REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202505271726
Giulia Rampazzo
Resumo
O presente artigo realiza uma análise crítica e comparativa entre os sistemas jurídicos Civil Law e Common Law, destacando suas origens históricas, estrutura normativa, fontes do Direito, papel do juiz, fundamentos filosóficos, e a formação jurídica em cada modelo. O Civil Law, de tradição romano-germânica, prioriza a codificação legislativa, a previsibilidade e a sistematização jurídica. Já o Common Law, com origem na prática jurisprudencial inglesa, valoriza o precedente judicial e a flexibilidade interpretativa. A pesquisa também examina as recentes aproximações entre os dois sistemas, impulsionadas pela globalização, pela internacionalização dos direitos humanos e pela complexidade das demandas jurídicas contemporâneas. Ao final, aponta-se para uma tendência de convergência funcional entre os modelos, destacando a importância do estudo comparado como instrumento de aperfeiçoamento normativo e institucional.
Palavras-chave: Direito Comparado; Civil Law; Common Law; Jurisprudência; Codificação; Sistemas Jurídicos.
1. INTRODUÇÃO
O Direito, enquanto fenômeno histórico, cultural e normativo, assume diferentes formas de organização nos diversos contextos sociais. Entre os sistemas jurídicos contemporâneos mais influentes, destacam-se o Civil Law, com raízes na tradição romano-germânica, e o Common Law, originário da Inglaterra medieval. Ambos os modelos evoluíram em direções distintas, influenciados por fatores históricos, filosóficos e institucionais, formando estruturas jurídicas próprias, com métodos diversos de produção e aplicação do direito.
O Civil Law tem como base o Direito Romano, especialmente a codificação promovida por Justiniano no século VI, o Corpus Iuris Civilis. Este modelo se consolidou com a valorização da lei escrita como principal fonte do Direito e se expandiu pela Europa continental, América Latina, e diversos países africanos e asiáticos. Já o Common Law, formado a partir dos costumes ingleses e da jurisprudência construída pelos tribunais reais, desenvolveu-se em um sistema jurisprudencial, centrado no precedente e na técnica do stare decisis.
A presente análise propõe-se a realizar uma reflexão crítica sobre os dois sistemas, destacando suas diferenças estruturais, filosóficas e práticas, bem como seus impactos sobre a segurança jurídica, a atuação do juiz, a função da lei e o papel da doutrina. Ao final, busca-se compreender os possíveis caminhos de convergência e hibridização desses modelos, especialmente à luz das transformações sociais e jurídicas do mundo globalizado.
2. FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E ESTRUTURAIS
A distinção entre os sistemas jurídicos Common Law e Civil Law pode ser compreendida, inicialmente, a partir de seus fundamentos históricos. O Civil Law, também conhecido como sistema romano-germânico ou continental, possui suas origens no Direito Romano, cuja sistematização máxima se deu sob o imperador Justiniano, com a compilação do Corpus Iuris Civilis. Essa obra monumental influenciou profundamente a organização jurídica de países europeus e, por consequência, os sistemas jurídicos da América Latina, inclusive o brasileiro1.
Segundo Bernardo Queiroz de Moraes, “o direito durante o período Justinianeu está entre duas eras, e por isso é um direito único e mais amplo, porque a forma de compilação é a mesma aplicada na prática”2. O Civil Law adota uma estrutura codificada, racionalizada e sistemática, na qual a lei escrita assume primazia como fonte do Direito. Essa centralidade legalista é fruto, em grande parte, da Revolução Francesa, que consagrou a ideia de que a lei é expressão da vontade geral, legitimando o poder político por meio do legislativo3.
Por outro lado, o Common Law desenvolveu-se de maneira oposta. Formado a partir da jurisprudência dos tribunais reais ingleses a partir do século XII, esse sistema não possui uma codificação abrangente. A principal fonte do direito é a decisão judicial e a técnica do precedente vinculante (stare decisis), que obriga os tribunais a seguirem decisões anteriores em casos semelhantes4. O professor Dário Moura Vicente observa que “o direito inglês começa da base para chegar ao topo, e não o contrário”, o que revela um modelo auto-regulatório e empírico5.
A estrutura do Common Law é fortemente marcada pelo pragmatismo e pela ênfase na solução de casos concretos, em contraste com o modelo dedutivo e sistematizado do Civil Law. Enquanto o sistema romano-germânico parte da lei geral para resolver os casos individuais, o modelo anglo-saxão parte da experiência concreta para formar regras jurídicas. Isso implica em diferentes métodos de interpretação e aplicação do direito: analítico e silogístico no Civil Law, indutivo e casuístico no Common Law.
O contraste estrutural também se manifesta na função das universidades e do saber teórico. No Civil Law, especialmente após a redescoberta do Corpus Iuris Civilis na Idade Média, as universidades tiveram papel central na preservação e sistematização do Direito. Já no Common Law, como apontado por René David, “as universidades da Inglaterra e dos Estados Unidos foram irrelevantes na formação do direito e das teorias relativas a este”. 6
A partir desses fundamentos, compreende-se que cada sistema carrega em si um projeto jurídico e cultural próprio: o Civil Law, voltado à estabilidade, previsibilidade e universalidade; e o Common Law, marcado pela flexibilidade, adaptação e pragmatismo.
3. FONTES DO DIREITO
A divergência mais marcante entre os sistemas Civil Law e Common Law reside na concepção e hierarquia das fontes do Direito. Enquanto no sistema romano-germânico a lei escrita ocupa posição central e normativa, no sistema anglo-saxão o protagonismo é da jurisprudência, isto é, das decisões dos tribunais.
No Civil Law, a norma legislada representa a manifestação legítima da vontade geral e se expressa por meio de códigos e leis sistematizadas. Essa perspectiva remonta à tradição do positivismo jurídico e ao legado iluminista da codificação. Como destaca Francisco Amaral, “o Direito Civil, no contexto romano-germânico, é baseado na igualdade jurídica, na liberdade individual e na racionalização normativa”7.
A lei, nesse sistema, é geral, abstrata e impessoal, e a sua interpretação busca harmonizar-se com os princípios fundamentais do ordenamento. O papel do juiz, portanto, é de aplicar a norma ao caso concreto, sem inovar na ordem jurídica. A jurisprudência e a doutrina têm valor secundário, ainda que relevante, sobretudo em situações de lacuna normativa ou conflito hermenêutico.
Por sua vez, no Common Law, a jurisprudência (ou case law) constitui a fonte primária do Direito. A técnica do precedente vinculante, ou stare decisis, obriga os tribunais inferiores a seguirem as decisões dos tribunais superiores em casos análogos. Segundo Guido Fernando Silva Soares, “a decisão judicial é, em si, a própria norma jurídica a ser aplicada em casos futuros semelhantes”8.
Nesse modelo, a ratio decidendi — a razão de decidir que fundamenta a sentença — torna-se o elemento normativo que orienta futuros julgamentos. Ao mesmo tempo, a técnica do distinguishing permite ao juiz afastar a aplicação de um precedente quando identifica diferenças relevantes entre os casos, conferindo ao sistema maleabilidade e adaptabilidade9.
Essa maleabilidade, no entanto, pode gerar insegurança jurídica. Como alerta Moura Vicente, “a técnica do stare decisis pode fazer com que demore muito tempo até que uma regra errada seja superada, tornando a evolução do direito instável e potencialmente retroativa”10. Já no Civil Law, a substituição de normas ocorre apenas ex nunc, isto é, sem efeitos retroativos, garantindo maior previsibilidade e estabilidade ao sistema.
A produção normativa no Common Law não se limita à jurisprudência. A legislação (statute law) existe, mas possui função complementar. Em regra, leis detalhadas são usadas para corrigir ou esclarecer normas costumeiras. Em contraste, o Civil Law possui um “culto da lei”, como afirma Moura Vicente, em que a codificação é considerada a principal expressão legítima do Direito 11.
Além disso, o costume jurídico, que foi a base originária de ambos os sistemas, teve destinos distintos. No Common Law, muitos costumes locais foram absorvidos pela jurisprudência e continuam sendo considerados em matérias específicas. No Civil Law, o costume é uma fonte residual, admitida apenas quando a lei for omissa e em consonância com os princípios gerais do direito12.
Assim, as fontes do direito nos dois modelos refletem visões distintas sobre a legitimidade, estabilidade e produção do Direito. O Civil Law busca segurança e uniformidade por meio da codificação legislativa; o Common Law, por sua vez, confia na evolução jurisprudencial e na experiência prática para adaptar o direito às novas demandas sociais.
4. PAPEL DO JUIZ E DA JURISPRUDÊNCIA
A maneira como os juízes atuam dentro dos sistemas Common Law e Civil Law é uma das principais diferenças estruturais e ideológicas entre os dois modelos jurídicos. O papel do magistrado em cada sistema reflete não apenas a hierarquia das fontes do Direito, mas também o modelo de separação dos poderes, a cultura jurídica vigente e o grau de liberdade interpretativa concedido à magistratura.
No Civil Law, o juiz é, em tese, um aplicador da lei. Sua função consiste em aplicar a norma escrita ao caso concreto, segundo um raciocínio dedutivo e silogístico. Essa concepção remonta ao ideal iluminista e à teoria da separação dos poderes, segundo a qual apenas o legislador tem legitimidade para criar normas jurídicas, e o juiz deve se limitar à sua aplicação objetiva e impessoal13.
As decisões judiciais, nesse sistema, devem ser fundamentadas com base na legislação vigente, respeitando os princípios da legalidade e da impessoalidade. Nos tribunais da tradição romano-germânica, o juiz deve elaborar uma decisão detalhada, explicitando não apenas o resultado, mas também os fundamentos normativos e a avaliação das provas. Isso reforça a ideia de transparência e previsibilidade jurídica14.
Em contraste, no Common Law, o juiz exerce um papel muito mais ativo, quase legislativo, especialmente nos tribunais superiores. Ao julgar um caso, o magistrado não apenas resolve o conflito específico, mas cria um precedente vinculante para casos futuros similares. Como observa Dário Moura Vicente, “o juiz anglo-saxônico não apenas decide, mas descobre e formula o direito aplicável”15.
Essa atuação ativa decorre da ausência de uma codificação completa e da importância atribuída à experiência e ao pragmatismo. Os juízes são incentivados a interpretar casos passados, formular distinções (distinguishing) e, quando necessário, propor novas regras jurídicas, baseadas na analogia e na indução a partir dos fatos concretos.
Além disso, as decisões judiciais na tradição inglesa são personalizadas: cada juiz expõe sua opinião de maneira individual, e a decisão final é composta pela convergência (ou divergência) desses pareceres. Isso gera pluralidade argumentativa, mas também pode causar insegurança jurídica e imprevisibilidade, especialmente em casos em que a ratio decidendi não é claramente extraível16.
Essa forte autonomia judicial pode levar a excessos. O sistema de precedentes pode tornar-se lento para corrigir erros e promover mudanças sociais. Como alerta a doutrina, a modificação de um precedente consolidado pode ter efeitos retroativos, comprometendo a segurança jurídica — uma crítica comum ao Common Law17.
Por outro lado, a crítica ao Civil Law aponta que sua estrutura pode tornar os juízes excessivamente engessados, dificultando respostas ágeis a demandas sociais contemporâneas. Embora existam instrumentos como os princípios gerais do Direito, analogia e equidade, o sistema nem sempre permite uma resposta eficaz quando a legislação está defasada ou omissa.
Em síntese, o juiz civilista tende a ser visto como um executor da vontade legal, enquanto o juiz da common law é também um intérprete-criador, com maior margem de manobra. Cada modelo possui virtudes e fragilidades, que devem ser ponderadas diante da complexidade crescente das sociedades contemporâneas.
5. PRINCÍPIOS IDEOLÓGICOS E FILOSÓFICOS
A compreensão dos sistemas jurídicos Common Law e Civil Law exige a análise dos fundamentos ideológicos e filosóficos que orientam suas estruturas e finalidades. A forma como cada sistema concebe o papel do Estado, do indivíduo e da norma jurídica está diretamente relacionada às suas respectivas tradições culturais e concepções filosóficas de justiça.
No Civil Law, predomina uma visão racionalista e sistemática, influenciada pelo iluminismo europeu e pela filosofia kantiana. A codificação do direito, como o Code Napoléon de 1804, foi concebida como expressão da vontade geral e da soberania popular, em oposição ao arbítrio judicial. Conforme destaca Francisco Amaral, o Civil Law é “personalista, centrado na dignidade humana, e comprometido com os princípios da liberdade, igualdade e solidariedade”18.
A ideia de que a lei escrita reflete o consenso coletivo legitima o poder estatal e confere ao direito um caráter de universalidade e estabilidade. Como enfatiza Dário Moura Vicente, “o culto à lei está radicado na família romano-germânica”, e é por meio dela que se assegura a previsibilidade, a segurança jurídica e a coerência normativa19.
Do ponto de vista axiológico, o Civil Law se estrutura em torno de valores como a igualdade formal, a proteção dos vulneráveis e a função social do direito. Essa concepção encontra ressonância em autores como Rousseau, que via a lei como instrumento de realização do bem comum. O modelo jurídico civilista, portanto, tem função integradora e reguladora da vida social, muitas vezes orientado por finalidades éticas e solidárias.
Já o Common Law baseia-se em princípios empíricos, pragmáticos e individualistas. O sistema desenvolve-se pela experiência e pela prática, evitando grandes construções teóricas ou abstratas. René David observa que nos países anglo-saxônicos, “prefere-se ver o direito como um meio de resolver conflitos concretos do que como um sistema de regras gerais”20.
Essa concepção está intimamente ligada ao liberalismo clássico inglês, que valoriza a liberdade individual e a autonomia privada como pilares da ordem jurídica. A autorregulação, a confiança na racionalidade prática dos tribunais e o foco na efetividade das decisões são marcas centrais da ideologia jurídica do Common Law. A lei, nesse sistema, possui papel subsidiário, muitas vezes servindo para corrigir ou integrar a jurisprudência existente.
Ademais, o Common Law dá menos ênfase à ideia de solidariedade social. O direito é concebido como uma arena para garantir a liberdade de cada indivíduo, ainda que isso, por vezes, acentue desigualdades sociais. Como crítica, pode-se apontar que esse modelo favorece a manutenção do status quo e a dificuldade de promover reformas estruturais com base em princípios abstratos de justiça social21.
Há, portanto, uma diferença substancial de orientação entre os dois modelos: enquanto o Civil Law aspira à coerência sistêmica e à justiça social normativa, o Common Law enfatiza a resolução eficiente de litígios concretos, com foco na experiência e na liberdade.
Contudo, é possível observar, nos sistemas contemporâneos, uma aproximação gradual desses modelos, especialmente em razão das exigências sociais por maior proteção de direitos fundamentais e da crescente internacionalização do direito. Valores como a boa-fé, a equidade, a função social dos contratos e a dignidade da pessoa humana vêm sendo incorporados também pelos sistemas de origem anglo-saxônica, em busca de maior justiça material.
6. EDUCAÇÃO JURÍDICA E PRODUÇÃO ACADÊMICA
A formação jurídica e o papel das instituições acadêmicas são aspectos centrais na consolidação e perpetuação dos sistemas Common Law e Civil Law. A relação entre universidade, doutrina e prática jurídica revela como cada modelo compreende a produção e transmissão do saber jurídico, bem como o papel da ciência do direito na construção do ordenamento.
No sistema romano-germânico, o desenvolvimento do Direito foi profundamente marcado pela atuação das universidades medievais, especialmente a partir do redescobrimento do Corpus Iuris Civilis nos séculos XI e XII. As escolas jurídicas de Bolonha, Paris, Coimbra e Heidelberg desempenharam papel essencial na elaboração doutrinária do direito civil, criando categorias, conceitos e métodos de interpretação que ainda hoje estruturam o sistema22.
A doutrina, nesse contexto, possui grande prestígio. É considerada fonte auxiliar do Direito, influenciando profundamente a jurisprudência e a legislação. Como observa António Menezes Cordeiro, o Direito Civil carrega em si uma “função jurídico-científica” voltada à realização da intencionalidade normativa por meio da solução de casos concretos, mas sempre alicerçada na construção teórica promovida pela doutrina23.
Além disso, a produção acadêmica no Civil Law é voltada para a sistematização do conhecimento jurídico, favorecendo uma abordagem dogmática e estruturada. Essa orientação teórica proporciona previsibilidade, mas pode, por vezes, distanciar o Direito da realidade prática e social.
No Common Law, a trajetória foi distinta. A formação do direito inglês se deu fora do ambiente universitário, especialmente nos tribunais e através da prática forense. Até o século XIX, as universidades de Oxford e Cambridge tinham papel marginal no ensino do Direito comum. O saber jurídico era transmitido principalmente pelas Inns of Court, instituições privadas voltadas ao treinamento de advogados24.
Consequentemente, a doutrina tem papel bastante limitado nesse sistema. Como destaca Moura Vicente, “no Common Law, a doutrina não é reconhecida como fonte do Direito e é raramente citada pelos tribunais” 25. O pensamento jurídico anglo-saxônico é menos teórico e mais prático, valorizando a experiência judicial e a análise de casos concretos.
Nos cursos jurídicos anglo-americanos, disciplinas como Jurisprudence (filosofia do direito) e Case Law Studies são baseadas em estudos de precedentes, e não em teorias abstratas. Isso reforça o caráter pragmático da formação, orientada à argumentação e à resolução de litígios, e não à construção de um sistema normativo fechado.
Por outro lado, o distanciamento entre teoria e prática no Civil Law vem sendo progressivamente atenuado com a introdução de metodologias mais críticas e interdisciplinares. Ao mesmo tempo, em países de tradição Common Law, o avanço da globalização e a necessidade de harmonização normativa têm incentivado a valorização da doutrina e o retorno à sistematização do direito, principalmente nas áreas de direito internacional, ambiental e de direitos humanos.
Esses movimentos revelam uma aproximação gradual entre os dois modelos quanto à função da educação jurídica. A busca por um jurista completo — que domine tanto a teoria quanto a prática — tem estimulado reformas curriculares e metodológicas em ambos os sistemas, com o objetivo de formar operadores do direito mais conscientes, críticos e aptos a enfrentar os desafios contemporâneos.
7. REFLEXÕES CRÍTICAS E PERSPECTIVAS FUTURAS
A análise comparativa entre os sistemas Common Law e Civil Law permite não apenas compreender as diferenças históricas, estruturais e filosóficas entre esses modelos, mas também vislumbrar os caminhos de convergência e transformação no cenário jurídico contemporâneo. A globalização, a internacionalização dos direitos humanos e a crescente complexidade das relações sociais e econômicas vêm exigindo dos sistemas jurídicos uma maior abertura ao diálogo institucional e normativo.
O sistema Civil Law, com sua codificação sistemática e estabilidade normativa, confere segurança jurídica e previsibilidade. No entanto, essa mesma rigidez pode limitar sua capacidade de adaptação a novas situações, sobretudo em contextos de rápida transformação social ou tecnológica. Por isso, observa-se um movimento crescente de flexibilização interpretativa, com maior valorização da jurisprudência, dos princípios e da equidade como meios de integração normativa26.
Por outro lado, o Common Law, com sua base jurisprudencial e orientação pragmática, revela grande capacidade de resposta prática e contextualizada às demandas sociais. Sua abertura à inovação e à analogia permite decisões mais sensíveis às peculiaridades dos casos concretos. Contudo, essa flexibilidade pode resultar em instabilidade normativa, retroatividade e concentração de poder nas mãos dos juízes, o que suscita críticas quanto à previsibilidade e à legitimidade democrática27.
Além disso, as transformações no Direito Internacional e Supranacional, como o avanço da União Europeia, o fortalecimento de tratados multilaterais e a institucionalização de tribunais internacionais, vêm impondo a necessidade de harmonização normativa entre sistemas jurídicos distintos. A circulação de decisões judiciais, doutrinas e modelos legislativos entre países revela uma crescente interdependência jurídica, que relativiza as fronteiras tradicionais entre os sistemas28.
Nesse sentido, autores como René David e Dário Moura Vicente destacam que estamos diante de uma possível “convergência funcional” entre os sistemas, em que elementos do Civil Law e do Common Law se incorporam mutuamente, formando sistemas híbridos ou mistos. Países como o Canadá, África do Sul, Escócia, Israel e até mesmo o Brasil, em áreas como o direito empresarial e contratual, já demonstram sinais claros dessa contaminação recíproca.
O próprio sistema brasileiro, embora baseado na tradição romano-germânica, tem incorporado práticas próprias do modelo anglo-saxônico, como a valorização crescente da jurisprudência (especialmente os precedentes vinculantes após o novo Código de Processo Civil de 2015), a adoção de cláusulas gerais abertas e a flexibilização interpretativa de normas legais.
Portanto, o estudo crítico e comparativo entre os sistemas Common Law e Civil Law não deve se restringir à oposição binária entre modelos fechados e abertos, ou entre lei e jurisprudência. Trata-se, na verdade, de compreender como esses sistemas dialogam, evoluem e se adaptam diante das exigências de justiça, eficiência, segurança e legitimidade em contextos jurídicos cada vez mais complexos e interconectados.
8. CONCLUSÃO
A comparação entre os sistemas jurídicos Common Law e Civil Law revela mais do que uma simples oposição entre modelos normativos distintos. Trata-se da contraposição entre duas tradições jurídicas profundamente enraizadas em contextos históricos, culturais e filosóficos próprios, que moldaram diferentes formas de conceber, interpretar e aplicar o Direito.
Enquanto o Civil Law destaca-se pela centralidade da lei escrita, pela codificação sistemática e pela busca de coerência e previsibilidade, o Common Law fundamenta-se na jurisprudência e na experiência prática dos tribunais, priorizando a resolução eficiente de conflitos concretos. Cada sistema apresenta forças e fragilidades próprias: o primeiro oferece estabilidade e segurança jurídica; o segundo, flexibilidade e adaptação.
Contudo, em um mundo jurídico cada vez mais globalizado e interdependente, as fronteiras entre esses sistemas vêm se tornando progressivamente permeáveis. A incorporação de precedentes no Civil Law, a valorização dos princípios e a racionalização legislativa no Common Law indicam uma tendência de aproximação funcional e convergência metodológica, impulsionada por demandas sociais, tecnológicas e internacionais.
Mais do que eleger um modelo ideal, o estudo comparado demonstra que a eficácia do Direito depende da sua capacidade de responder às necessidades concretas da sociedade, sem perder de vista seus valores fundantes: a dignidade humana, a justiça e a segurança jurídica. Assim, a convivência crítica e produtiva entre as tradições romano-germânica e anglo-saxônica representa não uma dicotomia a ser superada, mas um patrimônio jurídico plural, rico em soluções e aberto ao aprimoramento contínuo.
1MOURA VICENTE, Dário. Direito Comparado. Coimbra: Almedina, 2010.
2MORAES, Bernardo Queiroz de. Manual de Introdução ao Digesto. São Paulo: Saraiva, 2007.
3AMARAL, Francisco. Direito Civil – Introdução. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
4SOARES, Guido Fernando Silva. Common Law: Introdução ao Direito dos EUA. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
5MOURA VICENTE, Dário. Direito Comparado, op. cit.
6DAVID, René. Os grandes sistemas do Direito contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
7AMARAL, Francisco. Direito Civil – Introdução. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
8SOARES, Guido Fernando Silva. Common Law: Introdução ao Direito dos EUA. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
9DAVID, René. Os grandes sistemas do Direito contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
10MOURA VICENTE, Dário. Direito Comparado. Coimbra: Almedina, 2010.
11Idem, ibidem.
12MORAES, Bernardo B. Queiroz de. Manual de Introdução ao Digesto. São Paulo: Saraiva, 2007.
13AMARAL, Francisco. Direito Civil – Introdução. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
14MORAES, Bernardo Queiroz de. Manual de Introdução ao Digesto. São Paulo: Saraiva, 2007.
15MOURA VICENTE, Dário. Direito Comparado. Coimbra: Almedina, 2010.
16SOARES, Guido Fernando Silva. Common Law: Introdução ao Direito dos EUA. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
17DAVID, René. Os grandes sistemas do Direito contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
18AMARAL, Francisco. Direito Civil – Introdução. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
19MOURA VICENTE, Dário. Direito Comparado. Coimbra: Almedina, 2010.
20DAVID, René. Os grandes sistemas do Direito contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
21SOARES, Guido Fernando Silva. Common Law: Introdução ao Direito dos EUA. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
22MOURA VICENTE, Dário. Direito Comparado. Coimbra: Almedina, 2010.
23CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil. Coimbra: Almedina, 2009.
24SOARES, Guido Fernando Silva. Common Law: Introdução ao Direito dos EUA. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
25MOURA VICENTE, Dário. Direito Comparado, op. cit.
26AMARAL, Francisco. Direito Civil – Introdução. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
27DAVID, René. Os grandes sistemas do Direito contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
28MOURA VICENTE, Dário. Direito Comparado. Coimbra: Almedina, 2010.
BIBLIOGRAFIA:
1. AMARAL, Francisco. Direito Civil – Introdução. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
2. CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil. Coimbra: Almedina, 2009.
3. DAVID, René. Os grandes sistemas do Direito contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
4. MORAES, Bernardo Queiroz de. Manual de Introdução ao Digesto. São Paulo: Saraiva, 2007.
5. MOURA VICENTE, Dário. Direito Comparado. Coimbra: Almedina, 2010.
6. SOARES, Guido Fernando Silva. Common Law: Introdução ao Direito dos EUA. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.