudo, as proporções permaneceram constantes. Em comparação com os ciclos eletivos, os ciclos relacionados ao câncer eram mais propensos a serem realizados entre mulheres <35 anos, com IMC mais alto, residentes no Sul, e utilizando um protocolo antagonista. Em comparação com os ciclos eletivos de CO, a dose de gonadotropina (aRR 0,89, IC 95% 0,80–0,99), cancelamento (aRR 0,90, IC 95% 0,70–1,14) e hiperestimulação (aRR 1,46, IC 95% 0,77–2,29) não foram diferentes para os ciclos relacionados ao câncer. O rendimento de oócitos e a porcentagem de maturidade foram comparáveis em ambos os grupos.Depois do câncer e do tratamento gonadotóxico, o desejo das mulheres de ter um filho é substancial. Neste estudo, a taxa de gravidezes e nascimentos espontâneos foi de 20% seis anos após as terapias gonadotóxicas. Nem toda mulher, porém, tem a oportunidade de conceber, os fatores que prejudicam a fertilidade incluem tratamento contínuo do câncer ou doença persistente, nenhum parceiro, ausência de ciclo menstrual, bem como outras razões para infertilidade.
Melin et al., 2024, Finlândia12Estudo observacional baseado em registrosUtilizado registros hospitalares para identificar pacientes com câncer do sexo feminino que receberam aconselhamento de preservação da fertilidade na idade de 16 a 42 anos entre 2011 e 2019.Ao todo, 97 pacientes oncológicos foram elegíveis para a preservação da fertilidade (PF). Destes, 55 realizaram a preservação da fertilidade e 42 recusaram. Mulheres submetidas à PF receberam tratamento oncológico recomendado com maior risco de infertilidade e mulheres com câncer de mama foram mais propensas a se submeterem à PF do que mulheres com linfoma.Uma boa resposta ovariana durante a preservação da fertilidade pode ser alcançada em pacientes femininas com câncer. 
Poirot et al., 2019, França15Observacional RetrospectivoPacientes com idade inferior a 15 anos foram acompanhadas em um único centro no processo de criopreservação de tecido ovariano antes de serem submetidas a tratamentos gonadotóxicos.Durante o acompanhamento, três pacientes solicitaram o uso de seu tecido ovariano criopreservado. Todas haviam passado por transplante de tecido ovariano, uma para indução da puberdade e as outras duas para restauração da fertilidade. Até agora, não foram alcançadas gestações. Oitenta e quatro pacientes que tiveram tecido ovariano criopreservado faleceram.A criopreservação de tecido ovariano é a única técnica disponível para preservar a fertilidade em meninas jovens, apresentando-se através desse estudo a maior série relatada de pacientes submetidas ao procedimento antes de tratamentos oncológicos.
Takae et al., 2019, Ásia14Pesquisa por questionárioFoi realizada uma investigação acerca do estado atual da preservação da fertilidade para crianças e adolescentes com câncer em países asiáticos, que acabaram de iniciar as atividades de preservação da fertilidade.A maioria possui fatores que inibem a promoção da preservação da fertilidade para pacientes com câncer, devido à falta de experiência suficiente e de um sistema estabelecido. Além disso, a baixa conscientização na sociedade e entre os profissionais médicos ainda é uma questão especialmente importante. Há também um problema com os quadros cooperativos como os departamentos pediátricos.São necessários um debate e uma consideração mais intensivos para fornecer a preservação da fertilidade nas sociedades asiáticas, levando em consideração as necessidades culturais e religiosas locais dos pacientes.
Filippi et al., 2021, Itália13Série de casosFoi feita a avaliação da proporção de sobreviventes de tumores infantis e adolescentes do sexo feminino que poderiam se beneficiar da criopreservação de oócitos.Das 126 mulheres, 90 completaram a avaliação, das quais 36 (40%) tiveram reserva ovariana preservada, 35 (39%) tiveram reserva ovariana diminuída e 19 (21%) tiveram insuficiência ovariana prematura. Das mulheres com reserva ovariana diminuída, 13 foram elegíveis para criopreservação de oócitos, das quais 9 (69%) se submeteram ao procedimento. Das 90 pacientes totais, a taxa daquelas que passaram pela criopreservação de óvulos foi de 10%. Finalmente, nove mulheres começaram a buscar gravidez após o aconselhamento (seis com reserva ovariana diminuída), e sete delas engravidaram.A deterioração da reserva ovariana é comum em sobreviventes de tumores infantis e adolescentes do sexo feminino e a criopreservação de oócitos pós-câncer pode fazer parte do arsenal de opções de preservação da fertilidade. 
Greer et al., 2021, EUA16Observacional RetrospectivoO estudo foi realizado com 272 mulheres entre 20 e 45 anos com câncer de mama recém diagnosticado em estágio 0 a III, que foram submetidas a preservação da fertilidade. Entre essas mulheres, 123 foram submetidas a preservação da fertilidade positiva e 149 mulheres restantes não realizaram a preservação da fertilidade.Mulheres que realizaram a preservação da fertilidade tiveram tempos maiores até o primeiro tratamento e quimioterapia neoadjuvante e da cirurgia à quimioterapia adjuvante. As taxas ajustadas de sobrevida livre de doença invasiva (IDFS) em 3 e 5 anos foram comparáveis entre os 2 grupos. Da mesma forma, nenhuma diferença na sobrevida global (SG) foi observada entre os 2 grupos.A preservação da fertilidade após o diagnóstico de câncer de mama atrasa um pouco o tempo de tratamento, mas esse atraso não leva a IDFS ou SG inferiores.
Arab et al., 2022, EUA17Observacional RetrospectivoFoi determinada a frequência de câncer de mama hereditário associado a diferentes genes mutados e feita a avaliação dos resultados de preservação da fertilidade (PF) em mulheres jovens com câncer de mama hereditário quando comparadas a não hereditárias.As mulheres com câncer de mama se submeteram a tratamento de preservação da fertilidade no centro acadêmico de fertilidade entre 2005 e 2019. Foram incluídas todas as mulheres com câncer de mama com idade <40 anos que realizaram teste genético e foram submetidas à preservação da fertilidade antes de iniciar a terapia gonadotóxica. O objetivo foi avaliar o número total de ovócitos recuperados, ovócitos maduros MII, embriões (quando apropriado), ovócitos e/ou embriões criopreservados.Mais de três quartos dos genes mutados positivos em mulheres com câncer de mama são mutações BRCA. Comparado para aquelas com câncer de mama não hereditário, as mulheres com câncer de mama hereditário alcançaram maior número de embriões criopreservados.

Fonte: elaborado pelos autores com base nos dados bibliográficos.

O termo “câncer” é atribuído ao processo pelo qual as células adquirem a capacidade de proliferação desregulada. Esse fenômeno, conhecido como carcinogênese, pode ser desencadeado por uma variedade de fatores intrínsecos e extrínsecos, resultando na formação de neoplasias em diferentes tecidos e órgãos do corpo humano. A manifestação inicial do câncer frequentemente ocorre devido a alterações genéticas que conferem às células capacidade proliferativa independente de sinais de controle normais. Essas células neoplásicas têm potencial para invadir tecidos adjacentes e penetrar na circulação sanguínea ou linfática, possibilitando disseminação metastática para locais distantes do organismo. 

Entre as mulheres, o câncer de mama e o câncer do colo do útero são os mais frequentes. De acordo com um estudo realizado nos Estados Unidos, o grau e o estágio do câncer de mama não afetam a estimulação ovariana ou o resultado da preservação da fertilidade7, o que reforça um resultado significativo de outro estudo realizado em 2021, o qual destaca a eficácia da conservação ovariana como forma de prevenção a diminuição da fertilidade4.

Nem toda mulher tem a oportunidade de conceber após o tratamento oncológico e os fatores que prejudicam a fertilidade incluem tratamento contínuo do câncer ou doença persistente, nenhum parceiro, ausência de ciclo menstrual, bem como outras razões para infertilidade8. Para aquelas que necessitam de tratamento gonadotóxico, a preservação da fertilidade e a gestação de substituição oferecem uma alternativa promissora para alcançar uma descendência biológica9. Carvalho e colaboradores abordam a viabilidade da recuperação de ovócitos maduros após estimulação ovariana controlada para aqueles com alto risco de disseminação maligna pela abordagem vaginal convencional10. Há, portanto, diversas alternativas para que a preservação da fertilidade seja garantida.

Por isso, o congelamento de óvulos/embriões é uma técnica da medicina reprodutiva assistida muito popular entre mulheres que desejam adiar a maternidade, seja por questões médicas ou não médicas. Quando comparado, o resultado da criopreservação de oócitos em pacientes com câncer foi similar ao de pacientes que escolheram postergar a gravidez11, pois foi comprovada que uma boa resposta ovariana durante a preservação da fertilidade pode ser alcançada em pacientes femininas com câncer12.

No caso de crianças e adolescentes, estudos demonstraram que o os tratamentos gonadotóxicos causam deterioração ovariana e o congelamento de óvulos seria uma boa opção pós-tratamento15. No entanto, para garantir uma melhor preservação da fertilidade, a criopreservação de tecido ovariano é indicada por ser uma técnica recente. Países que ainda estão iniciando a atividade de preservação da fertilidade mostram dificuldade em oferecer tal tratamento de acordo com um recente estudo realizado na Ásia14. Ainda assim, o procedimento é a única opção disponível para a situação13

No cenário atual, os estudos demonstram que o bem-estar de pacientes oncológicas vai muito além da cura e que a qualidade de vida pode ser garantida através da preservação da fertilidade dessas mulheres. Ainda que realizar alguma técnica possa atrasar o início do tratamento oncológico, Greer e colaboradores demonstraram que esse atraso não influencia na sobrevida livre de doença ou sobrevida global16. Isso vale até mesmo em casos específicos. 

De acordo com outro estudo realizado nos Estados Unidos, mulheres com câncer de mama hereditário alcançaram maior número de embriões criopreservados quando comparadas àquelas com câncer de mama não hereditário17, o que significa que aparentemente as técnicas – quando realizadas corretamente – apresentam bons resultados. 

Entretanto, apesar da eficácia dos procedimentos, outros desafios precisam ser superados, como a seletividade do alcance ao tratamento reprodutivo devido ao alto custo e a não disponibilização gratuita – por exemplo, no Sistema Único de Saúde (SUS). Logo, essas são questões que demandam reflexão e maior planejamento social e político. 

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A preservação da fertilidade através da criopreservação surge como uma estratégia para auxiliar mulheres com câncer a manterem suas chances de concepção após tratamentos oncológicos que frequentemente afetam a função ovariana. A técnica de criopreservação não apenas oferece uma alternativa para pacientes com câncer, mas também esperança e controle em relação ao futuro, ajudando a elevar as esperanças, associado ao diagnóstico e tratamento da doença. No entanto, é importante lidar com desafios como questões financeiras e acessibilidade para assegurar que todas as mulheres tenham oportunidades iguais. Isso permitirá que elas construam um futuro reprodutivo mesmo diante dos obstáculos impostos pelo câncer.

REFERÊNCIAS

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1Discente do Curso Superior de Biomedicina da Universidade Anhembi Morumbi Campus São José dos Campos. e-mail: beatrizoliveira1903@hotmail.
2 Discente do Curso Superior de Biomedicina da Universidade Anhembi Morumbi Campus São José dos Campos. e-mail: leticia_sousa.oliveira@hotmail.com
3 Discente do Curso Superior de Biomedicina da Universidade Anhembi Morumbi Campus São José dos Campos. e-mail: natashamachado220011@gmail.com
4 Discente do Curso Superior de Biomedicina da Universidade Anhembi Morumbi Campus São José dos Campos. e-mail: thayyps@gmail.com