UMA ANÁLISE SEMIÓTICA DO CONTO UMA HISTÓRIA DE TANTO AMOR, DE CLARICE LISPECTOR

UMA ANÁLISE SEMIÓTICA DO CONTO UMA HISTÓRIA DE TANTO AMOR, DE CLARICE LISPECTOR

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10412889


Camila Candido Oliveira Menezes [1]
Flávia de Araújo Costa [2]


Resumo

Considerando os pressupostos teórico-metodológicos da Semiótica greimasiana, o objetivo deste trabalho consiste em analisar o conto Uma história de tanto amor de Clarice Lispector. A semiótica, desenvolvida a partir dos estudos de A. J. Greimas, tem por objeto o texto e busca descrever e interpretar “o que o texto diz e como ele faz para dizer o que diz”. Partindo dessa premissa, este estudo busca descrever as estratégias discursivas que integram o texto literário como forma de gerar sentido e, a partir da significação, gera conhecimento, ancorado nos estudos concebidos por Fiorin (1999) e Barros (2003; 2005).

Palavras-chave: Semiótica greimasiana. Percurso gerativo. Conto.

1 INTRODUÇÃO

O texto literário diferencia-se dos demais textos existentes, devido ao meticuloso trabalho feito com a linguagem. Tal divergência permite ao leitor vislumbrar, por intermédio de estilos que resgatam criticamente valores sociais e morais da humanidade, desde a essência da natureza humana até fatos corriqueiros do cotidiano. Dessa forma, a literatura é, entre outros, um discurso figurativo, pois representa e estabelece na leitura, uma “relação imediata entre as figuras semânticas que desfilam sob os olhos do leitor e as do mundo, que ele experimenta sem cessar em sua experiência sensível” (BERTRAND, 2003, p. 29).

Para a produção do texto literário ou referencial, o sujeito faz uso de estratégias discursivas, as quais direcionam o leitor a caminhos de interpretação pré-estabelecidos para, a partir destes, chegar à compreensão global do texto. Nessa perspectiva, compete a semiótica explorar o texto como seu objeto e explicar seus sentidos, ou seja, o que ele quer dizer, e, também, ou sobretudo, os mecanismos e procedimentos que constroem esses sentidos (BARROS, 2003, p. 187). Sob a perspectiva literária, Candido et al.( 2009) afirma que o leitor precisa aceitar a verdade de uma personagem, no entanto, o autor afirma que uma narração não se faz apenas atrelada a personagem, mas que ela é um elemento indissociável de um enredo, e assim, ao unir as proposições semióticas e literárias, este artigo propõe-se a analisar o conto Uma história de tanto amor, fundamentando-se nos pressupostos teórico-metodológicos da semiótica greimasiana, mobilizando os níveis fundamental, narrativo e discursivo. De igual modo, pretende compreender o texto literário como um instrumento de apreensão da realidade, do pensamento humano e da sociedade.

Preliminares sobre a Semiótica

A semiótica discursiva Greimasiana foi instaurada a partir dos estudos realizados por A. J. Greimas e se empenha no estudo do texto, apontado por Barros (2005, p. 7) “como objeto de significação e de comunicação”, bem como em examinar os procedimentos da organização textual e, ao mesmo tempo, os mecanismos enunciativos de produção e de recepção do texto” (BARROS, 2005, p. 8). Dessa maneira, para arquitetar o sentido do texto, a semiótica constrói o seu plano do conteúdo sob a forma de um percurso gerativo de sentido, indispensável para esta teoria, e que parte do mais simples (abstrato) ao mais complexo (concreto) e, ainda, estabelece três etapas no percurso, tais como: nível fundamental, nível narrativo e nível discursivo.

O nível fundamental ou das estruturas fundamentais é a primeira etapa do percurso, constitui-se a mais simples e abstrata e nela a significação emerge como forma de oposição semântica mínima. Conforme Fiorin (1999, p. 181), ainda neste nível:

Os elementos em oposição transformam-se em valores. Isso é feito sobremodalizando-os com um traço de positividade ou negatividade, ou em termos mais precisos, com os traços /euforia/ e /disforia/. Dois textos podem, por exemplo, trabalhar com a mesma categoria semântica, mas axiologizá-la diferentemente e isso vai produzir discursos completamente distintos.

Já no nível narrativo ou estruturas narrativas, a narrativa parte do ponto de vista de um sujeito. É neste patamar em que ocorre a sua transformação de estado, o qual age em conjunção ou disjunção com seu objeto de valor. De acordo com Fiorin (1999, p. 182), as transformações narrativas articulam-se numa sequência canônica e a primeira fase desse nível é a manipulação, em que o sujeito externa ao outro um querer e um dever, podendo ser realizada por meio de um pedido, ordem ou até mesmo súplica. Há a manipulação por tentação, que acontece por meio de uma recompensa; por intimidação, que ocorre através de uma ameaça; por sedução, por intermédio de um juízo positivo; e por provocação, por meio de um juízo negativo.

Na segunda fase do nível narrativo, a competência, um sujeito imputa a outro um saber e um poder fazer, e é na performance, terceira fase, em que ocorre a transformação de estado da narrativa. Por último, a fase da sanção, pode ser diferenciada entre a cognitiva e a pragmática, segundo sustenta Fiorin (1999, p. 181). Na primeira há uma constatação pelo sujeito de que houve de fato a performance, pois é nessa sanção que as mentiras são descobertas e os segredos são revelados, sendo, portanto, uma fase de extrema importância. Por conseguinte, na segunda, é quando a sanção pode ou não acontecer, configura-se um castigo, um prêmio, um troféu.

Por fim, o nível discursivo, também denominado estruturas discursivas, é o terceiro e último nível do percurso gerativo, identificado como o mais complexo e concreto. Neste patamar, a narrativa passa a ser encarregada pelo sujeito da enunciação, o qual “assegura, graças aos percursos temáticos e figurativos, a coerência semântica do discurso e cria, com a concretização figurativa do conteúdo, efeitos de sentido sobretudo de realidade” (BARROS, 2005, p. 68).

Síntese do conto Uma história de tanto amor

O conto Uma história de tanto amor, de Clarice Lispector, retrata a história de uma menina do interior de Minas Gerais que possuía um amor tão imensurável pelos animais, sobretudo, por suas galinhas Pedrina e Petronilha, ao ponto de cheirá-las ou até mesmo pedir medicamentos a sua tia para medicá-las quando estavam doentes.

Houve um dia em que a menina foi visitar parentes distantes e, ao voltar, recebeu a triste notícia de ter a sua galinha Petronilha servida no almoço. Tomada por um sentimento de ódio, a menina despertou em sua mãe a ação de convencê-la de que quando comemos um bicho ele passa a ter vida dentro de nós.

A segunda galinha, Pedrina, acabou morrendo acidentalmente, pois ao tentar salvá-la, a menina acabou apressando sua morte colocando-a em cima de um fogão de tijolos. Convencida disso, caiu em prantos ao carregar a culpa da morte de sua galinha preferida.

Quando já estava mais crescida, a menina ganhou uma outra galinha, chamada Eponina, por quem já não nutria um amor romântico e sim realista. E quando chegou o momento de Eponina ser comida, a menina lembrou-se do que disse sua mãe e não só a comeu como foi convencida por sua mãe de que este era o destino final de todas as galinhas, e que a galinha permaneceria dentro dela para sempre, o que causava nela ciúmes de quem comia o ensopado de Epanina. Até que cresceu e passou a amar os homens.

É notável a predominância da temática amor em todo o conto, desde o título até as partes principais da trama em que esse sentimento se sobressaiu na figura da personagem principal. Desse modo, o texto pode ser dividido em duas partes: a primeira, antes da morte de sua galinha Petronilha para servir de refeição; e a segunda, após a morte, visto que pode ser identificado tipos diferentes de amor sentidos pela menina, que outrora amava as galinhas com mais intensidade, não aceitando sua morte, e a partir desse momento da trama, passa a ter um amor mais contido e realista pelas aves, convicta de que as galinhas nasceram com o destino já pré-estabelecido.

Da menina com afeto: reflexões

O conto analisado se firma em diversos eixos semânticos de oposição em suas estruturas fundamentais, em “Uma história de tanto amor”, a personagem referida como “menina” em toda narrativa atribui aos animais de estimação características humanas, além de apresentar um contraste entre características femininas e masculinas contidas neles. Isso permite depreender oposições semânticas como humano vs. animal e masculino vs. Feminino. Vejamos nosfragmentos:

“A galinha é ansiosa, enquanto o galo tem angústia quase humana” e “a menina ainda não tinha entendido que os homens não podem ser curados de serem homens e as galinhas de serem galinhas: tanto o homem como a galinha têm misérias e grandeza” (LISPECTOR, 1998, p. 140).

Outra oposição encontrada na trama refere-se ao estado de saúde das galinhas, fazendo contraposição com o estado saudável, e sendo assim, a doença é um elemento disfórico e a saúde eufórico, formando a oposição saúde vs. doença como no trecho:

 “Quando a menina achava que uma delas estava doente do fígado, ela cheirava embaixo das asas delas, com uma simplicidade de enfermeira” e em “Era quase inútil dar o remédio porque Pedrina e Petronilha continuavam a passar o dia ciscando o chão e comendo porcarias que faziam mal ao fígado” (LISPECTOR, 1998, p. 140).

É possível, ainda, depreender a oposição identificada no texto decorrente da relação existente entre a personagem principal com sua família, no que concerne ao seu bicho de estimação: amor vs. ódio. Em um primeiro momento a menina está em euforia com sua família, após o assassinato da sua galinha, ela passa a odiar a todos que se alimentaram dela, entrando assim em disforia com seus parentes, como pode ser visto em:

 “Quando soube o que acontecera com Petronilha passou a odiar todo o mundo da casa, menos sua mãe que não gostava de comer galinha e os empregados que comeram carne de vaca ou de boi” (LISPECTOR, 1998, p. 142).

Já a oposição alegria vs. tristeza, em que ao invés de sentir ódio, sentiu tristeza, pode ser observada no exemplo:

 “entre lágrimas intermináveis, se convenceu de que apressara a morte do ser querido” (LISPECTOR, 1998, p. 142).

É possível obtemperar que a oposição Vida vs. Morte se evidencia sobre as demais que subjazem no enredo. Nesse primeiro trecho é possível visualizar a primeira morte ocorrida no texto, em que para a personagem principal a morte ainda é um elemento disfórico, devido ao fato de seu animal de estimação ter se transformado em alimento como exposto no excerto:

 “E quando voltou, já não existia aquela que em vida fora Petronilha” (LISPECTOR, 1998, p. 141).

 A segunda morte, embora não tenha sido proposital, também se configurou um elemento disfórico, visto que a protagonista realizou fracassadas tentativas para salvar a galinha:

 “Pedrina, secretamente a preferida da menina, morreu de morte morrida mesmo, pois sempre fora um ente frágil.” (LISPECTOR, 1998, p. 142).

Por fim, a última morte, em oposição as anteriores, passou a ser eufórica, pois a menina chegou à conclusão de que a morte já estaria pré-estabelecida para as aves e descobria, assim, a essência de cada sujeito:

 “e quando chegou a vez de Eponina ser comida, a menina não apenas soube como achou que era o destino fatal de quem nascia galinha” (LISPECTOR, 1998, p. 142).

A partir do momento da narrativa em que a galinha Petronilha passa a ser alimento para a família, a personagem principal fica revoltada com a situação, chegando a sentir ódio de todos os parentes, inclusive de seu próprio pai, conforme a passagem:

“[…]sua família resolveu levar a menina para passar o dia na casa de um parente, bem longe de casa. E quando voltou, já não existia aquela que em vida fora Petronilha” (LISPECTOR, 1998, p. 141).

 Sua mãe, entretanto, ao perceber a situação, dá uma explicação que configura manipulação por sedução ou juízo positivo, já que leva sua filha a entender que a morte das galinhas é uma forma de eternizá-las dentro de si:

“- Quando a gente come bichos, os bichos ficam mais parecidos com a gente, estando assim dentro de nós” (LISPECTOR, 1998, p. 142).

Desse modo, a mãe estabelece um contrato com a menina, atribuindo-lhe um saber e um poder fazer, a qual passa a ter a competência para entender o motivo pelo qual as galinhas devem servir de alimento e passa a comê-las (performance), o que se caracteriza uma transformação de estado, em que a menina entra em conjunção com seu objeto de valor, a galinha, já que ao comer a Eponina ela passa a tê-la dentro de si ainda mais viva do que antes, conforme o fragmento do conto:

Mas a menina não esquecera o que sua mãe dissera a respeito de comer bichos amados: comeu Eponina mais do que todo o resto da família, comeu sem fome, mas com um prazer quase físico porque sabia agora que assim Eponina se incorporaria nela e se tornaria mais sua do que em vida (LISPECTOR, 1998, p. 143).

Frente aos exemplos previamente expostos, podemos observar que a sanção deste conto foi positiva, pois a protagonista, referida apenas como menina ao longo do texto, obteve seu objeto de valor, a quem passa a dispensar seu amor, outrora por meio de cuidados e agora dentro dela. Ao final do conto esse amor pelas galinhas é transferido para o amor romântico como verificado nesse trecho:

“a menina era um ser feito para amar até que se tornou moça e havia os homens” (LISPECTOR, 1998, p. 143).

O conto “Uma história de tanto amor” é narrado em terceira pessoa, entretanto, há uma grande sensibilidade da narradora ao descrever com minúcia os detalhes da história, explicitando os sentimentos, as angústias e as qualidades dos personagens como se os conhecesse intimamente, fortalecendo, dessa forma, o sentido da narrativa.

A enunciação enunciada mostra o espaço do “lá”, em que o enredo se desenvolve no estado de Minas Gerais, mais precisamente no campo, como se verifica nas passagens:

“nas Minas Gerais onde o grupo vivia” e “a menina morava no campo” (LISPECTOR, 1998, p. 141).

No enredo de uma narração, o espaço faz-se mais do que um simples ambiente para a morada dos personagens, mas nele, também, são refletidas características identitárias da narração, bem como a maneira como este incide sob os personagens. Para que a galinha Petronilha pudesse ser comida, a família aproveitou o fato de que a menina não estava em casa para performar o ato, aqui pode-se perceber como a transformação no estado da narrativa só pode acontecer quando a personagem se ausentava de casa. Sobre a influência do espaço em uma narrativa pode-se ver por meio das palavras de Bachelard (1957) que a casa é nosso canto do mundo. Ela é, como se diz frequentemente, nosso primeiro universo. É um verdadeiro cosmos. Um cosmos em toda a acepção do termo.

O cenário é composto pela personagem principal, sua família (tia, mãe e pai) e por suas galinhas por quem tinha amor imensurável. Praticamente todo o texto é concebido em torno do eixo semântico amor e, apoiado neste, outros eixos também são usados estrategicamente pela narradora para fundamentar e firmar as relações existentes entre a personagem principal e os demais personagens.

Partindo dessas premissas, serão apresentadas as figuras utilizadas ao longo do enredo analisado, seguidas de recortes para expressar a relação entre os eixos figurativos e os temas.

A temática do amor é revestida pela figura mais representativa que é manifestada na personagem principal, “a menina”, pois em vários momentos da trama ela demonstra seu amor pelas galinhas, ao cuidar, medicar ou até mesmo quando pensa em comê-las, pois considera isso, ao final, como um ato de amor. Dessa forma, sua capacidade de amar pode ser demonstrada nas sentenças a seguir: “a menina era criatura de grande capacidade de amar[…]” ou em “o amor por Eponina dessa vez era um amor mais realista e não romântico[…]”, e por fim, em “a menina era um ser feito para amar até que se tornou moça e havia os homens” (LISPECTOR, 1998).

Dentre os elementos de uma narrativa, o personagem se caracteriza como o que executa, performa as ações. Para Candido et al. (2009), enredo e personagem se fazem elementos intrinsecamente ligados, com isso, para o autor:

Portanto, os três elementos centrais dum desenvolvimento novelístico (o enredo e a personagem, que representam a sua matéria; as “ideias”, que representam o seu significado, — e que são no conjunto elaborados pela técnica), estes três elementos só existem intimamente ligados, inseparáveis, nos romances bens realizados. No meio deles, avulta a personagem, que representa a possibilidade de adesão afetiva e intelectual do leitor, pelos mecanismos de identificações, projeção, transferência etc. A personagem vive o enredo e as ideias, e os torna vivos (CANDIDO et al, 2009, p. 3).

A família se configura uma temática, representada pelas figuras da tia, do pai e da mãe da personagem principal. A tia aparece duas vezes na trama como cúmplice da menina no tratamento das galinhas, como em “[…] então pedia um remédio a uma tia” e em “[…] a tia continuava a lhe dar o remédio, um líquido escuro que a menina desconfiava ser água com uns pingos de café”; já o pai aparece uma única vez em um momento impróprio, que é quando ela descobre que sua família, inclusive seu pai, comeu seu bichinho de estimação, como pode se ler em “o seu pai, então, ela mal conseguiu olhar: era ele quem mais gostava de comer galinha. Sua mãe percebeu tudo” e, por fim; sua mãe, que aparece em um momento muito importante do conto e a manipula com a ideia que possuía sobre os animais (LISPECTOR, 1998). Dessa forma, pode-se perceber aqui que a personagem vive o enredo e as ideias, e os torna vivos de acordo com Candido et al. (2009), pode-se ver como as personagens são sujeitos responsáveis por importantes transformações de estado na narrativa, como o fato de usar a galinha Petronilha.

Já a temática da morte mostrada três vezes ao longo da trama, pode ser representada pela figura das galinhas. É possível ratificar essa afirmação nas sentenças a seguir: “e quando voltou, já não existia aquela que em vida fora Petronilha”, “Pedrina secretamente a preferida da menina, morreu de morte morrida mesmo, pois sempre fora um ente frágil” e, por fim, “a menina não apenas soube como achou que era o destino fatal de quem nascia galinha” (LISPECTOR, 1998).

2 CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao analisar o conto Uma história de tanto amor de Clarice Lispector, é possível identificar uma sequência contínua dos fatos da narrativa, atrelados aos níveis do percurso gerativo, pelo fato dos acontecimentos sucederem numa ordem canônica, permitindo que seja identificada cada etapa.

O eixo temático circula em torno do amor, a partir do qual subjazem os demais como família e morte. Dividido em duas fases, este conto permite a identificação dos dois momentos da trama que consiste no momento da morte da primeira galinha, em que a mãe por meio da manipulação convence a filha de que comendo o animal ela o teria dentro de si, e no momento em que a filha começa a enxergar a morte da galinha com outros olhos. Desse modo, há no conto uma sanção positiva, pois quando a menina se alimentou de sua galinha de estimação, sentiu um grande prazer por saber que ela não “morreria” e sim continuaria vivendo dentro dela, entrando assim em conjunção com seu objeto de valor: a galinha.

Considerada a figura mais representativa do amor, a menina preconiza na narrativa uma convivência harmônica entre homens e animais, a qual, no decorrer da narrativa, também adquire consciência das necessidades humanas, tais como a subsistência. Com isso, a galinha passa a ser vista como alimento e o fato extraordinário se dá pela crença da vida da galinha em seu interior, em seu corpo, conforme verifica-se no trecho:

[…] comeu Eponina mais do que todo o resto da família, comeu sem fome, mas com um prazer quase físico porque sabia agora que assim Eponina se incorporaria nela e se tornaria mais sua do que em vida. Tinham feito Eponina ao molho pardo (LISPECTOR, 1998, p. 143).

Finalmente, durante todo o conto, Clarice Lispector se utilizou de inúmeras estratégias discursivas para tratar do amor em suas distintas faces, o qual ao longo da vida se transforma, deixando de ser movido apenas pela emoção, passa a ser movido também pela razão, decorrente da maturidade e dos aprendizados adquiridos com o tempo e ao longo da vida.

REFERÊNCIAS

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LISPECTOR, Clarice. Felicidade clandestina: contos. 1. ed. Rio de Janeiro, RJ: Rocco, 1998.

MARCHEZAN, Renata Coelho; CORTINA, Arnaldo; BAQUIÃO, Rubens César. A abordagem dos afetos na semiótica. São Carlos, SP: Pedro & João Editores, 2011.

MATTE, Ana Cristina Fricke, LARA, Glaucia Muniz Proença. Um panorama da semiótica greimasiana. In: Alfa, São Paulo, SP, 53 (2), p. 339-350, 2009.


[1] Coordenadora Pedagógica do Município de Corumbá – MS e Doutoranda em Estudos de Linguagens – Universidade Federal do Mato Grosso do Sul – UFMS – e-mail: camila.canndido@gmail.com

[2] Professora  de Língua Portuguesa do Município do Rio de Janeiro – RJ e Doutoranda em Estudos de Linguagens – Universidade Federal do Mato Grosso do Sul – UFMS – e-mail: flaaraujoc@gmail.com