UMA ANÁLISE JURÍDICA SOBRE A ADOÇÃO NO BRASIL, SEUS LIMITES E LACUNAS QUANTO AOS EFEITOS DA IRREVOGABILIDADE DO INSTITUTO.

A LEGAL ANALYSIS ON ADOPTION IN BRAZIL, ITS LIMITS AND LEGAL GAPS REGARDING THE EFFECTS OF THE IRREVOCABILITY OF THE INSTITUTE.

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7957917


Maria Clara Cipriano de Araujo1
André Luiz Santos de Oliveira2


RESUMO: A inserção de princípios essenciais para proteção da criança e/ou adolescente perante a sociedade junto a promulgação da  Constituição federal em 1988, norteou mudanças no fulcro de interesses adotante/adotado, tendo em vista o enraizamento histórico da adoção centrado no adotante, em seus interesses e idealizações familiares. O presente artigo propõe-se a analisar o instituto da adoção no Brasil, sua evolução histórica e social por meio de comparativos legislativos, bem como, revisões bibliográficas que buscam de forma crítica apontar limites e lacunas ainda presentes na legislação, sobretudo quanto ao princípio da irrevogabilidade. Apesar da recente instituição de um Sistema Nacional de Adoção, como forma de trazer maior rigor ao procedimento de adoção , questionamentos como os que serão aqui suscitados se fazem cruciais para alcançar uma sociedade de fato garantista.

Palavras-chave: Direito Civil; Adoção; Irrevogabilidade; Sistema Nacional de Adoção.

ABSTRACT: The insertion of essential principles for the protection of children and/or adolescents towards society with the promulgation of the Federal Constitution in 1988, guided changes in the fulcrum of interests adopter/adopted, in light of the historical roots of adoption centered on the adopter, in their interests and family idealizations. This paper proposes to analyze the institute of adoption in Brazil, its historical and social evolution by legislative comparisons, as well as, bibliographical reviews that seek in a critical way to point out limits and gaps still present in the legislation, especially regarding the principle of irrevocability. Despite the recent institution of a National Adoption System, as a way to bring more rigor to the adoption procedure, questions such as the ones that will be raised here are crucial to achieve a society of factual guaranty.

Key-words: Civil Law; Adoption; Irrevocability; National Adoption System.

INTRODUÇÃO

1. Das definições de adoção pela doutrina e ordenamento jurídico brasileiro:

Entende-se como adoção, ato jurídico, para criação de vínculo afetivo e civil da criança ou adolescente que não está sob tutela daqueles que o geraram, com adultos que se tornarão responsáveis pela proteção, cuidado, e desenvolvimento do incapaz em questão, como expresso pelo Estatuto da Criança e Adolescente em seu artigo 41“A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais.”(Brasil, 1990)

Silvio (2002) conceitua a adoção como “o ato do adotante, pelo qual traz ele para a sua família e na condição de filho, pessoa que lhe é estranha.” (RODRIGUES, 2002, p. 380). Nesse viés, ao assumir a adoção como instituto pertencente ao direito de família, presente em todo transcurso da história da humanidade, prova-se imperioso tratar o ambiente de desenvolvimento da criança/adolescente com sua devida importância. Essa concepção ideal tem sido difundida e protegida legalmente no Brasil, sendo observada suas primeiras manifestações a partir da Constituição Federal de 1988, ao definir que adoção traz ao adotado a condição de filho, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, o que refletiu diretamente nas legislações posteriores, que versavam sobre a matéria (Brasil, 1988).

Contemporaneamente, este instituto é regido pelo Código Civil, bem como pelo Estatuto da Criança e Adolescente, Lei Nº 8.069, De 13 De Julho De 1990, que define a adoção como medida excepcional e irrevogável (art. 39, §1o ), de colocação da criança em família substituta (art. 28).

Além disso, existem princípios que norteiam a adoção, como o do melhor interesse, que foi inserido pelo artigo 3.1 meio da Convenção sobre os direitos das crianças, Lei no 99.710, de 21 de novembro de 1990, onde é observado “Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança.” (Brasil, 1990)

Outrossim, em meados de 2007, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) publicou a Cartilha Adoção Passo a Passo conceituando a adoção, do ponto de vista jurídico, nos termos a seguir:

A adoção é um procedimento legal que consiste em transferir todos os direitos e deveres de pais biológicos para uma família substituta, conferindo para crianças/adolescentes todos os direitos e deveres de filho, somente e quando forem esgotados todos os recursos para que a convivência com a família original seja mantida (Brasil, 2007).

Destarte, por meio das conceituações supramencionadas é possível observar a mudança gradual na elaboração das normas pertinentes à adoção, de forma a privilegiar o interesse e bem estar do adotado na sua elaboração.

2. Aspectos históricos do instituto da adoção no Brasil:

Para entender a atual conjuntura do procedimento de adoção no Brasil, é necessário retomar ao período da Idade Média, em que este instituto era regido pelo direito canônico, tendo a Igreja ampla intervenção no Estado, no conceito de família e nos princípios morais a que deveria nortear. (MALUF, 2010)

Neste contexto, por séculos, a Igreja assumia papel determinante nas relações familiares, sendo estas legítimas apenas quando verificados vínculos biológicos e naturais. Já a adoção era vista apenas como caridade cristã, onde os mais afortunados a praticavam, além de constituir um meio de aquisição de mão de obra para lhes servir. Logo, observa-se que o estabelecimento da relação entre adotado e adotante acontecia sob hipótese de proveito, como expõe Ana Andréa Barbosa Maux, em estudo a respeito da cultura da adoção no Brasil:

Portanto, foi através da possibilidade de trabalhadores baratos e da caridade cristã, que a prática da adoção foi construída no país. Já se percebe, então, que não havia um interesse genuíno de cuidado pela criança necessitada ou abandonada. Este “filho” ocupava um lugar diferenciado, sendo também singular a maneira como era tratado, sempre de forma distinta, comumente inferior, aos filhos biológicos. Seria algo semelhante a dormir junto com os demais membros da família e não no espaço reservado aos empregados, contudo, não possuir um quarto ou uma cama próprios (MAUX, 2010, virtual).

Posteriormente, com a sistematização do direito civil no Brasil, o Código Civil brasileiro de 1916 (Lei n° 3.071/1916), trouxe a primeira instituição de regras quanto ao procedimento de adoção no país. Estabelecia idade mínima do adotante de 50 anos, a continuidade no vínculo biológico do adotado, e patrimonialmente os filhos legítimos seriam tratados de forma superior aos legitimados. Além da possibilidade de dissolução seja de modo unilateral – na hipótese do adotado assim desejar, um ano após atingir a sua maioridade, ou do adotante, quando “sofrido” com ingratidão do seu adotado, além da possibilidade bilateral, quando consensual entre as partes. (BRAUNER, 2010)

Apenas em 1957, através da Lei n° 3.133, que atualizou o instituto da adoção prescrita no Código Civil, houve a diminuição da idade mínima do adotante para 30 anos. Ademais, modificou a diferença de idade entre adotantes e adotados, de 18 para 16 anos, e eliminou a obrigação de inexistência de filho biológico pré-existente como instituído pelo Código Civil supramencionado. O adotado, pela primeira vez, era visto para além da função de suprir a falta do filho biológico.

(Conceição, 2022)

Em 1965, com a Lei de legitimidade adotiva (Lei 4.655) houve expansão na capacidade adotiva, de casais, para incluir as viúvas e os desquitados. Outrossim, com exceção dos direitos sucessórios, a legitimação adotiva fora instituída, onde adotados passavam a ter direitos semelhantes aos filhos biológicos, uma vez que antigos vínculos biológicos deveriam ser interrompidos. (Conceição, 2022)

Ato contínuo, fora publicado o Código de Menores, Lei 6.697/79, que instituiu a adoção simples, aplicada para crianças maiores de 7 anos até menores de 18 que estivessem em situação irregular. Além da adoção absoluta para crianças menores de 7 anos, sendo essa espécie irrevogável. Mas somente com a Constituição Federal de 1988, a equidade nos direitos e deveres entre os filhos foi instaurada, na tentativa de aniquilar qualquer diferença de tratamento e assegurar que o menor tenha proteção e cuidado necessários. (BRAUNER, 2010)

Nesse contexto, o Estatuto da Criança e adolescente, sancionado em 1990, fundamentado na recente Constituição Federal, extinguiu as diferenciações nos critérios de adoção, podendo ser praticada por qualquer um maior de dezoito anos, observando a diferença de 16 anos entre adotante e a criança a ser adotada, prescindindo seu estado civil em adoções unilaterais. Além de trazer irrevogabilidade plena da adoção e a extinção dos veículos com antiga família biológica. (Brasil, 1990)

Diante de todas as mudanças sociais ocasionadas pelo passar do tempo, o novo Código Civil foi sancionado em 2002, abrangendo os novos conceitos e procedimentos quanto à adoção, com previsões nos artigos 618 ao 1.629. Entretanto, sabe-se que a necessidade de evolução do direito é constante, já existindo alteração no ECA pela Lei nº 12.010/2009, bem como nos entendimentos dos tribunais.

Assim, observa-se uma árdua e longa caminhada para a devida sistematização do procedimento de adoção, de forma que protegesse o menor em questão, visto a sua evidente vulnerabilidade gerada pela falta familiar, e de modo a garantir o seu direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoa humana em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais, como previsto pela atual Constituição Federal de 1988.

3.  Base legal que rege o instituto da adoção no Brasil:

Atualmente, como supracitado, o instituto da adoção é regido majoritariamente por três normas: a Constituição Federal de 1988, Código Civil brasileiro e Estatuto da Criança e adolescente. Ao analisá-las, junto à evolução do instituto, depreende-se a recente preocupação com a criação de um sistema adotivo que seja eficaz e seguro, por meio da burocratização dos processos. (MAUX, 2010, virtual

3.1.  Das previsões na Constituição Federal de 1988:

A conhecida Constituição cidadã foi promulgada com objetivos claros de garantir a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, além de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Quanto a diferenciação de filiação, a Lei Maior seguiu o mesmo ideal de igualdade expresso no seu artigo 227, § 6º “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”(Brasil, 1988)

Ademais, a Constituição trouxe na forma do artigo 227, um novo ponto de vista sobre as crianças e adolescentes da nação, extinguindo o olhar meramente repressor herdado do regime de governo anterior, leia-se:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão ( BRASIL, 1988).

Logo, a diferenciação propagada, até então, entre os filhos legítimos e legitimados, além de um histórico de proveito por parte do adotante como adotado, tornou-se incompatível com a Carta Magna instituída, sendo necessário mudanças que a acompanhassem. Dessa forma, a promulgação da Constituição de 1988 pode ser considerada um divisor de águas para uma futura sistematização do instituto da adoção no Direito da Família.

3.2.  Das previsões do Estatuto da Criança e Adolescente:

Em 1989 foi apresentado na câmara dos deputados, projeto de lei que atualizou o Código de Menores em vigor desde 1979, de forma a se adequar aos ideais constitucionais, visto que, o antigo Código era alheio a situações como crianças abandonadas, órfãs e fora do ensino regular. Em julho de 1990, o Estatuto da Criança foi sancionado, tratando de todas questões acima, com objetivo de resguardar todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana.

No que concerne à adoção, o ECA dedicou-se em tratar especificamente sobre conceito, capacidades, procedimentos e efeitos, pela subseção IV, sistematizando as novas regras do instituto da adoção, a tornando definitivamente irrevogável tanto pelo adotado quanto pelo adotante. Outrossim, foi capaz de extinguir o anterior poder familiar consanguíneo do adotado, posto que a adoção tem capacidade de equiparar os direitos e qualificações a todos os filhos, inclusive em questões sucessórias. Entretanto, o Estatuto garante ao adotado o direito de conhecer sua origem biológica, assim como de acessar seu processo, nos termos do artigo 48:

Art. 48. O adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar dezoito anos.

Parágrafo único. O acesso ao processo de adoção poderá ser também deferido ao adotado menor de dezoito anos, a seu pedido, assegurada orientação e assistência jurídica e psicológica (BRASIL, 1990).

Ademais, o ECA, por força do art 47 e seus seguintes parágrafos, estabelece mudanças quanto ao procedimento de registro civil. A pedido do adotante, o novo registro poderá ser lavrado no Cartório do Registro Civil do município de sua residência. Além disso, nenhuma observação sobre a origem do ato (adoção) poderá constar nas certidões do registro

Portanto, se faz indubitável a relevância do Estatuto da Criança e Adolescente na consolidação de todos feitos e mudanças históricas percorrido no campo da adoção. Saindo de uma realidade regida pela moral cristã e aterrissando em um sistema que visa a proteção do adotado, e o processo da formação de família .

3.3. Das previsões do Código Civil (2002):

Por versar sobre matéria do direito de família, o instituto da adoção no Código Civil Brasileiro, instituído em 2002, dispôs um capítulo para esta competência, ratificando as disposições do ECA (Estatuto da Criança e Adolescete), e reduzindo a idade mínima do adotante para 18 anos, desde que respeitado a diferença mínima 16 anos.

Assim como a Constituição Federal, o Código Civil Brasileiro, instituiu a igualdade na filiação, por meio do Art. 1.596., ao dispor que os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e

qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação, nesse sentido, os laços com a antiga família biologia aqui são extintos a partir do momento da adoção (art. 1.635.). (Brasil, 2002). Outra hipótese inovadora trazida pelo no Código é a possibilidade da revogação, uma vez que os pais biológicos se redimissem perante juízo, antes da sentença por força do artigo 1621,a seguir transcrito:

Art. 1.621. A adoção depende de consentimento dos pais ou dos representantes legais, de quem se deseja adotar, e da concordância deste, se contar mais de doze anos. (Vide Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

§ 2o O consentimento previsto no caput é revogável até a publicação da sentença constitutiva da adoção. (Vide Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

Entretanto, junto a tantos outros artigos este foi revogado pela Lei nº 12.010, de 3 de agosto de 2009., visto a insegurança gerada pelo dispositivo ao adotado e ao adotante, evitando-se, assim o desfazimento da adoção e, mais um adaptação compulsória ao infante, uma vez que capacitaria os pais a possibilidade do arrependimento em momento que o menor já poderia estar em sua guarda.

Isto posto, a Contribuição do Código Civil Brasileiro se restringiu a homologar e recepcionar o Estatuto da Criança e adolesecente, além de expandir a capacidade de com a redução etária mínima para 18 anos.

3.4. Da Nova Lei de Adoção – Lei nº 12.010 de 2009

Perante mudanças sociais, e lacunas até então não sanadas pelas legislações disponíveis, a denominada “Nova Lei de Adoção”, Lei nº 12.010, foi instituída em 3 de agosto de 2009. Com objetivo de alterar o Estatuto da Criança e Adolescente, o conceito de família foi ampliado buscando priorizar o direito à convivência familiar, seja qual for a formação afetiva. Como expresso em seu artigo 25, parágrafo único:

“Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade.” (BRASIL, 2009).

Possibilitando, a partir disso, decisões judiciais favoráveis quanto à adoção por casais homoafetivos, uma vez que, aplicado o princípio do maior interesse da criança e adolescente a questão socioafetiva e o direito de um lar que a proteja deve ser priorizado. Tendo em prática decisão (STF – RE: 846102 PR) do Supremo Tribunal Federal (STF) mantendo decisão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) que autorizou a adoção conjunta em relação homoafetiva.

Nesse viés, a Lei 12.010 de 2009, legitimada pela garantia de lar para esses menores, proibiu a manutenção de programas de acolhimento institucional por mais de dois anos. Além de criar um cadastro único de crianças e adolescentes em condições de serem adotados, bem como pessoas interessadas na adoção, o que traria maior celeridade a esse procedimento.

Ademais, a necessidade preparação do incapaz para sua colocação em família substituta foi reforçada pelo parágrafo 5º, do art. 28, o qual estabeleceu a sua preparação gradativa e acompanhamento posterior, realizados pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com o apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar. Bem como, compulsou aos adotantes prévia preparação, pela forma do parágrafo 3º, do art 50:

§ 3o A inscrição de postulantes à adoção será precedida de um período de preparação psicossocial e jurídica, orientado pela equipe técnica da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar (BRASIL, 2009 ).

Por fim, depreende-se que a Lei 12.010 de 2009, trouxe uma nova visão para o processo de adoção no Brasil, buscando garantir de forma mais humana, a reintegração familiar do menor adotado, ampliando suas possibilidades. Entretanto, é cediço que apenas a sua promulgação não é o suficiente para que haja real aperfeiçoamento e celeridade almejados, visto a dependência de toda a burocracia do sistema envolvido.

4.   Princípios Norteadores da adoção:

Preliminarmente, entender os princípios como uma das fontes do Direito Brasileiro é de suma importância, visto que, por vezes estes antecedem a própria lei, além de serem usados na interpretação e aplicação das normas. O jurista Miguel Reale expõe este conceito à luz da doutrina jurídica, veja-se:

Princípios são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, a aplicação e integração ou mesmo para a elaboração de novas normas. São verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis. (REALE, 2003, p. 37).

Tal fonte do direito também se aplica ao instituto de adoção, considerando toda construção histórica e social envolvida, existindo, assim, princípios como: o Princípio do melhor interesse, o Princípio da proteção integral, e o Princípio da absoluta prioridade da criança e adolescente, que desenvolvem papel fundamental nos processos de adoção.

4.1   Princípio do Melhor Interesse da Criança e Adolescente:

Tal princípio foi trazido à legislação brasileira pela Convenção do Direito da Criança e Adolescente de 1989, decreto no 99.710, de 21 de novembro de 1990:

Artigo 3. 1. Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança (Brasil, 1990)

Bem como, recepcionado pelo Estatuto da Criança e Adolescente e pela Nova Lei de Adoção, na forma do art. 100, IV:

IV – interesse superior da criança e do adolescente: a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do adolescente, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto; (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência (Brasil, 1990)

De forma prática o interesse maior na questão, deverá considerar a proteção da criança, sua integridade e desenvolvimento. Isto posto, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça STJ a seguir exemplifica a aplicação deste princípio:

HABEAS CORPUS. DIREITO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE. ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL. EXCEÇÃO. RISCO À INTEGRIDADE FÍSICA E PSÍQUICA DO MENOR. INEXISTÊNCIA. MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. 1. O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA -, ao preconizar a doutrina da proteção integral (art. 1º da Lei nº 8.069/1990), torna imperativa a observância do melhor interesse da criança. 2. Ressalvado o risco evidente à integridade física e psíquica, que não é a hipótese dos autos, o acolhimento institucional não representa o melhor interesse da criança. 3. A observância do cadastro de adotantes não é absoluta porque deve ser sopesada com o princípio do melhor interesse da criança, fundamento de todo o sistema de proteção ao menor. 4. Ordem concedida.

BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça (T3 – TERCEIRA TURMA). Habeas Corpus nº 564961-SP (2020/0055858-0). Impetrante: Fabio José Ribeiro. Impetrado: Tribunal De Justiça Do Estado De São Paulo. Paciente : D. J. F.

C. B. Interes. : Ministério Público Do Estado De São Paulo. Relator : Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. São Paulo, 19 de Março de 2020. Lex: jurisprudência do STJ, São Paulo, DJe 27 de maio de 2020, acesso virtual.

Desta forma, crianças e adolescentes devem ser tratados com prioridade absoluta, seja em questões judiciais, bem como, quando o que está em risco são seus direitos sociais e individuais. Visto que, como infra mencionada, essa é uma garantia Constitucional, em razão da evidente situação de vulnerabilidade do menor adotado.

4.2   Princípio da proteção integral

O Estatuto da criança e adolescente também traduz o princípio em questão expresso em seu artigo 100, II, de modo que a interpretação e aplicação de toda e qualquer norma contida na Lei, deve ser voltada à proteção integral e prioritária dos direitos de titularidade das crianças e adolescentes. Assim, observando a recente preocupação protetiva do menor, este princípio vem de forma a garantir que haja reparação e mudança de século de negligência. (Brasil, 1990)

Ao extinguir a diferenciação no tratamento entre filhos, a Constituição Federal Brasileira, estava fundamentada nesse princípio, uma vez que este dispositivo visa a proteção integral do menor sem prejuízos de tratamento, garantindo seu pleno desenvolvimento.

Portanto, associada a interpretação sistêmica com os demais princípios, nota-se, a partir da proteção integral, a preocupação de forma mais direcionada com o menor, de modo que este princípio em debate vem sob o escopo de garantir e nortear uma verdadeira mudança em uma ótica interpretativa negligenciada há séculos

4.3   Princípio da absoluta prioridade criança e adolescente

Bem como o princípio do melhor interesse da criança e adolescente, o princípio da absoluta prioridade criança e adolescente está expressamente previsto no ECA em seu artigo 4º e incisos subsequentes, a proteção do infante em questão deve ser tratada em primazia em todos os âmbitos jurídicos e sociais, como se observa:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

a)              primazia        de    receber proteção      e      socorro  em   quaisquer

circunstâncias;

b)              precedência  de    atendimento nos  serviços  públicos       ou    de

relevância pública;

c)               preferência na formulação e na execução das políticas sociais

públicas;

d)              destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.(Brasil, 1990))

Outrossim, este princípio também está presente Constitucional Federal, uma vez que em seu art 227, dispõe:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).

5.   Dos requisitos para adoção no Brasil:

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), como forma de democratizar e propagar informações sobre o instituto da adoção no Brasil, disponibiliza em seu portal virtual o “Passo a Passo para adotar uma criança”. Com explicações práticas, sobre procedimentos e requisitos que estão regulamentados formalmente pelo conjunto de legislações brasileiras supramencionadas. (Corregedoria Nacional de Justiça, 2019)

Isto posto, conforme preconizado pelo CNJ, para dar início a um processo de adoção no Brasil, é necessário que os interessados sejam maiores de 18 anos (visando a proteção contra eventual interesse conjugal com o menor em questão) e que apresentem documentação necessária para análise na Vara de Infância e Adolescência domiciliar. (Corregedoria Nacional de Justiça, 2019)

Outrossim, o Estatuto da Criança e Adolescente adotou como regra, a realização de processo judicial com fases de preparação, avaliações psicológicas e adaptação, para só então ser prolatada sentença judicial, permitindo o registro civil , mediante mandado, sem o fornecimento de certidão, para então produzir efeito familiar (BRASIL, 1990). Como elucida o doutrinador Cristiano Chaves:

“São efeitos naturais da sentença da adoção a atribuição da condição de filho ao adotado para todos os fins, inclusive sucessórios e de parentesco, a mudança de sobrenome (e eventualmente de prenome do adotado) e o desfazimento dos laços de parentesco anteriores (somente permanecendo para fins de impedimentos matrimoniais (FARIAS, 2019, p.1954)”.

A promulgação do Estatuto da Criança e Adolescente, veio de forma a regulamentar os requisitos e procedimentos obrigatórios para adoção no Brasil. Além da inclusão de regulamentos, até então desconhecidos, modificou obrigações, com o objetivo de ampliar as possibilidades da adoção e reafirmar a necessidade de proteção do adotado. Nesse contexto, tornou dispensável ao adotante o status civil de casado (art. 42), além de tornar obrigatório o consentimento do adotado maior de 12 anos no processo, devendo ser ouvido por profissionais durante o processo (art. 45 § 2) (Brasil, 1990).

6.   Dos procedimentos para adoção no Brasil:

Observados os requisitos iniciais para proposição da adoção, conforme a força do Art. 197-B, do estatuto da Criança e Adolescente, a autoridade judiciária, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, dará vista dos autos ao Ministério Público, que no prazo de 5 (cinco) dias poderá: apresentar quesitos a serem respondidos pela equipe interprofissional encarregada de elaborar o estudo técnico, ou requerer a designação de audiência para oitiva dos postulantes em juízo e testemunhas, ou por fim, requerer a juntada de documentos complementares e a realização de outras diligências que entender necessárias. (Brasil, 1990)

Em vista disso, como proposto pelo ECA, o Estudo Técnico será feito obrigatoriamente, equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, que deverá elaborar estudo psicossocial, analisando a capacidade preparo para seguir uma vida materna/paterna plena, sob à luz dos requisitos e princípios da Lei. Para mais, se faz compulsória a participação dos interessados em cursos que irão os qualificar para este processo. (Corregedoria Nacional de Justiça, 2019)

Ademais, é importante destacar que a criança apenas será colocada em nova família, caso sejam esgotados todos os meios de mantê-la em lar biológico, como em casos de: morte dos pais com ausência dos demais parentes interessados em acolher o incapaz, ou pela perda da guarda dessa criança nos termos do art 1.638 do Código Civil. (Brasil, 2002)

Considerado competente, o postulante em questão, haverá uma inscrição no Sistema Nacional de Adoção, conforme ordem cronológica da decisão judicial. A esta altura o adotante estabelecerá um perfil na busca da criança/adolescente a ser adotada, tendo acesso a seu histórico e caso haja interesse, inicia-se a aproximação.(Corregedoria Nacional de Justiça, 2019)

Bem sucedida aproximação, dá-se origem ao estágio de convivência, com prazo máximo de 90 dias, podendo ser prorrogável a qualquer momento. A criança, com amparo da equipe técnica do Poder Judiciário, passará a residir junto ao adotante. Findado o prazo de convivência, os postulantes terão prazo de 15 dias para propor ação de adoção, esta que deverá durar no máximo 120 dias, prorrogável por apenas uma vez mediante fundamentação cabível ao juízo. (Brasil, 2017)

Durante a ação de adoção, caberá ao magistrado analisar as condições que o menor terá naquele lar, levando sempre em consideração os princípios do melhor interesse, da proteção integral, e o princípio da absoluta prioridade da criança e adolescente. Considerado benéfico, o juiz deverá proferir sentença da adoção, conferindo à criança os direitos de filho, determinando novo registro de nascimento com novo nome familiar. (Corregedoria Nacional de Justiça, 2019)

Portanto, perante a visualização deste minucioso procedimento, observa-se em sua elaboração, a preocupação em proteger a vulnerabilidade do adotado em busca de nova família. A irrevogabilidade do ato jurídico após a conclusão dos atos, a qual está prevista no Art. 39, § 1, do Estatuto da Criança e Adolescente foi introduzido como forma de reforçar este anteparo, precavendo possíveis traumas pela devolução da criança adotada. (Brasil, 2009)

7.  Da (ir)revogabilidade da adoção:

Um dos questionamentos que conduzem essa pesquisa, cerne a produção de efeitos da irrevogabilidade da adoção no Brasil. Apesar do empenho legislativo para garantir que não se tenha o desfazimento da adoção, está apenas se realiza e produz efeitos com a sentença. Seria o suficiente para efetivação da proteção integral e prioritária da criança e adolecente? Uma vez que, pela lei, não há obrigação assistencial ao incapaz, que se submete a todo processo necessário de convivência e adaptação em que o postulante detém sua guarda provisória- visando construir vínculo com a futura família, mas por fim há de se lidar novamente com o trauma de mais uma rejeição e desamparo, advindo da desistência família que havia se candidato a acolhê-lo. (FARIA, 2016).

Observando a dissolição da adoção em casos políticos, a BBC News, renomado veículo de comunicação, expôs em reportagem casos como o de Larissa (nome fictício adotado como forma de preservar a criança), abandonada, ainda bebê, em uma praça pública pelos pais biológicos, os quais eram dependentes químicos. A infante, em 2017, com apenas 7 anos, em seu terceiro processo de adoção, finalmente encontrou uma família que a adotasse. Nas últimas duas tentativas a menor foi devolvida, sob a justificativa de que seu temperamento difícil, impossibilitava a criação e convivência familiar. (BBC NEWS, 2017).

Em breve retomada histórica, observamos a construção de um comportamento autocentrado do adotante, ao priorizar a realização da familia que havia idealizado ao decidir iniciar o processo de adoção. concepção essa que encontrava previsão legal no código Cívil de 1916, ao dispor sobre a possibilidade de renogar, a qualquer momento, a adoção quando o adotado praticasse ato de ingratidão. Tendo a irrevogabilidade definitiva no processo de adoção após trãnsito julgado, apenas em 1988 com a promulgação da Constituição federal (STJ, 2020).

Nota-se, dentre as queixas fundamentadoras dessas rejeições, as dificuldades de se relacionar com o filho, pelo seu comportamento “indomável”, ou, pela descoberta de características ou problemas de saúde, contrariando as expectativas da família adotiva. Esses argumentos se mostram ainda mais absurdos, pela simples razão de que, como supramencionado, a Constituição Federal não permite diferenciação entre filhos consanguíneos ou adotados. Partindo desse pressuposto, se há problemas quanto ao seu comportamento e saúde, a quem se devolveria um filho biológico? (Ganglino, 2020)

7.1 Da revogabilidade durante o estágio de convivência:

É cediço que o estágio de convivência, com assistência profissional adequada, foi inserido como fase obrigatória nesse procedimento como forma de facilitar a ambientação familiar. Visto que, aqui as cargas emocionais e psicológicas, inerentes a ambas as partes, serão expostas e por vezes conflitantes, restando nesse estágio iniciar a busca por caminhos que se alcance compreensão e a construção de laços familiares.(FARIA, 2016)

Essa proteção objetiva amenizar os danos psicológicos e emocionais gerados ao menor, visto que, o indivíduo adotado é alguém cuja trajetória costuma estar marcada por uma rejeição original (Ganglino, 2020), ademais, este se encontra à mercê da necessidade de ser escolhido para então ter a perspectiva de nova família. Após escolhido, a desistência por parte do postulante, seria como um golpe na autoestima, no caráter, bem como na identidade da criança, que após rejeitada, tem o valor da sua existência questionado, por não saber o porquê de novamente estar se sujeitando ao regresso. (FARIA, 2016)

Ademais, o Promotor de Justiça, Epaminondas Costa, retrata a importância da aplicação do princípio da proteção integral e prioritária da criança e adolecente, inclusive nesse estágio de habituação:

Pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, o guardião, independente de guarda provisória ou não, tem de dar proteção material e psicológica para a criança. O estágio de convivência foi criado em benefício da criança e não do casal. (COSTA, 2009, acesso virtual)

Entretanto, como supramencionado a não adaptação durante esse estágio, encontra suporte legal para desfazimento do processo de adoção, pois apesar de toda responsabilidade e expectativa assumida, ainda se configura como um teste sobre a viabilidade da adoção ( PEREIRA, 2020).

7.2 Da revogabilidade durante guarda provisória:

Superados os estágios de convivência com êxito, e manifestado o interesse de adoção pelo adotante ao Juízo da Infância e da Juventude, é atribuída a guarda provisória até que se tenha decisão definitiva, o que pode demandar um longo período. Nessa fase a convivência passa a ser mais estrita, por residirem no mesmo lar, assim, há de se observar a atribuição de obrigações parentais para com os adotados, visto que a vulnerabilidade do inevitável pelo socioafetivo prescinde da sentença. (GANGLINO, 2020)

Portanto, a desistência quando já há guarda provisória, apesar de estar em consonância com a lei, gera complexidade ainda maior quando comparado ao período de adaptação, onde o adotado ainda está residindo em abrigo, como dispõe Franzonlin:

[…] Essas situações só agravam os problemas da criança. É que, após estarem enfraquecidos os motivos que levaram ao acolhimento da criança, o laço se rompe e a criança vê sua autoestima destruída. Ditas situações, normalmente, são notadas nas guardas “arranjadas” ou nas adoções informais. Ela, num primeiro momento, experimenta a convivência familiar; depois, esse vínculo é rompido. (FRANZOLIN, 2010, acesso virtual)

8. Das consequências jurídicas da dissolução da adoção durante a guarda provisória:

Verifica-se que na dissolução durante o período de guarda provisória, o adotando se aproveita da lacuna legislativa que o “resguarda”, gerando incontáveis danos, como supracitado, a criança em questão. Contudo, conforme a Ministra Nacy Andrighi, “uma norma que foi forjada para a proteção do adotado, não pode em nenhuma circunstância, ser utilizada em detrimento do seu próprio bem-estar”. (STJ, 2017) Logo, este préstimo não afasta o postulante da ilicitude, como prevê o artigo 187 do Código Civil ”Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”(Brasil, 2002). Ademais, Maria Helena Diniz conceitua a Responsabilidade Civil como:”[…] resultante de violação legal, ou seja, da lesão de um direito subjetivo, ou melhor, da infração ao dever jurídico geral de abstenção”(DINIZ, 2006. p. 543.) Portanto, no contexto da dissolução, verifica-se incidência de responsabilidade civil por parte dos adotantes, uma vez que ainda pelo
Código Civil brasileiro, em seu artigo 186, aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. (Brasil, 2002).
Nesse contexto, a responsabilização do adotante desistente, vem sendo discutido pelo Superior Tribunal de Justiça, pois conforme Dessa forma, os Tribunais Superiores têm entendido sobre a necessidade de indenização nesses casos, valorados de forma individual visto suas especificidades, devendo observar os princípios de melhor interesse e proteção integral do infante (Conceição, 2020). Em Porto Velho (RO), houve acordo com os desistentes, de forma que custeassem um ano de psicoterapia para as crianças (BBC NEWS, 2017). Essa alternativa de reparação, mesmo não sendo ideal, objetiva que o adotante trate o processo de adoção com maior seriedade, sem banalizar seu desfazimento, arcando materialmente com os danos causados ao menor (Conceição, 2020). Entretanto, desses entendimentos dos tribunais, surgem dúvidas quanto à liquidez desse direito, uma vez que os prejuízos resultados pela dissolução, são individuais e subjetivos, afastando-se assim de uma solução precisa para a lacuna legislativa supramencionada.

9 Do Projeto de Lei nº 1048/2020, proteção ou pleonasmo?

Além, dos entendimentos jurisprudências quanto ao desfazimento da adoção, que tendem a indenizar de forma material a criança ou adolescente devolvido, há também recente iniciativa de Lei para tentar de alguma forma amenizar as consequências dessa situação. O Senador Major Olimpio propôs o Projeto de Lei nº 1048/2020 que tem por objetivo disciplinar medidas que possam vir a ser aplicáveis nos casos de desistência da adoção após o trânsito em julgado. (Conceição, 2020)
A alteração do § 5º do art. 197-E da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), criaria deveres para os pretendentes à adoção, em caso de devolução da criança ou adolescente, com:

I – na obrigação de custeio, pelo desistente, do tratamento
psicológico e/ou psiquiátrico recomendado para a criança ou o adolescente
por equipe interprofissional ou multidisciplinar determinada pela Justiça da
Infância e da Juventude;

II – no dever de reparação dos danos morais causados à criança ou ao adolescente, fixado pela Justiça da Infância e da Juventude, que será depositado em favor da criança ou adolescente em uma conta poupança em nome do adotando, que só poderá ser acessada após a criança ou adolescente atingir a maioridade civil;

III – no dever de custear mensalmente à criança ou adolescente até
a sua maioridade civil, o valor equivalente a 1/5 (um quinto) do salário
mínimo vigente, que deverá ser depositado em uma conta poupança em
nome do adotando, que só poderá ser acessada após a criança ou
adolescente atingir a maioridade civil.”(NR) (Olimpio, et al., 2020)

Conforme o portal virtual do Senado brasileiro, a leitura deste projeto ocorreu no dia 27 de março de 2020 e foi encaminhada para publicação no diário do Senado Federal no dia 02 de abril de 2020, porém até o presente momento ainda se encontra-se em status de tramitação. (Senado Federal, 2020)
A aprovação desse Projeto de Lei, traria a obrigação de amparar o menor, de forma material, além de proporcionar auxílio profissional necessário, quanto aos danos psicológicos e emocionais que possam vir a sofrer. Entretanto, a incidência legislativa contemplaria apenas os casos de dissolução de adoção após trânsito em
julgado. Hipótese essa que não se livra das exceções, mas já encontra proteção legal pelo Estatuto da Criança e Adolescente ao tornar a adoção irrevogável pelo artigo 39. Como dispõe Pablo Stolze Gagliano, “inexiste, no ordenamento brasileiro, base jurídica para “devolução” de um filho após concretizada sua adoção.” (Gagliano, 2020)
Assim, retoma-se a um limbo, com ausência de iniciativas legislativas que assistam e disciplinam medidas cabíveis quanto à dissolução da adoção no período da guarda provisória. Contando com recentes entendimentos dos tribunais de responsabilização materiais, entretanto muito específicas e individuais, dificultando uma solução abrangente e geral, visto a dificuldade subjetiva em aferir com precisão os danos que necessitam de reparação. Além de negligenciar o fato de que os pretensos adotantes têm permissão legal para desistir da guarda provisória após período de convivência, não importando os laços socioafetivos que possam ter sido
construídos naquele lar, quanto menos o trauma causado ao menor que precisará retornar ao abrigo e esperar, novamente, que uma nova família o acolha.(Santos, 2022)

Considerações Finais

Tendo em vista o estudo do presente artigo científico, foi possível compreender a formação do instituto da adoção no Brasil, nos termos em que a conhecemos contemporaneamente. Bem como os limites e lacunas existentes quanto aos efeitos da irrevogabilidade do instituto. Ademais, podemos observar ao longo dos anos a inserção de princípios essenciais para proteção do incapaz perante a sociedade. Em uma sociedade democrática e garantista, o cuidado com os mais vulneráveis se tornaram prioridade, como observamos em nossa atual Constituição, bem como com a promulgação do
Estatuto da Criança e Adoescente, prevendo a garantia direitos básicos inerentes à pessoa humana assegurando-lhes com prioridade e proteção, facilitando por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, que facultam desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, com liberdade e dignidade (Brasil, 1989).

Por outro lado, o enraizamento histórico da adoção centrado no adotante, em seus interesses e idealizações familiares. Sendo a introdução ideológica, acima mencionada, recente quando comparado aos anos que precederam por meio da lei e do direito fático. Nesse viés, a instituição tardia da irrevogabilidade plena do instituto da adoção, após trânsito em julgado- apenas com o Estatuto da Criança e Adolescente em 1989- é uma prova disso. Nesse sentido, surgiu o questionamento que norteou esse estudo: qual a eficiência da irrevogabilidade no instituto da adoção? Seria o suficiente para estar em conformidade com o princípio da proteção integral e prioritária do menor? visto que a adoção só recebe caráter irrevogável com sua com sua concretização, por meio de sentença, .
Visto que há respaldo para realização pela Lei, a possibilidade de dissolução da adoção no período em que o postulante detém a guarda provisória do futuro adotado, endossa ainda mais a problemática. Nessa fase há convivência conjunta, e esse interim até a proferimento da sentença pode contar com a morosidade do
sistema, dispondo de tempo suficiente para criação de laços, sendo um novo trauma caso o adotante desista dessa ação.

Com a lacuna legislativa que omite regulamentação e responsabilização nos casos da “devolução do adotado”, os tribunais de justiça têm tomado esse papel condenando o adotante em questão a indenização por danos morais. Entretanto, qual é o grau de precisão que o sistema judiciário consegue alcançar ao julgar os
danos causados na vida do menor devolvido? Importante destacar que a presente crítica não defende a manutenção da criança em lar que o rejeitou, mas o tratamento adequado desses menores que estão em situação vulnerável, observando os princípios constitucionais elaborados para protegê-los.
Assim, um dos caminhos para a superação dessa lacuna legislativa , seria utilizar do Sistema Nacional já existente para reforçar a preparação dos postulantes adoção sobre a responsabilidade a ser assumida, como proposto pela doutora em Serviço Social Angélica Gomes, ao falar sobre a necessidade da constante qualificação dos profissionais responsáveis pelo auxílio nos conflitos, mostrando que a dissolução não é a primeira nem a melhor solução, além da necessidade de trabalhar o histórico de sofrimento de pais e filhos no processo de construção da família, se afastando das idealizações românticas. (BBC NEWS, 2017)
Portanto, mediante a todas motivações acima, se faz necessário a revisão no procedimento da adoção, com as mudanças necessárias, e se preciso, a inclusão de normas para que as faça. Questionamentos como os aqui levantados não devem cessar, pois são por meio deles que transformações são feitas, e se honra a
trajetória da humanização de um direito sensível às necessidades da criança e adolescente em uma nação.

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1Acadêmica pesquisadora da Faculdade de Direito da Universidade Estadual do Tocantins – UNITINS.

2Prof. Me. na Faculdade de Direito da Universidade Estadual do Tocantins – UNITINS.