UMA ANÁLISE LINGUISTÍCO-TEXTUAL EM TORNO DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA ORALIDADE E DA ESCRITA NAS AULAS DE DE LÍNGUA PORTUGUESA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10045699


Edileide Godoi¹


RESUMO

Este artigo tem por objetivo fazer uma análise em torno das orientações dos PCNLP (Parâmetros curriculares Nacionais de Língua Portuguesa) para o ensino fundamental no que diz respeito aos gêneros orais e escrita no contexto escolar. Nessa busca, explicitamos como os PCNs dividem os conteúdos temáticos para a prática da oralidade, escrita e produção textual, no propósito de facilitar práticas comunicativas. O estudo, embasa-se na Linguística Textual, em especial, nas pesquisas desenvolvidas por Koch (2009) e Marcuschi (2008) sobre as noções de texto e gêneros (orais e escritos). Portanto, avaliando o direcionamento dos PCNs sobre essa temática, percebemos orientações muito vagas e dicotômicas. Assim sendo, compreendemos que se faz necessário levantar questões que nos leva a refletir a prática do ensino de língua portuguesa na escola, e, quiçá repensar um ensino que oportunize a produção de diferentes registros, adequando-os às circunstâncias da situação comunicativa de que participam os alunos.

PALAVRAS – CHAVE: PCNs; Oralidade; Escrita; Linguística textual.

ABSTRACT

This article aims to analyze the guidelines of the PCNLP (Portuguese Language National Curriculum Parameters) for primary education with regard to oral and written genres in the school context. In this search, we explain how the PCNs divide the thematic contents for the practice of speaking, writing and textual production, with the aim of facilitating communicative practices. To study is based on Textual Linguistics, in particular, on the research developed by Koch (2009) and Marcuschi (2008) on the notions of text and genres (oral and written). Therefore, evaluating the direction of the PCNs on this topic, we noticed very vague and dichotomous guidelines. Therefore, we understand that it is necessary to raise questions that lead us to reflect on the practice of teaching the Portuguese language at school, and, perhaps, rethink teaching that allows for the production of different records, adapting them to the circumstances of the communicative situation in which they participate. the students.

KEYWORDS: PCN; Orality; Writing; Textual linguistics.

INTRODUÇÃO

É notável a diferença entre os objetivos de ensino na sala de aula de produção textual e os objetivos prescritos pelos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais, 2006). Há uma distância significativa entre o que se sugere para ser ministrado e a atual realidade nas escolas de ensino regular no Brasil.

Para muitos professores, raramente, são colocados em prática os processos temáticos ditados pelos PCNs, tanto no 3º e 4º ciclo (6º ao 9º ano), como também nos parâmetros do ensino médio. Para os PCNs e a LDB 9.394 de 20 de dezembro de 1996, o português sempre foi dividido, havendo sempre a separação em gramática, literatura e redação, consoante a isso, a escola tem sido o lugar mais oportuno para se propiciar acesso a textos e produção deles.

Na tentativa de ajudar a compreensão dos docentes, os documentos oficiais que regem o ensino de língua ditam normas que nem mesmo os professores conseguem sempre seguir e compreender. Para o professor Francelino (2014) o problema aparece quando decidimos procurar a prática de produção textual em uma situação pedagógica de ensino e aprendizagem da língua. Pouco questionando problemas complexos que abrangem o aspecto linguístico, cognitivo, interacional, discursivo e etc. Para que os professores consigam seguir os PCNs eles precisam pensar e refletir sobre esses aspectos, na qual o professor Francelino (2014) considera como fundamentais para pensar no ensino de produção de textos orais e escritos.

Seguindo esta linha e respondendo alguns questionamentos, como: Há diferença entre os objetivos de ensino na aula de produção textual que os PCNs sugerem e o que de fato acontece? Será que os docentes compreendem as orientações dadas pelos PCNs? Essas orientações são colocadas em prática em suas aulas de produção textual?

Para embasar nossa discussão, traremos alguns conceitos básicos importantes sobre o que é texto, gênero (numa perspectiva de Bakhtin, Travaglia, Fávero e Marcuschi), juntamente com as definições desses conceitos colocados pelos PCNs, em seguida faremos uma análise sobre a forma como feita a divisão dos conteúdos temáticos e suas partes. Para tanto, nosso estudo será desenvolvido à luz da linguística textual, visto que esse aporte teórico reconhece que o ensino de língua deve estar subordinado a práticas sociodiscurssivas.

O artigo foi realizado numa perpesctiva da pesquisa do tipo básica, e quanto aos objetivos em formato de caráter exploratório-qualitativo, com procedimentos documental e bibliográfico, visto tratar dos PCNs (documento analisado), bem como também trazer um olhar de uma literatura sobre perspectivas abordadas do gêneros orais o escrito para o ensino de língua portuguesa , nesse documento. Segundo retrata Gil (2002,p.44)

[…] a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos. Embora em quase todos os estudos seja exigido algum tipo de trabalho dessa natureza, há pesquisas desenvolvidas exclusivamente a partir de fontes bibliográficas. Boa parte dos estudos exploratórios pode ser definida como pesquisas bibliográficas.

Por esse motivo, o procedimento bibliográfico justifica-se por se tratar de uma abordagem exploratória, decorrente de análise e observação de estudos com base em uma abordagem analítico-qualitativa. Sendo uma pesquisa de natureza qualitativa, assume-se, assim, um caráter de interpretação de um fenômeno com ênfase nos seus entornos. Segundo Bortoni-Ricardo (2008, p. 34), a pesquisa qualitativa “[…] procura entender, interpretar fenômenos sociais inseridos em um contexto.”. O trabalho foi desenvolvido, inicialmente, pelo reconhecimento da problemática dos gêneros orais e escritos propostos pelos PCNs para o ensino fundamental anos finais. Em seguida, foi executado todo um trabalho de pesquisa bibliográfica acerca da temática, para em seguida propor uma análise e reflexão do tema.

NOS CAMINHOS DA LINGUÍSTICA TEXTUAL

A linguística textual se desenvolve a partir do ano de 1960, na Europa, mas especificamente na Alemanha. O objeto de estudo dessa nova ramificação da linguística é chama de texto, por serem os textos a forma específica de manifestação da linguagem (FÁVERO, 2012). Nesta década, acontece um surgimento bibliográfico rico e vasto sobre o assunto, autores como Heidolph, Hartung, Isenberg, Van Dijk Shcmidt, Kummer, dentre outros.

É importante deixar claro que há uma diversidade dos conceitos de texto dentro da linguística textual, as várias linhas de estudo de vários autores se apresentam bastante diversificada, e muita das vezes incompreensível. De acordo com Fávero (2012), com a ajuda da análise transfrástica e da gramática de texto, tem-se outras formas de entender texto, como Textologia (Harseg), Teoria de texto (Schmidt), Translinguística (Baktin), Hipersintaxe (Palek), Teoria da estrutura do texto – Estrutura do mundo (Petofi), etc.

Conte (1997) dividi o avanço da linguística textual em três momentos importantes da transição da teoria da frase para a teoria de texto, mostrando que não é por ordem cronológica, mas sim tipológica, com cada uma das teorias com seu arcabouço. O primeiro momento descrito por Conte (1997) é o da análise transfrástica, limitando-se as transcendências do enunciado; o segundo momento é a formulação das gramáticas de texto; o terceiro e último momento é a formulação das teorias de texto.

Ao descrevermos os três momentos vividos pela linguística textual descritos por Conte temos: o primeiro momento, as pesquisas ainda rodeavam enunciados ou sequências de enunciado, saindo disto para uma outra direção, o texto, que segundo Isenberg (1970) nos diz que o texto são sequenciações coerentes de enunciados; o segundo momento vivido pela linguística textual foi a construção de gramáticas de texto, que aparece com o propósito de fazer reflexões sobre fenômenos linguísticos inexplicáveis por meio de uma gramática de enunciado (1977). Ela nos diz ainda que enunciado e texto são descontínuos, havendo uma diferenciação qualitativo, sabendo que o texto é muito mais do que enunciados; o terceiro e último momento é a obtenção particular de grande importância com a forma de tratamento dos textos no seu contexto pragmático. A pragmática juntamente com várias outras teorias contribuiu para o surgimento das teorias do texto. Depois do ingresso da pragmática nos estudos da teoria do texto, vários outros autores tiveram vários posicionamentos a respeito, como Dresseler (1977), Schimidt (1972) e Oller (1972).

Após um breve histórico da linguística textual e uma breve explanação do desenvolver dessa nova ramificação, retomemos nossa discussão em torno dos conceitos de texto e gênero com base na linguística textual.

Para Koch (2009) poderíamos dar várias definições de texto, sabendo que cada uma das definições caberiam onde mais se adequassem: 1) texto como frase complexa ou signo linguístico mais alto da hierarquia do sistema linguístico (concepção de base gramatical); 2) texto como signo complexo (concepção de base semiótica); 3) texto como expansão tematicamente centrada de macroestruturas (concepção de base semântica); 4) texto como ato de fala complexo (concepção de base pragmática); 5) texto como discurso “congelado’’, como produto acabado de uma ação discursiva (concepção de base discursiva); 6) texto como meio especifico de realização da comunicação verbal (concepção de base comunicativa); 7) texto como processo que mobiliza operações e processos cognitivos (concepção de base cognitivista); 8) texto como lugar de interação entre atores sociais e de construção interacional de sentidos (concepção de base sociocognitiva-interacional) (KOCH, 2009).

Para os parâmetros curriculares nacionais a definição de texto é única e especificamente de “uso escolar”; é usado em demasia a palavra discurso. Segundo Marcuschi (2010) discurso é a manifestação produzida por um texto em determinada ocasião discursiva. Ressaltando que, para o autor citado, texto e discurso são complexos, quando afirma que tem que se ver o “texto no plano das formas linguísticas e de sua organização, ao passo que o discurso é o plano de funcionamento enunciativo, o plano da enunciação e efeitos de sentido na sua circulação sociointerativa e discursiva envolvendo outros aspectos. ” (MARCUSCHI, 2008; KILIAN, 2012; FLÔRES, 2012)

Para os PCNs texto e discurso estão entrelaçados. O discurso que tem sua manifestação linguisticamente por meio de textos é produto desta atividade de manifestação, sendo ela oral ou escrita, é o texto, este, visto como uma sequência verbal constituída por um conjunto de relações que se estabelecem a partir da coerência (responsável pelo sentido do texto) e coesão (unidade formal do texto) que forma o discurso. (BRASIL, 2000)

Para encerrarmos nossas definições e nosso quadro, será dado o conceito de gênero à perspectiva da linguística e dos PCNs. Dentro de uma abordagem discursiva, o gênero é “tipo relativamente estável de enunciado” (BAKHTIN, 1992), este conceito ultrapassa todos os limites da concepção sociológica, dizendo que gênero é um instrumento de interação social. Tendo em vista que há uma observação a fazer sobre esta concepção de gênero. Bakhtin (1992) abrange outras áreas tanto nas atividades orais, como nas atividades escritas. As propostas educativas dos parâmetros atuais colocam que o professor use o texto nas duas manifestações da linguagem. O mestre russo faz uma separação destes gêneros em primários e secundários. Diz Bakhtin:

[…] a diferença essencial existente entre gênero de discurso primário (simples) e o gênero de discurso secundário (complexo). Os gêneros secundários do discurso – o romance, o teatro, o discurso cientifico, o discurso ideológico etc. – aparecem em circunstâncias de uma comunicação cultural mais complexa[…]principalmente escrita: artística, cientifica, sociopolítica. […]os gêneros secundários transmutam os gêneros primeiros (simples) de todas as espécies, que se constituíram em circunstâncias de uma comunicação verbal espontânea. (BAKTIN, 1992)

Embora, dentro desse parâmetro de complexidade, os PCNs se refere aos gêneros como “famílias de textos que compartilham características comuns, heterogêneas, como visão geral da ação à qual o texto se articula (…), existindo em número quase ilimitado. (BRASIL, 2000), ele prioriza alguns gêneros (escritos) em detrimentos de outros com a justificativa que eles merecem uma abordagem mais profunda. Entretanto, Marcuschi (2008) propõe que os gêneros textuais devem ser organizados por motivo de suas funções de comunicação e não por complexidade estrutural. Visto que os gêneros são determinados no âmbito da interação.

Segundo Wachowicz (2010) se gênero é instrumento de interação social, a manifestação de linguagem que o sustem manifesta as vozes da interação, ou seja, a comunicação passada pelos gêneros não pode ser dada por simples manifestação e decodificação de uma informação qualquer; por trás de tudo isso há agentes envolvidos nesse processo de formulação e controle do gênero, no entendimento da situação e também daquelas vozes internas e externas que fazem parte do discurso.

ANÁLISE E DISCUSSÃO

Para análise tomamos os PCNs do 3º e 4º ciclo, equivalentes do 6º ao 9º ano do ensino fundamental.

Ao percorrer o Brasil ministrando capacitação, congressos, capacitação de professores e etc., a professora Tereza Cristina Wachiwiz da Universidade Federal do Paraná, recorrendo aos depoimentos dos professores, salienta que, o que se ouve é que os programas e orientações curriculares apenas dizem o que fazer, mas não dizem como fazer. Na parte introdutória do seu livro Análise linguística nos gêneros textuais a autora considera dois pontos problemáticos: o primeiro é que o trabalho com os textos de orientação curricular se baseia em pesquisas linguísticas que ninguém faz. Em equívocos em torno do que vale e do que não vale, no momento, nos tratamentos de textos, pois ninguém faz pesquisa para dizer o deve ou não ser usados; a segunda problemática é que os professores teriam uma expectativa de receber orientações práticas de como trabalhar, ou seja, o correto seria orientar os professores de como agir metodologicamente.

Em relação à orientação a formulação dos conteúdos dos PCNs aparece de forma dicotômica, ou seja, oralidade/fale e escrita tem suas orientações individuais, e como mostra o quadro da primeira parte do sumário dos PCNs. Separar, fala em um extremo e a escrita em outro, cada um com seu contexto, não faz relação com a representação do uso contínuo dos gêneros textuais orais e escritos. Vejamos como os PCNs sumarizam seu conteúdo:

QUADRO 1 – Primeira parte do sumário dos PCNs (2000) do 3º e 4º ciclo equivalente do 6º ao 9º do fundamental II

Observemos que existe condições e formas distintas para o texto oral, o escrito e para o gênero. A primeira marcação vai nos mostrar que o texto é a unidade básica no ensino- aprendizagem e a diversidade de gêneros que podemos considerais sociais, como forma de manifestação o texto. Vale salientar que, os PCNs, tanto do ensino fundamental I e II e do ensino médio, busca repassar ideias de caráter formadores de exercícios de cidadania, propondo a desenvoltura do aluno na capacidade e competência discursiva. Uma delas, para que o aluno desenvolva sua capacidade discursiva, é utilizar a língua de modo variado, para que produza diferentes sentidos e sem esquecer de adequar o texto as diversas formas e situações, seja ela oral ou escrita (BRASIL, 2000). No entanto, suas orientações são muitas vezes vagas. Por exemplo, ao tratar os gêneros como narrativo, descritivo, expositivo, argumentação, outras vezes como entrevistas, palestras, debates, contos, artigo e etc., não fazendo uma distinção sistemática entre tipologia textual e gênero discursivo (MARCUSCHI, 2008).

Para o professor e mestre em linguística, Silva (2012), escrever um texto é uma ação de linguagem social, em que reflete as escolhas linguístico-discursivas de uma agente- produtor, que materializa linguisticamente sua experiência de mundo.

Os PCNs orientam que deve-se priorizar os gêneros de caráter público, escritos, visto que os textos orais, os alunos chegam na escola já têm certa capacidade discursiva para que desenvolvam seus trabalhos do dia a dia. No entanto, sabemos que o aluno precisa ter acesso a diferentes registros, sejam orais ou escritos, inclusive os mais formais da variedade linguística valorizada socialmente. Para isso o trabalho com os gêneros textuais é um caminho, pois segundo Marcuschi (2007) normas sociocomunicativas e gramaticais podem ser observadas na produção dos gêneros textuais (orais e escritos). Outro ponto relevante citado pelo autor que nos chama a atenção é que, a escola se ocupa muito particularmente com o ensino da escrita, entretanto, para o autor a língua e seu domínio de conhecimento primeiro é de origem oral, sendo relevante no estudo sistemático dessa modalidade. Para o autor é perceptível a confusão dos documentos oficiais de língua portuguesa em torno da distinção entre a fala e a escrita.

Para os textos escritos, os PCNs nos dizem que o lugar mais propício e oportuno para que os alunos tenham de se aproximar de textos é na escola, para que sem dúvida a maior parte dos jovens e crianças. O mais interessante é quando diz que, é de se esperar que o escritor/agente de produção que tenha acabado de iniciar, consiga redigir seus textos de forma clara, e ele usaria como referência a organização/estrutura da oralidade. A probabilidade destes alunos construírem um texto bem elaborada, com todas as regras gramaticais possíveis, as atividades escolares devem proporcionar a estes, uma convivência com uma diversidade de textos, que logicamente caracterizam práticas sociais (BRASIL, 2000).

Em certo momento podemos achar que os PCNs consideram a escrita e a oralidade de forma continua, mas de fato a preocupação deste é com o ensino da produção de texto, seguido de seus gêneros. Deve-se privilegiar os textos que aparece com maior frequência na vida social e no âmbito escolar. As diferenças entre oralidade e escrita podem ser melhor analisadas nas atividades de formulação textual manifestada em cada modalidade de ensino, e não em parâmetros fixos e rígidos, como se fosse regras (MARCUSCHI; DIONISIO, 2007). Dar-se ênfase a oralidade em prol da escrita. A relação entre ambas tem uma característica continua que é passada pelos gêneros, e não pela velha dicotomia de suas características.

Ao mesmo tempo quando os parâmetros sugerem temas, eles impõem aos professores modelos de gêneros. Na prática de escuta de textos orais e leitura são sugeridos alguns gêneros para se trabalhar com a escuta, leitura e produção de textos tais como, por exemplo, na linguagem oral temos, no campo discursivo literário: cordéis, canções, etc.; no campo discursivo de imprensa temos: entrevista, depoimento, etc.; já na linguagem escrita, no campo discursivo de divulgação científica temos: verbete, relatório de experiência, artigos, etc. O número de gêneros contidos nos parâmetros são limitados, tendo o docente a árdua tarefa de manobrar e estudar tais gêneros, mas sabemos que os gêneros são incontáveis, como Marcuschi (2008) nos diz que

Os gêneros textuais são dinâmicos, de complexidade variável e não sabemos ao certo se é possível conta-los todos, pois como são sócio-históricos e variáveis, não há como fazer uma lista fechada, o que dificulta ainda mais a sua classificação. Por isso é muito difícil fazer uma classificação de gêneros. Aliás, quanto a isso, hoje não é mais uma preocupação dos estudiosos fazer tipologias. A tendência hoje é explicar como eles constituem e circulam socialmente. (MARCUSCHI, 2008)

Se compararmos a tabela dos gêneros privilegiados (PCN) com a tabela feita por Marcuschi para representar o contínuo dos gêneros na fala e escrita, conseguimos observar que nem todos os gêneros descritos pelos parâmetros estão de acordo com a representação do gráfico.

No quadro abaixo (quadro 2) temos o gráfico representativo feito por Marcuschi, onde ele consegue preenchê-lo, mostrando que possui gêneros que se aproximam mais da fala e outras mais da escrita, e outros estão no centro, mostrando que existe consistência tanto no oral quanto no escrito.

QUADRO 2 – MARCUSCHI, L. A. Dafalaparaaescrita:atividadesderetextualização.3. Ed. São Paulo:

Cortez, 2001.

Segundo Marcuschi (2007), em um dos seus ensaios nos diz que a fala e a escrita possuem uma relação próxima, diferentemente da forma que se dizia anos atrás. Com o tempo a fala e a escrita desenvolvem novas formas de vê-los, as variadas semelhanças mais do que uma mistura horrenda de gêneros e estilos. No meio deste gráfico vemos seis gêneros tanto oral como escrito, ou que um pode ser oral ou escrito. É fácil conseguir identificar que a fala é feita através do meio fônico, e a escrita pelo meio gráfico, e estes seriam apenas os únicos aspectos que dicotomizam as duas formas na manifestação dos tais.

Contudo, mesmo que digam que a fala e a escrita são identificáveis pelo fônico e pelo gráfico, não é fácil de afirmar isso segundo Marcuschi (2007). Gerd Antos (1982) diz que, a língua falada não equivale à língua oralmente realizada, ou seja, isso é notável quando se analisa as possibilidades de leituras com voz alta ou a oralização da escrita, não tornando aquele texto oralizado, falado (op. Cit. 1982). Ou melhor dizendo, não vamos confundir oralização com oralidade. Um exemplo claro que podemos retirar do gráfico acima é o noticiaria de TV, que o jornalista, sentado por trás da bancada começa a ler o que passa na tela a sua frente, ou seja, ele está oralizando aquele texto previamente escrito.

Dentro dos campos discursivos distintos, os parâmetros curriculares para o ensino fundamental abordam determinados textos – para oralidade e escrita, como é mostrado em um dos quadros descritos nos documentos. Esse quadro tem por referência os GÊNEROS PRIVILEGIADOS PARA A PRÁTICA DE ESCUTA E LEITURA DE TEXTOS, assim divididos em linguagem oral e linguagem escrita; para a linguagem oral teremos o campo discursivo literário (cordel, causos e similares, textos dramáticos, canções), de imprensa (comentário radiofônico, entrevista, debate, depoimento), de divulgação científica (exposição, seminário, debate, palestra) e de publicidade (propagando); assim como na linguagem oral, teremos os mesmos campos discursivos para a linguagem escrita, mas dentro deles há uma diferenciação dos gêneros como literários (conto, novela, crônica, poema), de imprensa (noticia, editorial, artigo, reportagem), divulgação científica (verbete, relatório de experiência, artigo), publicidade (propaganda).

Baseado nesses gêneros e campos discursivos, se tem metas/objetivos a seguir, conforme é dito pelos parâmetros. Para a escuta de textos orais um dos objetivos levantados é compreender, identificar, gêneros e marcas discursivas, intenções, valores e preconceitos dentro do discurso, etc. (BRASIL, 2000). Para a leitura de textos escritos um dos objetivos é explicitar expectativas à forma de conteúdo, com suas características, a saber de que forma irá proceder com a leitura, sendo integral, inspecional, tópica, revisionada, item a item (BRASIL, 2000).

Observamos que uma marca de instabilidade do texto é ser reconhecido no contexto social, ou seja, precisa ser identificado socialmente, receber um nome; ao fazermos uso da língua manifesta-se sociocomunicativamente. Desse modo temos gêneros discursivos em forma de texto como conversas, recados, telefonemas, etc. Um exemplo seria se pedirmos para alguns alunos fazerem cartinhas/cartões para seu professor em comemoração ao seu aniversário, o que iria determinar que aqueles eram verdadeiramente carta/cartão? Ou seja, o que faria determinar se estes pertencem ao gênero carta/cartão?

A sua função comunicativa social, a intenção do aluno para com aquele cartão. Beth Marcuschi ao citar Berkenkotter & Huckin nos diz sobre:

[…]o nosso conhecimento de gêneros é derivado e encaixado em nossa participação nas atividades comunicativas diárias e profissionais. Como tal, o conhecimento de gênero é uma forma de “cognição situada” que continua a se desenvolver enquanto participamos nas atividades de uma cultura. (BERKENKOTTER & HUCKIN, 1995, p.07, Apud, BETH, MARCUSCHI, 2007)

Ou seja, trabalhar com estes tipos de texto e gêneros envolve uma prática comunicativa, envolvendo vários aspectos de contexto como o social, a historicidade, a cultura, etc., em relação a estas atividades, como citado no exemplo acima.

Ainda olhando para os gêneros privilegiados, nota-se que fora das atividades curriculares a fala é uma das principais atividades que perpetuamos no nosso dia a dia, mas algumas instituições escolares dão valor ao inverso. Pelo contrário, quando os parâmetros dizem que os alunos, muita das vezes não tem acesso a textos, só tem acesso na escola e por causa da escola, que fazem uso deles ao serem objeto de ensino. Ainda hoje existe um descaso na crença que diz que a escola foi feita apenas para o ensino da escrita e não da fala. A fala se aprende e usamos no dia a dia, ou seja, a fala não precisaria ser aprendida na escola, nem muito menos a fala no nosso cotidiano (op. Cit. 2007, p.127), isso é claro que o letramento é iniciado fora do âmbito escolar, mas também no contexto social daquele aluno, ou seja, certas práticas orais podem ser sim colocadas em prática na escola, na utilização de seminários, debates, etc. Em nenhum momento foi dito que os PCNs determinam isto, que apenas na escola se perpetua a escrita, mas é notável o quanto é importante a aquisição do ensino- aprendizagem da escrita na escola.

CONCLUSÃO

Por fim, resta dizer que, vimos ao longo da análise deste trabalho, diversas possibilidades de funcionamento dos gêneros orais e escritos dentro e fora da escola. Vimos que os gêneros textuais são além do linguístico, havendo normas e convenções determinadas pelas práticas sociais, ou seja, são elementos construídos no seu contexto social. Esta é uma realidade que não é negável. Cabe a nós professores, ou aqueles que estão sendo formados para lecionar escolher de que maneira esse objeto de ensino irá se inserir em nossa prática docente.

Não podemos, no entanto, esquecer que diferentemente do que muitos pensavam, os gêneros textuais não é algo intrínseco no externo escolar. As práticas sociais refletidas nos gêneros, manifestam nas intenções dos produtores de texto, escrita e oralidade, em eventos comunicativos bem variados, um exemplo disso é uma aula.

Deixamos claro aqui que, os PCNs não negam ou omitem que existam uma infinidade de gêneros, mas estes não são lembrados em seus quadros para abordagem na escola. O que notamos no decorrer do trabalho é que há muito mais gêneros sugeridos para a atividade de compreensão de texto do que para a produção deles. Sendo assim, podemos dizer que os alunos escrevem pouco ou que quase não escrevem. Para Marcuchi (2008) os próprios PCNs têm dificuldade de expressar que há mais gêneros adequados para a produção textual e outros para a leitura; é questionável se há gêneros ideais para o ensino de língua.

Para Antunes (2009) ficou clara a defesa dos documentos oficiais, explícitos, que o uso da língua tanto oral como escrito é que deveria ser o eixo do ensino. No mesmo raciocínio, Antunes (2009) levanta a necessidade de inclusão de metas de ampliação da competência comunicativa dos alunos por meio do estudo dos gêneros orais e escritos. Para os professores é uma mudança de perspectiva, que afeta as concepções de gramática, de texto e de frase.

É evidente que, se não se consegue descobrir o texto e sua regularidades, também não se descobre a língua na sua dimensão funcional de atividade interativa. Daí que continuou, em grande parte das escolas, a experiência inócua e frustrante de um estudo de língua que parece esgotar-se em exercícios de classe e deveres de casa, que pouco ou nada têm de discursivos, e textuais, de interativos, de funcionais. (ANTUNES, 2009, p.45)

Em suma, os PCNs são inovadores e nos traz abordagens úteis e claras, mas no que se refere aos gêneros, ainda há uma sugestão e abordagem pouco sistematizada em seus tratamentos, iso é, uma abordagem que lhe garanta o conhecimento sobre as diversas manifestações da linguagem verbal (oral ou escrita de modo que ele possa se posicionar em relação a ela e por ela, atendendo a competências sociocomunicativas específicas que cada contexto de uso exigirá.

REFERÊNCIAS

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– São Paulo : Parábola Editorial, 2009. (Estratégias de Ensino ; 10)

BRASIL,SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. ParâmetrosCurricularesNacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: Língua Portuguesa / Secretaria de educação fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1998.

FÁVERO,LEONOR LOPES, Linguísticatextual:introdução / Leonor Lopes Fávero, Ingedore Grunfeld Villaça Koch. – 10. Ed. – São Paulo: Cortez, 2012.

GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2002.

KOCH,INGEDORE G. VILLAÇA, Introduçãoàlinguísticatextual:trajetória e grandes temas / Ingedore G. Villaça Koch. – 2ª. Ed. – São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009.

– Coleção Linguagem

MARCUSCHI, LUIS ANTONIO, Fala e escrita/ Luís Antônio Marcuschi e Ângela Paiva Dionísio. 1. Ed., 1 Reimp. – Belo Horizonte: Autêntica, 2007.

_____,LUIS ANTONIO, 1946- Produçãotextual,análisedegênerosecompreensão/Luís Antônio Marcuschi. – São Paulo : Parábola Editorial, 2008.

PEREIRA, REGINA CELI MENDES (org.), Nas trilhas do ISD: práticas de ensino-aprendizagem da escrita / Regina Celi Mendes Pereira (org.)


¹Professora Doutora do Departamento de Letras UFPB- Campus IV – Profª Drª UPE -Campus- Nazaré da Mata
(UPE/UFPB)