REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10801779
Regina Eliana Fagnani Gianani1;
Diva Valério Novaes2
RESUMO
Apresentamos uma proposta de formação docente em formato de oficina com a intenção de desenvolver junto ao grupo docente de uma escola pública municipal, da cidade de São Paulo, atividades que estimulem os professores a replicarem em sala de aula com a finalidade de promover a equidade na aprendizagem. São atividades inclusivas que estimulam o potencial dos estudantes por meio de uma matemática criativa e inovadora, uma proposta está em formato de sequência didática, elaborada pelas autoras, a segunda proposta aborda a visualização de números e padrões nos números e está presente no livro “Mentalidades Matemáticas na sala de aula” escrito por Boaler; Munson e Willians (2018), finalizando com atividade de implementação de Conversas Numéricas de autoria de Humphreys e Parker(2019). A abordagem inicial é realizada com a apresentação dos livros que fazem parte de acervo da Rede Municipal de Ensino de São Paulo (RMESP), distribuídos nas escolas com intuito de incentivar docentes a manter uma formação em movimento e possibilitar estímulo da prática de pesquisa em sala de aula, com bases sólidas na formação teórica e prática, bem como, auxiliar os docentes a tornar o ensino da matemática mais atraente e acessível.
Palavras-chave: Formação docente. Mentalidades Matemáticas. Matemática criativa. Equidade.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por finalidade apresentar sequências didáticas destinadas à estudantes do Ensino Fundamental, Ciclo Interdisciplinar, que engloba 4º, 5º e 6º anos, na Rede Municipal de Ensino de São Paulo (RMESP). Na análise diagnóstica de uma turma do 6º ano, identificamos alunos com dificuldades no raciocínio lógico, identificação de números pares, ímpares e números primos, resolução de problemas e no cálculo mental, levando em consideração o amplo período de isolamento social, que atualmente reflete as dificuldades na aprendizagem desse grupo em específico. Vamos analisar a trajetória estudantil desses estudantes: ingressaram no 1º ano do ensino fundamental em 2019 e em 2020 quando aconteceria a continuidade no ciclo de alfabetização surgiu a situação pandêmica que perdurou até praticamente o 2º semestre de 2021, ou seja, a maioria desses alunos ficaram afastados da escola.
O contexto de aplicação das referidas sequências didáticas foi aplicado é uma escola pública municipal situada em área da periferia da Zona Norte do município de São Paulo, a população residente nesse bairro em sua maioria apresenta baixa renda, com poucos recursos tecnológicos, o ensino híbrido conseguiu abranger uma seleta minoria.
Segundo Vergnaud (2009), vivemos em um mundo cercado de números e, por isso, é importante compreender como os estudantes criam suas representações numéricas e de escrita, sobretudo, como leem o que está à sua volta.
O Currículo da Cidade de Matemática adotou a Teoria dos Campos Conceituais pautada nos estudos de Vergnaud (1996; 2009):
De acordo com as Orientações Didáticas do Currículo da Cidade em Matemática, essa teoria atende à necessidade de ensinar as operações a partir da construção conceitual sobre os seus diferentes significados e das relações envolvidas entre eles. Pesquisador cognitivista, preocupado em compreender como o conhecimento matemático é construído, Vergnaud busca explicar a construção das estruturas operacionais a partir de problemas de diferentes naturezas (SÃO PAULO, 2018, p. 78).
Nossa proposta tem a perspectiva de realizar a recuperação de aprendizagens e incentivar o trabalho em grupo e aplicação de atividades abertas e não determinadas. As produções dessas sequências didáticas estão alinhadas ao conteúdo do Currículo da Cidade, documento da RMESP que busca alinhar as orientações curriculares do Município de São Paulo à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), define as aprendizagens essenciais a que todos os estudantes brasileiros têm direito ao longo da Educação Básica foi construído com participação de professores e estudantes da RMESP a partir de conhecimentos e práticas realizadas. Visando o desenvolvimento integral dos estudantes, fortalecendo as políticas de equidade e inclusão. Com a premissa de que o professor deve atuar constantemente como mediador do processo, colocando o estudante como protagonista, fornecendo oportunidades para participação ativa, autônoma e reflexiva.
Para potencializar, nos pautamos no desenvolvimento das sequências didáticas baseadas no livro “Mentalidades Matemáticas na sala de aula” escrito por Jo Boaler, Jen Munson e Cathy Willians (2018), foram realizadas em formato de trabalho em grupo, conforme afirmam Cohan e Lotan (2017) que a melhoria das relações individuais dentro do grupo e intergrupais, aumenta a confiabilidade, a cordialidade e as habilidades desenvolvidas na atuação em equipe, tão necessárias na fase escolar como na vida adulta. A produção em grupo aumenta e aprofunda a oportunidade de aprender conteúdos, trocas de conhecimento e desenvolvimento da linguagem e o pensamento crítico. Além de potencializar a intenção na formação de turmas equitativas. Para o trabalho em grupo devemos considerar que as diferenças sociais, de status, de raça, classe ou gênero, são fatores determinantes para o sucesso. As pesquisadoras Liz Cohen e Rachel Lotan projetaram a “instrução complexa”, uma abordagem pedagógica destinada a equalizar o trabalho em grupo, que pode ser usada em qualquer nível de ensino ou disciplina (COHEN; LOTAN, 2014). Segundo Dweck (2017), o processo cognitivo é o grande precursor da motivação individual, transpõe fatores externos e internos por si só, sendo o processo cognitivo, processamento de informações de um indivíduo sobre os acontecimentos ao seu redor.
Quando descobrimos padrões no mundo e compreendemos os ritmos do universo, reconhecemos a beleza da matemática na natureza. Infelizmente, na escola são apresentados métodos, cálculos, algoritmos para somar, subtrair, multiplicar e dividir, decorar a tabuada, fórmulas e símbolos que rapidamente causam pavor e aversão à matemática, tornando-a tão temida, odiada e preterida. Para mudar essa imagem devemos impulsionar os estudantes a brincar com os números e formas, investigar padrões, relações entre os números e ideias, montar quebra-cabeças e criar conexões para desenvolver uma mentalidade matemática (BOALER, 2018). Ao descobrirem a criatividade e refletir sobre as ideias da matemática e as diferentes formas que podemos pensar, o desafio que fascina, a flexibilidade sobre as maneiras de explorar possíveis caminhos diferentes e chegar a uma mesma solução, ou diversas soluções para um mesmo problema, isso aumenta o engajamento.
A proposta para a primeira sequência didática foi apresentada ao grupo docente em formato de oficina é composta por três atividades, podem ser realizadas com uma turma de sexto ano do Ensino Fundamental, iniciamos com a apresentação da Tabela Pitagórica (Tábua de Pitágoras ou a Tabuada Cartesiana). Ao problematizar essa tabela é possível levar os alunos a perceberem as regularidades presentes na organização dos fatos fundamentais da multiplicação e descobrir as propriedades dessa operação. Através do conceito de dobro, o estudante começa os cálculos a partir do número 2, vai realizando os cálculos por meio de desdobramentos, aplicando propriedades distributivas e comutativas da adição, identificando relações e repetições entre os múltiplos de 2, 4 e 8, o ideal é que a tabela seja reproduzida durante a realização dos cálculos, segue demonstrando que os números são pares, portanto os múltiplos se repetem na tabuada do 2, 4 e 8. Em seguida, solicitamos que sejam realizados os cálculos dos números 3, 6 e 9, importante enfatizar que o número 6 é um número par, todos os seus múltiplos são pares, e alguns são comuns aos múltiplos dos números 2 e 3, uma vez que o 6 é múltiplo de 2 e 3. Por último fazemos os cálculos dos números 5 e 10, todos os múltiplos de 10 são o dobro dos múltiplos de 5.
Apresentamos aos professores a ideia de ampliar sua linguagem e promover a comunicação de ideias matemáticas, podemos nessa atividade também explorar a questão da simetria da tabela pitagórica, a disposição dos números na tabela também permite mencionar sobre as frações equivalentes, a potência e a diferença entre o dobro e potenciação, uma vez que os números multiplicados por eles mesmos ficam no centro da tabela em diagonal e os múltiplos que ficam em cada lado da diagonal são repetidos de forma simétrica. A exploração desses conceitos leva os estudantes a perceberem as relações entre os números, múltiplos, pares e ímpares esclarecendo aquela ideia de infinidade quando se trata de operação de multiplicação.
Na segunda atividade, com uma tabela de números em sequência do 1 ao 100, os estudantes devem identificar e destacar os múltiplos de 2, 3, 5 e 7; terminado o processo de observação dos números não destacados e a investigação e levantamento de hipóteses sobre os números que não foram destacados, quais as razões e relações entre esses números e porque são chamados de NÚMEROS PRIMOS, apresentando assim, um processo conhecido como “O Crivo de Eratóstenes”, desenvolvido no período pré-cristão por Eratóstenes, matemático grego da época.
Apresentamos ao grupo docente um desafio sobre as placas de carros: anteriormente os carros brasileiros eram emplacados com o modelo das placas cinzas que contêm três letras e quatro números, está sendo substituída pela nova placa que é formada por letras e números: a nova placa permanece com sete dígitos, mas tem quatro letras e três algarismos – o inverso da versão antiga. A alteração mais que dobra o número de combinações possíveis, que passa para 450 milhões. Outro detalhe é que a sequência não será de letras e números seguidos. Ficará intercalada: LLL NLNN (considerando L para letra e N para número). Com o objetivo de discutir sobre a necessidade de ocorrer essa mudança e investigar a questão da combinação de letras e números, quais as vantagens dessa ação. Resolver o desafio para calcular a quantidade de placas de carro no modelo de cor cinza e a quantidade para a nova versão.
A falta de reconhecimento da tradição escolar em relação às representações que os alunos utilizam desde o início da escolaridade como uma forma válida de conhecer os objetos e as representações formais. Essa é uma questão importante na educação, especialmente quando se considera a diversidade de experiências e formas de aprendizado dos alunos.
Tradicionalmente, muitos sistemas educacionais valorizam principalmente as formas de conhecimento formalmente reconhecidas e estruturadas, como aquelas apresentadas nos currículos e nos livros didáticos. No entanto, essa abordagem pode negligenciar as formas de conhecimento que os alunos trazem consigo desde cedo, baseadas em suas experiências pessoais, culturais e sociais.
Muitos estudantes têm uma ideia extremamente errada sobre a matemática. Ao longo de anos de aulas de matemática, muitos estudantes passam a acreditar que seu papel na aprendizagem dessa disciplina é memorizar métodos e fatos, e que o sucesso na matemática provém da memorização. Eu afirmo que esta é exatamente a ideia errada porque, na verdade, há muito pouco a ser lembrado em matemática. Essa disciplina é composta de poucas ideiasfundamentais interligadas, e os alunos que são bem-sucedidos em matemática são aqueles que veem o assunto como um conjunto de ideias sobre as quais eles precisam pensar profundamente. (Boaler, 2018, p.3)
Portanto, é importante que os educadores estejam cientes das diversas formas de conhecimento que os alunos trazem para a sala de aula e busquem integrar essas perspectivas em sua prática pedagógica. Isso pode incluir o uso de métodos de ensino que permitam aos alunos expressarem seus próprios entendimentos e experiências, bem como incorporar materiais e exemplos relevantes para suas vidas cotidianas.
De acordo com ROGERS (2008, p. 47) : “Existe uma ampla pesquisa demonstrando que professores eficientes e positivos são fortemente conscientes da importância da primeira aula, dos primeiros dias, nas primeiras semanas e de como eles estabelecem os direitos e as responsabilidades compartilhados do comportamento em sala de aula com seus alunos.”
Reconhecer e valorizar as representações utilizadas pelos alunos desde o início da escolaridade como indicativas de uma maneira válida de conhecer os objetos e as representações formais é essencial para uma educação verdadeiramente inclusiva e eficaz. Isso requer uma abordagem flexível e sensível por parte dos educadores, que estejam dispostos a adaptar suas práticas para atender às necessidades e experiências individuais dos alunos. Tendo como objetivo de identificar conhecimentos matemáticos, e a compreensão das relações numéricas, das operações e de suas propriedades, valorizar os processos de cálculos baseados em propriedades dos números e das operações, a aprendizagem com compreensão dos algoritmos e dos fatos fundamentais, o cálculo mental e as estimativas.
Queremos com a aplicação dessa sequência didática para professores e aplicação posterior com os alunos compreendam a relacionar situações envolvendo produto de medidas e variáveis e a formação de conjuntos, onde o produto da combinação entre os fatores estabelecem uma relação e uma correspondência entre um e muitos.
Observamos que na aplicação com os estudantes a capacidade de solucionar problemas no campo do raciocínio aditivo e multiplicativo; estabelecer relações entre os princípios aditivos e multiplicativos e processo de cálculo mental ocorre com um pouco de dificuldade.
Propõe-se ao grupo docente a realização das seguintes perguntas:
– Quais operações vocês têm mais facilidade?
– Nas operações de soma, todos fazem sem dificuldade?
– Entendem o que estão fazendo ou apenas aplicam o método que foi ensinado?
Aula baseada na resolução de problemas: identificação de padrões nos números
A proposta desta atividade foi organizada em torno das ideias matemáticas fundamentais. Segundo Boaler (2018, p.8) a matemática não é um conjunto de métodos; é um conjunto de ideias conectadas que precisam ser entendidas. Quando os alunos entendem as ideias fundamentais em matemática, os métodos e regras se encaixam perfeitamente. A Grande ideia#9 – PADRÕES: Relações podem ser descritas e generalizações feitas para situações matemáticas que tenham números ou objetos que se repetem em formas previsíveis. De acordo com o texto “Grandes Ideias e Compreensões como base para Matemática no Ensino Fundamental” (Charles, 2005).
Baseamos essa atividade de NÚMEROS RETANGULARES combinada com a atividade NÚMEROS VISUAIS extraída do Youcubed (https://www.youcubed.org/pt-br/resources/numeros-visuais-ef-em/) veio a ideia de introduzir a grande ideia de padrões relacionando figuras geométricas com a relação de quantidades e números. Consta no Currículo da Cidade (São Paulo, 2017, p.98) como objetivo de aprendizagem e desenvolvimento: (EF04M10)
Analisar, interpretar, formular e solucionar problemas com números naturais, compreendendo diferentes significados do campo aditivo (composição, transformação, comparação e composição de transformações) e do multiplicativo (proporcionalidade, configuração retangular e combinatória), e validar a adequação dos resultados por meio de estimativas ou tecnologias digitais.
Na primeira etapa a atividade proposta para a turma foi orientada a representar os números 1 ao 25 em malha quadriculada de 1cm individualmente, foram realizadas intervenções durante a construção dos retângulos e quadrados.
Na oficina combinamos com os professores quais as evidências seriam aceitáveis na realização da atividade:
– Os estudantes reconhecem a conexão entre os números ímpares e as formas retangulares de que só uma forma retangular que pode estar na horizontal ou na vertical pode representá-los, exceto os números 9 (3 x 3) e o 25 (5 x 5) que podem ser representados também como quadrados;
– Reconhecem que os números pares (exceto o número 2) podem ser representados em duas formas: retangulares ou quadradas dependendo da escolha do número de linhas ou colunas;
– Conseguem estabelecer diferentes formatos para os números 12, por exemplo, em formato de (2 x 6 na horizontal); (6 x 2 na vertical); (3 x 4 na horizontal) ou (4 x 3 na vertical) e assim por diante com o 18, 20, 21 e 24.
– Reconhecem o número 1, 4, 9, 16 e 25 como números quadrados. Na segunda etapa, a turma foi dividida em grupo de 04 alunos e a proposta de cada grupo se organizar e escolher entre seus componentes um aluno para ser o repórter, aquele que vai ser o representante do grupo nas interações com a turma; um monitor de recursos cuja a função será de obter recursos materiais para o seu grupo e chamar o professor assim que seu grupo estiver pronto para compartilhar o produto realizado; um harmonizador para mediar as discussões e ser o escriba do grupo organizando os registros e a produção dos cartazes com os padrões escolhidos para agrupamentos compartilhados, organizados e codificados por diferentes cores pelo grupo. – Os estudantes trabalham com a representação visual numérica e exploram padrões que conseguem ver dentro dos números;
– Agrupam as formas semelhantes e conseguem fazer conexões entre os números;
– Estabelecem conexões entre os números 1, 2, 3, 4, 5 e 6 e as outras formas colorindo e formando agrupamentos com as representações semelhantes.
Figura 1 – Painéis elaborados por alunos em oficina replicada pela professora regente da turma de 4º ano, ciclo interdisciplinar
Este painel foi elaborado pelo aluno L.M., apresenta laudo de Deficiência Intelectual, um quadro de dispersão constante, alheio ao ambiente e foge da realidade, às vezes é agressivo e emite gritos do nada. Nessa atividade foi um dos poucos alunos que conseguiram fazer quase todos os registros solicitados, faltou terminar o número 17, o nº 21 pintado de preto foi acerto, pois ele pintou o 11 em formato de “L” que não é figura retangular e o nº 24 foi pintado de verde, próximo ao 8 da mesma cor porque precisava de espaço. Os números foram anotados pela professora, juntos estavam fazendo a conferência de quais números estavam faltando. Mas para um aluno que não se envolve, que fica alheio, sem foco e concentração na rotina escolar, essa atividade mostrou que com uma abordagem diferenciada o engajamento acontece!
Este trabalho ficou muito bom, feito pela aluna J.M. que fez várias observações bem pertinentes durante o processo de execução. Mostra uma organização nos registros, as indicações de qual número e cada representação pertence, ficou bem colorido, os números quadrados (1, 4, 9, 16 e 25) espalhados, aproveitando espaços que ficaram em branco. A estudante preferiu fazer o registro do número 12 em uma linha, sem dobrar. Confundiu o nº 22 de azul com o nº 21, também de azul, o nº 22 aceita o dobro do 11 (2×11) ou (11×2), mas (3×7) como deixou registrado ficou 2 vezes o 21.
O estudante B. está em fase de alfabetização, mas percebe-se em seu trabalho a organização dos espaços e o agrupamento dos números quadrados. Não localizei a representação do número 10 e do número 20. No registro do número 22 foi um dos primeiros alunos a fazer a relação da adição de 11 + 11 = 22 e fazer a representação dobrando 11 quadradinhos. Pelo menos três colegas de outros grupos buscaram seu trabalho para consulta no registro do número 22.
Na sequência de colunas dos ímpares, ficaram o 6, 8 e 10 que são pares, provavelmente ele ainda estava em fase de compreensão das comandas. Esse trabalho foi um dos mais completos dentro do tempo disponibilizado para realização da atividade.
Este grupo foi muito participativo, com contribuições pertinentes e com as intervenções
assertivas que foram permeando as discussões durante o desenvolvimento da segunda etapa da atividade. Foram os primeiros a terminar os agrupamentos de acordo com a proposta inicial, enumerando as formas, o que aponta o entendimento da atividade e o objetivo da proposta.
Combinaram as cores de cada agrupamento, foram descobrindo os números triangulares e agrupando (3, 9, 15, 21, 27 e 33), que o número 5 forma o pentágono e pode agrupar o 25 e o 35, não apontaram o 10 nesse agrupamento. Aliás, nenhum grupo destacou o número 10 no agrupamento do número 5, provavelmente não visualizaram o duplo pentágono. Será assunto para futuras abordagens.
Esse grupo teve uma formação bem peculiar, com três estudantes: L.M. e R.E. que estão em fase de alfabetização e A.M. que na primeira etapa da realização da atividade se mostrava tímido, jaqueta com capuz, máscara sem nenhuma participação durante o desenvolvimento da proposta de representação de números em figuras geométricas, na segunda etapa foi o repórter do grupo, se tornando proativo, fazendo considerações interagindo com o grupo, organizando as ações, perguntando sobre as conexões entre os desenhos e agrupamentos, direcionando os colegas sobre os Procedimentos, Representação distinta: Apontamento sobre a representação do número cinco que ficou na primeira coluna dos números ímpares, poderia também estar na quinta coluna agrupado com as figuras dos números 25 e 35.
REFLEXÃO DA IMPLEMENTAÇÃO DA CONVERSA NUMÉRICA
Nessa sequência didática, a escolha foi na turma de 8º ano do Ensino Fundamental, participaram 7 alunos, mas só foram realizados registros de 4 alunos nas filmagens, por conta do fator tempo: duração da aula de 45 minutos, dia de realização foi sexta-feira, normalmente o fluxo de alunos diminui dentro da Unidade Escolar. Dos sete alunos, cinco participaram realizando os cálculos e interagindo na roda de conversa, dois se destacaram por serem excelentes alunos na disciplina de Matemática, são alunos participativos e sempre contribuem com suas ideias e reflexões durante as
aulas, comprovando sua agilidade com os cálculos e na elaboração de estratégias planejadas e previstas na ficha de planejamento apresentada no final do relatório. Apresentamos seis cálculos diferentes: três cálculos de subtração, dois cálculos de multiplicação e um cálculo de adição. Durante a filmagem discutimos com os quatro alunos o primeiro cálculo de subtração (56 – 19 = 37), o cálculo de subtração com decimais (4,34 – 1,97 = 2,37) e os dois cálculos de multiplicação (8 x 15 = 120) e (26 x 48 = 1248).
O primeiro estudante “0801”, calculou rapidamente 56 – 19 e colocou o resultado 37, pedimos para ele nos explicar como chegou a esse resultado, mas ele disse ser difícil para ele expressar o seu pensamento, insistimos que era importante saber sua linha de raciocínio para socializar com os demais, apresentou a estratégia de arredondar o minuendo e o subtraendo para um múltiplo de dez e ajustar:
56 – 19 => 50 – 10 = 40 e 6 – 10 = 4 – 1 = 3, depois 40 – 3 = 37. Antes de efetuar o registro perguntamos ao estudante se tinha calculado 9 – 6 = 3, que apresentaria uma etapa a menos nos cálculos, mas a resposta foi a expressão 6 – 10 = 4 e 56 – 10 = 46, compreendemos pela sua explicação que o mesmo aplica várias estratégias diferentes, como que para confirmar o resultado final, isso demanda tempo e na explicação do seu pensamento matemático se confunde com as várias estratégias, seria necessário um acompanhamento e direcionamento para poder auxiliá-lo nas estratégias mais eficientes e buscar atalhos que evitem o stress e a confusão, já que estão no 8º ano, ensinar estratégias que possam evitar desgaste mental na hora de realizar provas externas que concorram à vagas em cursos técnicos como na Escola Técnica de São Paulo (ETEC) e Instituto Federal – Campus São Paulo (IFSP).
“As Conversas Numéricas” ajudam alunos de todas as idades a se tornarem responsáveis pelo próprio raciocínio. Alunos do ensino médio já tiveram muito tempo para praticar o que acreditam ser suas responsabilidades na classe de matemática; tipicamente, estas incluem ouvir atentamente o professor para que saibam como seguir os passos para “a” maneira de resolver o problema. No entanto, as Conversas Numéricas mudam as regras quanto ao que é esperado deles. Quando um professor pergunta: “Por que isso faz sentido?”, os alunos podem ficar desconcertados, confundindo o que faz sentido com o que eles devem fazer. Às vezes, ficam frustrados porque, subitamente, saber o que fazer não é o suficiente. (HUMPHREYS & PARKER, 2019, p.178)
A segunda estudante “0802” fez o seguinte cálculo para 56 – 19: 19 + 1 = 20 e 56 – 20 = 36 => 36 + 1 = 37. Utilizando uma das cinco estratégias para subtração, “a mesma diferença” acrescentando +1 ao minuendo e +1 ao resultado.
A terceira estudante “0803” apresentou a seguinte estratégia para 56 – 19: 56 – 1 = 55 e 19 + 1 = 20 => 55 – 20 = 35 + 2 = 37. Mesclou duas estratégias, a de arredondar o subtraendo para 20 (múltiplo de 10) e o minuendo para 55 (múltiplo de 5), perguntamos para ela como chegou ao +2, se no 56 – 1 = 55 foi tirado uma unidade e no 19 + 1 = 20 foi somado mais uma unidade? Ela não soube explicar, disse estar nervosa demais. Continuamos com a roda de conversa.
O quarto estudante “0804” apresentou o cálculo 134 – 99 = 35, aplicando a estratégia de somar uma unidade ao minuendo e uma unidade ao subtraendo: 134 + 1 = 135 e 99 + 1 = 100 e 135 – 100 = 35 e no cálculo de subtração com decimais também utilizou a mesma estratégia: 4,34 – 1,97 = 2,37, somando o subtraendo 1,97 + 0,03 = 2,00 e subtraindo do minuendo 4,34 – 0,03 = 4,31, fez a subtração 4,31 – 2,00 = 2,31 e adicionou 0,06 => 2,31+0,06=2,37. Perguntei a ele porque adicionou o 0,06 ao resultado de 2,31 e ele me informou que dobrou o 0,03, já que ele tinha utilizado para arredondar o 1,97 para 2,00. Esse raciocínio que a estudante “0803” não conseguiu explicar anteriormente, mesmo participando da roda de conversa.
Na revisão da filmagem, percebi que poderia ter perguntado ao estudante “0804”, porque no cálculo do (134+1) – (99+1) = 35 não foi necessário somar ao resultado nenhuma das unidades acrescentadas ao minuendo e ao subtraendo. E no cálculo do 4,34 – 1,97 = 2,37 foi acrescentado o dobro de 0,03, ou seja 0,06.
O estudante “0801” realizou todos os cálculos propostos, explicou que a estratégia para multiplicar 8 x 15 = 120, decompondo um dos fatores, no caso o 15 e multiplicando 8 x 10 = 80 e 8 x 5 = 40, em seguida adicionando o 80 + 40 = 120. A estudante “0802” fez também a decomposição, multiplicou o 8 x 10 = 80 e já deduziu que se 5 é metade de 10, metade de 80 é 40, então 80 + 40 = 120 e quando perguntamos a ela se nos anos anteriores fazia cálculos assim tão rápido e mentalmente, afirmou que sim, pois sempre trabalhou com vendas na rua e precisava calcular prontamente, pois o freguês não quer esperar que se faça uma conta no papel, essa necessidade a obrigou a pensar rápido e calcular utilizando estratégias e atalhos para agilizar a entrega do troco ao cliente. O estudante “0804” apresentou a estratégia de arredondar um fator e ajustar:
8+2 = 10 x 15 = 150 – 30 (2 x 15) = 120
No cálculo proposto 247 + 98 = 345, o estudante “0801” foi somando pelo valor posicional dos algarismos: ele pensou 8 + 8 = 16, então 7 + 8 = 15 (me identifiquei, esse era meu método de calcular na fase do ensino fundamental), adicionou uma dezena ao 4 e ao 9 = 4 + 9 + 1 = 14 dezenas e uma centena ao 2. Na multiplicação de 26 x 48 = 1248 foi realizada, mas na explicação de como pensou o estudante ficou um pouco confuso, mostrando que ele desenvolveu sua própria forma de realizar os cálculos, mas faltou auxílio para aprender a se expressar com mais clareza, constatamos que precisamos encorajar nossos alunos a falar em voz suficientemente alta para que todos consigam ouvir, até para que eles possam organizar os próprios pensamentos.
Funcionou agrupar os alunos para discutir as estratégias que foram aplicando e estimulando um ao outro, apontando sobre o passo a passo de cada estratégia, alguns apresentaram dificuldade para registrar o pensamento com clareza, um dos estudantes não quis se sentar junto ao grupo, o que foi respeitado, pois ele não se sentia confortável junto com os outros. Sentimos que utilizar essa prática de aplicar as conversas numéricas pode ajudá-los a melhorar a linguagem gradualmente com o tempo, além de promover a autoestima, a organização dos pensamentos, a reflexão sobre os mecanismos das operações e a compreensão da utilização dos algoritmos no desenvolvimento de resolução de problemas.
A importância de ter um plano de apoio preparado, conhecer a turma e suas limitações, a grande maioria chega nos anos finais do ensino fundamental com as memorizações de procedimentos sem a devida compreensão, conforme aponta HUMPHREYS & PARKER (2019) em Conversas Numéricas. Dentro do pequeno grupo de 7 estudantes, cinco deles participaram ativamente dos cálculos, interagindo e discutindo sobre as estratégias aplicadas, quatro participaram da filmagem e um não quis ter sua performance filmada.
De acordo com os apontamentos do livro Conversas Numéricas foram aplicadas várias estratégias, revelando o pensamento dos alunos e a forma de aplicar são diferentes conforme suas experiências de vida, como a estudante que mencionou sobre sua necessidade de agilizar os cálculos mentais para ajudar os pais nas vendas e nas transações com dinheiro e cobrança.
Seguir os princípios norteadores para produzir conversas numéricas que auxiliem no processo de aprendizagem é importante pois nos apresenta uma realidade em que todos os alunos têm ideias matemáticas que valem a pena ser ouvidas e as nossas perguntas nos auxiliam a entender o pensamento dos alunos, propomos aos professores um roteiro de investigação:
Que perguntas você poderia fazer para entender perfeitamente e representar o pensamento e/ou o método do aluno?
Como compensar a mudança feita na soma do minuendo e do subtraendo? Como você decidiu o que retirar do minuendo ou do subtraendo? Por que você optou pela separação dos números?
Por que você achou mais fácil somar para depois subtrair?
Você decidiu retirar (subtrair) ou somar?
Por que você acrescentou duas vezes no final?
Por que você dobrou o valor das unidades somadas no minuendo e subtraendo na finalização?
Qual poderia ser sua próxima conversa numérica e por quê?
Conversas numéricas e fatos da multiplicação
Desenvolver estratégias de divisão com profundidade
Reduzir pela metade com frações e decimais
Encontrando sentido nas frações (nos decimais e nas porcentagens).
A realização dessa oficina com o grupo docente foi abrangente, pois alguns professores já replicaram com seus estudantes e a pesquisadora pode acompanhar o percurso, visto que ocupa cargo de coordenadora pedagógica, realizando os registros e as fotos apresentadas. Ficou evidente e comprovado que essas atividades são inclusivas e promovem a equidade conforme o registro do primeiro painel da figura nº 1.
A abordagem das mentalidades matemáticas na sala de aula representa uma mudança significativa na forma como a matemática é ensinada e aprendida. Em vez de enfatizar a ideia de que alguns alunos são naturalmente “bons” ou “ruins” em matemática, a ênfase recai sobre o desenvolvimento contínuo de habilidades e a crença de que todos os alunos têm a capacidade de aprender e crescer.
Ao adotar uma mentalidade de crescimento, os educadores valorizam a criatividade dos alunos e reconhecem o erro como parte do processo de aprendizagem. Isso cria um ambiente onde os alunos se sentem mais confortáveis para experimentar, explorar e cometer erros, sabendo que esses erros são oportunidades de aprendizado.
Essa abordagem também promove o diálogo e a interação entre os alunos, incentivando a colaboração e a troca de ideias. Além disso, ao encorajar uma visão mais criativa e problematizadora da matemática, os educadores podem ajudar os alunos a desenvolverem uma compreensão mais profunda e significativa dos conceitos matemáticos.
Em resumo, a abordagem das mentalidades matemáticas na educação representa uma inovação pedagógica que promove um ambiente de aprendizado inclusivo, colaborativo e orientado para o crescimento. Isso ajuda a desfazer estigmas e promover uma cultura de aprendizado onde todos os alunos têm a oportunidade de alcançar seu pleno potencial em matemática.
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1Mestranda do Programa de Mestrado Profissional em Ensino de Ciências e Matemática pelo Instituto Federal Campus São Paulo (IFSP). Graduada em Matemática, Física (1989) e Pedagogia (2019), com especialização em Programa de Especialização Docente (PED) em Matemática pela Universidade São Judas (USJT) (2022). Atua como coordenadora pedagógica na Rede Municipal de Ensino de São Paulo e professora de Física no Ensino Médio na rede estadual de São Paulo.
2Doutora em Educação Matemática pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP). Professora de Estatística e Didática nos Cursos de Mestrado Profissional em Ensino de Ciências e Matemática e Licenciatura em Matemática no IFSP – campus São Paulo.