USE OF KETAMINE IN PATIENTS WITH TRAUMATIC BRAIN INJURY: EFFECTS ON INTRACRANIAL PRESSURE AND NEUROLOGICAL OUTCOMES
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/dt10202506281217
Micael Eberson de Sousa Ribeiro1
Orientador: Evandro Oliveira Rodrigues de Souza2
RESUMO
Introdução: O traumatismo cranioencefálico grave (TCE) é responsável por milhões de casos e alta mortalidade globalmente. O manejo inicial e na unidade de terapia intensiva, especialmente controlando hipotensão e pressão intracraniana (PIC) elevada, é fundamental para o prognóstico. Diretrizes recomendam manter a PIC abaixo de 22 mmHg e pressão arterial sistólica acima de 90 mmHg. O tratamento inclui sedação com medicamentos de curta duração, que podem causar hipotensão. A cetamina, antagonista do receptor NMDA, é amplamente utilizada como sedativo em UTI, especialmente em pacientes com instabilidade hemodinâmica, por aumentar o débito cardíaco e a pressão arterial. Apesar disso, seu uso em casos de TCE tem sido historicamente limitado pelo risco de elevação da PIC. Entretanto, estudos menores não mostraram elevação da PIC com a cetamina e até sugeriram redução, além de indicarem seu potencial neuroprotetor. Objetivo: Analisar os efeitos da cetamina em pacientes com lesão cerebral traumática, com foco sobre sua influência na PIC e nos desfechos neurológicos associados. Metodologia: Revisão narrativa da literatura, realizada em junho de 2025, com busca nas bases de dados PubMed e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). Foram utilizados descritores padronizados do Medical Subject Headings (MeSH) e Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), incluindo os termos em inglês ketamine AND (brain injury OR traumatic brain injury) AND (intracranial pressure OR intracranial hypertension OR ICP), e em português Pressão Intracraniana AND Lesão Cerebral traumática AND Cetamina. Resultados e Discussão: Seis estudos foram incluídos na revisão após aplicação dos critérios de elegibilidade. As evidências indicaram que a cetamina não aumentou a PIC na maioria dos casos, sendo associada em alguns estudos à sua redução, além de melhorar a pressão de perfusão cerebral. Além disso, não foram observados efeitos adversos neurológicos significativos relacionados ao uso da cetamina, mesmo em procedimentos de intubação rápida e em pacientes pediátricos. Conclusão: Conclui-se que a cetamina é uma opção segura e eficaz para sedação em pacientes com TCE, mesmo em emergências, desafiando antigas preocupações e ampliando possibilidades terapêuticas em situações críticas.
Palavras-chave: Pressão Intracraniana; Lesão Cerebral traumática; Cetamina.
ABSTRACT
Introduction: Severe traumatic brain injury (TBI) is responsible for millions of cases and high mortality worldwide. Initial management and care in the intensive care unit, especially controlling hypotension and elevated intracranial pressure (ICP), are fundamental for prognosis. Guidelines recommend maintaining ICP below 22 mmHg and systolic blood pressure above 90 mmHg. Treatment includes sedation with short-acting medications, which can cause hypotension. Ketamine, an NMDA receptor antagonist, is widely used as a sedative in the ICU, especially in patients with hemodynamic instability, as it increases cardiac output and blood pressure. Despite this, its use in TBI cases has historically been limited due to the risk of increased ICP. However, smaller studies have not shown an increase in ICP with ketamine and have even suggested a reduction, in addition to indicating its neuroprotective potential. Objective: To analyze the effects of ketamine in patients with traumatic brain injury, focusing on its influence on ICP and associated neurological outcomes. Methodology: A narrative literature review conducted in June 2025, with searches in the PubMed and Virtual Health Library (BVS) databases. Standardized descriptors from Medical Subject Headings (MeSH) and Health Science Descriptors (DeCS) were used, including the English terms ketamine AND (brain injury OR traumatic brain injury) AND (intracranial pressure OR intracranial hypertension OR ICP), and the Portuguese terms Pressão Intracraniana AND Lesão Cerebral traumática AND Cetamina. Results and Discussion: Six studies were included in the review after applying eligibility criteria. The evidence indicated that ketamine did not increase ICP in most cases, being associated in some studies with its reduction, as well as improving cerebral perfusion pressure. Additionally, no significant neurological adverse effects related to ketamine use were observed, even in rapid intubation procedures and pediatric patients. Conclusion: It is concluded that ketamine is a safe and effective option for sedation in patients with TBI, even in emergencies, challenging previous concerns and expanding therapeutic possibilities in critical situations.
Keywords: Intracranial pressure; Traumatic brain injury; Ketamine.
1. INTRODUÇÃO
O traumatismo cranioencefálico grave (TCE) é responsável por milhões de casos e alta mortalidade globalmente. O manejo inicial e na unidade de terapia intensiva (UTI), especialmente controlando hipotensão e pressão intracraniana (PIC) elevada, é fundamental para o prognóstico. Diretrizes recomendam manter a PIC abaixo de 22 mmHg e pressão arterial sistólica acima de 90 mmHg. O tratamento inclui sedação com medicamentos de curta duração, que podem causar hipotensão. Por isso, busca-se sedativos que reduzam a PIC sem comprometer a pressão arterial (Dengler et al., 2022).
Indivíduos com TCE não recebem sedação apenas por motivos usuais, como alívio da dor ou manejo da agitação. Nesses casos específicos, os agentes sedativos são empregados com finalidades terapêuticas bem definidas e com possíveis benefícios neuroprotetores: diminuição do consumo metabólico cerebral, redução da PIC, controle de crises convulsivas, regulação da temperatura corporal, ajuste da PaCO₂ por meio de ventilação mecânica, ou ainda para o manejo de episódios de hiperatividade simpática paroxística (De Sloovere et al., 2025).
A cetamina, antagonista do receptor N-metil-D-aspartato (NMDA), é amplamente utilizada como sedativo em UTI, especialmente em pacientes com instabilidade hemodinâmica, por aumentar o débito cardíaco e a pressão arterial. Apesar disso, seu uso em casos de TCE tem sido historicamente limitado pelo risco de elevação da PIC (Laws et al., 2023). Seus efeitos favoráveis na hemodinâmica, analgesia e preservação respiratória têm ampliado seu uso em pacientes com trauma, incluindo aqueles com TCE. Por outro lado, estudos menores não mostraram elevação da PIC com a cetamina e até sugeriram redução, além de indicarem seu potencial neuroprotetor pela diminuição da toxicidade do glutamato e inibição de depressões corticais. Entretanto, faltam dados claros sobre os desfechos clínicos individuais relacionados ao seu uso (Peters et al., 2023).
A cetamina é um agente analgésico de alta potência, com efeitos dissociativos e sedativos marcantes. Ao contrário de outros medicamentos, ela preserva a função respiratória e os reflexos das vias aéreas — excetuando-se em doses excessivamente elevadas — e apresenta possíveis ações neuroprotetoras, além de capacidade para atenuar crises convulsivas e episódios de atividade epiléptica subclínica. Essas características fazem da cetamina uma opção promissora em contextos que exigem sedação e alívio da dor em níveis profundos (Godoy et al., 2021).
Análises de informações clínicas retrospectivas e relatos de caso sugerem a possibilidade de um impacto benéfico da cetamina após danos cerebrais, uma vez que se acredita que esse fármaco iniba as despolarizações de propagação desencadeadas por tais lesões (Gregers et al., 2020). Nesse sentido, as unidades de pronto atendimento recebem uma grande quantidade de pacientes em estado crítico e com diagnósticos ainda indefinidos, que exigem intervenção imediata nas vias aéreas antes que seja possível descartar completamente possíveis lesões neurológicas. Considerando a escassez de fármacos intravenosos de indução com ação rápida e efeitos hemodinâmicos estáveis, evidências que comprovem a segurança do uso da cetamina na intubação em sequência rápida para esse perfil de pacientes seriam encorajadoras e proporcionariam maior confiança clínica (Cohen et al., 2015).
Tendo em vista que o TCE representa uma condição crítica com risco elevado de morbidade e mortalidade, torna-se essencial investigar intervenções que possam contribuir para a estabilização hemodinâmica e proteção cerebral. Nesse contexto, o presente estudo tem por objetivo analisar os efeitos da cetamina em pacientes com lesão cerebral traumática, com foco sobre sua influência na PIC e nos desfechos neurológicos associados.
2. METODOLOGIA
O estudo apresenta uma revisão narrativa da literatura, realizada em junho de 2025, com o objetivo de oferecer uma compreensão abrangente sobre o tema a partir da integração de diferentes perspectivas e evidências disponíveis.
A busca pelos artigos foi conduzida nas bases de dados PubMed e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), utilizando descritores padronizados do Medical Subject Headings (MeSH) e Descritores em Ciências da Saúde (DeCS). Os termos empregados incluíram, em inglês, ketamine AND (brain injury OR traumatic brain injury) AND (intracranial pressure OR intracranial hypertension OR ICP), e em português, Pressão Intracraniana AND Lesão Cerebral traumática AND Cetamina.
Foram incluídos estudos observacionais, ensaios clínicos, pesquisas longitudinais e relatos de caso, publicados entre 2020 e 2025, disponíveis na íntegra nos idiomas português, espanhol ou inglês, e que abordassem diretamente o uso da cetamina em pacientes com lesão cerebral traumática. Foram excluídos artigos duplicados, revisões da literatura, estudos com acesso restrito e os que não correspondessem ao foco da pesquisa.
A seleção dos estudos foi conduzida com base nas diretrizes do modelo Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA) 2020. As informações extraídas incluíram autoria, ano de publicação, delineamento metodológico, objetivos e características da amostra, sendo organizadas no Quadro 1.
Por se tratar de uma pesquisa com base em dados secundários de domínio público, o estudo está isento de submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa, conforme as normas éticas brasileiras vigentes.
3. RESULTADOS
Inicialmente, foram encontrados 67 estudos, sendo 62 na base de dados PubMed e cinco na BVS. Destes, 39 foram excluídos por estarem fora do recorte temporal e nenhum foi excluído por idioma. Após essa filtragem inicial, 28 estudos seguiram para a triagem. Nessa etapa, 10 foram excluídos por se tratarem de revisões e 7 por apresentarem títulos irrelevantes ao tema. Restaram 11 estudos em análise, dos quais um foi excluído por ser duplicado. Assim, 10 estudos foram avaliados na íntegra para elegibilidade. Destes, um foi excluído por não estar disponível na íntegra e três por não responderem à pergunta da pesquisa. Por fim, um total de seis estudos foi incluído na revisão.
Figura 1 – Seleção dos artigos.

Quadro 1 – Síntese dos estudos selecionados.



O Quadro 2 traz um resumo sobre como a cetamina está correlacionada com a PIC, os sinais neurológicos e os resultados clínicos em pacientes com TCE. Apesar da Cetamina ter sido vista por muito tempo com preocupação em casos de hipertensão craniana, as pesquisas mostram uma visão mais atualizada e menos negativa sobre seu uso, principalmente em emergências e sedação.
Quadro 2 – Síntese dos efeitos da Cetamina na PIC e desfechos neurológicos.



4. DISCUSSÃO
A administração de cetamina em pacientes com TCE moderado a grave mostrou-se segura quanto à mortalidade e incapacidade, mesmo em casos mais graves, com menores escores na Glasgow e maior necessidade de intubação. Contrariando a preocupação tradicional, os dados indicaram redução na incidência de PIC elevada nos pacientes tratados com cetamina. Porém, houve maior frequência de eventos adversos neurológicos, como atividade convulsiva, e cardiovasculares em subgrupos específicos, o que exige cautela no uso da droga (Peters et al., 2023).
Assim como, Mcclarty et al. (2025) reforçam que a cetamina não tem efeito direto na elevação da PIC, e o aumento observado em alguns pacientes está mais relacionado à gravidade da lesão do que ao uso do medicamento. Além disso, não foram encontradas associações entre as variações na dose da cetamina e alterações nos parâmetros fisiológicos monitorados, o que desafia as preocupações históricas sobre o uso da droga em TCE.
Além dos efeitos anteriores, Dengler et al. (2022) discutem que pacientes que passaram por hemicraniectomia descompressiva podem reagir de forma diferente, com aumento da pressão após o uso da droga. Isso provavelmente está ligado à forma como o cérebro desses pacientes regula o fluxo sanguíneo, que pode estar alterado depois da cirurgia. Também foi observado que, quando a cetamina é combinada com sedativos como o midazolam, seu efeito de diminuir a pressão pode ser potencializado, já que o midazolam ajuda a reduzir o metabolismo cerebral.
No contexto pediátrico, o estudo de Mazandi et al. (2023) analisou 70 crianças que receberam cetamina como agente de indução primário, não observando aumento na incidência de eventos adversos neurológicos, hemodinâmicos ou respiratórios, mesmo em intubações de emergência. Embora o monitoramento invasivo da PIC estivesse disponível em poucos casos, não houve associação entre a cetamina e episódios de hipertensão intracraniana, inclusive com redução dos valores de PIC e melhora da PPC em pacientes com níveis previamente elevados. Esses achados reforçam a segurança hemodinâmica da cetamina em crianças com patologias neurológicas graves e se somam à evidência de Laws et al. (2023), que demonstraram a redução da PIC e preservação da PPC com seu uso, mesmo na ausência de hipertensão intracraniana. Diante da escassez de diretrizes pediátricas claras sobre o tema, tais evidências sustentam o potencial terapêutico da cetamina nesse perfil clínico.
De acordo com Rodríguez-Fanjul et al. (2024), a administração de cetamina resultou em uma redução consistente da PIC em todos os momentos avaliados, sem que houvesse registro de episódios de vasoespasmo. Essa observação reforça descobertas anteriores feitas pelo mesmo grupo em crianças com TCE grave e autorregulação cerebral comprometida, nas quais a cetamina também demonstrou efeito redutor sobre a PIC. Os autores já haviam identificado esse efeito em crianças com TCE grave e autorregulação cerebral comprometida, e agora ampliam esse achado ao demonstrar resultados semelhantes em pacientes com a autorregulação preservada. Eles também chamam a atenção para o fato de que muitos estudos anteriores sobre a ação da cetamina foram realizados em contextos de terapia intensiva, nos quais o uso de ventilação mecânica, medicamentos inotrópicos e agentes hiperosmolares pode influenciar diretamente nas medidas de PIC, devido a alterações na osmolaridade e nos níveis de oxigênio e dióxido de carbono. Por esse motivo, os autores destacam a importância de novas investigações que avaliem o efeito da cetamina em crianças com respiração espontânea, buscando compreender melhor seu potencial benefício e segurança nesse cenário.
5. CONCLUSÃO
Diante das evidências analisadas, é possível concluir que a cetamina, antes evitada por receio de elevar a PIC em pacientes com TCE, tem se mostrado mais segura do que se imaginava. Os estudos recentes apontam que, na maioria dos casos, ela não aumenta essa pressão e, em algumas situações, pode até ajudar a reduzi-la, além de contribuir para a melhora da perfusão cerebral. Mesmo em crianças e em emergências, como intubações rápidas, a cetamina demonstrou boa tolerância e estabilidade dos sinais vitais, sem provocar complicações neurológicas importantes.
Apesar de ainda existirem casos que exigem atenção especial — como pacientes com cirurgias cerebrais prévias ou com tendência a crises convulsivas —, os resultados sugerem que o uso da cetamina, quando feito com cuidado e acompanhamento adequado, pode ser uma opção segura e eficaz. Esses achados contribuem para a revisão de antigas preocupações, ampliando as possibilidades terapêuticas em situações críticas.
REFERÊNCIAS
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GODOY, Daniel Agustin et al. Ketamine in acute phase of severe traumatic brain injury “an old drug for new uses?”. Critical Care, v. 25, n. 1, p. 19, 2021.
GREGERS, Mads Christian Tofte et al. Ketamine as an anesthetic for patients with acute brain injury: a systematic review. Neurocritical care, v. 33, n. 1, p. 273-282, 2020.
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MAZANDI, Vanessa M. et al. Co-administration of ketamine in pediatric patients with neurologic conditions at risk for intracranial hypertension. Neurocritical care, v. 38, n. 2, p. 242-253, 2023.
MCCLARTY, Davis et al. High-Frequency Analysis of the Cerebral Physiological Impact of Ketamine in Acute Traumatic Neural Injury. Neurotrauma Reports, v. 6, n. 1, p. 232- 241, 2025.
PETERS, Austin J. et al. Outcomes and physiologic responses associated with ketamine administration after traumatic brain injury in the United States and Canada: a retrospective analysis. Journal of Trauma and Injury, v. 36, n. 4, p. 354, 2023.
RODRÍGUEZ-FANJUL, Javier et al. Efecto de la sedación con ketamina sobre la presión intracraneal medida mediante doppler transcraneal. An. pediatr.(2003. Ed. impr.), p. 63-64, 2024.
1Médico residente em Medicina Intensiva, UFT Universidade Federal do Tocantins.
E-mail: micael-eberson@hotmail.com
2Fisioterapeuta, Médico, Clínica Médica, Terapia Intensiva, Terapia nutricional enteral e parenteral, UNITPAC
E-mail: evandromed32@hotmail.com