UTILIZAÇÃO DA CANNABIS SATIVA NO TRATAMENTO DE ANSIEDADE E DEPRESSÃO

USE OF CANNABIS SATIVA IN THE TREATMENT OF ANXIETY AND DEPRESSION

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11546812


Jeissiele Lopes Cabral (CABRAL, J.L)¹; Júlia Jordanna Rosa de Oliveira (OLIVEIRA, J.J.R)²; Nadyne Ribeiro Soares (SOARES, N.R)³; Rayanne Kesya de Oliveira Brandão (BRANDÃO, R.K.O)4; Guilherme Borges Macedo (MACEDO, G.B)5


RESUMO

INTRODUÇÃO: A utilização da Cannabis sativa no tratamento da ansiedade e depressão tem despertado interesse especial na comunidade científica e na prática clínica. Estudos indicam que compostos presentes na Cannabis, como o canabidiol, apresentam potencial terapêutico no manejo desses distúrbios mentais. OBJETIVO: Realizar uma revisão sistemática da literatura, com base em estudos científicos atuais, para avaliar as evidências disponíveis sobre a eficácia do uso do Cannabis Sativa no tratamento de ansiedade e depressão.   METODOLOGIA: Trata-se de um estudo de uma Revisão Sistemática da Literatura, usando a pesquisa bibliográfica e o método qualitativo para análise de dados. A pesquisa foi conduzida com base em um referencial teórico, realizada nas plataformas Scielo, PubMed, Medline e Google Acadêmico. RESULTADO E DISCUSSÃO: A pesquisa clínica sobre o uso do CBD para tratar ansiedade e depressão tem mostrado resultados encorajadores. No entanto, do mesmo modo há ausência de evidências científicas satisfatórias e seguras que sustentem qualquer uso de derivados de cannabis na cura de doenças mentais. Por outro lado, muitos outros estudos associam o consumo e o abuso de cannabis, assim como de outros agentes psicoativos a contribuir para a indução ou agravamento de doenças mentais. CONCLUSÃO: Conclui-se que é essencial explorar a resposta ao tratamento com CBD de forma mais abrangente, bem como investigar combinações de CBD e THC nas mais variadas manifestações de transtornos de ansiedade e depressão. Somente assim pode-se compreender plenamente o potencial terapêutico do CBD e seus mecanismos de ação, proporcionando melhores opções de tratamento para aqueles que sofrem desses transtornos.

Palavras-chave: Cannabis sativa. Tratamento. Ansiedade. Depressão.

ABSTRACT

INTRODUCTION: The use of Cannabis sativa in the treatment of anxiety and depression has aroused special interest in the scientific community and in clinical practice. Studies indicate that compounds present in Cannabis, such as cannabidiol, have therapeutic potential in the management of these mental disorders. OBJECTIVE: To carry out a systematic review of the literature, based on current scientific studies, to evaluate the available evidence on the effectiveness of using Cannabis Sativa in the treatment of anxiety and depression.   METHODOLOGY: This is a study of a Systematic Literature Review, using bibliographic research and the qualitative method for data analysis. The research was conducted based on a theoretical framework, carried out on the Scielo, PubMed, Medline and Google Scholar platforms. RESULT AND DISCUSSION: Clinical research on using CBD to treat anxiety and depression has shown encouraging results. However, there is also a lack of satisfactory and safe scientific evidence to support any use of cannabis derivatives in curing mental illnesses. On the other hand, many other studies associate the consumption and abuse of cannabis, as well as other psychoactive agents, with contributing to the induction or worsening of mental illnesses. CONCLUSION: It is concluded that it is essential to explore the response to treatment with CBD more comprehensively, as well as investigate combinations of CBD and THC in the most varied manifestations of anxiety and depression disorders. Only in this way can the therapeutic potential of CBD and its mechanisms of action be fully understood, providing better treatment options for those who suffer from these disorders.

Keywords: Cannabis sativa. Treatment. Anxiety. Depression.

1 INTRODUÇÃO

O uso de plantas medicinais ao longo dos séculos tem sido essencial para tratar doenças e promover a saúde. Atualmente, há um interesse crescente na comunidade científica em aprimorar a extração dos compostos ativos dessas plantas e explorar novas bioatividades em seus metabólitos. Embora a Cannabis sativa L. seja objeto de estudo há muitos anos, sua utilização no Brasil como planta medicinal ainda não alcança proporções condizentes com os diversos benefícios terapêuticos oferecidos pela planta através de seus compostos, como sintomas como dores, náuseas, ansiedade, inflamação, distúrbios neurológicos e muitos outros (SILVA et al., 2022).

A Cannabis, conhecida popularmente como maconha, é um arbusto da família Moraceae, com crescimento espontâneo em diversas regiões tropicais e temperadas do mundo. O uso de plantas medicinais tem sido reconhecido como ferramenta terapêutica para diversas doenças, incluindo ansiedade e depressão. Logo, o interesse a utilização da Cannabis sativa no tratamento desses transtornos tem despertado considerável interesse na comunidade médica e científica nas últimas décadas, devido aos seus potenciais efeitos terapêuticos (LIMA et al., 2021). 

A ansiedade e a depressão são transtornos mentais com grande impacto global, afetando milhões de pessoas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a depressão afeta mais de 300 milhões de pessoas e a ansiedade afeta cerca de 264 milhões de pessoas. Ainda que sejam condições diferentes, frequentemente estão relacionadas, pois pessoas com diagnosticadas com depressão apresentam sintomas de ansiedade e vice-versa. Ainda que existam diversas opções terapêuticas disponíveis, muitos pacientes não respondem adequadamente aos tratamentos convencionais, apresentando efeitos colaterais indesejados ou dificuldades de adesão. Nesse contexto, a busca por alternativas terapêuticas eficazes e seguras tem sido uma prioridade (OMS, 2022; FERREIRA et al., 2023). 

Em 2017, a ANVISA oficializou a inclusão da Cannabis sativa na lista das Denominações Comuns Brasileiras (DCB) como planta medicinal pela RDC Nº 156. Essa medida formalizou a Cannabis como componente em medicamentos registrados, baseando-se em estudos científicos, sem alterar as regras sobre maconha no país para seu uso recreativo que permanece ilegal. A decisão foi motivada pelas propriedades farmacológicas da planta, que incluem efeitos ansiolíticos, neuroprotetores, antioxidantes, anti-inflamatórios, antidepressivos, antipsicóticos e hipnóticos. Esses efeitos terapêuticos dos compostos canabinoides são considerados opções de tratamento para diversas doenças relacionadas ao Sistema Nervoso Central (SNC), tais como ansiedade e depressão (SOUSA et al., 2023).

Foi realizada uma revisão sistemática e meta-análise de estudos empíricos sobre sintomas de dor, ansiedade e depressão relatados por pacientes como razões para o uso de cannabis medicinal. Esse estudo, publicado pela Elsevier na revista Ciências Sociais e Medicina em 2019, revelou que, entre os motivos para o consumo, a dor foi relatada por 64% dos pacientes, seguida pela ansiedade, mencionada por 50%, e depressão/alterações de humor, relatada por 34% como principais motivos para o consumo. Após a dor crônica não oncológica (CNCP), questões de saúde mental emergem como razões importantes para o uso de canabinoides medicinais. Mais de 50% dos usuários de Cannabis Medicinal a utilizam para tratar a depressão. Apesar dos tratamentos comprovados para ansiedade e depressão, como terapia cognitivo-comportamental (TCC) e os inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRSs), apenas cerca de 60% dos pacientes alcançam remissão com essas terapias (KOSIBA et al., 2019; SOUSA et al., 2023).

A escolha de estudar sobre o uso terapêutico da Cannabis Sativa no tratamento da ansiedade e depressão decorre do fato da comprovação crescente incidência desses transtornos mentais nos últimos anos, os quais despertam uma busca por alternativas terapêuticas com maior eficácia e segurança por seu um tema polêmico, que está sempre em grande discussão, onde muitos são a favor e outro contra.  Realidade que movimenta a comunidade científica a concretizar estudos para avaliar alternativas que tenham a capacidade de contribuir no tratamento dessas doenças.

Nesse contexto, o presente trabalho tem como objetivo realizar uma revisão sistemática da literatura, com base em estudos científicos atuais, para avaliar as evidências disponíveis sobre a eficácia do uso do Cannabis Sativa no tratamento de ansiedade e depressão.  

2 METODOLOGIA

Trata-se de um estudo de uma Revisão Sistemática da Literatura, usando a pesquisa bibliográfica e o método qualitativo para análise de dados, procurando a partir de embasamento em referencial teórico sobre o tema em estudo, realizando a pesquisa em livros e artigos científicos. De acordo com Marconi e Lakatos (2017), a pesquisa bibliográfica engloba todo o conjunto de informações já divulgadas a respeito do tema de estudo, incluindo publicações, periódicos, livros, estudos, monografias, teses e artigos disponíveis na internet.

Por sua vez, uma pesquisa qualitativa concentra-se nas particularidades, explorando significados, motivações, aspirações, atitudes, hábitos e outros aspectos relevantes.  

As ferramentas de busca e seleção foram realizadas nas plataformas Scielo, PubMed, Medline e Google Acadêmico. Descritores: Cannabis sativa, tratamento, ansiedade, depressão. O processo de seleção foi feito por meio da análise dos títulos e resumos dos estudos encontrados, procurando identificar aqueles que preenchem os critérios de inclusão oferecidos. Posteriormente, os artigos selecionados foram integralmente revisados e avaliados.

Foram incluídos os artigos no período de 2017 a 2023, publicados na íntegra. E excluídos todos os artigos anteriores a esta data. 

A coleta de dados foi realizada por meio da revisão da literatura, de todo material selecionado e estudado sobre o uso Cannabis sativa no tratamento da ansiedade e da depressão. A análise de dados ocorreu através dos resultados obtidos com a pesquisa bibliográfica, os quais desempenharam um papel fundamental na formulação dos resultados e na discussão subsequente.

Com base nos resultados, as pesquisadoras instituíram inferências e interpretação dos dados obtidos, respondendo aos objetivos da pesquisa e a questão problema da pesquisa: Quais as principais evidências científicas que comprovam a eficácia do uso de Cannabis Sativa para ansiedade e depressão em comparação com outros tratamentos convencionais?

Para atender a essa questão, foi conduzida uma revisão sistemática da literatura.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 Ansiedade e Depressão 

A importância da saúde mental na sociedade contemporânea é fundamental, pois ela influencia diretamente o equilíbrio entre o bem-estar físico e emocional. Segundo a OMS, saúde mental é definida como a capacidade de desenvolver plenamente habilidades, lidar com o estresse, ser produtivo e contribuir para a comunidade (NUNES et al., 2022). A saúde mental abarca uma gama ampla e subjetiva de elementos, incluindo bem-estar, autoeficácia, autonomia, competência, dependência intergeracional e a realização do potencial intelectual e emocional do sujeito. Os transtornos mentais possuem natureza biopsicossocial, podendo impactar indivíduos de todas as idades e nacionalidades, acarretando angústia tanto para o próprio indivíduo quanto para suas famílias e comunidades. No entanto, muitos desses transtornos podem ser identificados e tratados com eficácia (GRANER; CERQUEIRA, 2019).

Assumpção et al (2018) enfatizam que a depressão, por sua vez, é um tema de longa data na história da qualidade de vida cognitiva e emocional, com sua nomenclatura evoluindo ao longo dos séculos, culminando na atualização gradual da melancolia no século XIX. Logo, Silva et al (2021) complementa que nos tempos atuais, ter o equilíbrio emocional figura como um alicerce fundamental para uma vida saudável, tanto física quanto psicológica. Nesse contexto, o equilíbrio emocional surge como um elemento vital, envolvendo a habilidade de gerenciar as emoções de forma saudável e construtiva.

Conforme a OMS (2022), entre 2018 e 2022, a preocupação da população brasileira com transtornos mentais cresceu significativamente, atingindo 49% em 2022, um aumento de quase três vezes, segundo a OMS e o Instituto Ipsos divulgados pela BBC News Brasil. Portanto, Biernath (2022) assegura que esses transtornos impactam a qualidade de vida, as relações interpessoais, o desempenho acadêmico e profissional, além de afetar outros aspectos da saúde.

Para Lelis et al (2020), os transtornos mentais como depressão e ansiedade representam um conjunto de condições que exercem um impacto significativo na vida dos indivíduos e de seus familiares, emergindo como um grande desafio de saúde pública. Esses transtornos são os principais contribuintes para a carga de doenças, destacando-se pela intensidade das suas repercussões. Em seguida, Lopes et al (2018) afirmam que a ansiedade é um estado preocupante, caracterizado por apreensão, preocupação e confusão de pensamentos divergentes ou sobrecarga de informações. Esta ocorrência é comum em situações onde há intensa ativação do SNC, resultando na interpretação angustiante de eventos. Constitui um sintoma de relevância significativa no contexto psicológico.

O transtorno de ansiedade é uma ocorrência comum em situações específicas, provocando sentimentos de medo, inquietação, incerteza ou expectativa. Isso pode desencadear sintomas como dores no peito, cansaço, batimentos cardíacos acelerados e dificuldades para dormir. Quando esses sinais surgem, na maioria das vezes causam sensações que podem afetar angústia e emoções na a vida social, profissional ou acadêmica da pessoa afetada. Esse quadro pode ser descrito como uma sensação de perigo iminente (LELIS et al. 2020). 

Na concepção de Leão et al (2018) a depressão é um transtorno complexo que impacta a saúde mental, física e ambiental. Relaciona-se como fatores de risco as experiências adversas na infância, eventos estressantes, históricos familiares e condições médicas crônicas, afetando cerca de 5,8% da população brasileira. Seus sintomas incluem tristeza, irritabilidade, desinteresse, distúrbios do sono e do apetite, ideais recorrentes de morte, entre outros, podendo levar ao suicídio se não for tratado.  

Por conseguinte, Lopes e Santos (2018) destacam que a depressão e a ansiedade, embora diferentes em manifestação, têm raízes comuns como síndromes heterogêneas, podendo alternar-se ao longo do tempo, sendo conceituais e empiricamente distintas. Minayo e Miranda (2021) acrescentam que esses distúrbios psiquiátricos são principais causas de incapacidade e estão relacionados ao aumento do risco de doenças cardíacas e abuso de substâncias danosas.

3.2 Cannabis sativa    

A Cannabis, conhecida no Brasil como maconha, é um gênero de planta com sua espécie mais proeminente sendo a Cannabis sativa. Composto por mais de 400 substâncias, esse gênero abriga cerca de 60 tipos de canabinoides, destacando-se o tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD) por suas propriedades terapêuticas. Embora o THC possua efeitos medicinais, também é reconhecido por causar efeitos cognitivos e psicológicos alucinógenos, limitando seu uso. Por outro lado, o CBD tem recebido atenção da comunidade médica devido aos seus benefícios em diferentes condições patológicas, sem, aparentemente, causar dependência química (PEIXOTO et al., 2020).

Sousa et al (2023) mencionam que a resolução mais recente, aprovada em 22 de janeiro de 2020 (RDC 335/220), procura simplificar e agilizar o acesso a produtos pertinentes à Cannabis. Esta resolução determina novos critérios e procedimentos para a importação de canabidiol no Brasil por pessoas físicas, exclusivamente para uso pessoal, mediante prescrição de profissionais devidamente autorizados, para fins terapêuticos. No ponto de vista de Peixoto et al (2020), a legalização da Cannabis para finalidades medicinais e de pesquisas é extremamente importante, pois foi revelado o potencial farmacológico de alguns dos seus componentes. Os resultados dos estudos dessas substâncias poderiam definir estratégias de uso mais eficazes, incluindo dosagem, frequência e cuidados com prováveis efeitos adversos.

De acordo com Lacet (2017), pesquisas indicam que a cannabis pode ser benéfica para pacientes com HIV e demonstrou efeitos positivos no tratamento pós-quimioterapia por causa de seus efeitos sedativos semelhantes aos da morfina. Embora benéfica à saúde humana, a planta também pode apresentar efeitos tóxicos que afetam o comportamento e os pensamentos do usuário, ou estão diretamente relacionados à dose utilizada. Esta é uma regra que se aplica a todos os medicamentos existentes. A seguir, Gonçalves e Schlichting (2019), informam que estudos pré-clínicos e clínicos revelam que compostos de Cannabis sativa, especialmente o canabidiol, têm efeitos terapêuticos em diversas doenças, como epilepsia, artrite, Parkinson, Alzheimer, esquizofrenia, ansiedade, câncer e retinopatia diabética. 

Gonçalves e Schlichting (2019) descrevem que os efeitos adversos, como alucinações e depressão, estão associados ao ∆-tetrahidrocanabinol. O canabidiol (CBD) encontrado na maconha é extremamente usado por suas propriedades terapêuticas, especialmente para ansiedade, depressão e outras condições. Contudo, a C.sativa pode interagir com o sistema endocanabinóide, conforme Lima et al (2021), pois (é um sistema de comunicação fisiológico natural, que executa muitos processos fisiológicos), mas com uma ação distinta, expõe uma variedade de ações, incluindo efeitos antiepilético, anti-inflamatório, sedativo, antipiscótico, hipnótico, antioxidante e propriedades neuroprotetoras, o uso de cannabis está aumentando em todo o mundo, o que gerou discussão entre pesquisadores. Além disso, ocupa o terceiro lugar entre as substâncias mais utilizadas globalmente.

3.3 Principais compostos bioativos presentes na Cannabis Sativa

A Cannabis sativa, é uma planta amplamente estudada devido aos seus compostos bioativos e potencial terapêutico. Nos últimos anos, a pesquisa tem se concentrado na identificação e no entendimento dos principais compostos presentes nesta planta, entre esses compostos, os mais conhecidos são os canabinoides, como o canabidiol (CBD) e tetrahidrocanabinol (THC). No entanto, há outro grupo de compostos importante e fascinante, os terpenos e flavonoides (FREITAS, 2023).

O canabidiol (CBD), um composto extraído das flores da planta, pertence ao grupo dos terpenofenólicos. Suas múltiplas funcionalidades incluem o alívio de sintomas como dores, náuseas, ansiedade, inflamação e distúrbios neurológicos. Além disso, possui uma série de outros benefícios para a saúde humana. Os canabinoides, como o CBD e o THC, são compostos naturais da Cannabis Sativa que interagem com receptores no corpo e no cérebro (NERI et al., 2018).

Segundo Dias (2018), a Cannabis sativa contém cerca de 400 substâncias, sendo aproximadamente 60 canabinoides. Sendo os canabinoides os principais compostos ativos da Cannabis sativa, portanto, são responsáveis pelos efeitos psicoativos e terapêuticos associados à planta. Como vê-se o principal canabinoide psicoativo é o Δ9- Tetrahidrocanabinol (THC), que se liga aos receptores canabinoides no sistema nervoso central, produzindo efeitos como euforia, relaxamento muscular e aumento do apetite. Em seguida, Lacet (2017) destaca que além do Δ9-THC, outro canabinoide importante é o canabidiol (CBD), que não possui efeitos psicoativos significativos, mas demonstrou ter propriedades analgésicas, anti-inflamatórias, ansiolíticas e anticonvulsivantes. Esses compostos se ligam aos receptores de canabinóides, oferecendo benefícios terapêuticos para várias doenças.

A maior usabilidade do CBD se deve à sua aplicação sem causar intoxicação, ao contrário do THC, o componente principal da planta, responsável por efeitos alucinógenos. Em doses que ultrapassam a tolerância do organismo, o THC pode induzir episódios agudos e temporários de ansiedade, semelhante a ataques de pânico. Essa intoxicação é um efeito colateral grave, tornando o CBD mais aceitável por não desencadear essas reações. A confiabilidade nesse composto tem crescido à medida que os médicos substituem opiáceos por CBD, considerando-o uma opção mais confiável (NERI et al., 2018).

Sousa e Baião (2021) mencionam que os terpenos são compostos orgânicos voláteis que conferem aroma e sabor característicos à Cannabis sativa, além de contribuírem para os seus efeitos terapêuticos. Mais de cem terpenos foram identificados na planta, sendo os mais comuns o mirceno, o limoneno, o pineno e o linalol. Estudos têm demonstrado que os terpenos podem interagir com os canabinoides e outros receptores no organismo, potencializando ou modulando seus efeitos terapêuticos, como propriedades analgésicas, ansiolíticas e anti-inflamatórias.  Rocha (2023) destaca que os terpenos, sintetizados nos tricomas da cannabis junto com os canabinoides, como o THC e o CBD, interagem com o sistema endocanabinoide humano. Estudos recentes indicam que os terpenos não só influenciam o aroma e sabor, mas também podem ter efeitos terapêuticos. 

Figueredo (2019) fala sobre o fenômeno do “efeito entourage” (relação sinérgica entre todos os compostos químicos presentes na Cannabis), que sugere que canabinoides e terpenos agem sinergicamente para potencializar ou modular os efeitos do THC e CBD. Produtos de espectro total, contendo uma variedade de canabinoides e terpenos, podem ser mais eficazes do que produtos com apenas THC ou CBD. Essa teoria ressalta que a combinação desses compostos na cannabis pode resultar em efeitos maior do que isoladamente. 

Já os flavonoides, conforme Bautista et al (2021), são compostos polifenólicos encontrados em diversas plantas, incluindo a Cannabis sativa, e são conhecidos por suas propriedades antioxidantes, anti-inflamatórias e neuroprotetoras. Embora existam menos estudos sobre os flavonoides da Cannabis em comparação com os canabinoides e terpenos, evidências preliminares sugerem que esses compostos também podem contribuir para os efeitos terapêuticos da planta. Brito et al (2023) destacam que os flavonoides têm despertado interesse devido a seus próprios efeitos terapêuticos. Na Cannabis medicinal, esses compostos agem sinergicamente com CBD e THC, ampliando seus benefícios terapêuticos e moderando possíveis reações adversas, o que pode resultar em resultados terapêuticos mais variados e eficazes, o conhecido “efeito entourage”, assim como ocorre com os terpenos.

A maneira como são administrados influencia sua farmacocinética, afetando a absorção, duração dos efeitos e eliminação. A inalação e a via oral são as principais formas de administração para a Cannabis sativa e seus canabinoides (GONÇALVES; SCHLICHTING; RÊGO, 2019). Lima et al (2021) informa que apesar de ser um dos componentes mais promissores da planta de Cannabis (maconha), o canabidiol está atualmente fora da lista de substâncias medicinais proibidas no Brasil pela ANVISA. Foi inserido na lista de substâncias controladas C1 da Portaria/SVS nº 344, de 12 de maio de 1998. A ANVISA aprovou recentemente a importação de medicamentos contendo substâncias provenientes da Cannabis sativa, devido à retirada do canabidiol da relação de substâncias proibidas e sua inclusão entre a substância de uso controlado.

Dias (2018) divulga que a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 335, de 24 de janeiro de 2020, estabelece critérios e procedimentos para a importação de produtos provenientes da planta Cannabis para uso pessoal, mediante prescrição de um profissional habilitado para tratamento de saúde. O artigo 3º da RDC permite a importação, para uso próprio e por prescrição médica, de produtos derivados da Cannabis, incluindo o canabidiol.

3.4 Mecanismos de ação propostos para a ação do canabidiol (CBD)

Os canabinoides são absorvidos rapidamente quando inalados, atravessando os alvéolos pulmonares para a corrente sanguínea e alcançando o cérebro. A ingestão via fumaça fornece efeitos imediatos devido à absorção rápida nos pulmões, sangue e cérebro. Já a ingestão oral, como o Δ9-THC, passa pelo trato gastrointestinal, mas sua eficácia pode variar devido ao metabolismo inicial, geralmente resultando em baixa biodisponibilidade (5 a 20%) devido à instabilidade no ácido gástrico e metabolização hepática (ASSUNÇÃO, 2022). 

McGuigan (2020) descreve que os efeitos psicotrópicos geralmente aproximadamente uma hora após uma ingestão oral, variando de 30 a 90 minutos devido à absorção mais lenta.

As concentrações plasmáticas do Δ 9 – THC atingem seu pico em 2 a 4 horas após o consumo, podendo haver atrasos de até 6 horas, e a duração dos efeitos varia de 4 a 12 horas, dependendo da dose e do efeito específico. Os canabinoides são predominantemente distribuídos no organismo, principalmente ligados às lipoproteínas plasmáticas em cerca de 98%. 

Mazur et al (2018) divulgam que após o consumo, os canabinóides passam por transformações no fígado, principalmente por hidroxilação hepática e oxidação através do sistema enzimático citocromo P450 (CYP). Estudos indicam que as enzimas CYP3A4 e CYP2C9 são responsáveis pela maior parte da biotransformação dos canabinoides. Simões et al (2019) explicam que esses compostos permaneceram no organismo por cerca de 30 dias antes de serem totalmente excretados, passando por um processo lento de eliminação via urina e fezes após metabolização hepática.

De acordo com Silva (2022), cerca de 15% de uma dose de THC é eliminada na urina dentro de 72 horas após a ingestão, enquanto cerca de 50% é excretado nas fezes. Depois de 5 dias, entre 80 a 90% do composto já foi retirado do organismo. Porém, ainda após semanas, vestígios de compostos canabinóides ainda tem a capacidade de serem detectados na urina de usuários químicos. O THC, responsável por implicações como leve sedação, euforia e propriedades ansiolíticas, mantém-se presente no decorrer desse processo de excreção. Logo, Rêgo (2019) esclarece que ainda que o uso terapêutico da Cannabis sativa ou de seus compostos ser conhecido há bastante tempo, a investigação de suas propriedades teve início apenas com a descoberta do sistema endocanabinóide (ECS) em um momento recente. O ECS compreende compostos endógenos, como os tetraidrocanabinóis (endocanabinóides), além de receptores canabinoides (CB1 e CB2) e enzimas que participam do seu metabolismo.

Em seguida, Rocha (2023), delineia que o mecanismo do canabidiol, foi descrito que tanto o THC quanto a anandamida, por terem sua estrutura bem semelhante, são agonistas parciais do receptor CB1. O THC também se liga aos receptores CB2 porém, com menor afinidade em relação ao CB1. Segundo Lima e Neves (2022), a ativação do receptor CB1 desencadeia uma série de efeitos farmacológicos, como a modulação da liberação de neurotransmissores, inibindo a liberação de neurotransmissores excitatórios (glutamato) e facilita a liberação de neurotransmissores inibitórios (GABA). Essas ações contribuem para os efeitos psicomiméticos e fisiológicos do THC.

Portanto, Costa et al (2022) acrescentam que a farmacodinâmica dos canabinoides refere-se à interação desses compostos com o corpo humano, especificamente com os receptores canabinoides no sistema nervoso central e periférico. Os principais canabinóides ativos são encontrados na Cannabis, com o Δ9-tetrahidrocanabinol (THC). Os canabinoides exercem seus efeitos por meio da interação com os receptores canabinoides CB1 e CB2. O CB1 está abundantemente presente no cérebro, especificamente em regiões associadas à memória, cognição, coordenação motora e sensação de dor. O CB2 está mais ligado ao sistema imunológico, encontrado em células do sistema imunológico periférico. Na percepção e estudo de Oliveira e Lima (2018), quando consumidos, os canabinóides se ligam aos receptores CB1 e CB2, ativando vias de sinalização intracelular. No caso do THC, sua interação com o CB1 produz efeitos psicoativos, como alterações no humor, percepção, cognição e apetite. Isso acontece devido à influência do THC na liberação de neurotransmissores, como a dopamina e a serotonina, resultando em sensações de euforia e relaxamento.

Por conseguinte, Sousa e Baião (2021) revelam que os canabinóides modulam a liberação de neurotransmissores, afetando a transmissão sináptica. A capacidade terapêutica da Cannabis sativa associa-se ao grande número de substâncias químicas que foram encontrados em amostras desta planta, cuja a principal classe é a dos canabinóides. McGuigan (2020) explica que os canabinóides os quais também têm influência nos circuitos de recompensa do cérebro, o que pode levar ao potencial de dependência em alguns usuários. Os efeitos terapêuticos dos canabinóides também são explorados, especialmente o CBD (canabidiol), que não possui propriedades psicoativas. O CBD atua de maneira diferente, não se ligando diretamente aos receptores canabinoides, mas modulando sua atividade. Na Figura 1 a seguir, é possível observar a fórmula química do CBD.

Figura 1: Fórmula química do CBD

Fonte: Baião et al., 2021.

No entanto, os efeitos dos canabinoides variam amplamente devido a fatores como dose, via de administração, tolerância e sensibilidade individual. O uso recreativo e medicinal da Cannabis levanta questões sobre sua segurança em longo prazo e possíveis efeitos adversos, como problemas cognitivos, psicológicos em casos predispostos e impactos no desenvolvimento cerebral, especialmente em adolescentes (GONÇALVES; SCHLICHTING, 2018). 

Segundo Nicoll e Alger (2018), o receptor CB1, encontrado abundantemente no SNC, está presente em várias regiões concretas, como o córtex, hipocampo, hipotálamo, cerebelo, gânglios da base, tronco encefálico, medula e amígdala. Essa distribuição influencia diferentes efeitos da maconha: o córtex relacionado à experiência mental, o hipocampo está ligado à memória, os gânglios da base relacionam-se a disfunções motoras, enquanto o THC alivia dores na medula e controla vômitos no tronco encefálico. O hipotálamo regula o apetite, e a amígdala está envolvida em respostas emocionais. Essa capacidade de agir em diversas áreas do corpo resulta em ampla gama de efeitos da maconha.

Por conseguinte, Silva et al (2022) destacam que o THC, ao se ligar aos receptores CB1 e CB2, é como um agonista parcial, gerando uma atividade neural de natureza mista, tanto excitatória quanto inibitória, em diversas regiões do cérebro, não se limitando apenas aos receptores canabinoides específicos. O THC pode diminuir a ligação da dopamina ao núcleo accumbens (NAcc) “o centro do prazer”, localizado numa posição central e interior do cérebro e ao córtex pré-frontal. Sua natureza hidrofóbica facilita sua absorção pelo organismo, resultando na rápida manifestação de seus efeitos psicoativos. Observa-se que a abrangência dos efeitos da maconha é tão ampla exatamente por sua da sua capacidade de agir em diversas áreas no cérebro, conforme demonstrado na Figura 2 a seguir.

Figura 2: Atividade da Cannabis no Sistema Nervoso Central (SNC)

Fonte: Assunção, 2022, p. 09.

Conforme o estudo realizado, ainda que o CBD ofereça uma finidade limitada pelo CB1, e atua como agonista contrário no receptor CB2. Assim, ainda que seu mecanismo não esteja totalmente esclarecido, possivelmente desempenha um papel na modulação da sinalização dos endocanabinóides, inibindo a enzima Amida Hidrolase de Ácidos Graxos (FAAH), responsável pela quebra enzimática da anandamida, ou dificultando sua recaptação. O CBD atua como agonista nos receptores de serotonina do tipo 1A, o que resulta em efeitos ansiolíticos. Esses receptores estão envolvidos na regulação da ansiedade e da depressão (ASSUNÇÃO, 2022). Araújo et al (2023) observam que o CBD possui uma ação diversas, interagindo com diversos receptores, incluindo os serotoninérgicos, particularmente o subtipo 5HT1A, que um subtipo de receptor que se une aos neurotransmissores de serotonina endógenos. Essa interação pode explicar, ao menos em parte, as propriedades antieméticas, ansiolíticas e analgésicas do CBD. 

Portanto, Nachnan et al (2021) enfatizam que há indícios de que essa via de sinalização esteja relacionada à redução de processos prejudiciais como excitotoxicidade, estresse oxidativo e inflamação, incluindo a ativação de células microgliais e linfocitárias. Esses achados sustentam a hipótese de que o CBD possa desempenhar um papel protetor em diversas condições patológicas, como doenças neurodegenerativas, dor crônica e distúrbios inflamatórios, cardíacos, hepáticos, renais, gastrointestinais, sepse e diabetes, convulsões. Segundo Pacher et al (2021), vale ressaltar que uma das primeiras aplicações clínicas bemsucedidas do CBD foi no tratamento da epilepsia refratária. Os mecanismos exatos pelos quais o CBD exerce seus efeitos terapêuticos ainda estão sendo investigados, mas além da interação com os receptores 5HT1, também se postula uma possível ação nos receptores gabaérgicos e canais iônicos. 

Outro aspecto relevante conforme Araújo et al (2023) é o potencial do CBD na terapia antineoplásica, com evidências de inibição da proliferação celular em diferentes linhagens cancerígenas, como próstata, mama e colorretal, especialmente em concentrações mais elevadas. Um estudo realizado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), por Lima et al (2020), foram desenvolvidos experimentos tanto em organismos vivos (in vivo) quanto em ambientes controlados (in vitro), investigando os efeitos do canabidiol (CBD). Uma das descobertas significativas foi a capacidade do CBD de reduzir a ativação das células da glia (tipos celulares presentes no sistema nervoso central), envolvidas no suporte aos neurônios. Essas células são conhecidas por serem ativadas durante crises convulsivas, desempenhando um papel crucial na inflamação e na lesão cerebral. 

Matos et al (2017) enfatizam que o CBD também é capaz de ativar o receptor vaniloide do tipo 1 (TRPV1), que está envolvido em diversos estímulos nociceptivos, responsáveis pela percepção da dor, explicando assim seus efeitos anti-inflamatórios e analgésicos. A pesquisa de Araújo et al (2023) destaca mais recentemente, outro fitocanabinoide tem ganhado atenção, o canabigerol (CBG), que se posiciona entre o THC e o CBD em termos de perfil farmacológico. Este composto demonstra atividade agonista nos receptores CB1 e CB2, embora sua afinidade seja significativamente menor que a do THC. Além disso, o CBG mostra afinidade com diversos receptores vaniloides (TRPV), semelhante ao CBD, porém com menor intensidade. 

Koltai e Namdar (2020) ressaltam uma característica singular do CBG: sua capacidade de antagonizar o receptor 5HT1, diferentemente do CBD e do THC. Essa distinção destaca a importância de compreender mais profundamente como o CBG interage com as diversas subfamílias de receptores, visando esclarecer suas indicações terapêuticas e limitações com segurança. Esse rigor na análise é essencial para qualquer grupo de substâncias, como destacado por Nachnani et al (2021), que é notável o complexo cenário farmacológico dos canabinoides, que ultrapassam uma centena de compostos, incluindo não apenas os fitocanabinoides mais conhecidos, entretanto do mesmo modo os terpenos da Cannabis sativa, que apresentam potencial terapêutico. 

A perspectiva de Santiago et al (2019) lança luz sobre a possível ação dessas substâncias não apenas nos receptores CB1 e CB2, mas também por meio de um fenômeno denominado de efeito entourage como já visto neste estudo, que sugere uma sinergia entre as diferentes moléculas presentes na planta de cannabis.

3.5 Eficácia e segurança no uso dos canabinoides

Os canabinoides têm emergido como um campo de estudo fascinante devido às suas potenciais aplicações terapêuticas, e nas últimas décadas, uma quantidade substancial de pesquisa tem sido dedicada à compreensão de sua eficácia e segurança. Estudos recentes, como o conduzido por Mellis (2021), têm feito estudos sobre os efeitos do canabidiol (CBD) no tratamento de transtornos de ansiedade, revelando promissoras descobertas sobre sua capacidade de reduzir os sintomas ansiosos em pacientes com transtorno de ansiedade social (psicose ou outros sintomas da esquizofrenia). Os autores destacam a segurança e eficácia do tratamento com CBD nesses pacientes.

Pesquisas como as Shannon e Opila (2020) têm investigado o potencial do CBD no manejo da ansiedade e insônia, demonstrando sua eficácia na redução dos sintomas e na melhoria da qualidade de vida dos pacientes. Essas descobertas são particularmente encorajadoras, visto que essas patologias são condições debilitantes que afetam milhões de pessoas em todo o mundo.

Embora os canabinoides tenham demonstrado eficácia terapêutica, Bueno e Ortiz (2021) esclarecem que a segurança do seu uso a longo prazo ainda é uma preocupação importante. Estudos têm investigado os potenciais efeitos adversos dos canabinoides, incluindo efeitos psicotrópicos, como ansiedade, psicose e dependência, associados ao THC. No entanto, Mellis (2021) elucida que o CBD tem mostrado um perfil de segurança mais favorável, com poucos efeitos colaterais relatados, mesmo em doses elevadas.  

No entanto, a segurança dos canabinoides também é uma preocupação importante, e estudos como o realizado por MacCallum e Russo (2018) têm analisado os potenciais efeitos adversos associados ao uso de cannabis medicinal. Embora os canabinoides sejam geralmente considerados seguros, o consumo de cannabis pode estar associado a efeitos colaterais como tontura, boca seca e fadiga, especialmente em doses mais elevadas. Usar uma estratégia de dosagem do tipo “comece devagar e vá devagar” reduz a maioria dos eventos adversos do THC. A combinação de CBD com THC pode diminuir ainda mais esses efeitos.

Além disso, é essencial considerar a interação dos canabinoides com outros medicamentos, como destacado por Franco et al (2022), para garantir a segurança e eficácia do tratamento em pacientes que utilizam múltiplos medicamentos. A compreensão dessas interações farmacológicas é de suma importância para evitar potenciais efeitos adversos e garantir resultados terapêuticos excelentes.

Melro et al (2019) proferem que desde muito tempo, as plantas são usadas com fins medicinais no tratamento de diversas doenças, tendo em vista o seu potencial curativo. Embora das propriedades psicotrópicas, esta espécie, ainda existe um grande potencial terapêutico. Assim, Silva et al (2022) explica que diante da complexidade e do impacto negativo que transtornos de ansiedade e depressão têm sobre a qualidade de vida das pessoas, surge à necessidade de explorar novas abordagens terapêuticas que possam oferecer alivio eficaz e seguro para essas condições.

Na concepção de Bueno e Ortiz (2021) há interesse crescente no uso terapêutico de compostos da Cannabis, como o THC e o CBD, especialmente para tratar distúrbios neuropsiquiátricos devido à falta de eficácia e segurança dos tratamentos convencionais. Enquanto o CBD possui propriedades farmacológicas promissoras sem potencial para abuso, o THC é responsável pelos efeitos eufóricos associados a planta. Sousa et al (2023) destacam estudos que exploram o potencial ansiolítico e antidepressivo dos canabinoides, com foco particular no CBD, que demonstra interação com receptores e neurotransmissores, como a serotonina, sugerindo um efeito modulador sobre os sintomas de ansiedade e depressão.

A pesquisa clínica recente, conforme destacada por Assunção (2022), aponta para o potencial do CBD na redução da ansiedade em distúrbios como transtorno de ansiedade social, transtorno obsessivo-compulsivo e estresse pós-traumático. Além disso, estudos sugerem que o CBD pode influenciar a neurogênese e a plasticidade neuronal, contribuindo para efeitos antidepressivos. No entanto, o THC, o principal composto psicoativo da Cannabis, apresenta resultados mistos, podendo aliviar ou agravar a ansiedade dependendo da situação, dose e perfil genético individual. A segurança do CBD em humanos foi confirmada por pesquisas em animais, conforme Silva (2022), revelando uma eficácia ansiolítica em uma dose de 20 mg/kg, sem depender da ativação dos receptores benzodiazepínicos. Em vez disso, o CBD interage com os receptores 5-HT1A, associados aos neurotransmissores de serotonina, corroborando seu potencial ansiolítico.

Sousa et al (2023) afirmam que há desafios consideráveis a serem superados. A regulamentação e legalização da Cannabis ainda são variáveis em muitos países, limitando a pesquisa e o acesso para aplicação terapêutica. Além disso, a falta de padronização na composição e dosagem dos produtos à base de Cannabis dificulta a avaliação precisa de seus efeitos terapêuticos. Desta forma, devido às propriedades farmacológicas da planta cannabis, os medicamentos que contêm canabinóides são considerados como uma alternativa viável no tratamento de certas doenças associadas ao SNC, como possíveis tratamentos para a ansiedade e depressão.

3.6 Evidências clínicas existentes e as implicações regulatórias, pertinentes a políticas de saúde pública relacionada ao uso dos canabinoides no tratamento de transtornos de ansiedade e depressão

A pesquisa clínica sobre o uso do CBD para tratar ansiedade e depressão tem mostrado resultados encorajadores. Um estudo clínico randomizado realizado por Blessing et al (2018) indicou que o CBD reduziu consideravelmente a ansiedade social em indivíduos com transtorno de ansiedade. Além disso, um ensaio clínico com controle de placebo, conduzido por Simões et al (2024), revelou que o CBD teve efeitos antidepressivos expressivos em pacientes com transtorno depressivo maior, em comparação com o grupo de controle.

Estudo realizado com humanos saudáveis utilizando CBD (oral, inalatório ou endovenoso) em um contexto de simulação de fala em público comparou o canabidiol (300 mg), um placebo e dois ansiolíticos, diazepam (10 mg) e ipsapirona (5 mg), em um estudo duplo-cego. Os resultados indicaram que tanto o canabidiol (CBD) quanto os dois ansiolíticos reduziram a ansiedade causada pela situação de fala em público, sem efeitos colaterais significativos (ASSUNÇÃO, 2022).

Um estudo conduzido pela Washington State University (EUA) e divulgado pela Unidade de Pesquisas em Álcool e Drogas (UNIAD) (2018) explorou os efeitos do uso periódico de Cannabis. Os resultados sugerem que, em curto prazo, a Cannabis pode diminuir significativamente os níveis de ansiedade, entretanto ao longo do tempo pode estar associada a uma piora dos sintomas de depressão. Uma descoberta interessante foi que, embora ambos os sexos tenham relatado redução no estresse e na ansiedade, as mulheres tiveram uma diminuição mais expressiva na ansiedade após o consumo de Cannabis.

De acordo com da UNIAD (2018), os dados revelaram uma queda de 58% nos níveis de ansiedade imediatamente após o uso, e uma redução de 50% nos sintomas de depressão no mesmo período. Entretanto, ao longo do tempo, os sintomas de depressão tendem a se agravar, enquanto os efeitos positivos sobre o estresse e a ansiedade permanecem. Esses achados destacam a complexidade dos efeitos da Cannabis na saúde mental e a importância de uma abordagem cautelosa ao seu uso.

Uma revisão conduzida por Ramos e Elias (2020) investigou o uso de canabinoides em sintomas de saúde mental, como depressão e alterações na função emocional. A revisão mostrou que 3,2% dos pacientes no grupo de canabinoides e 4,1% no grupo placebo apresentaram agravamento dos sintomas de saúde mental, mas essa diferença não foi estatisticamente significativa. Da mesma forma, o uso de Nabilona (um canabinoide sintético) não apresentou diferenças estatísticas significativas em comparação ao placebo. Além disso, duas revisões que analisaram os efeitos do Δ9-THC não encontraram euforia significativa nem efeito antidepressivo em pacientes. Em contrapartida, um estudo de caso realizado por Gutiérrez et al (2020) recomendaram que o óleo de canabidiol é seguro para reduzir a ansiedade, melhorar a qualidade do sono e tratar o transtorno de estresse pós-traumático. Em altas concentrações, o CBD ativa diretamente o receptor de serotonina 5-HT1A, proporcionando um efeito antidepressivo. Estudos também apoiam a eficácia do CBD como ansiolítico, antipiscótico e antidepressivo.

Um estudo realizado por Turna et al (2019) no Canadá, utilizando uma pesquisa online por questionário, revelou que pacientes que usam antidepressivos e ansiolíticos frequentemente substituem seus medicamentos convencionais por tratamento com CBD sem orientação médica. O estudo obteve 2.032 respostas concluídas. Esses pacientes relataram buscar alternativas na medicina para substituir os medicamentos tradicionais. O objetivo do estudo foi analisar a prevalência do uso medicinal da cannabis. Os resultados mostraram que a maioria (92%) dos participantes relatou uma melhora nos sintomas ao usar cannabis, embora ainda apresentassem sintomas de gravidade moderada.

Khoury et al (2019) realizaram uma revisão abrangente a respeito do uso de canabinoides no tratamento de transtornos de ansiedade. Foi comparado os efeitos de 300 mg de CBD com Ipsapirona, Diazepam e placebo em 40 indivíduos saudáveis, medindo a ansiedade subjetiva através de uma escala visual de humor. O CBD reduziu significativamente a ansiedade em comparação ao placebo, sem causar a sedação observada com o Diazepam. Já um estudo com 10 homens saudáveis, uma dose de 40 mg de CBD foi administrada para reduzir a ansiedade induzida por procedimentos de neuroimagem, analisando o fluxo sanguíneo cerebral. Os participantes foram avaliados duas vezes, com uma semana de intervalo, recebendo CBD ou placebo em sessões alternadas. A tomografia computadorizada por emissão de fóton único mostrou que o CBD reduziu a ansiedade subjetiva de forma significativa, enquanto o placebo não teve efeito relevante.

Berger et al (2020) relataram o caso de um jovem de 20 anos com transtorno de ansiedade social grave, depressão maior, insônia e sintomas psicóticos leves, que, apesar do tratamento anterior, foi submetido a terapia adjuvante com canabidiol (CBD) em doses de 200 a 800 mg/dia por seis meses. Durante o tratamento, observaram-se melhorias substanciais na ansiedade, depressão e sintomas psicóticos, validadas por profissionais de saúde e instrumentos padronizados de avaliação. Essas descobertas evidenciam a segurança e o potencial terapêutico do CBD em casos de ansiedade resistente ao tratamento e sintomas psicóticos moderados.

Beale et al (2018) realizaram um ensaio clínico com pacientes que sofrem de dor crônica, onde altas doses de nabiximols, o primeiro medicamento à base de cannabis, demonstraram uma redução significativa no estado de humor. De forma interessante, o CBD oral mostrou-se eficaz na diminuição dos sintomas depressivos e psicóticos em usuários de cannabis, restaurando os efeitos negativos da cannabis em áreas específicas do cérebro relacionadas ao humor. Resultados semelhantes foram observados em usuários frequentes de cannabis, nos quais o CBD oral melhorou não apenas os sintomas depressivos e psicóticos, mas também a atenção, aprendizado verbal e memória. Além disso, nabiximols, utilizados como terapia de reposição de agonistas durante a abstinência de cannabis, demonstraram uma redução significativa na depressão. Portanto, mais recentemente, Gutiérrez et al (2020) relataram melhorias no humor em diversas condições médicas em um inquérito online com usuários de CBD (n = 2.409). No entanto, o estudo não diferenciou entre o CBD puro e produtos de CBD derivados da cannabis, com diferentes composições nas formulações.

As normas regulatórias aplicadas ao CBD variam consideravelmente de um país para outro e estão em constante progresso. É essencial que tanto os pacientes quanto os profissionais da área da saúde estejam informados sobre as legislações locais referentes ao CBD. De acordo com Santos (2021), no Brasil, a regulação dos medicamentos à base de canabidiol, assim como de outros produtos derivados da Cannabis sativa, é de responsabilidade da ANVISA, o órgão competente para autorizar a venda de medicamentos e substâncias legais no país. Já em nações como Canadá, Argentina e EUA, a Cannabis sativa é utilizada com propósitos medicinais.

Foi apenas em 2015 que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) começou a permitir a importação de remédios contendo canabidiol mediante prescrição médica de profissionais qualificados. Os critérios estão estabelecidos na Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) Nº 17/2015 e os principais pontos para a importação são detalhados na RDC Nº 335/2020. Em 2019, a ANVISA emitiu uma nova resolução que permitiu aos brasileiros adquirirem medicamentos à base de canabidiol nas farmácias do país, conforme a RDC Nº 327/2019, que estabelece os procedimentos para concessão de autorização e importação, assim como os requisitos para a comercialização, prescrição, monitoramento e fiscalização de produtos contendo Cannabis sativa para uso medicinal (ZANELLATI et al., 2021).

De modo recente, Santos (2021), ressalta que a comissão de narcóticos da ONU decidiu remover a Cannabis sativa da lista de substâncias mais perigosas do mundo, após a OMS reconhecer a planta por suas propriedades medicinais e terapêuticas. Diante disso, não faz sentido manter a proibição de uma planta com potencial terapêutico tão alto que pode ajudar muitas pessoas. No entanto, Silva e Baldaçara (2022) destacam a ausência de evidências científicas satisfatórias e seguras que sustentem qualquer uso de derivados de cannabis na cura de doenças mentais. Por outro lado, muitos outros estudos associam o consumo e o abuso de cannabis, assim como de outros agentes psicoativos a contribuir para a indução ou agravamento de doenças mentais.

4 CONCLUSÃO

Os estudos revisados oferecem uma perspectiva abrangente sobre o potencial terapêutico do CBD no tratamento dos transtornos de ansiedade e depressão, destacando seu crescente reconhecimento global devido à sua eficácia na redução dos sintomas. A legalização da cannabis para uso medicinal em vários países tem ampliado o acesso dos pacientes a essa substância. No entanto, apesar dos resultados promissores, é necessário um maior número de estudos com amostras mais robustas.

Embora o canabidiol tenha sido identificado como uma opção terapêutica potente para ansiedade e depressão, a carência de estudos com uma quantidade significativa de participantes é evidente. Os ensaios disponíveis frequentemente envolvem amostras reduzidas e não representam adequadamente a diversidade da população, incluindo diferentes faixas etárias, grupos étnicos, gêneros, pacientes com doenças crônicas, gestantes, entre outros. Além disso, acredita-se que são necessários estudos mais abrangentes para avaliar aspectos como toxicidade, função hepática e renal, efeitos hormonais e a eficácia do CBD em comparação com placebos.

Ressalta-se que ainda que haja aspectos positivos relacionados ao uso medicinal da planta, é importante reconhecer que são necessários mais estudos, com evidências mais sólidas e extensas, para corroborar o papel do CBD como agente indutor de efeitos ansiolíticos e antidepressivos. O CBD emerge como um potencial complemento aos tratamentos farmacológicos convencionais, mas sua eficácia precisa ser confirmada por pesquisas adicionais.

Assim, conclui-se que, é essencial explorar a resposta ao tratamento com CBD de forma mais abrangente, bem como investigar combinações de CBD e THC nas mais variadas manifestações de transtornos de ansiedade e depressão. Somente assim pode-se compreender plenamente o potencial terapêutico do CBD e seus mecanismos de ação, proporcionando melhores opções de tratamento para aqueles que sofrem desses transtornos.

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¹Discente do Curso de Farmácia. Universidade Evangélica de Goiás – Campus Dr. Domingos Mendes da Silva, Ceres – GO. 
E-mail: jeissiaguaazuldes@hotmail.com  
²Discente do Curso de Farmácia. Universidade Evangélica de Goiás – Campus Dr. Domingos Mendes da Silva, Ceres – GO.
E-mail: julia.jordannaro@gmail.com
³Discente do Curso de Farmácia. Universidade Evangélica de Goiás – Campus Dr. Domingos Mendes da Silva, Ceres – GO.
E-mail: nadysribeiro21@gmail.com  
4Discente do Curso de Farmácia. Universidade Evangélica de Goiás – Campus Dr. Domingos Mendes da Silva, Ceres – GO. 
E-mail: rayanekesya18@gmail.com  
5Especialidade. Mestre, Docente do curso de Farmácia. Universidade Evangélica de Goiás – Campus Dr. Domingos Mendes da Silva, Ceres – GO.
E-mail: macedoguilherme18@gmail.com