UMA ANÁLISE ACERCA DO DEPOIMENTO DA VÍTIMA COMO ÚNICO ELEMENTO DE CONDENAÇÃO OU ABSOLVIÇÃO DO ACUSADO À LUZ DO DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202411131605


Andreza Beatriz Nascimento Marques1


RESUMO

O trauma da violência sexual de maneira infeliz continua a criar raízes durante a infância de muitas crianças e adolescentes. É nítido o aumento de denúncias e ações penais em que figuram como vítimas muitas dessas crianças, mesmo que somente uma porcentagem para as estatísticas. A presente pesquisa tem o intuito de apresentar e informar de forma clara e objetiva como o Poder Judiciário do Amazonas realiza o devido procedimento legal, acolhimento, e dá prosseguimento ao curso da ação penal, como forma de reparação mínima às vítimas de recompensação ao ver o acusado responder por sua conduta ilícita e reprovável. Com isso, perfaz a necessidade de apresentar, clarear, e levar a sociedade à compreensão desde o início da Denúncia à Força Policial, a instauração do Inquérito Policial, e por fim o encaminhamento ao Judiciário para apreciação da lide. Esse esclarecimento servirá como forma de orientação e disseminação destas informações, que devem ser levadas de maneiras severas, com o objetivo de garantir às vítimas que todos os seus direitos sejam amparados, tendo em vista que as crianças e adolescentes não têm condições maturacionais e ponderação de enfrentamento. 

Palavras-chave: Artigo científico. E.C.A. Dignidade Sexual. Crianças e adolescentes. Elementos.  

ABSTRACT

The trauma of sexual violence in an unfortunate way continues to take root during the childhood of many children and adolescents. The increase in complaints and criminal actions in which many of these children appear as victims is clear, even if only a percentage for the statistics. The present research aims to present and inform in a clear and objective way how the Judiciary of Amazonas carries out the due legal procedure, reception, and proceeds with the course of the criminal action, as a form of minimum reparation to the victims of compensation when seeing the accused answer for his illicit and reprehensible conduct. With this, it is necessary to present, clarify, and lead society to understanding from the beginning of the Complaint to the Police Force, the establishment of the Police Inquiry, and finally the referral to the Judiciary for consideration of the dispute. This clarification will serve as a form of guidance and dissemination of this information, which must be taken in severe ways, with the objective of guaranteeing victims that all their rights are protected, considering that children and adolescents do not have maturational conditions and consideration to cope.

Keywords: Scientific article. E.C.A. Sexual Dignity. Children and teenagers. Elements.

1. INTRODUÇÃO 

O lugar do depoimento da vítima na prova da culpa ou inocência do acusado em um processo criminal e que sempre foi, está no centro de acalorados debates no direito penal e no direito processual penal. Nesta análise, será importante entender em que medida o depoimento da vítima pode contribuir para provar ou refutar a culpa do acusado dentro de um pano de fundo de garantias processuais e princípios fundamentais do direito, como presunção de inocência, direito a um julgamento justo e busca pela verdade real.

No Direito Penal Brasileiro, o Indivíduo só será condenado por prova substancial e convincente. No entanto, em certos crimes, principalmente de natureza sexual, violência doméstica ou aqueles cometidos em ambientes onde a produção de provas materiais é limitada, o depoimento da vítima muitas vezes assume um papel central. Esse cenário levanta questões importantes: até que ponto o relato da vítima, por si só, é suficiente para formar um juízo de condenação? E quais seriam os riscos de uma condenação baseada exclusivamente na palavra da vítima?

Da perspectiva do Direito Processual Penal, o sistema brasileiro segue o princípio da não restrição à apreciação de provas, o que permite ao juiz fundamentar sua condenação nas provas apresentadas durante o processo. No entanto, a jurisprudência tem estabelecido o entendimento de que, em algumas instâncias específicas, o relato da vítima pode ter grau suficiente de peso para condenação, desde que seja factual, detalhado e isento de contradição. 

Por outro lado, a declaração isolada da vítima também pode faltar quando houver dúvidas legítimas, caso em que se emprega o princípio “in dubio pro reo”, que concede ao acusado o benefício da dúvida.

A avaliação dos relatos da vítima deve ser cautelosa e ponderada. A credibilidade e a consistência do relatório, bem como a ausência de interesses ou objetivos pessoais que possam ser difamados, são essenciais para o juiz em relação à validade e suficiência das evidências da vítima. Além disso, o juiz deve evitar tornar-se prejudicial ou emocional em seus julgamentos que afetariam adversamente sua imparcialidade.

Como resultado, esta discussão diz respeito às consequências legais e aos desafios associados às evidências da vítima como o único componente de uma condenação ou absolvição. Questões como a necessidade de evidências corroborativas adicionais e análises comparativas de outros julgamentos criminais sobre as palavras da vítima serão resolvidas. Isso ajudará a promover uma compreensão mais abrangente e equilibrada da avaliação das evidências da vítima em questões criminais brasileiras. 

2. CRIME SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

O crime de violência/abuso sexual contra crianças e adolescentes é considerado um problema gravíssimo em muitos países. Atualmente, no Brasil, essa problemática continua presente e se tornando cada vez maior, tomando proporções vastas diante das denúncias de abusos sexuais, principalmente, envolvendo menores de 14 anos, e pessoas consideradas vulneráveis inseridas no Código Penal Brasileiro pela Lei nº 12.015/09. 

Essa realidade da violência se apresenta de maneira desordenada, desigual, e é estabelecido pelos relacionamentos, nas formas de poder, mando e obediência, principalmente quando a vítima é criança/adolescente.

A violência sexual pode ser compreendida não somente pelo ato de ter relações sexuais com a vítima, mas também nos atos libidinosos que não deixam vestígios, tais como: o beijo lascivo, o toque ilícito, a satisfação da lascívia do agente, entre outras características.

2.1 O crime de estupro de vulnerável

Em 2009, com a vigência da lei número 12.015, houve diversas alterações no contexto da violência sexual no Direito Penal Brasileiro, a primeira delas foi a reforma da denominação do Título VI do Código Penal Brasileiro, que antes era chamado de “Crimes Contra os Costumes” e agora é conhecido como “Crimes Contra a Dignidade Sexual”. 

O conceito de dignidade sexual está associado ao princípio da dignidade humana, que está elencado no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal. Conforme descrito por Almeida (2017, p. 197): “o valor sexual é derivado do valor humano, ou seja, quando alguém sexualiza seu valor, seu valor é perdido. Os direitos humanos são nulos se o indivíduo não pode ter autonomia sexual. 

Em resposta à crescente prevalência de violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, uma alteração significativa foi feita na Lei Número 12.015/09 é a criação dos “Crimes Sexuais contra Pessoas Vulneráveis”, o assunto deste artigo, o crime de Estupro contra Pessoas Vulneráveis, ilustrado no Artigo 217-A do Código Penal Brasileiro, diz respeito ao valor sexual de pessoas em situação de vulnerabilidade, a finalidade deste crime é proteger a estrutura de sua sexualidade, que é composta principalmente por menores de 14 anos. Vamos ver o que podemos obter:

Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

Diante disso, é notável que a modificação deste dispositivo substituiu a presunção de violência, que antes estava prevista no artigo 244 do Código Penal, pela atual inserção de vítimas vulneráveis, como forma de solucionar a problemática a respeito da presunção de violência absoluta ou relativa.

2.2 Da instauração do inquérito policial

Dadas essas mudanças significativas para o âmbito penal brasileiro, tais refletiram também sobre como se dá a instauração do inquérito policial em sede de delegacia, onde a vítima tem o primeiro contato com a entidade pública.

O artigo 5º e incisos do Código de Processo Penal dispõe que: 

Art. 5. Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado: 
I – De ofício; 
II – Mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo. 

Assim, o inquérito policial poderá ser instaurado tanto mediante ofício, requisição, ou a requerimento do próprio ofendido, no caso em questão, vítima menor e seu representante legal. Disciplinado nos artigos 4º a 23 do Código de Processo Penal, tem-se a finalidade do procedimento de instauração do Inquérito Policial para contribuir com o oferecimento da denúncia no curso a Ação Penal.

2.3 Do depoimento especial da vítima

A criança ou adolescente vítima de crimes sexuais quando ouvidas em sede policial ou em juízo, seguem o protocolo de atendimento por meio de escuta especializada ou também chamado de Depoimento Especial. 

Por não possuírem as mesmas capacidades psicológicas de assimilar tudo o que estiveram à mercê, crianças não detém de facilidades em se expressar e falar com riqueza de detalhes sobre o ocorrido, e como forma de apoio e proteção à criança depoente, a Escuta especializada, conforme Art. 7º do ECA, inserido pela Lei 13.431/2017:

Art. 7º. Escuta especializada é o procedimento de entrevista sobre situação de violência com criança ou adolescente perante órgão da rede de proteção, limitado o relato estritamente ao necessário para o cumprimento de sua finalidade.

E ainda, amparada também com o procedimento do Depoimento Especial, conforme Art. 8º da mesma lei: 

Art. 8º. Depoimento especial é o procedimento de oitiva de criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência perante autoridade policial ou judiciária.

O depoimento especial contém caráter investigativo, é a oitiva da vítima diante da autoridade policial ou judiciária, que tem o objetivo de apurar as situações de violências que sofreu, e conforme a lei anteriormente citada, segue o procedimento descrito em seu Artigo 12 e incisos, que determina as diretrizes e normas que os profissionais especializados encarregados pelo colhimento do depoimento da vítima devem seguir.

Tais diretrizes objetivam evitar a revitimização da criança, de modo que suas palavras também possam ser elucidadas de forma detalhada, e de uma forma que não a faça sofrer novamente por estar externalizando os fatos.

2.4 Da valoração da palavra da vítima em casos de abuso sexual

Não há, no processo penal brasileiro, hierarquia dos meios de prova, um dado probatório não vale mais que o outro, assim Pacelli (2017, Texto Digital) aborda o tema da posição da prova ao acrescentar que:

A seu turno, a hierarquia não existe mesmo. Julgamos efetivamente não ser possível afirmar, a priori, a supremacia de uma prova em relação à outra, sob o fundamento de uma ser superior a outra, para a demonstração de qualquer crime. Como regra, não se há de supor que a prova documental seja superior à prova testemunhal, ou vice-versa, ou mesmo que a prova dita pericial seja melhor que a prova testemunhal. Todos os meios de prova podem ou não ter aptidão para demonstrar a veracidade do que se propõem.

É evidente que não há hierarquia de uma prova sobre a outra, mas o juiz deverá avaliá-la no momento da sentença, por meio de seu livre juízo, cabendo-lhe apenas escolher qual prova deverá ter maior peso, desde que apresente as razões para tanto (Capez, 2010).

Além disso, com referência a Pacelli (2017), “o valor probatório com relação à palavra da vítima nesses casos permanece o mesmo; apenas o modo de aquisição e agência para reforçar o testemunho da vítima são diferentes”. 

3. DA AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA

Tendo em vista que o crime de estupro de vulnerável é descrito como crime de Ação Penal Pública Incondicionada a representação, entende-se que, independentemente da vontade da vítima ou de seus representantes legais de prosseguir com a devida ação, o Estado tem o dever de seguir adiante, cumprindo seu papel diante da legislação penal brasileira. 

A referida norma está elencada no Artigo 225 do Código de Processo Penal Brasileiro, que se refere aos crimes definidos nos capítulos I e II do referido código, como aqueles mediante Ação Penal Pública Incondicionada, conforme in verbis: 

Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública incondicionada. 

3.1. Das provas nos crimes sexuais 

As provas no processo penal possuem extrema importância para o deslinde da causa, sendo, talvez, um dos elementos mais importantes dentro do processo, que conferem a segurança jurídica necessária à prolação da sentença (Capez, 2020). 

Neste cerne, os meios de provas mais utilizados nos crimes sexuais são as declarações da vítima e o exame de corpo de delito desta, ambos descritos pelo Código de Processo Penal em seu art. 158, parágrafo único, inciso II, vejamos: 

Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado. 
Parágrafo único. Dar-se-á prioridade à realização do exame de corpo de delito quando se tratar de crime que envolva: 
II – Violência contra criança, adolescente, idoso ou pessoa com deficiência. (Incluído dada pela Lei nº 13.721, de 2018) (BRASIL, 1940). 

Todavia, em casos descritos como atos libidinosos, estes por sua vez, não deixam vestígios capazes de serem identificados em exame de corpo de delito, logo tem-se a palavra da vítima como única e exclusiva prova, mesmo diante de testemunhas que são arroladas pelo Ministério Público, trata-se de um crime pelo qual não houve nenhuma testemunha ocular, senão o próprio Autor do fato e a vítima.

3.2 Do valor da prova testemunhal 

É no processo penal que a prova testemunhal está mais presente, sobretudo porque, também em relação ao fato principal, a percepção humana é rica fonte de detalhes para representação do objeto da apuração, ao contrário de outros ramos do direito em que os juízes partem de premissas estabelecidas pela prova documental e decidem o caso apenas sob o ponto de vista puramente jurídico.

No mesmo sentido elucida Willers Júnior (2018, p. 02): 

A prova testemunhal varia de sujeito para sujeito, pois a análise do caso depende de quem o presenciou, existem testemunhas que possuem facilidade de registrar os fatos em sua memória, com quase perfeita simetria, como ao revés, existem testemunhas que esquecem até mesmo do fato principal. Tal discrepância ocorre em virtude de que a percepção dos fatos decorre dos sentidos humanos, sendo que o depoimento pode ser influenciado por diversos fatores, como o fator cultural da pessoa, o simples decurso do tempo etc. Diante disso, a testemunha não está imune dos erros de interpretação e julgamentos.

No entanto, essa evidência geralmente é altamente valorizada na prática judicial. Muitas pessoas são condenadas apenas com base em tais evidências, pois é a forma “mais usual” de evidência na prática processual. Todavia, a partir da maneira mencionada de obtenção e seus aspectos, podemos observar sua fragilidade em relação à evidência técnica. 

As informações recebidas de entrevistas com autoridades envolvidas na coleta de evidências (policiais, promotores, juízes) — informações testemunhais são de valor substancial nos estágios inicial e intermediário do caso. Gravadas simultaneamente entre janeiro e abril de 2018, as entrevistas mostram a diferença que elas têm sobre a importância das informações testemunhais.

Segundo o já citado estudo do Ministério da Justiça (2015, p. 64), acerca da psicologia do testemunho:

Os dados revelaram que, para a maioria quase absoluta dos participantes, dado a ausência/carência de provas técnicas, a prova testemunhal assume um protagonismo para o desfecho dos casos, tanto na fase investigativa, quanto na fase processual. 

Embora seja muito frágil, excessivamente elaborado e, muitas vezes, manifestamente inadequado à realização de um julgamento completo dentro dos preceitos fundamentais, é óbvio que, na prática, esse meio de prova é indispensável à investigação criminal.

Sendo assim, a condenação criminal gera efeitos relevantes na esfera criminal, extra criminal e na esfera social. É, portanto, necessário que o processo criminal preste atenção aos princípios criminais para que chegue a um fim válido e eficaz.

3.3 Da denunciação caluniosa 

É importante contextualizar que o crime de falsa acusação teve origem no direito romano, sendo punido como calúnia pela Lex Remmia, em 90 a.C., sendo aplicável naquela época o princípio da retaliação pelo qual o condenado por esse crime, além de perder a honra, teria sua testa marcada com a letra “k” com um ferro em brasa. No período medieval, preservando o método de retaliação, o acusador era punido com a mesma pena do crime do qual acusava a vítima.

Segundo Noronha (apud CAPEZ, 2016, p.597), com o dispositivo em questão o que se protege é o interesse da justiça: 

[…] é a sua atuação normal ou regular que se objetiva, pondo-a a salvo de falsas imputações e cuidando que ela não sirva a desígnios torpes e desprezíveis, desvirtuando sua finalidade. Concomitantemente, não há de se negar que se tutelam a honra e a liberdade do imputado, atingida uma com a acusação falsa e a outra pela ameaça do processo que se instaura.

Ao provocar a instauração de investigação policial, processo judicial, investigação administrativa, inquérito civil ou ação de má conduta administrativa, acusando-a de um crime que é obviamente conhecido que ela não cometeu. Pode ser cometido de várias maneiras: oralmente, por exemplo, fazendo uma ligação telefônica relatando o crime falso ou por escrito por carta, e-mail ou até mesmo uma representação formal.

De acordo com Capez (2004, p.78):

“Delatio crimis” é a comunicação de um crime feita pela vítima ou por qualquer um do povo, como já vimos, uma simples comunicação é a delação postulatória onde a notícia do fato chega à autoridade policial e se pede a instauração da persecução penal. Se a notícia do fato for anônima teremos uma “notitia criminis” inqualificada.

Para Nucci (2017),

“A investigação policial referida no tipo penal, necessita ser o inquérito policial – que é o procedimento administrativo de persecução penal do Estado, destinado à formação da convicção do órgão acusatório, instruído a peça inaugural da ação penal -, não se podendo considerar os meros atos investigatórios isolados, conduzidos pela autoridade policial ou seus agentes, proporcionados pelo simples registro de uma ocorrência. Seria demais atribuir o delito de denunciação caluniosa a quem não conseguiu efetivamente o seu intento, vale dizer, a sua narrativa foi tão infundada que a autoridade policial, nos primeiros passos da investigação, prescindindo do inquérito, chegou à conclusão de ser tratar de algo inadequado ou impossível”. (NUCCI,2017, p. 898)

A caracterização do delito independe do resultado do processo investigativo instaurado contra o acusado, pois qualquer mobilização indevida do aparelho estatal contra indivíduo comprovadamente inocente acaba por levar à consumação do crime no instante em que a administração da Justiça é enganada: 

O delito de denunciação atingiu a consumação, pois, ainda que a queixa-crime não tenha sido recebida, o recorrente levou ao conhecimento do poder judiciário fato desprovido de mínimo lastro probatório, movimentando a máquina pública de maneira indevida, o que, inclusive, deu ensejo à instauração de processo judicial e a realização de uma série de atos para a apuração de conduta da qual sabia ser a pessoa alvo da imputação inocente.
(AgRg no AREsp n. 1.994.946/RS, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 17/5/22, DJe de 20/5/22.)”

A vítima do delito deve ser identificada conforme a intenção exige. A parte que faz a queixa não é obrigada a dar detalhes completos sobre o acusado. Será suficiente para constituir identificação, desde que a informação permita identificar a pessoa acusada. Por exemplo, se um informante disser que o proprietário de uma casa comercial nomeada cometeu um delito, ele já o está identificando, mesmo que não tenha dado seu nome. O essencial é que o acusado seja uma pessoa específica e apurada ou então apurável.

Existem 5 (cinco) requisitos para denunciação caluniosa, sendo eles:

Abertura de inquérito policial: Atualmente, é a hipótese mais comum. O falso acusador registra um boletim de ocorrência contra a vítima, afirmando que ela cometeu um crime ou uma contravenção penal, quaisquer que sejam, levando a abertura da investigação. Se a autoridade policial (delegado) entender que a denúncia é falsa ou não tem cabimento, não teremos o crime de denunciação caluniosa, mas o de calúnia;

Procedimento investigatório criminal: Ocorre quando o falso acusador registra uma denúncia, representação ou notícia de fato criminoso diretamente ao ministério público que, com base na provocação, instaura o citado procedimento. Trata-se de uma investigação conduzida por um promotor de justiça ao invés do delegado de polícia;

Processo judicial: Aqui, o caluniador gera um processo criminal contra a vítima, seja por ter registrado um boletim de ocorrência anteriormente que veio a se tornar um processo penal, seja por ter ingressado diretamente com queixa-crime, nos casos de crimes cuja ação penal só pode ser apresentada pela vítima (por exemplo, em casos de crime contra a honra). Também se incluem nessa hipótese os boletins de ocorrência registrados pelo caluniador que se transformam em termos circunstanciados de ocorrência;

Processo administrativo disciplinar: Trata-se de uma das mais aguardadas mudanças da legislação, já em vigor, que protege diretamente agentes públicos. Todo aquele que acionar corregedorias, comissões de ética ou ouvidorias públicas de má-fé, acusando um servidor público inocente da prática de crime, infração ético-disciplinar ou ato ímprobo, incorre nesta hipótese;

Inquérito civil: Ocorre quando o caluniador aciona o ministério público acusando a vítima de violar os direitos e interesses difusos e coletivos, essencialmente na área ambiental, consumerista etc. Tal procedimento, conduzido pelo promotor de justiça, se destina a investigar possíveis danos a interesses coletivos e preparar uma possível instauração de ação civil pública.

Deste caso específico, é possível inferir a grande gravidade do crime de falsa acusação e suas consequências, especialmente para a vítima. Além disso, o fato de não haver necessariamente uma condenação (obtenção de absolvição indevida) não impede o reconhecimento da autoria material, pois a inimputabilidade exclui a culpa.

4. A PALAVRA DA VÍTIMA COMO ÚNICO ELEMENTO COMPROBATÓRIO CONFORME O STJ E STF

Em razão dos temas abordados até aqui, por fim, como foco principal de estudo, devemos observar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça quanto a casos específicos, mas comumente ocorridos, que são levados ao conhecimento da autoridade judiciária.

É de conhecimento geral que, em casos de crimes sexuais, a palavra da vítima tem um valor probatório significativo, pois nem sempre deixa evidências físicas e geralmente é cometida sem a presença de testemunhas (AgRg no AREsp nº 2.030.511/SP, Ministro Joel Ilan Paciornik, quinta turma, decidido em 26/04/2022, DJe de 03/05/2022).

A posição do Superior Tribunal de Justiça é determinada pelo conceito de que, em casos de agressão sexual, a palavra da vítima tem um papel significativo, a maioria das quais são cometidas em segredo. 

Adicionalmente, na hipótese de o laudo pericial não apresentar vestígios de atividade sexual, ele não contradiz as declarações da vítima, que, ao descrever outras formas de comportamento libidinoso além da relação sexual, demonstram claramente o crime de estupro contra pessoa vulnerável. (STJ – AREsp: 2389497, Relator: Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Data da Publicação: 21/05/2024).

O posicionamento do Superior Tribunal Federal é significativo em razão do entendimento do STJ, que está documentado na entrevista psicológica e na prova oral, esses elementos demonstram que o crime foi cometido longe dos olhos das testemunhas, apesar da ausência de provas físicas que sustentem o fato, as palavras da vítima, quando corroboradas por provas mais significativas, têm especial importância, tendo valor probatório diferenciado. (STF – RHC: 181428 MS – MATO GROSSO DO SUL 0264730-18.2019.3.00.0000, Relator: Min. ALEXANDRE DE MORAES, Data de Julgamento: 19/02/2020, Data de Publicação: DJe-038 21/02/2020). 

Dessa forma, a palavra da vítima é de fundamental importância ao processo e para o convencimento do juiz, e é nesse sentido que vem decidindo as cortes superiores no nosso país, sustentando que a palavra da vítima em casos de abuso sexual assume o papel principal para o convencimento do juiz, conforme se verifica na decisão exposta a seguir:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PALAVRA DA VÍTIMA. RELEVÂNCIA. ABSOLVIÇÃO OU DESCLASSIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. INCIDÊNCIA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. O Tribunal estadual, ao analisar os elementos de prova constantes nos autos, entendeu pela ratificação da decisão de primeira instância que condenou o ora agravante pelo crime de estupro de vulnerável. 2. A pretensão de desconstituir o julgado por suposta contrariedade à lei federal, pugnando pela absolvição ou readequação típica da conduta, não encontra amparo na via eleita, dada a necessidade de revolvimento do material fático-probatório, que esbarra no óbice da Súmula 7/STJ. 3. Este Sodalício há muito firmou jurisprudência no sentido de que, nos crimes contra a dignidade sexual, geralmente ocorridos na clandestinidade, a palavra da vítima adquire especial importância para o convencimento do magistrado acerca dos fatos. 4. Assim, a palavra da vítima mostra-se suficiente para amparar um decreto condenatório por delito contra a dignidade sexual, desde que harmônica e coerente com os demais elementos de prova carreados aos autos e não identificado, no caso concreto, o propósito de prejudicar o acusado com a falsa imputação de crime. 5. Agravo regimental improvido. (Acordão registrado sob o nº 1.211.243 – CE (2017/0311378-6), Quinta Câmara do Superior Tribunal de Justiça, Relator: Jorge Mussi. Julgado em 24/04/2018.

Analisando-se a jurisprudência acima, podemos verificar a importância que é dada a palavra da vítima em casos de abuso sexual. Os julgadores deixaram bem claro também a importância de se conhecer a pessoa da vítima e do acusado, como destacado acima, a palavra da vítima é suficiente para sustentação de uma sentença condenatória, porém, deve ser coerente com o contexto fático e ainda deve-se investigar se a acusação feita pela vítima não é falsa, visando prejudicar o acusado:

DIREITO PROCESSUAL PENAL. REVISÃO CRIMINAL. CRIME SEXUAL PRATICADO CONTRA MENOR DE IDADE. SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE PROVAS. NÃO IDENTIFICADA. ESPECIAL VALORAÇÃO DA PALAVRA DA VÍTIMA EM FUNÇÃO DA CLANDESTINIDADE DO DELITO. ENTENDIMENTO DO C. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REVISÃO CRIMINAL CONHECIDA E JULGADA IMPROCEDENTE, EM CONSONÂNCIA COM O MINISTÉRIO PÚBLICO. – No procedimento de Revisão Criminal, inverte-se o ônus da prova, de modo que deve o requerente comprovar a inocência que alega, demonstrando elementos que desconstituam o fundamento da condenação, sob pena de julgar-se improcedente a revisão criminal – No caso dos autos, trata-se de crime sexual que, segundo a doutrina e a jurisprudência pátrias, conduz-se no sentido de que a palavra da vítima reveste-se de prova com valoroso peso, considerando o modus operandi deste tipo de crime – Não entrevejo nos autos quaisquer elementos trazidos pelo Requerente, capazes de afastar a veracidade do depoimento da vítima e os documentos constantes na origem. Ao revés. Analisando o caso concreto, verifico, em depoimento aqui reproduzido pelo Ministério Público às p. 55/58, que a vítima relata com detalhes os atos praticados, de modo que as ínfimas divergências entre o depoimento da vítima, no ano de 2008, e a audiência de instrução (2019), 11 (onze) anos após o fato, não desqualificam o apresentado – Revisão Criminal conhecida e, no mérito, julgada improcedente, em consonância com o Ministério Público.
(TJ-AM – Revisão Criminal: 4004141-74.2021.8.04.0000 Manaus, Relator: Anselmo Chíxaro, Data de Julgamento: 13/06/2022, Câmaras Reunidas, Data de Publicação: 13/06/2022)

Existindo a hipótese de insuficiência de provas e de depoimentos incoerentes e sem nexo com as circunstâncias do crime, deve-se aplicar a absolvição do acusado, afinal, não se pode condenar o acusado se restam dúvidas sobre o crime (Aranha, 2004).

Nesse sentido também é o entendimento da superior instância nacional:

EMBARGOS INFRINGENTES. ESTUPRO DE VULNERÁVEL TENTADO. No caso, o réu-embargante é primário e não registra qualquer envolvimento com infrações penais contra a dignidade sexual de quem quer que seja, ainda que drogadito e tenha se envolvido com fatos penalmente relevantes de natureza patrimonial, mas sem o exercício de violência e/ou grave ameaça à pessoa (dois furtos, um em 2011 e outro em 2013, ambos sem condenação). No processo vertente, ademais, diante de denúncia faticamente inespecífica e da absoluta ausência de provas identificadoras do fim criminoso concreto pretendido executar pelo réu, quando flagrado em ato de mera preparação testemunhado no acervo fático-probatório produzido, a sua absolvição é medida que se impõe com força no princípio humanitário in dubio pro reo (CPP, art. 386, VII). RECURSO PROVIDO. POR MAIORIA. M/GC 587 – S 20.04.2018 P 08 (Embargos Infringentes e de Nulidade Nº 70075884684, Terceiro Grupo de Câmaras Criminais, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Aymoré Roque Pottes de Mello, Julgado em 20/04/2018)

Portanto, é claro o entendimento da justiça brasileira de que o depoimento da vítima possui valor comprobatório diferenciado e valorizado, ainda que sem provas documentais, visto que estão à mercê de atos libidinosos que não deixam vestígios, e que não possuem testemunhas, logo, a sua palavra tem caráter importantíssimo para apuração delitiva e condenação do acusado.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O direito penal e o processo penal são regulados pela presunção de inocência, que é derivada da Constituição. Este princípio garante que ninguém será considerado culpado até que uma condenação final seja alcançada. Quando a única evidência é a declaração da vítima, a presunção de inocência requer que esta declaração seja examinada em grande detalhe, não permitindo que as palavras simples da vítima sejam suficientes para a condenação, evidências adicionais devem ser fornecidas que apoiem a declaração. Como resultado, a falta de outras evidências pertinentes pode ser benéfica para o réu, o que levaria a uma absolvição devido à dúvida razoável.

A análise do relato da vítima como única testemunha no caso de direito penal e processo envolve o reconhecimento dos aspectos críticos do assunto. O sistema jurídico brasileiro, especialmente baseado no princípio adversarial de defesa, permite a condenação exclusiva de um crime com base no relato da vítima, mas isso requer cautela porque o contexto do crime pode ser desconhecido para a vítima, a falta de outras evidências e o direito do réu a um julgamento justo.

A prática de usar o relato da vítima como única testemunha, se não for examinada minuciosamente, pode levar a erros judiciais e equívocos. O sistema jurídico brasileiro, especialmente em tribunais superiores como o STF e o STJ, tem sido caracterizado pela cautela, esse sistema foca na importância das evidências da vítima e na necessidade de que sejam convincentes, detalhadas e carentes de evidências. A cautela é fundamental para evitar que o processo penal seja utilizado para condenações baseadas exclusivamente na palavra da vítima, preservando a justiça e a equidade.

Em outro ponto, uma análise sob a perspectiva do Direito Penal e Processual Penal enfatiza que, embora o depoimento da vítima tenha grande valor probatório, deve ser analisado com rigor. A depender da credibilidade, da coerência do relato e da ausência de interesses que poderiam distorcer o depoimento, este pode ser considerado uma prova válida e robusta. No entanto, a condenação baseada exclusivamente nesse testemunho traz riscos, como erros judiciais, principalmente em casos de crimes sexuais ou violência doméstica, onde frequentemente faltam provas materiais.

Portanto, embora o depoimento da vítima possa, em certos casos, fundamentar uma condenação ou absolvição, ele deve ser submetido a um criterioso exame, onde se observem os princípios da proporcionalidade, razoabilidade e garantias processuais do réu. A decisão judicial precisa ser fundamentada em um conjunto probatório seguro, onde o depoimento da vítima seja confirmado por outros indícios, evitando-se julgamentos baseados em meras presunções ou sem suficientes elementos de corroboração.

REFERÊNCIAS

AgRg no AREsp n. 2.030.511/SP, Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 26/4/2022, DJe de 3/5/2022). 

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei federal nº 8069, de 13 de julho de 1990. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 2002.

BRASIL. Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. 

BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. 

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – Parte Especial. [S.l.]: Saraiva, 2020.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Avanços científicos em Psicologia do Testemunho aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses / Ministério da Justiça, Secretaria de Assuntos Legislativos. Brasília : Ministério da Justiça, Secretaria de Assuntos Legislativos (SAL) ; Ipea, 2015. 104p.: II. Color. – (Série Pensando o Direito; 59).

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 17 ed. São Paulo: Forense, 2017, p. 898, livro digital.

PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal, 21ª edição. Atlas, 02/2017. [Minha Biblioteca].

STJ – AREsp: 2389497, Relator: Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Data de Publicação: 21/05/2024. 

STF – RHC: 181428 MS – MATO GROSSO DO SUL 0264730-18.2019.3.00.0000, Relator: Min. ALEXANDRE DE MORAES, Data de Julgamento: 19/02/2020, Data de Publicação: DJe-038 21/02/2020).

WILLERS JUNIOR, Laudir Roque. A falibilidade da prova testemunhal. Conteúdo Jurídico, 2012. Disponível em:


1Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário Fametro. E-mail: andreza19.beatriz@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0009-0006-9130-2275.