THE DISCOURSE ANALYSIS OF THE TRAJECTORY OF BLACK WOMEN IN MANAGEMENT
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102501071004
Deise da Silva Medeiros[1]
Lucas Rodrigues Lopes[2]
RESUMO
Essa pesquisa visa compreender os caminhos que mulheres negras tiveram para alcançar cargos de gestão na cidade de Tucuruí-Pará. A metodologia adotada possui uma abordagem interpretativista das temáticas centrais investigadas. Foram aplicadas entrevista semiestruturada que foram gravadas em áudios e posteriormente transcritas, interpretamos as entrevistas por meio da Análise do Discurso, fundamentadas nos estudos de Coracini (2010), Foucault (1986, 2010), Lopes (2018), Orlandi (1989, 1994, 2001, 2003, 2008, 2010) e Pêcheux (1990). Destacam-se, entre essas contribuições teóricas, os trabalhos de Aimé Césaire (1987), Coracini (2010, 2016), Foucault (2006, 2010), Hall (2003, 2005)), entre outros. As conclusões sugerem que, para efetivar a mudança, é imprescindível o desenvolvimento de políticas públicas inclusivas, promovendo uma representatividade que valorize a diversidade e a competência dessas profissionais.
Palavras-chave: Análise do Discurso. Cargos de Gestão. Mulheres Negras.
ABSTRACT
This research aims to understand the pathways that Black women have taken to achieve management positions in the city of Tucuruí, Pará. The adopted methodology follows an interpretivist approach to the central themes investigated. Semi-structured interviews were conducted, recorded, and later transcribed. The interviews were analyzed through discourse analysis, based on the works of Coracini (2010), Foucault (1986, 2010), Lopes (2018), Orlandi (1989, 1994, 2001, 2003, 2008, 2010), and Pêcheux (1990). Among these theoretical contributions, the works of Aimé Césaire (1987), Coracini (2010, 2016), Foucault (2006, 2010), and Hall (2003, 2005), among others, stand out. The conclusions suggest that achieving change requires the development of inclusive public policies that promote representativeness, valuing diversity and the competence of these professionals.
Keywords: Discourse Analysis, Management Positions, Black Women.
A ANÁLISE DEL DISCURSO DE LA TRAYECTORIA DE MUJERES NEGRAS EN LA GESTIÓN
RESUMEN
Esta investigación tiene como objetivo comprender los caminos que han recorrido las mujeres negras para alcanzar puestos de gestión en la ciudad de Tucuruí, Pará. La metodología adoptada sigue un enfoque interpretativista de los temas centrales investigados. Se realizaron entrevistas semiestructuradas que fueron grabadas en audio y posteriormente transcritas. Las entrevistas fueron analizadas mediante el análisis del discurso, fundamentado en los estudios de Coracini (2010), Foucault (1986, 2010), Lopes (2018), Orlandi (1989, 1994, 2001, 2003, 2008, 2010) y Pêcheux (1990). Entre estas contribuciones teóricas, se destacan los trabajos de Aimé Césaire (1987), Coracini (2010, 2016), Foucault (2006, 2010) y Hall (2003, 2005), entre otros. Las conclusiones sugieren que, para lograr el cambio, es imprescindible desarrollar políticas públicas inclusivas que promuevan una representatividad que valore la diversidad y la competencia de estas profesionales.
Palabras clave: Análisis del Discurso. Cargos de Gestión. Mujeres Negras.
1 INTRODUÇÃO
Este artigo tem como objetivo compreender a trajetória de mulheres negras na gestão e as dificuldades enfrentadas diariamente para conquistar e ocupar esses espaços. A problemática que norteia este estudo é: De que modo, pela via analítica do discurso, podemos compreender o processo de reexistência no percurso de mulheres negras em cargos de gestão na cidade de Tucuruí-Pará?
Além de carregarem histórias significativas para alcançar os cargos que ocupam, nossas entrevistadas compartilham vivências que refletem experiências comuns a muitas mulheres negras. É a partir dessas experiências coletivas, e também das da própria pesquisadora, que justificamos a relevância de discutir o percurso das mulheres negras em sua luta por alcançar e exercer posições de liderança.
O objetivo geral deste trabalho é analisar discursivamente o percurso de mulheres negras em cargos de gestão na cidade de Tucuruí-Pará. Como objetivos específicos, buscamos: identificar nos dizeres destas mulheres em cargos de gestão, possíveis obstáculos enfrentados e contribuir com os estudos na área da educação, cultura e linguagem, especificamente com os estudos de narrativas de gestoras negras.
A abordagem teórico-metodológica adotada é interpretativista, com um levantamento abrangente das temáticas centrais da investigação. Entre os referenciais teóricos utilizados, destacam-se os trabalhos de Aimé Césaire (1987), Coracini (2010, 2016), Foucault (2006, 2010), Hall (2003, 2005), Lopes (2018), entre outros.
O principal instrumento utilizado foi a entrevista estruturada, gravada em áudio e posteriormente transcrita. As análises discursivas das narrativas das mulheres negras que ocupam cargos de gestão no município de Tucuruí foram realizadas com base na Análise do Discurso, fundamentada em autores como Coracini (2010), Foucault (1986, 2010), Lopes (2018), Orlandi (1989, 1994, 2001, 2003, 2008, 2010) e Pêcheux (1990). Esses referenciais nos permitiram captar os gestos de interpretação que revelam os percursos dessas mulheres.
Nas análises, identificamos três categorias principais: Educação, Liderança e Racismo, que funcionam como um caleidoscópio de perspectivas diversas e complementares. A pesquisa propõe, assim, uma visão dialógica sobre o tema.
O artigo se estrutura em três pontos principais: História e Trajetória: Abordamos as histórias das mulheres negras que ocupam cargos de gestão em Tucuruí, ressaltando como essas narrativas dialogam com as experiências da própria pesquisadora, que compartilha os mesmos desafios. O segundo ponto será desvendar a Negritude, aos olhos de Aimé Césaire (1987), que nos faz enxergar o discurso que não é apenas uma crítica, mas também um chamado à resistência e a luta pela recuperação da dignidade. Por fim, finalizaremos com as considerações que sugerem efetivar a mudança, é necessário o desenvolvimento de políticas públicas inclusivas e a desconstrução de narrativas estereotipadas, promovendo uma representatividade que valorize a diversidade e a competência dessas profissionais no ambiente de trabalho.
2 HISTÓRIA DE MULHERES NEGRAS
Coracini (2003) é enfática em sua Análise do Discurso, ressalta que os saberes de uma mulher negra estão profundamente enraizados na herança cultural e histórica de seus ancestrais. Elas carregam consigo uma sabedoria que é transmitida ao longo das gerações, extraída de tradições, rituais e narrativas que resistiram à opressão. Esses saberes estão enraizados na herança ancestral, onde rituais, tradições e valores são cuidadosamente passados adiante, fornecendo uma base sólida para enfrentar os desafios contemporâneos. Ao incorporarem uma compreensão profunda da resiliência e da luta pela justiça, essas mulheres negras estão capacitadas a enfrentar os desafios da atualidade com firmeza e determinação.
Esses saberes que permeiam a vida de uma mulher negra são tão vastos quanto profundos. Eles abrangem desde os conhecimentos transmitidos oralmente por gerações, carregando várias histórias, até a expertise adquirida através da educação formal e da busca incessante por excelência. É a sabedoria que brota das vivências diárias, das lutas travadas e das conquistas alcançadas que forma a espinha dorsal da identidade de uma mulher negra.
Elas desenvolvem habilidades práticas e estratégias de enfrentamento para superar obstáculos e alcançar seus objetivos. Seja na esfera profissional, acadêmica ou pessoal, as mulheres negras demonstram uma determinação inabalável em fazer o que é necessário para criar oportunidades e garantir um futuro melhor para si e para suas comunidades.
Os fazeres de uma mulher negra são moldados pela necessidade de sobreviver e prosperar em um mundo que muitas vezes as marginaliza. São igualmente notáveis, moldadas pela necessidade de enfrentar adversidades e criar oportunidades em meio à marginalização sistemática.
Desde as habilidades artesanais transmitidas de mãe para filha, que sustentam economias domésticas, até as proezas intelectuais que desafiam preconceitos e abrem caminhos para futuras gerações, o que a mulher negra faz, é uma expressão de persistência e criatividade. Ela é uma mestra na arte da adaptação, capaz de transformar limitações em possibilidades e desafios em triunfos.
Nas ações que uma mulher negra verdadeiramente se destaca, elas não apenas superam às injustiças, mas também lideram movimentos de mudança e transformação. Da luta contra o racismo à promoção da igualdade de gênero, as mulheres negras estão na vanguarda de muitos dos avanços sociais mais significativos da história. Suas ações inspiram e capacitam outras mulheres a se levantarem, a encontrarem suas vozes e a defenderem suas próprias causas.
A concepção das mulheres como exclusivamente responsáveis pela família vai de encontro aos consensos internacionais e nacionais estabelecidos em tratados de direitos humanos – aos quais o Brasil é signatário[3] – e nas constituições e legislações que afirmam a igualdade de gênero em todos os aspectos da vida, tanto no âmbito doméstico quanto na sociedade em geral. Atribuir às mulheres uma responsabilidade “especial” pela família significa colocá-las sob o peso do trabalho reprodutivo, que é a base da divisão sexual do trabalho e das desigualdades que limitam a participação das mulheres na esfera pública.
É na ação que a verdadeira essência de uma mulher negra se revela de forma mais vibrante. Ela não apenas sobrevive, mas também lidera, levanta sua voz contra qualquer obstáculo, lutando por igualdade e defendendo os direitos daqueles que são marginalizados. Sua ação transcende o individualismo, estendendo-se para além de si mesma para nutrir e fortalecer sua comunidade. Ela é uma agente de mudança, desafiando estruturas opressivas e construindo um mundo mais inclusivo e equitativo para todos. Ela é uma guardiã da cultura, uma artesã da mudança e uma inspiração para todos aqueles que têm o privilégio de cruzar seu caminho, em um mundo que muitas vezes tenta silenciá-la.
O silêncio a que se faz menção, relativo a esta população, é historicamente imposto. O silenciamento do povo negro, assim como de muitos grupos subalternizados, como definido em Bhabha (1998), se refere à negação da voz e da história dos negros na sociedade, consequência de práticas discriminatórias e racistas. Essa negação ocorre por meio da invisibilidade, sub-representação e desvalorização da cultura e das histórias negras. O fenômeno do silenciamento é reforçado pela negação de suas raízes históricas e culturais, perpetuando a invisibilidade e a discriminação.
A noção de silêncio do subalterno por nós apreendida em Spivak (2010), nos leva a compreender que grupos marginalizados e oprimidos na sociedade, como as mulheres negras, são frequentemente silenciadas e sub-representadas na cultura e na história, o que impede que suas vozes e perspectivas sejam ouvidas e valorizadas. A presença dessas mulheres nos espaços de poder, vem de encontro a essa impossibilidade desses grupos se expressarem plenamente, têm combatido as estruturas de poder e opressão que as fadou a uma posição de subalternidade.
Spivack (2010, p. 126) posiciona- se criticamente diante do atual postulado acadêmico científico sobre a “mulher” apresentado pelo feminismo ocidental, salientado que as mulheres negras e pobres, entre outras “mulheres” ocupam posições subalternas, condicionadas pelas estruturas de poder que as silenciam em suas capacidades de auto representação. “Não há valor algum atribuído a “mulher” como um item respeitoso nas listas das prioridades globais. A representação não definhou. A mulher intelectual, como uma intelectual tem uma tarefa circunscrita que ela não deve rejeitar com um floreio”.
Entre o patriarcado e o imperialismo, a constituição do sujeito e a formação do objeto, a figura da mulher desaparece, não em um vazio imaculado, mas em um violento arremesso que é a figuração deslocada da “mulher do Terceiro Mundo”, encurralada entre a tradição e a modernização (Spivak, 2012, p. 119).
O lugar do silêncio que está condicionado a representação da figura do feminino neste debate, penso ser constituído pelos aspectos relacionais do contexto histórico e social em que se encontram inseridos os sujeitos. Neste contexto, as relações de poder são estruturantes das produções discursivas que resultam em posições de obediência, opressão, dominação, mas também em negociações e reexistência. A problematização das práticas discursivas produtoras e reprodutoras de silenciamentos e resistências é algo necessário, pois possibilita o rompimento das hierarquias culturais estabelecidas nos discursos, como vias de controle social.
A história das mulheres negras, é marcada por uma luta constante por espaço, reconhecimento e igualdade em todas as esferas da sociedade. Na educação, esse cenário não é diferente. Desde os primórdios da instituição formal de ensino, estas mulheres têm enfrentado barreiras e desafios para ocupar cargos de destaque, têm enfrentado desafios adicionais devido à interseccionalidade de gênero e raça.
A ocupação de cargos por mulheres negras, é um reflexo das mudanças sociais e políticas ao longo do tempo. Nos últimos anos, temos testemunhado um aumento gradual da representatividade feminina em diversos níveis da educação, desde a sala de aula até cargos de liderança em instituições de ensino. Mulheres estão assumindo papéis de direção, coordenação e docência, trazendo consigo uma perspectiva única e enriquecedora para o ambiente educacional.
Ao longo dos séculos, as mulheres têm desempenhado um papel fundamental na disseminação do conhecimento e na formação de mentes, muitas vezes em condições adversas e com recursos limitados. Sua contribuição nem sempre foi reconhecida ou valorizada como deveria. As mulheres negras, têm sido frequentemente relegadas a posições periféricas na hierarquia educacional, enfrentando discriminação e marginalização.
A questão da ocupação e desocupação de cargos na educação para mulheres negras é complexa. Por um lado, vemos exemplos inspiradores de mulheres negras que desafiam as expectativas e conquistam posições de destaque na educação, servindo como modelos a serem seguidos e inspirando futuras gerações. Por outro lado, essas mulheres continuam enfrentando obstáculos significativos em sua jornada, lutando para superar o racismo e o sexismo institucionalizados que permeiam o sistema educacional.
Apesar dos avanços, as mulheres ainda enfrentam desafios significativos no campo da educação. A desigualdade de gênero persiste, refletindo-se em disparidades salariais, falta de oportunidades de promoção e acesso limitado a recursos e desenvolvimento profissional. Para as mulheres negras, esses desafios são exacerbados pela discriminação racial sistêmica e pela falta de representatividade nos espaços de poder e tomada de decisão.
Para promover uma mudança real e duradoura, é fundamental que reconheçamos e confrontemos os obstáculos estruturais que impedem as mulheres negras, de avançar na carreira educacional. Isso inclui a implementação de políticas e práticas que promovam a igualdade de gênero e a equidade racial, bem como o fortalecimento do apoio a mulheres que buscam avançar em suas carreiras na educação.
Além disso, é essencial que reconheçamos e valorizemos a contribuição única e inestimável das mulheres negras para a educação. Suas experiências e perspectivas enriquecem o ambiente educacional, promovendo a diversidade e o entendimento mútuo. Ao valorizar e apoiar as mulheres negras na educação, estamos investindo no futuro de nossas comunidades e na construção de um sistema educacional mais justo e inclusivo para todos.
A jornada das mulheres negras na educação é uma história de determinação e esperança. Apesar dos desafios, essas mulheres continuam a lutar por um mundo onde todas as pessoas, independentemente de gênero ou raça, tenham acesso igualitário à educação e às oportunidades que elas oferecem. É nossa responsabilidade coletiva trabalhar juntos para tornar essa visão uma realidade.
As mulheres negras representam uma força que tem moldado a história e a cultura ao redor do mundo. Diante de desafios e adversidades, essas mulheres emergiram como líderes, artistas, ativistas e inspirações inigualáveis.
Desde os dias sombrios da escravidão até os desafios contemporâneos, as mulheres negras enfrentaram a opressão de frente, elas têm sido pioneiras na luta pelos direitos civis, igualdade de gênero e justiça social, muitas vezes liderando movimentos que buscam transformar sociedades inteiras.
A contribuição das mulheres negras à cultura é inestimável. Na música, na dança, na literatura e em outras formas de expressão artística, elas trouxeram uma riqueza de perspectivas que enriqueceram o panorama cultural global. Nomes como Nina Simone, Maya Angelou, Beyoncé e tantas outras se destacam como ícones que transcenderam fronteiras e influenciaram gerações.
Além disso, as mulheres negras têm sido pilares fundamentais em suas comunidades, desempenhando papéis cruciais como educadoras, cuidadoras, mentoras, etc. Sua capacidade de nutrir e fortalecer laços comunitários é uma força que sustenta muitas sociedades ao redor do mundo.
À medida que celebramos as conquistas das mulheres negras, também devemos ser conscientes das batalhas que ainda precisam ser travadas. É imperativo que todas as mulheres, independentemente de sua raça, tenham acesso a oportunidades e sejam valorizadas por suas contribuições únicas para a sociedade.
No discurso histórico de Sojourner Truth, proferido em 1851, durante a Convenção dos Direitos da Mulher em Akron, Ohio, sua voz ecoa com uma força inegável, desafiando as noções convencionais de gênero e raça. Sua famosa pergunta “Ain’t I a Woman?” ressoa como um grito de afirmação da identidade das mulheres negras, marginalizadas e invisibilizadas em uma sociedade dominada por homens brancos.
Essa análise discursiva da posição sujeito das mulheres negras militantes, tal como reverberada pelo discurso de Sojourner Truth, transcende o tempo e permanece relevante até os dias atuais. As mulheres negras, ao longo da história, têm sido duplamente oprimidas, em meio às adversidades, muitas se tornaram agentes de mudança, ocupando espaços de poder e influência em diversos campos, incluindo a educação.
Nas instituições educacionais, as mulheres negras têm desempenhado papéis fundamentais, elas não apenas transmitem conhecimento, mas também desafiam as estruturas opressivas, promovendo uma educação inclusiva, empoderada. Sua presença é vital para garantir que as vozes e experiências das comunidades negras sejam representadas e valorizadas no ambiente escolar.
Por meio de seu trabalho incansável, essas mulheres negras na educação não apenas ensinam conceitos acadêmicos, mas também cultivam o amor-próprio e a autoconfiança em seus alunos. Elas oferecem um modelo positivo de identidade racial e de gênero, incentivando os jovens a abraçarem sua herança cultural e a se orgulharem de quem são.
As mulheres negras que ocupam espaços de poder na educação desempenham um papel crucial na transformação das políticas e práticas educacionais. Elas advogam por currículos mais inclusivos, que reflitam a diversidade de experiências e perspectivas dos alunos, e lutam por recursos e oportunidades equitativas para todas as comunidades.
Apesar de suas contribuições significativas, essas mulheres continuam a enfrentar obstáculos e discriminação. Elas são frequentemente subestimadas, marginalizadas e confrontadas com o racismo institucionalizado dentro do sistema educacional. Sua determinação impulsionam a superar esses desafios e a continuar sua luta por justiça e igualdade.
No cenário contemporâneo, as vozes das mulheres negras militantes ecoam com uma força renovada, desafiando e transformando paradigmas em diversas esferas da sociedade. Segundo Santos (2021), em seu estudo sobre como os discursos das mulheres negras militantes são reverberados na atualidade, oferece um olhar profundo sobre o poder dessas narrativas e sua influência na educação, particularmente quando consideramos as mulheres negras que ocupam espaços de poder nesse campo.
A identidade das mulheres negras é intrinsecamente ligada à sua luta histórica por justiça, igualdade e reconhecimento. Ao longo dos séculos, elas têm sido forçadas a navegar por um mundo que muitas vezes as marginaliza e silencia. No entanto, a persistência dessas mulheres é evidente em sua militância, que busca não apenas resistir, mas também redefinir as narrativas que as cercam.
É na educação que vemos um terreno fértil para a manifestação desse poder transformador. Mulheres negras que ocupam cargos de destaque e influência no campo educacional trazem consigo uma bagagem única de experiências e perspectivas que enriquecem não apenas o ambiente escolar, mas também a sociedade como um todo. Seus discursos são portadores de uma verdade profundamente enraizada na realidade vivida pelas comunidades negras, desafiando ideias preconcebidas e inspirando uma nova geração de líderes e pensadores.
Essas mulheres não apenas falam sobre mudança; elas são agentes ativas dela. Seja por meio de políticas inclusivas, programas educacionais inovadores ou simplesmente servindo como modelos e mentores para jovens negras, elas estão moldando o futuro da educação e, por extensão, da sociedade. Seus discursos são uma celebração da diversidade, da esperança, e sua influência é sentida muito além das salas de aula, Conceição Bugarim (2024) enfatiza essa força em sua fala:
Eu sempre lidei, né… Quando você para pra pensar, você vê quantos, quantas ações, é, preconceituosas, é, você presenciou, eu sempre lidei, mas, é, eu lidava assim, é, de maneira inconsciente, mas apesar da, da, de ser de forma inconsciente, eu nunca passei sem me defender, sem até mesmo de me proteger, é, me posicionando né… E a parte que se foi muito forte como eu, eu coloquei pra vocês, foi quando eu iniciei o trabalho como professora, é, trabalhando na, na Camargo Correia, onde era a, a paraense do grupo, a paraense que falava chiando. A paraense negra. Entendeu… Então foi assim muito presente. Eu lidei sim com, com essa questão do preconceito. Então a estratégia pra superar, é você, é perceber né… Saber se posicionar, saber ter conhecimento, reconhecer os seus direitos porque, se você não conhece os seus direitos, se você não sabe exercitar, é, a sua cidadania fica muito difícil, né… Você fica achando que, é, tu estás, estás conseguindo, é, não é teu direito entendeu… Você está ali por estar, então eu acho que se reconhecer enquanto cidadão de direito é o primeiro passo, uma estratégia, se reconhecer, é, como cidadã de direito é uma estratégia pra você superar esses desafios. Né… De você sentir que você, não é menos que as pessoas que convivem com você. Então quando você se reconhece dessa forma, se torna mais fácil de você superar os desafios. Né… De você se sentir valorizado. Entendeu… Eu creio que você se valorizar, se você se reconhecer né… Que você tem o valor, é, como os outros, né… Nós somos pessoas diversas, pessoas diferentes, mas nós somos é, precisamos ser respeitados. Eu creio que é uma estratégia, é, que, que cada pessoa deve utilizar. Né… Esse reconhecimento de direito e de cidadania. Porque quando você não se reconhece se torna difícil né… Buscando se posicionar né… Diante das questões, eu vejo que o processo de qualificação na sua área de trabalho, ela permite que você é, consiga superar esses desafios porque eu vejo assim que é, por mim, é, eu sempre busquei estar além um pouquinho do, do que eu que os meus pares, não como forma de é, ser melhor porque eu, eu percebi a necessidade de estar mais antenada, é, das coisas, sabendo, buscando . Entendeu? Então eu vejo assim que sempre o, o, quando a gente chega no nível de conscientização, a gente procura se qualificar melhor, a gente procura se valorizar melhor, então eu vejo que a chave de tudo isso é a maior estratégia em si, é o conhecimento, porque quando você tem o conhecimento, você consegue superar esses desafios. É, e vejo assim que como que a gente pode é, é, contribuir enquanto docente pra superar esses desafios… É, aproveitando as brechas né… As leis que estão aí e buscando trabalhar né… Nós vemos agora que, é, por exemplo a universidades na qual eu trabalho este ano que vai, é, iniciar a educação étnico-racial é, e aproveitando essas brechas né… Essas discussões, pra ajudar o, o, os educandos os universitários a, a poder superar os desafios no dia a dia. A sociedade que aí está. (Entrevista realizada por Conceição, 2024)
Ao examinarmos a relação entre a identidade da mulher negra e o poder que elas exercem na educação, somos confrontados com uma verdade inegável: o potencial transformador dessas mulheres é ilimitado. À medida que continuamos a nos inspirar e aprender com suas histórias, estamos pavimentando o caminho para um futuro mais justo, equitativo e inclusivo.
Nesse contexto, é importante reconhecer que a presença e as vozes das mulheres negras na educação não são apenas importantes, mas essenciais para o progresso da sociedade como um todo. Suas experiências únicas fornecem uma perspectiva vital para abordar questões de justiça social e diversidade dentro do sistema educacional.
Além disso, a presença dessas mulheres nos níveis mais altos da educação serve como um lembrete poderoso de que a representatividade importa. Ao verem pessoas que se parecem com elas ocupando cargos influentes, os jovens negros são incentivados a perseguirem a excelência acadêmica e profissional, sabendo que eles também têm um lugar legítimo nesses espaços.
É importante reconhecer que o progresso rumo à igualdade na educação ainda está longe de ser completo. Mulheres negras continuam a enfrentar obstáculos e discriminação em suas carreiras, desde o acesso limitado a oportunidades de desenvolvimento profissional até a falta de reconhecimento por seu trabalho e contribuições.
Segundo Santos (2021), destaca não apenas a importância dos discursos das mulheres negras militantes na atualidade, mas também a necessidade urgente de garantir que suas vozes sejam ouvidas e valorizadas em todos os aspectos da sociedade, especialmente na educação. Somente ao reconhecer e celebrar a diversidade de experiências e perspectivas podemos verdadeiramente avançar em direção ao futuro.
Segundo Estevão (2021), este destaca a importância vital de compreendermos e valorizarmos a perspectiva dessas mulheres em meio às narrativas midiáticas, especialmente em momentos desafiadores como os vivenciados durante a pandemia, onde uma população em geral ficou prejudicada, principalmente na educação.
Observamos que em tempos de pandemia as mazelas do ensino, as dificuldades foram e vem sendo acentuadas a cada momento, reforçando a elitização do ensino, que exclui alunos e faz com que professores e pais de alunos, busquem formas, “jeitinhos” para garantirem o chamado ensino remoto (Domingues et al., 2022, p. 147)
Na educação, um campo fundamental para o desenvolvimento humano e social, as mulheres negras que ocupam posições de liderança e influência desempenham um papel transformador. Elas não apenas compartilham conhecimento e habilidades, mas também se tornam catalisadoras de mudança, promovendo a igualdade em suas instituições. Suas vozes e experiências são essenciais para moldar políticas educacionais mais sensíveis à diversidade, garantindo que todas as crianças e jovens tenham acesso a oportunidades iguais de aprendizado e crescimento.
É imprescindível reconhecermos também o papel fundamental que essas mulheres desempenham no campo da educação. Elas enfrentam desafios únicos, muitas vezes lidando não apenas com as exigências do trabalho, mas também com a necessidade de superar preconceitos. É precisamente através de sua determinação e compromisso com a excelência que essas mulheres negras na educação desafiam e transformam as estruturas de poder estabelecidas.
As mulheres negras na educação estão frequentemente na vanguarda do desenvolvimento de práticas pedagógicas inovadoras e culturalmente sensíveis, que levam em consideração as diversas experiências e realidades dos alunos. Elas reconhecem a importância de uma educação que vá além do mero ensino de conteúdos acadêmicos, buscando também promover o pensamento crítico, a autonomia e a consciência social entre seus alunos.
Apesar das dificuldades impostas pelo racismo, arraigado na estrutura social, essas mulheres não se deixam abater. Elas são as guardiãs de uma herança de resistência, transmitindo de geração em geração a chama da esperança e da perseverança.
Em meio às adversidades, essas mulheres encontram apoio umas nas outras, formando uma rede de solidariedade e rede. Elas compartilham histórias, estratégias e sabedoria, fortalecendo-se mutuamente na jornada rumo à igualdade e à justiça.
A história de vida de uma mulher negra na educação e as histórias de tantas outras mulheres negras em Tucuruí são partes de um mosaico complexo. São narrativas de resistência, coragem e esperança, que ecoam através do tempo e inspiram aqueles que ousam sonhar com um mundo onde a igualdade e a justiça sejam uma realidade para todos.
Nossa perspectiva acadêmica nos permite examinar a importância de compreender como essas lideranças e as instituições nas quais estão inseridas se alinham em termos de objetivos de vida. Isso contribui para fortalecer e expandir as culturas de origem afro por meio das práticas cotidianas, tanto no contexto da educação formal quanto no enfrentamento do colonialismo. Além disso, nos permite examinar os fundamentos das relações sociais que surgem dessa influência cultural.
No entanto, sua jornada está longe de ser fácil. Elas enfrentam resistência e hostilidade, muitas vezes tendo que trabalhar o dobro para serem reconhecidas e respeitadas em um ambiente dominado por privilégios e preconceitos. Mas é essa mesma resistência que as fortalece, alimentando sua determinação e compromisso com a causa que abraçam.
É importante reconhecer não apenas as conquistas individuais dessas mulheres, mas também os sistemas de opressão que continuam a desafiá-las. A luta pela igualdade racial e de gênero é uma batalha contínua, que requer não apenas ações individuais, mas também mudanças estruturais e culturais em toda a sociedade.
À medida que celebramos as conquistas dessas mulheres negras na educação e no poder em Tucuruí, devemos também renovar nosso compromisso em apoiar suas lutas e em amplificar suas vozes. Devemos nos unir em solidariedade, reconhecendo que a libertação de uns está intrinsecamente ligada à libertação de todos.
Que essas histórias de resiliência e determinação nos inspirem a seguir em frente, lutando por um mundo onde todas as mulheres, independentemente de sua raça ou origem, possam alcançar seu pleno potencial e contribuir de forma significativa para uma sociedade melhor.
A cada obstáculo que enfrentam, elas erguem suas vozes em um coro de resistência, ecoando pelos corredores da história com a força de mil trovões. Suas histórias são como rios poderosos, cortando através das rochas da discriminação e da injustiça, esculpindo um novo caminho para as gerações que virão.
Elas não são apenas líderes; são guerreiras, lutando uma batalha que transcende o tempo e o espaço. Seus sorrisos irradiam esperança, suas mãos estendidas em solidariedade são a prova viva de que juntas, são mais fortes.
Enquanto celebramos suas conquistas, também reconhecemos os sacrifícios que fizeram, as lágrimas que derramaram e as noites em que se perguntaram se valeria a pena continuar. Mas continuaram, alimentadas pelo fogo sagrado que arde em seus corações, alimentadas pela convicção de que estão pavimentando o caminho para um amanhã mais justo.
Que cada vitória delas seja um lembrete de que não há limites para o que podemos alcançar quando nos recusamos a aceitar o status quo. Que suas histórias inspirem não apenas admiração, mas também ação – ação para derrubar as dificuldades que ainda existem, para desafiar as estruturas que ainda oprimem e para construir um mundo onde todas as vozes sejam ouvidas e todos os sonhos possam florescer.
E assim, enquanto olhamos para o futuro, erguemos nossas vozes em solidariedade com essas mulheres negras em Tucuruí e em todo o mundo, prometendo nunca esquecer o poder transformador da perseverança, da determinação e, acima de tudo, do amor.
Outro aspecto relevante refere-se as sujeitas da pesquisa, que são professoras, cujo papel social implica em relações de poder, configurando um olhar para as dinâmicas sociais e culturais em que se formam as práticas discursivas no espaço da escola.
3 DESVENDANDO A NEGRITUDE
Negro sou! Negro ficarei!
Aimé Césaire.
A discussão da Negritude é de extrema importância, está intrinsecamente ligada ao processo de conscientização da condição humana de uma comunidade que há muito tempo enfrenta adversidades históricas que a têm sistematicamente colocado em uma posição de inferioridade, e em alguns casos, até mesmo de negação de sua humanidade ao longo da história do Ocidente (Munanga, 2009, p. 20).
Como um movimento político, a Negritude representa não apenas uma afirmação cultural, mas também uma manifestação de luta contra as estruturas imperialistas que historicamente tendem a marginalizar e excluir os povos emergentes, especialmente os africanos, relegando-os à periferia da narrativa histórica ocidental.
A palavra Negritude aparece pela primeira vez entre 1939 e 1940 na obra, o Cahier d’un Retour au Pays Natal, publicada na revista Volontés (1939), provocando grande euforia nos seus leitores. O movimento da Negritude teve diálogos com diversos teóricos, como já destacado antes, a exemplo de Frantz Fanon. Nesse mesmo período, as obras de maior destaque são ensaios Escravidão e colonização (1948), Discurso sobre a Negritude (1950) e Discurso sobre o colonialismo (1955).
Este movimento é muito importante enquanto possibilidade de romper com o eurocentrismo do século XX por conta do seu caráter político, ideológico e cultural. Inicialmente se desenvolveu como movimento literário e intelectual que deu base para um processo de consciência racial, organização e integração de estudantes das colônias francesas.
Suas influências principais foram os movimentos dos Estados Unidos, posteriormente ele passou a influenciar a África negra e as Américas. No tocante a sua consolidação, a Negritude é movimento de intelectualidade negra e de transformação histórica do pensamento.
No que concerne à contribuição de Munanga (2009), a Negritude é crucial no processo de construção da identidade de diversas formas e contextos sociais. É para o autor o princípio da tomada de consciência da condição histórica das vítimas de inferiorização de negação da humanidade ao povo negro pelo mundo moderno (Munanga, 2009, p. 20). Fonseca (2010) é enfática ao evidenciar a importância do Movimento:
Desde 1953, a defesa da Negritude pode ser percebida em seus textos não apenas como impulso à conquista da liberdade dos colonizados, mas também como a possibilidade de se pensar na união de todos os negros do mundo. Por isso a poética da Negritude é fortemente marcada pelas questões sociais, o que não significa que não estivesse atenta às questões da linguagem. Havia um interesse muito grande em se conhecerem as línguas orais e as expressões culturais mais integradas com a expressão do povo (Fonseca, 2010, p. 4).
Segundo Carlos Moore (2007), o movimento em si culmina da união de Césaire, Damas e Senghor no contexto da luta anticolonialista e se fragmenta por dois caminhos, a saber: Senghor passa a pensar a Negritude pela via da oposição às independências das colônias, onde a mestiçagem é o cerne do processo e a descolonização deveria gerar a integração colônia-metrópole.
Neste sentido seria possível pensar colonizador e colonizado habitando harmonicamente o mesmo espaço. Por essa ótica ocorreria uma reconciliação pautada na mestiçagem cultural que influenciaria para o surgimento de uma Civilização Universal. Aqui a Negritude estava posta como algo passível de prática em especial no campo puramente literário e estético, num modo puramente essencialista (Moore, 2007, p. 21-22).
No que tange a Césaire e Damas, estes dialogam com o marxismo a partir da defesa da emancipação das colônias da Ásia e da África e da autonomia das colônias francesas do Caribe. Para estes dois, o confronto seria inevitável e não haveria outro caminho. De acordo com Moore (2007) a divergência entre Césaire, Damas e Senghor ocorreu de forma cordial por conta dos seus laços de amizade que perduraram por toda vida.
Segundo Coursil (2010), o neologismo Negritude é o grande grito negro da negação do falar, de existir de acordo com a sociedade colonial que supõem que o colonizado não possui discurso. Ao falar, o Calibã de Césaire abala negação de humanidade, de história, negação de cultura, de moral, de beleza e de racionalidade do mundo colonial. Assim, Césaire declara: o recurso feito aqui naturalmente com essa linguagem é a essência da poesia, e que a poesia desempenha aqui em pleno o seu papel de ato libertador (Césaire apud Coursil, 2010, s/p, tradução nossa).
Para Coursil (2010), o radical “nègr” nos remete a palavras pejorativas em francês relacionadas a história do povo negro envoltos no colonialismo. Em se tratando do sufixo “itude” aparece em palavras em oposição ao radical que indica duração. Entretanto Césaire e Senghor ressignificam o sufixo – itude, esvaziam-no de sua finitude, pois para estes a Negritude nomeia a raça negra. Já para Césaire, o significado do sufixo é mais concreto, é identidade e enraizamento (Kesteloot, 1975, p.158 apud Coursil, 2010). Podemos entender desta forma que a Negritude se apoderou de uma definição próspera, definido por Césaire (2010) como:
A Negritude, aos meus olhos, não é uma filosofia.
A Negritude não é uma metafísica. […]
É uma maneira de viver a história dentro da história; […]
A Negritude, em seu estágio inicial, pode ser definida primeiramente como tomada de consciência da diferença, como memória, como fidelidade e solidariedade. Mas a Negritude não é apenas passiva. Ela não é da ordem do esmorecimento e do sofrimento. […] A Negritude resulta de uma atitude proativa e combativa do espírito. Ela é um despertar; despertar de dignidade. Ela é uma rejeição; rejeição de opressão. Ela é luta, isto é, luta contra a desigualdade. […] Dito de outra forma, a Negritude foi uma revolta contra aquilo que eu chamaria de reducionismo europeu. […]
Com a Negritude, era iniciado um empreendimento de reabilitação dos nossos valores por nós mesmos, de aprofundamento sobre o nosso passado por nós mesmos, de re-enraizamento de nós mesmos em uma história, uma geografia e uma cultura. Tudo isso se traduzindo não por uma valorização arcaizante do passado, mas por uma reativação do passado, tendo em vista o seu próprio distanciamento (Césaire, 2010, p. 108-110).
O discurso acima delineia a Negritude no nível de uma espécie de consciência, um posicionamento adequado frente ao racismo. O que se tem como resultado deste posicionamento é uma quebra efetiva do comportamento social que valoriza a hierarquização racial (Césaire, 2010, p. 37). Num plano efetivo, de acordo com Glissant (2005) é um passo importante para se desmistificar os inúmeros processos de desumanização do negro. Um exemplo da estrapolação territorial do lócus do fenômeno deste movimento é a possibilidade de refletir acerca do português brasileiro e a forma como as identidades se constroem por aqui, esta seria a projeção da Negritude nas diversas culturas no mundo (Glissant, 2005). Para nossa percepção é o que oportunizou a tomada de consciência do povo negro desterritorializado. A noção de pertencimento em contraposição com a dominação colonial, propõe que se vá ao encontro das origens africanas em busca da identidade afrodescendente, pensada por Glissant (2005) como uma identidade antilhana.
A Negritude, enquanto conceito, carrega uma profundidade que vai além da simples identificação racial. Ela engloba uma vasta gama de experiências, vivências e resistências que são intrínsecas às comunidades negras. No contexto escolar, essas experiências se intensificam, pois muitas vezes reflete e reproduz as desigualdades sociais presentes na sociedade em geral. Assim, a análise da Negritude entre as entrevistadas nos oferece uma visão crítica e necessária sobre como essas mulheres navegam e resistem às estruturas opressivas.
Essa categoria se mostrou interessante por nos fazer refletir sobre elementos que permeiam o campo político-cultural dos coletivos negros. As entrevistadas desta pesquisa, sendo frequentadoras do ambiente escolar, oferecem uma perspectiva rica sobre a manifestação do conceito de Negritude em suas trajetórias de vida. Ao tratar desse tema, demonstramos tanto a nossa compreensão do conceito quanto a forma como ele se manifesta na vida dessas mulheres.
Além disso, a Negritude abarca uma politicidade que se manifesta na luta por direitos, reconhecimento e valorização das culturas negras. Esse aspecto político é vital para entender as estratégias de resistência e as formas de organização dos coletivos negros. As práticas educativas, por exemplo, são um campo de disputa onde a Negritude pode ser afirmada e valorizada, ou, infelizmente, negada e subestimada. É nesse cenário que se destacam as iniciativas de valorização da história e cultura afro-brasileira, que buscam resgatar e reafirmar a importância dessas contribuições na formação da sociedade brasileira.
Ao analisar a Negritude através das experiências na educação e das teorias que abordam essa temática, conseguimos uma compreensão mais ampla e profunda das dinâmicas que influenciam as vidas das mulheres negras. Essa análise não só enriquece o debate acadêmico, mas também contribui para a criação de políticas mais inclusivas e representativas, que reconheçam e valorizem a diversidade e a riqueza das experiências negras.
As condições dos afro-brasileiros estão ligadas ao processo de invisibilização da significativa contribuição da experiência popular, que é inequivocamente detectada na sociedade brasileira e é resultado do movimento diaspórico. A história do Brasil é profundamente enraizada na diversidade e nas contribuições de diferentes grupos étnicos, culturais e sociais. No entanto, ao longo do tempo, a narrativa predominante tendeu a subestimar ou ignorar a influência e o legado dos afrodescendentes.
Essa invisibilidade se estende não apenas à história, mas também às estruturas sociais, econômicas e políticas do país. Afro-brasileiros continuam a enfrentar desigualdades persistentes em áreas como acesso à educação de qualidade, oportunidades de emprego, cuidados com a saúde e representação política. Essas disparidades são muitas vezes enraizadas em um legado de discriminação histórica e estrutural, perpetuando um ciclo de marginalização e exclusão.
Para verdadeiramente abordar as condições dos afro-brasileiros, é crucial reconhecer e valorizar plenamente sua contribuição à formação e à cultura do Brasil, além de combater ativamente o racismo institucionalizado e promover a igualdade de oportunidades para todos os cidadãos. Isso requer não apenas políticas e programas específicos, mas também uma mudança fundamental na mentalidade e na consciência coletiva, para que a diversidade e a inclusão se tornem os pilares fundamentais de uma sociedade verdadeiramente justa e equitativa.
Nossa abordagem não busca simplesmente destacar a cultura afrobrasileira, reduzindo-a ao mero conceito de Negritude. Em vez disso, concentramo-nos na análise das práticas sociais e educativas de uma comunidade que há muito tempo vem forjando sua própria identidade como forma de resistência. Ao compreendermos essa realidade, embarcamos em um processo reflexivo que visa não apenas gerar conhecimento, mas também fornece as bases necessárias para uma compreensão mais profunda dos mecanismos que nos levarão a alcançar nossos objetivos. Estamos comprometidos em explorar e valorizar as nuances e complexidades dessa rica herança cultural, reconhecendo-a não apenas como um conjunto de traços distintivos, mas como um catalisador poderoso para a transformação e o avanço social.
A definição da Negritude como um conceito básico nos possibilita direcionar nossa atenção para a centralidade das entrevistadas da pesquisa e para as interações que essas mulheres desenvolvem no ambiente social que frequentam. Além disso, o aspecto fenotípico da sua Negritude assume um papel crucial, tornando-se o motor que impulsiona as diversas etapas de sua participação e influenciando significativamente os rumos que suas vidas tomam.
É através dos olhos da Negritude que podemos compreender mais profundamente as atitudes performáticas dessas mulheres e como elas se relacionam com sua identidade e experiências. A Negritude não apenas molda suas percepções de si mesmas e do mundo ao seu redor, mas também informa suas escolhas, valores e aspirações, tornando-se uma força poderosa que permeia todas as faces de suas vidas.
4 CONCLUSÃO
Este estudo trouxe à tona a trajetória complexa e inspiradora de mulheres negras em cargos de gestão na educação em Tucuruí-Pará, destacando os desafios históricos e contemporâneos que atravessam suas experiências, assim como suas conquistas e formas de resistência. Por meio da análise discursiva, foi possível evidenciar como essas mulheres reexistem, isto é, recriam suas identidades e reafirmam suas posições no campo educacional, enfrentando problemas estruturais e simbólicas que ainda limitam o pleno reconhecimento e valorização de suas lideranças.
As categorias analisadas – Educação, Liderança e Racismo – demonstraram ser fundamentais para compreender os diferentes prismas que compõem suas vivências. Essas dimensões revelam não apenas os obstáculos enfrentados, mas também o protagonismo dessas mulheres na busca por transformar realidades e abrir caminhos para futuras gerações.
O texto reforça a necessidade urgente de políticas públicas inclusivas que promovam condições equitativas e sustentem uma representatividade autêntica no ambiente educacional. A desconstrução de narrativas estereotipadas e a valorização das competências dessas profissionais são passos essenciais para consolidar uma gestão verdadeiramente democrática e inclusiva.
Por fim, o estudo destaca a importância de continuar investigando e dando visibilidade às desigualdades de gênero e raça nas posições de liderança, como forma de construir um futuro educacional mais justo, onde mulheres negras sejam plenamente reconhecidas e tenham suas trajetórias respeitadas e potencializadas. Trata-se de um compromisso com a transformação social e com a promoção da justiça e da igualdade, pilares indispensáveis para uma sociedade mais inclusiva e diversa.
REFERÊNCIAS
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[1]* Mestrando(a) em Educação e Cultura pela Universidade Federal do Pará (UFPA/PPGEDUC/CUNTINS), Campus de Cametá, Pará, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0009-0004-8867-2262 LATTES: http://lattes.cnpq.br/0327842128343102 E-MAIL: deise.medeiros@cameta.ufpa.br
[2]** Docente da Universidade Federal do Pará (UFPA/PPGEDUC/CUNTINS), Campus de Cametá, Pará, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9936-3666 LATTES: http://lattes.cnpq.br/8141687357119122 E-MAIL: lucaslopes@ufpa.br
[3] Não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. A Constituição de 1988 inova, assim, ao incluir, dentre os direitos constitucionalmente protegidos, os direitos enunciados nos tratados internacionais de que o Brasil seja signatário. Ao efetuar tal incorporação, a Carta está a atribuir aos direitos internacionais uma natureza especial e diferenciada, qual seja, a natureza de norma constitucional (PIOVESAN, 2000, p. 97).
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