UM IMIGRANTE NA HISTÓRIA DA PSICOLOGIA BRASILEIRA: REFLEXÕES SOBRE A TRAJETÓRIA DE EMÍLIO MIRA Y LÓPEZ DE CUBA AO BRASIL (1896-1964)¹

AN IMMIGRANT IN THE HISTORY OF BRAZILIAN PSYCHOLOGY: REFLECTIONS ON THE JOURNEY OF EMÍLIO MIRA Y LÓPEZ FROM CUBA TO BRAZIL (1896-1964).

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11663203


Fernando Ben Oliveira da Silva2
Thiago Cedrez da Silva3
Elvis Silveira Simões4


Resumo:

Este artigo traça a trajetória de Emílio Mira y López, destacando sua contribuição significativa para a psicologia aplicada, especialmente no Brasil. Mira y López, nascido em Cuba e formado na Espanha, desenvolveu métodos inovadores como o Psicodiagnóstico Miocinético (PMK) e atuou em diversas áreas, incluindo psicologia jurídica, educacional e do trabalho. Exilado devido à Guerra Civil Espanhola, ele trouxe ao Brasil sua vasta experiência, contribuindo para a criação do Instituto de Seleção e Orientação Profissional (ISOP) e participando da regulamentação da profissão de psicólogo. Este estudo utiliza uma abordagem histórica e biográfica, baseada em revisão documental e bibliográfica, para evidenciar o impacto duradouro de suas ideias e práticas na psicologia brasileira. A análise destaca não apenas suas realizações, mas também o contexto histórico e político que moldou sua trajetória profissional.

Palavras-chave: Emílio Mira y López. Psicodiagnóstico Miocinético. Psicologia aplicada. História da psicologia. Psicologia no Brasil.

Considerações Iniciais:

Podemos inferir que a trajetória de Emílio Mira y López é de relevância para a compreensão do desenvolvimento da psicologia aplicada no Brasil e em outros países da América Latina. Neste sentido, este artigo tem como objetivo principal dissertar sobre a vida e a obra de Mira y López, destacando, ao nosso ver, suas contribuições significativas para a psicologia em diversas áreas, incluindo a educação, o trabalho e a psicologia clínica.

Para alcançar esse objetivo, utilizamos uma abordagem histórica e biográfica, baseada em uma extensa revisão documental e bibliográfica. Para este fim, analisamos artigos, livros e documentos históricos que contextualizam a vida de Mira y López, desde sua formação na Espanha, passando pelo exílio durante a Guerra Civil Espanhola, até sua chegada e atuação no Brasil.

Dito isso, destaca-se que a biografia também possui sua própria historicidade, uma vez que suas práticas e origens remontam à Antiguidade. Dos antigos gregos até os períodos atuais, ela passou por inúmeras mudanças em suas concepções teóricas e metodológicas5. Observa-se que:

Durante muito tempo, da Antiguidade à época moderna, o gênero biográfico teve por função essencial identificar. Prestou-se ao discurso das virtudes e serviu de modelo moral edificante para educar, transmitir os valores dominantes há gerações futuras. (DOSSE, 2015, p.123) 

Assim, o gênero biográfico, no devir histórico, passou por inúmeras críticas. Para além das críticas, referentes ao elementos apresentados na citação acima – transmissão de discursos sobre virtudes, moral, valores dominantes, etc. –, podemos destacar as tentativas de construir um sujeito que não estava conectado ao seu contexto social e histórico de vivência, ou seja, a ideia de que o biografado está “a frente de seu tempo” e/ou que possui uma vida coerente e que foi predestinada. 

A partir das críticas, surgem novas tendências historiográficas. Para a construção deste artigo, buscamos nos vincular as perspectivas que buscam conciliar a relação entre “indivíduo e sociedade”6, a fim de compreender suas ações a partir de um horizonte de possibilidades. No caso em tela, tais possibilidades se estabelecem a partir da sociedade, momento histórico e conjunto de saberes e experiências, que estão relacionados a vida e trajetória de Emilio Miria y López. 

Observa-se, contudo, que ao contextualizar nosso personagem histórico em sua sociedade e época, não o pressupomos determinado em suas ações, visto que isso incorreria no erro de: determinar que ele não possuiu escolhas, dizendo com isso, que sua trajetória não poderia ter sido diferente. Ao contrário disso, preferimos compreender suas ações dentro de um universo de possibilidades, ou seja, de que como agente histórico, ele precisou lidar com as dificuldades e incertezas cotidianas, ou seja, fazer escolhas. Desta forma, o leitor deve compreender Mira y López como um “sujeito comum”, no sentido de, tal como nós, esteve imerso em um contexto social que, ao mesmo tempo em que abria espaços, também condicionava ações; espaço esse que o formou e também foi formado por ele. Assim, reforçando tal concepção sobre a biografia, podemos dizer que:

Nesse sentido, esse campo de estudo proporciona observar como um indivíduo faz suas escolhas no mundo, os caminhos que trilha, suas dúvidas e suas motivações, tudo isso tendo como foco um horizonte de possibilidades, o qual está relacionado com a organização social de uma determinada sociedade e período histórico. A biografia/trajetória possibilita adentrar na intimidade dos sujeitos, evidenciando a vida em sua complexidade, desvelando a fragmentação vivenciada pelos sujeitos em seu cotidiano, como eles lidam com os diferentes tempos aos quais estão sujeitos, às mudanças de rumos diante de novas escolhas, sejam elas motivadas por desejos ou pressões externas, assim como, ao caráter contraditório da vida. (SIMÕES, 2023, p.43)

Assim, o estudo biográfico possibilita, diante de um contexto mais amplo, compreender como os sujeitos transitam por diferentes espaços sociais e agem através deles, sendo impactado e impactando seu contexto social7.

É digno de nota destacar que Mira y López foram pioneiros na aplicação de métodos psicodiagnósticos, sendo o criador do Psicodiagnóstico Miocinético (PMK), uma ferramenta inovadora para avaliação da personalidade. Soma-se a isso, a sua atuação profissional que se estendeu a diversos campos da psicologia aplicada, incluindo a psicologia jurídica, onde enfatizou a importância da prevenção do crime e da reabilitação de criminosos, e a psicologia do trabalho, onde pode contribuir também para o desenvolvimento de métodos de orientação e seleção profissional.

Além desses aspectos da trajetória do pesquisador, neste artigo abordamos também a contribuição de Mira y López para a regulamentação da profissão de psicólogo no Brasil, um marco importante para a institucionalização e a profissionalização da psicologia no país. Consideramos que através de suas palestras, publicações e atuação institucional, Mira y López deixaram um legado duradouro que continua a influenciar a prática psicológica no Brasil e em toda a América Latina.

A análise detalhada de suas contribuições e a contextualização histórica fornecem uma compreensão aprofundada de como suas ideias e práticas moldaram o campo da psicologia. Este trabalho, portanto, busca não apenas documentar sua trajetória, mas também evidenciar a importância de sua obra para o desenvolvimento da psicologia aplicada.

Em suma, este artigo oferece uma visão abrangente das contribuições de Emílio Mira y López, destacando os principais aspectos de sua trajetória, metodologias empregadas, e os impactos duradouros de seu trabalho no campo da psicologia. Esperamos que esta análise crítica não apenas valorize seu legado, mas também inspire futuras pesquisas sobre sua vida e obra.

Emílio Mira y Lopes e sua trajetória: uma discussão inicial

A biografia completa de Emílio Mira y Lopez (1896-1964) é um empreendimento desafiador, dada a extensão e complexidade de sua vida e obra. No entanto, é de fundamental importância compreender seu legado, suas lutas e sua contribuição profissional, especialmente para compreender seu contexto quando chega em solo brasileiro. 

Ao nos debruçarmos sobre os artigos produzidos que trataram de apresentar e discutir a sua vida ou produções específicas, sobre os livros que Mira y Lopez publicou, bem como seus artigos em variados congressos e periódicos, é possível vislumbrar o vasto alcance de suas contribuições. Seu trabalho abrangeu as áreas da psiquiatria e da psicologia, com inserções e participações em campos da educação, testes psicológicos, área jurídica, social etc.

O percurso histórico de Emílio Mira y Lopez é particularmente relevante para compreender também sua atuação no território brasileiro, seja por meio de estudos, palestras ou escritos, onde impactou significativamente na difusão científica da Psicologia. Inclusive, a prévia análise do material selecionado para a escrita desta biografia, se abre em outros questionamentos, sobre como a política e geopolítica impactaram em suas escolhas, ou como o autor lidou com perseguições institucionais, bem como constata-se o fôlego de Mira y Lopez para produzir tanto, apesar dos atropelos e diversidades que os próprios acontecimentos na história do mundo, pessoal e institucional lhe fizeram sentir e direcionar, de alguma forma, sua própria história.

Em termos biográficos, podemos inferir que Emilio Mira y Lopez nasceu em Santiago de Cuba em 24 de outubro de 1896, filho de Emília López García, madrilenha, e do Dr. Rafael Mira Merino, granadino, um médico militar, que foi designado para a ilha caribenha, levando a família consigo (Jacó-Vilela & Rodrigues, 2014). 

Neste mesmo ano, Cuba se encontrava em um período de profunda transformação e tensões políticas, marcado por uma luta fervorosa por sua independência. A ilha caribenha, então sob domínio colonial espanhol, estava imersa em um movimento revolucionário que buscava a emancipação e a autodeterminação do povo cubano.

A resistência cubana contra o domínio espanhol havia ganhado força desde o início do século XIX, impulsionada por um sentimento nacionalista crescente e a insatisfação com as políticas coloniais impostas pela Espanha. No entanto, foi no final do século que essa luta ganhou um novo impulso, liderada por personagens como José Martí8 (1853-1895), Maximo Gomez9 (1836-1905) e Antonio Maceo10 (1845-1896).

Em 24 de fevereiro de 1895, foi iniciada a Guerra de Independência Cubana, um conflito armado que marcaria profundamente a história da nação. Os independentistas cubanos lutavam por sua liberdade, mobilizando um exército guerrilheiro e lançando ataques contra as forças espanholas estacionadas na ilha (Costa, 2021).

No entanto, a guerra não foi apenas uma luta pela independência. Ela também se desdobrou em um complexo cenário geopolítico, no qual os Estados Unidos desempenharam um papel significativo. 

Em 1898, um evento crucial abalou a situação em Cuba: a explosão do navio de guerra USS Maine no porto de Havana, atribuído pelos Estados Unidos a uma ação espanhola. Isso serviu como pretexto para a intervenção americana no conflito cubano, culminando na Guerra Hispano-Americana (Silva, 1998).

A guerra terminou com a vitória dos Estados Unidos e a assinatura do Tratado de Paris em dezembro de 1898. A Espanha renunciou à soberania sobre Cuba, Porto Rico, Filipinas e Guam, e Cuba tornou-se uma “República livre e independente” sob a proteção dos Estados Unidos. No entanto, essa proteção era limitada, pois os EUA mantiveram uma influência significativa na política e economia cubanas (Celorrio, 2010).

Assim, o ano de 1896 foi um período de agitação, conflito e transição para Cuba. A luta pela independência estava em pleno vigor, moldando o destino da ilha e suas relações com a Espanha e os Estados Unidos. Essa luta e as complexidades geopolíticas associadas a ela desempenharam um papel fundamental no caminho rumo à independência definitiva de Cuba, que só seria alcançada em 1902, com a retirada das tropas americanas e a Proclamação da República de Cuba.

No entanto, devido à derrota espanhola na guerra, a família Mira y López retornou à Espanha, antes que Emílio completasse dois anos. Após uma breve estadia em La Coruña, a família estabeleceu-se definitivamente em Barcelona em 1903. Foi nessa cidade que Emilio Mira cresceu e estudou, pelo que foi considerado catalão.

Em Barcelona, Emilio Mira y Lopez alcançou o título de Bacharel com Prêmio Extraordinário na seção de ciências, em 1911. Poucos anos depois, em 1914, ele se tornou aluno interno do laboratório de fisiologia da Faculdade de Medicina, sob a supervisão de Augusto Pi Sunyer (1879-1965)11. Essa oportunidade permitiu que ele mergulhasse em estudos avançados e adquirisse experiência prática na área (Ruiz, Athayde, Nogueira Filho, Zambroni-de-Souza, & Athayde, 2013).

Em 1915 e 1916, Mira y Lopez ainda era estudante de Medicina. Em 1917, Emilio Mira y Lopez graduou-se em Medicina pela Universidade de Barcelona, aos 20 anos de idade, obtendo mais uma vez o Prêmio Extraordinário, reconhecendo sua excelência acadêmica. Além de sua formação médica, ele também se dedicou ao estudo de idiomas, sendo diplomado em francês, inglês e alemão. Sua proficiência linguística lhe permitiu realizar inúmeras traduções, especialmente de obras médicas e psiquiátricas. Mira y Lopez foi o primeiro tradutor das obras de Freud em alemão para a língua espanhola.

É possível identificar neste período, que Mira y Lopez não apenas se lançava para o contexto da ciência propriamente dita, mas também com as lutas sociais e políticas vigentes.

Mira se formou no ambiente médico catalão, identificando-se com a causa trabalhista e com o catalanismo político. É possível que seu trabalho como médico municipal de assistência domiciliar, que começou em 1918, o tenha ajudado a tomar consciência da difícil situação econômica e social em que viviam os desfavorecidos. Ainda que, por um lado, seus rendimentos lhe permitissem levar uma vida privilegiada, por outro, participou assiduamente, junto com outros intelectuais comprometidos, em instituições dedicadas à formação trabalhista, tais como a Escola Del Treball, o Ateneu Obrer e o Ateneu Enciclopèdic Popular (Mülberger & Jacó-Vilela, 2018, p. 88).

Após a graduação, Emilio Mira y Lopez iniciou sua trajetória profissional como médico interno no Hospital Clínico. Em 1919, ele assumiu a posição de diretor do Laboratório de Psicologia do Instituto de Orientação e Seleção Profissional de Barcelona. “Neste mesmo ano casou-se com Pilar Campins Garriga, com quem teve três filhas, Pillar, Emilia e Montserrat” (Jacó-Vilela & Rodrigues, 2014, p. 149). 

Ao longo dos anos seguintes, Emilio Mira y Lopez desempenhou um papel ativo em conferências e eventos científicos internacionais. Em 1920, ele foi um dos palestrantes na I Conferência Internacional de Psicotecnia, em Genebra, e membro do Comitê Diretivo do VI Congresso Internacional de Fisiologia, em Paris. Ele aproveitou essa oportunidade para visitar laboratórios de psicologia experimental e fisiologia em vários países europeus, graças a uma bolsa concedida pelo Ayuntamiento à Diputación de Barcelona. Neste estudo sobre a Sensibilidade em experimentos ou testes: Nesse contexto, a sensibilidade refere-se à capacidade de um método ou instrumento de detectar pequenas mudanças ou diferenças em uma variável específica. Por exemplo, um teste de gravidez pode ser considerado sensível se for capaz de detectar uma pequena quantidade do hormônio hCG no organismo. Vê-se um prelúdio, em interesse e análise, para as pesquisas do teste de Personalidade PMK (Psicodiagnóstico Miocinético) que iria desenvolver mais tarde. 

Em 1921, Emilio Mira y Lopez assumiu a função de secretário na II Conferência Internacional de Psicotecnia, realizada em Barcelona. Além disso, ele se tornou secretário da Sociedade de Biologia e professor de verão no Conselho de Pedagogia da Mancomunidad de Catalunya. Bem como, publicou em Bilbao o artigo “Iniciación de la infancia escolar en la vida social” (1921) que se refere ao processo de introdução das crianças na vida social por meio da educação escolar durante a primeira infância. Nessa fase, as crianças começam a frequentar a escola e a interagir com colegas, professores e outros membros da comunidade escolar. A iniciativa de introduzir as crianças na vida social por meio da educação escolar tendo como objetivo desenvolver habilidades sociais, emocionais e cognitivas essenciais para o crescimento saudável e bem-estar das crianças. Ao ingressarem na escola, as crianças têm a oportunidade de interagir e se relacionar com outras crianças, aprender a compartilhar, colaborar, resolver conflitos, seguir regras e normas sociais, expressar emoções e se comunicar de maneira efetiva (Carpintero, 2014). Este trabalho foi premiado pela Sociedad de Estudios Bascos.

Doutorou-se em Psiquiatria na Faculdade de Medicina da Universidade de Madri em 1922, com a tese: “Correlações somáticas do trabalho mental”. Em 1923, recebeu o Prêmio Extraordinário de Doutorado concedido pela Universidad de Madrid. Essa honra destacou a excelência de sua tese e o impacto significativo de suas pesquisas na área. O prêmio reforçou ainda mais sua posição como um dos principais acadêmicos e pesquisadores em seu campo. 

Em 1924, Mira y Lopez foi agraciado com o prêmio Ars Médica, um reconhecimento de sua excelência e contribuições para a medicina. Esse prêmio ressalta a qualidade de seu trabalho e o impacto positivo que suas pesquisas tiveram na comunidade científica e na prática médica. Além disso, Emilio Mira y Lopez desempenhou um papel fundamental na promoção do conhecimento científico e no estabelecimento de meios de divulgação científica. Juntamente com B. Rodríguez Arias, foi co-fundador e diretor da Revista Médica de Barcelona. 

Neste mesmo ano, Mira y Lopez também foi co-fundador da Asociación Española de Neuropsiquiatras, um marco significativo no desenvolvimento da psiquiatria e neurologia na Espanha. Sua atuação como membro ativo nessa associação, além de sua participação como palestrante e assistente nas reuniões anuais subsequentes, refletiu seu compromisso com o avanço dessas disciplinas (Jacó-Vilela & Rodrigues, 2014).

A partir de 1925, Emilio Mira y Lopez foi designado médico do Serviço Psiquiátrico do Ayuntamiento de Barcelona, um reconhecimento de suas habilidades clínicas e sua expertise na área da psiquiatria. Sua posição nesse serviço destacou seu compromisso em fornecer cuidados de saúde mental de qualidade à população e sua capacidade de influenciar positivamente a prática clínica, bem como teve uma ativa participação no marco escolar catalão:

Mira y López, en 1925, señala varias posiciones que la escuela puede adoptar en materia de orientación profesional, la posición que defiende será la de la participación activa de la escuela en el proceso de orientación, “el maestro no debe limitarse a observar, sino pueden experimentar, siempre y cuando sus experimentos estén debidamente guiados por el órgano técnico asesor al que sirven… Para ello, propone introducir en el horario escolar una clase semanal o quincenal de “juegos profesionales” que pueden ir acompañadas de la ejecución de ejercicios psicotécnicos. pruebas y demás de la ingenuidad de los “juegos” (Saiz et al 1992, p. 107).

O professor poderia, neste contexto, ir observando a predisposição e vocação profissional dos alunos, estes jogos e medições poderiam ser complementados com visitas a centros de trabalho (fábricas e oficinas). A aplicação sistemática da proposta de Mira y Lopez não foi realizada, mas algumas escolas, em decorrência dos cursos que Mira ministrava na l’Escola d’Estiu, realizaram os testes psicotécnicos propostos por Mira y Lopez. Nesta ligação de orientação escolar-profissional, lembramos que a Universidade de Ohio o convidou para ministrar um curso de Psicologia Pedagógica e Psicologia Profissional.

Neste ano, Mira y Lopez também assumiu o cargo de secretário da Academia de Ciências Médicas de Catalunya y Baleares. Ainda em 1925, proferiu uma conferência no Instituto Médico Farmacêutico em Barcelona com o título: Progresos de la Psiquiatría en el último biênio. 

A partir de 1926, Emilio Mira y Lopez reafirmou seu reconhecimento internacional ao participar da IV Conferência Internacional de Psicotecnia em Paris. Nesse evento, ele compartilhou suas pesquisas e experiências no campo da avaliação psicológica e psicotécnica. Além disso, tornou-se membro correspondente da Société de Clinique Mentale, uma distinção que evidencia sua influência no meio acadêmico (Silva & Rosas, 1997).

No mesmo período, Mira y Lopez assumiu a posição de Diretor Geral do Instituto de Orientação e Seleção Profissional de Barcelona, um órgão oficial do Estado espanhol. Sua atuação neste cargo permitiu que ele se dedicasse à orientação profissional e ao desenvolvimento de métodos de seleção adequados para diferentes ocupações (Martins, 2014). Essa posição destacada proporcionou a Mira y Lopez a oportunidade de disseminar seus conhecimentos e ideias por meio de cursos e palestras, incluindo aulas sobre psicologia comportamental na Faculdade de Medicina de Barcelona e sobre psicanálise na Academia de Ciências Médicas.

Em 1927, Mira y Lopez desempenhou um papel significativo como secretário do 33º Congresso de Psiquiatria e Neurologia em Paris. Sua participação como palestrante oficial na V Conferência Internacional de Psicotecnia em Utrecht e sua nomeação para o comitê diretor da Société Internationale de Psychotechnique em Paris reforçaram ainda mais sua reputação como pesquisador na área. 

A partir de então, sua presença e contribuições científicas expandiram-se cada vez mais para além das fronteiras da Espanha. Ele ministrou palestras na Universidade Católica de Lovaina e na Sociedade de Psicologia Médica de Viena. Sua participação em congressos e conferências em diferentes países fortaleceu seu papel como divulgador e colaborador ativo na comunidade científica internacional.

Em 1928 tornou-se secretário geral da Acadèmia i Laboratori de Ciências Médicas da Catalunha. Durante o ano de 1929, ele era frequentemente convidado para ministrar cursos e conferências nos Estados Unidos. Mira y López desempenhou um papel importante na introdução dos seguintes campos na Espanha: psicologia experimental, psicologia jurídica e as ideias da escola alemã de psiquiatria e, especialmente, da teoria psicanalítica. Nessa linha, durante a partir de 1930, ele ajudou psicanalistas europeus fugindo do nazismo que se estabeleceram em Barcelona como refugiados políticos, e introduziu métodos psicanalíticos nos centros psiquiátricos que ele dirigia. Ele estudou psicanálise extensivamente (lendo Freud diretamente em alemão) e distinguiu três dimensões dentro dele: um método de exploração, uma doutrina e uma terapia (Emili Mira i López | Mira Test, n.d.).

Sua passagem pela Rússia em 1931, não ficou despercebida pelo mainstream acadêmico também:

Más importante aquí son, para nosotros, las opiniones que Mira se formó com ocasión del viaje, acerca del régimen soviético, y del valor de la ideología comunista.Viajó a Moscú en septiembre de ese año de 1931, junto a otras personalidades del mundo cultural de Barcelona: el catedrático Joaquim Xirau, el pedagogo Rafael Campalans y el profesor Juan Roura Parella, interesado por los temas psicológicos (Carpintero, 2014, p. 69).

Desta forma, é importante destacar as opiniões que Mira y Lopez formou durante sua viagem sobre o regime soviético e o valor da ideologia comunista. Ele viajou para Moscou em setembro daquele ano de 1931, acompanhado por outras personalidades do mundo cultural de Barcelona (Mülberger e Jacó-Vilela, 2007).

A viagem proporcionou a Mira y Lopez a oportunidade de entrar em contato com a realidade do regime soviético e de observar de perto sua estrutura política, social e ideológica. Essa experiência influenciou suas opiniões e perspectivas em relação ao comunismo e ao valor da ideologia comunista.

É notável que Mira y Lopez tenham feito parte de um grupo de intelectuais e acadêmicos que se interessavam por questões psicológicas durante essa viagem. Embora não seja fornecido na citação direta acima um detalhamento das opiniões específicas de Mira y Lopez sobre o regime soviético e a ideologia comunista, é possível inferir que essa viagem teve um impacto significativo em sua formação de opinião e em sua compreensão desses assuntos. A experiência de testemunhar de perto a realidade soviética certamente contribuiu para sua visão crítica e sua capacidade de avaliar o valor e os desafios associados à ideologia comunista.

El viaje lo hicieron yendo primero a París, de allí a Berlín, luego Varsovia y al fin Moscú. Comenzó llamándole la atención el cartel de saludo que precedió a la llegada a la estación – Salud a los trabajadores del mundo oprimido – y los carteles de Lenin y Stalin, de propaganda de la revolución y lucha contra el analfabetismo. Más concretamente, halló que «Moscú es una ciudad que da la sensación de vivir en perpetua fiesta y en continuo trabajo». Hay trabajo continuo, y descanso y fiesta en distintos días para cada caso. No hay apenas tráfico rodado, salvo los coches oficiales, y unos «coches viejísimos, desvencijados, oxidados, guiados por unos cocheros tan sucios como viejos que piden una cantidad fantástica por viaje y no los toma nadie» (Carpintero, 2014, p. 69). 

Durante a viagem, Mira y Lopez e seu grupo seguiram um itinerário que incluía Paris, Berlim, Varsóvia e, finalmente, Moscou. Ao chegarem à estação, eram recebidos com o sinal de saudação: “Saudações aos trabalhadores do mundo oprimido”. Cartazes de Lenin e Stalin, com propaganda revolucionária e de luta contra o analfabetismo, estavam espalhados pela cidade.

Ao explorar Moscou, Mira y Lopez foram cativados pela atmosfera vibrante da cidade, descrevendo-a como um lugar onde se sentia uma alegria perpétua e um trabalho incessante. Ele notou que havia trabalho em curso constantemente, com períodos diferentes de descanso para cada caso específico. Surpreendentemente, o tráfego de veículos nas ruas era escasso, limitado principalmente a carros oficiais e alguns veículos muito antigos e enferrujados, conduzidos por cocheiros tão desgastados pelo tempo que exigiam uma quantia exorbitante para cada viagem, o que levava as pessoas a optarem por outras formas de transporte.

Essas observações fornecem um vislumbre das impressões de Mira y Lopez durante sua estadia em Moscou. Ele foi impactado pela atmosfera revolucionária e pelo engajamento na luta contra o analfabetismo, além de se encantar com a energia e a dedicação das pessoas em seu trabalho cotidiano. 

Em 1932, Mira y López, foi também um pioneiro na área de Psicologia Jurídica, publicando o “Manual de psicologia jurídica” dirigido aos profissionais do direito, onde ele enfatizou que a psicologia jurídica deve ter como objetivo primeiro prevenir o crime e ajudar os criminosos a se readaptar à sociedade, oferecendo ajuda corretiva, não sanções meramente punitivas (Emili Mira i López | Mira Test, n.d.).

Em 1933, Emilio Mira y Lopez foi nomeado por unanimidade para ocupar a primeira cátedra de Psiquiatria criada na Espanha, na Universidade de Barcelona. Essa nomeação reafirmou seu prestígio e contribuições para o campo. Ao mesmo tempo, fundou a Revista de Psicologia y Pedagogía em parceria com Joaquin Xirau12 (1895-1946), proporcionando um espaço para o intercâmbio de conhecimentos e pesquisas na área.

Neste mesmo ano, Mira y Lopez assumiu o papel de relator principal na Reunião Anual da American Society for the Advancement of Science, na seção de Psicologia. Sua contribuição nesse evento, ao lado de pesquisadores como W. Kohler13 (1887-1967), W. Spearman14 (1863 -1945) e Henri Piéron15 (1881-1964), evidenciou sua expertise e influência na área que lhe facultou ocupar cargos de liderança em diversas organizações profissionais. Ele foi presidente da Societat Catalana de Psiquiatría y Neurología. Além disso, atuou como vice-presidente da Asociación Española de Neuropsiquiatría e como membro do Conselho Superior de Psiquiatría em Madrid.

No VIII Congreso Internacional de Psicotecnia, realizado em Praga em 1934, Mira y Lopez marcou presença na divulgação científica e neste mesmo ano, foi designado como professor de Psicologia Infantil, Psicopatologia Infantil e Psicotecnia Educativa na Facultad de Pedagogía da Universidad de Barcelona (UB). Essa nomeação reflete seu conhecimento especializado nessas áreas e seu compromisso com o ensino e a formação de profissionais da área.

Dentro de esta faceta y en a la conexión Psicología-Pedagogía, queremos destacar que Mira y López fundó junto con Xirau la revista “Revista de Psicologia i Pedagogia” y que sus artículos se publican frecuentemente en revistas dirigidas al sector escolar como “Revista de Pedagogía”, “Butlletí dels Mestres” o “Revista de Escuelas Normales”. En este sentido, también impartió cursos de Psicología Infantil, Psicopatología Infantil y Psicotecnia Educativa en la Facultad de Filosofía y Letras de la Sección de Pedagogía, a partir de 1934. Surge en el propio Instituto, en 1934, el interés por un consultorio médico-pedagógico que , Según informa la revista Butlletí dels Mestres (Mira y López, 1934), surge de la necesidad de “el problema cada vez más importante del niño que no encuentra un lugar adecuado en la escuela y se convierte en un elemento disruptivo o del niño que vive con dificultades dentro del entorno familiar”. La oficina era gratuita y su función era diagnosticar anomalías y asesorar sobre la mejor forma de actuar. Además, la oficina organizó cursos de formación para padres y profesores (Saiz et al. 1992, p. 108).

Além disso, Mira y Lopez ministrou diversos cursos na Faculdade de Filosofia e Letras da Seção de Pedagogia a partir de 1934. Entre esses cursos, destacam-se os de Psicologia Infantil, Psicopatologia Infantil e Psicotécnica Educacional. No próprio Instituto, surgiu neste mesmo ano o interesse por um consultório médico-pedagógico. De acordo com uma notícia da revista “Butlletí dels Mestres”, essa iniciativa nasceu da necessidade de lidar com o fato de cada vez mais a criança não encontrar um lugar adequado na escola e tornar-se esta situação um elemento perturbador para a criança que vive com dificuldade também dentro do ambiente familiar. O consultório médico-pedagógico oferecia atendimento gratuito e tinha como objetivo diagnosticar anomalias e aconselhar sobre a melhor conduta a ser adotada.

Além de suas atividades diagnósticas e de aconselhamento, o consultório organizou cursos de treinamento para pais e professores. Esses cursos visavam fornecer orientações práticas e conhecimentos fundamentais para auxiliar os pais e educadores no desenvolvimento e no bem-estar das crianças.

Em 1935, Mira y Lopez assumiu a presidência da Liga Española de Higiene Mental. Além disso, tornou-se diretor do Sanatorio Psiquiátrico de San Baudilio, seção mulheres. No ano seguinte, Mira y Lopez foi designado presidente do Congresso Internacional de Psicologia Científica, programado para ocorrer em Madrid. No entanto, devido ao início da guerra civil espanhola, o congresso não pôde ser realizado. Durante esse período, ele foi palestrante no Congresso de Médicos Alienistas e Neurólogos de Lengua Francesa em Zurich. Ao receber a notícia do conflito armado em sua terra natal, Mira y Lopez retornaram imediatamente a Barcelona (Silva & Rosas, 1997).

O Institut d’Observació Psicológica la Sageta, que pode ser considerado uma experiência inovadora na Espanha dentro da orientação clínico-pedagógica-infantil, nos moldes da Clínica de Orientação Infantil, já existente em Inglaterra e América do Norte. Embora outras experiências clínicas para crianças tivessem existido na Espanha, como o Instituto Médico-Pedagógico do Dr. Córdoba em 1915, a Escola Municipal para Deficientes da Dr. em 1919, o Instituto Médico-Pedagógico do Dr. Rodríguez Lafora desde 1925 e o Institut Torremar de Folch i Torres desde 1928. A experiência de Mira y Lopez e seus colaboradores, neste Instituto, apresentou características mais atuais e um diagnóstico e observação adaptados a todos os tipos de problemas comportamentais. A abordagem desta instituição teve uma orientação mais psicológica do que psiquiátrica. A esse respeito, o texto de Mira y Lopez “L’educació dels més menuts” (1935) é claro: “de los 3 a los 5 años se acusan ya claramente los casos difíciles de educar; los defectos y las cualidades de cada niño se encuentran formadas o al menos esbozadas y. por tanto, ya es posible formular con garantías de acierto un juicio respecto a estrutura” (Mira y Lopez, 1935 citado por Saiz et al, 1992, p. 108).

Em 1936 foi encerrado o funcionamento da primeira clínica para observação e tratamento da infância com distúrbios comportamentais na Espanha, La Sageta. A clínica tinha sido fundada por Mira y López, juntamente com Alfred Strauss e Jeroni de Moragas. Seu encerramento se deu por conta do início da Guerra Civil Espanhola. Em 1937, Emilio Mira y Lopez assumiu o cargo de diretor do Instituto de Adaptación Profesional de la Mujer, uma instituição vinculada à Generalitat de Catalunya. Nessa posição, ele desempenhou papel no desenvolvimento e na implementação de programas de adaptação profissional para mulheres. Além disso, Mira y Lopez foi nomeado vice-presidente honorário da Liga Internacional de Higiene Mental, sediada em Paris. Essa nomeação é um reconhecimento de sua contribuição significativa para o campo da saúde mental internacionalmente. Sua participação nessa liga permitiu-lhe colaborar com outros especialistas renomados e promover a conscientização sobre a importância da higiene mental, que era em seu contexto uma ação progressista, em escala global.

Nos anos de 1936 e 1937, Mira y López não publicou artigos científicos. Bem como, constam nas tabelas deste capítulo os artigos com confirmação de revista, cidade e ano, mesmo quando não citados.

Em 1938, Emilio Mira y Lopez recebeu uma nomeação pelo Ministério de Defesa Nacional. Ele foi designado como Chefe dos Serviços Psiquiátricos do Exército da República Española, com a categoria de Tenente Coronel. Nessa função, ele desempenhou um papel na promoção da saúde mental e no tratamento de questões psiquiátricas entre os membros do exército. 

O período de produção científica de Mira y Lopez, desde os anos 1936 até 1938 foi muito conturbado, haja visto a eclosão da Guerra Civil Espanhola (1936-1939). Sua emergência ocorreu por um conflito interno que dividiu a Espanha entre os republicanos, defensores de um governo democrático e progressista, e os nacionalistas, liderados pelo general Francisco Franco, que buscavam estabelecer um regime autoritário. O conflito foi marcado por batalhas intensas, brutalidade e uma interferência significativa de potências estrangeiras.

De igual modo, instaurou-se uma grande divisão político-social, pois na década de 1930, a Espanha da estava profundamente polarizada entre a esquerda republicana e a direita nacionalista, havendo forte instabilidade política, tensões sociais e violentas disputas de poder.

Também foi percebido neste conflito, as dicotomias dos fatores econômicos e sociais. A desigualdade social e a crise econômica da época agravaram as tensões e geraram insatisfação entre os trabalhadores e a classe média. Houve interferência das potências estrangeiras, como a Alemanha nazista e a Itália fascista, que apoiaram o lado nacionalista de Franco, fornecendo armas e apoio militar.

A União Soviética, por sua vez, apoiou os republicanos, enviando conselheiros militares e fornecendo ajuda. O levante militar liderado por Franco em 1936 desencadeou o conflito, levando a batalhas ferozes em várias regiões da Espanha. A cidade de Guernica foi bombardeada pela aviação alemã, em um dos eventos mais emblemáticos e devastadores da guerra. A vitória de Franco resultou na instauração de um regime ditatorial e autoritário que perdurou por décadas.

Diversos escritores, como George Orwell16 (1903-1950), Ernest Hemingway17 (1899- 1961) e John dos Passos18 (1896-1970), se engajaram nas fileiras dos comunistas espanhóis durante a Guerra Civil Espanhola. Essa participação destacada de intelectuais de esquerda demonstrou a importância política e ideológica do conflito.

A Guerra Civil Espanhola foi caracterizada por uma intensa internacionalização, transformando a Espanha em um verdadeiro “centro de testes” para novas armas e táticas militares. Um dos episódios mais notórios ocorreu em Guernica, quando a cidade foi alvo de um devastador bombardeio realizado por uma avançada frota aérea da Alemanha nazista. Esse acontecimento trágico ficou imortalizado na obra icônica de Pablo Picasso19 (1881-1973).

O conflito chegou ao fim em 1939, pouco antes do início da Segunda Guerra Mundial, com a vitória dos nacionalistas liderados por Francisco Franco. Franco, que se aliou ao fascismo e ao nazismo, manteve-se no poder durante toda a guerra civil e continuou como chefe de Estado até o ano de sua morte, em 1975. Seu regime autoritário e repressivo teve um impacto duradouro na política e na sociedade espanhola (Fernandes, n.d.).

Emílio Mira y Lopez, filiou-se ao Partido Socialista, Unió Socialista de Catalunya, atuando no Exército Republicano, funções que lhe foram destinadas pelo governo republicano durante a Guerra Civil Espanhola. Sua saída da Espanha, como a de muitos outros, só ocorreu após a vitória de Francisco Franco em 1939 (Jacó-Vilela & Rodrigues, 2014).

Até 1939, Mira y Lopez realizou algumas atividades específicas no campo da Pedagogia, ou se melhor atende aos requisitos de compreensão do leitor, atividades que incluem a Psicologia Aplicada à Educação e às crianças e adolescentes especificamente. Vamos resumidamente, relembrar e adicionar novos fatos que corroboram esta passagem dele em áreas educacionais e seu interesse em preparar os professores para esta tarefa.

Mais tarde, já residindo na América Latina, publicou os livros que pesquisamos para esta dissertação, são eles: Psicologia Evolutiva del niño y del adolescente (1945), El niño que no aprende (1947) e Escola dos pais (1964).

Trajetórias pós-exílio

Em 23 de janeiro de 1939, a família de Emílio Mira y López partiu para a França, enquanto ele permaneceu na Catalunha, gerenciando a evacuação dos pacientes sob sua responsabilidade. Chegando em Paris, ele buscou obter passaportes cubanos para si e sua família. Ele se tornou um “Research Fellow” da “British Society for Protection of Science and Learning”. Passou a realizar trabalhos de pesquisa no Maudsley Hospital e Mill Hospital de Londres, apresentando-os, em outubro, perante a Royal Academy of Sciences como base para seu teste de Psicodiagnóstico Miocinético. Além disso, ministrou palestras sobre Psiquiatria de Guerra nos Estados Unidos, em universidades como Princeton, Yale, Chicago e Washington. Também foi convidado como professor na Universidade de Havana.

Ainda este ano, observa-se a chegada de Mira y Lopez na Argentina, registrou marcas de sólidas conexões para suas publicações de livros no futuro, além de sua difusão científica:

Mira propulsa en Argentina la psicología aplicada y contribuye al fundamento de las críticas al sesgo teórico filosófico de la psicología académica, que bajo la influencia de Ortega se había extendido de la Universidad de Buenos Aires a la Universidad de Cuyo y de Tucumán. Promueve la investigación psico-estadística y psicotécnica. Critica la psicología teórico-filosófica y sus esfuerzos se dirigen enfáticamente a promover el sesgo aplicativo profesional. Alfredo Calcagno, quien fuera el más destacado cultor de los estudios psicopedagógicos en el país, y quien ayudara a Mira a gestionar su documentación cuando arribó a Buenos Aires en 1939, en su carácter de Director de la Biblioteca Educativa genera, a través de convenios con las principales editoriales argentinas de la época (El Ateneo, Kapelusz), la promoción de obras en psicología para expandir y promover su difusión. De este modo las obras de Mira son publicadas casi en su totalidad en Argentina formando sucesivas generaciones en psicología aplicada. (Rossi, Falcone & Ibarra, 2014, p. 97)

Mira y Lopez desempenhou um papel crucial na promoção da psicologia aplicada na Argentina, desafiando o viés teórico-filosófico predominante na psicologia acadêmica. Sob a influência de Ortega, esse viés havia se espalhado da Universidade de Buenos Aires para a Universidade de Cuyo e Tucumán. Com o intuito de mudar essa situação, Mira y Lopez dedicou-se a realizar pesquisas envolvendo estatísticas no campo da psicologia e psicotécnicas, buscando trazer uma abordagem mais prática e aplicada à psicologia.

O trabalho de Mira y Lopez envolveu, também, críticas à abordagem teórico-filosófica da psicologia e concentrou-se na promoção de uma perspectiva profissional e aplicada da disciplina. Um colaborador importante nesse esforço foi Alfredo Calcagno20 (1891-1962), um proeminente estudioso de psicopedagogia na Argentina. Calcagno ajudou Mira y Lopez a administrar a documentação e assumir o cargo de Diretor da Biblioteca Educacional, quando chegou a Buenos Aires em 1939.

Com a ajuda de Calcagno e através de convênios com importantes editoras argentinas da época, como El Ateneo e Kapelusz, Mira y Lopez promoveu a publicação de trabalhos em psicologia, expandindo e difundindo os princípios da psicologia aplicada. Como resultado, grande parte das obras de Mira y Lopez foram publicadas na Argentina, influenciando sucessivas gerações no campo da psicologia aplicada (Falcone, 2018).

A experiência clínica psiquiátrica que fundamentava o próprio campo da saúde mental, responsável pelo diagnóstico, tratamento e prevenção de distúrbios psíquicos, entende-se também a atenção dada pelos serviços de Higiene Mental. Tornou-se bem presente, além da Psicologia, assumindo em 1940 na Argentina o cargo de psiquiatra-consultor no sanatório privado “La Chapelle” (Jacó-Vilela & Rodrigues, 2014).

Neste mesmo ano, realizou conferências na Universidade Nacional de Buenos Aires e na Faculdade de Medicina da Universidade Nacional del Litoral, em Rosario, onde contribuiu para a formação de novos profissionais da área de saúde mental. Mira y Lopez recebeu o título de Membro Honorário da Sociedade Argentina de Psiquiatria e do Círculo de Médicos Legistas de Rosario. Essas honrarias para a época, representam não apenas suas contribuições para a psiquiatria, mas também sua influência acadêmica nas áreas de psicologia, psiquiatria e saúde mental, na Argentina e logo após na academia científica e nos pólos institucionais da América Latina.

No ano de 1941, Mira y Lopez receberam um convite para ministrar cursos de verão na Universidade do Chile. Essa oportunidade permitiu que ele compartilhasse seu conhecimento e experiência com estudantes chilenos, ampliando sua influência além das fronteiras argentinas. Sua participação como professor convidado nessa instituição contribuiu para a disseminação da ciência no campo da psiquiatria e psicologia (Jacó-Vilela & Rodrigues, 2014).

Neste mesmo ano, na Argentina, Mira y Lopez atuou como professor de Psicologia no Colegio Libre de Estudios Superiores de Buenos Aires. Nessa posição, ele levou os estudantes a explorar os conceitos e as teorias fundamentais da psicologia, fornecendo uma base sólida para sua formação acadêmica. Sua abordagem pedagógica, adquirida em sua formação na Espanha e sua vasta experiência clínica permitiram que os alunos compreendessem melhor os aspectos teóricos e práticos da disciplina. Além disso, ministrou um curso sobre Psicoterapia na Faculdade de Medicina da Universidade de Buenos Aires. 

No ano de 1942, Mira y Lopez foram convidados a proferir a “Salmon Lecture” na Academia de Medicina de Nova York. Essa oportunidade reconhecida mundialmente concedeu a ele um espaço para compartilhar suas reflexões e contribuições para a psiquiatria e psicologia.

A conquista do título de “Fellow”21 da American Psychiatric Association é um testemunho adicional do reconhecimento internacional concedido ao Mira y Lopez. Como “Fellow”, ele se tornou parte de um grupo seleto de profissionais respeitados, cujo trabalho é considerado referência na comunidade psiquiátrica. Neste mesmo ano, foi convidado a proferir conferências em diversas universidades norte-americanas (Jacó-Vilela & Rodrigues, 2014).

Entrecortando outra faceta do ecletismo de Mira y Lopez, agora na psicanálise na Argentina, podemos observar que:

La fundación de la Asociación Psicoanalítica Argentina en 1942 muestra la diáspora de este grupo reunido quizás circunstancialmente para esa ocasión: aquellos que se orientan a la psiquiatría social y renuncian al psicoanálisis como Gregorio Bermann y Jorge Thénon; los que se orientan al psicoanálisis como Enrique Pichon-Rivière (miembro fundador de la Asociación Psicoanalítica Argentina); y los que como Mira y López conservan ambas tendencias sin renunciar a ninguna, como se verá a través de su colaboración y participación en la Revista Latinoamericana de Psiquiatría, dirigida por Gregorio Bermann y Claudio de Araujo Lima. A propósito de Mira, Omar Lazarte ex catedrático de Psicología Médica de la Facultad de Ciencias Médicas de la Universidad Nacional de Cuyo (Mendoza, Argentina) (Rossi, Falcone & Ibarra, 2014, p. 101).
En las conversaciones que tuvimos personalmente me comentó que él se inclinaba por el psicoanálisis culturalista o neopsicoanálisis, según la orientación de la escuela de Washington de K. Horney, Sullivan y Fromm. Su lúcida apertura a la dimensión social del ser humano le permitía observar con claridad la vinculación individuo-sociedad (Lazarte, 1993, p. 13).

No ano de 1942, Mira y Lopez publicou em Buenos Aires o seu “Manual de Psicoterapia”, que compilou o curso ministrado sobre o assunto na Faculdade de Medicina da Universidade de Buenos Aires em 1940. O manual apresenta um panorama dos métodos psicoterapêuticos contemporâneos, buscando evitar o limite de fornecer uma visão unilateral desse campo de estudo.

No prólogo, datado de outubro de 1941, Mira y Lopez questiona por que não há espaço para o ensino da psicoterapia, argumentando que não existem psicoterapeutas assim como existem urologistas, fisiatras22, entre outros especialistas médicos. Ele aponta que essa lacuna resulta no “boom” das atividades nesse campo. Mira y Lopez reconhece a importância de estabelecer uma relação próxima com a Universidade e nesse sentido, destaca a intensa colaboração que teve com Omar Lazarte durante seus contatos com a instituição.

Em 1943, Mira y Lopez foi designado Diretor dos Serviços Psiquiátricos e de Higiene Mental da Província de Santa Fé, na Argentina. Nessa posição, ele assumiu a responsabilidade de liderar e coordenar os serviços de saúde mental da região. Além disso, Mira y Lopez fundou e dirigiu o hospital psiquiátrico na cidade capital, que até hoje leva o seu nome e se tornou um dos mais importantes do país (Falcone, 2018).

No ano seguinte, em 1944, Mira y Lopez foi contratado pelo Ministério da Educação do Uruguai para fundar e dirigir o Instituto de Orientação Profissional de Montevideo. Essa oportunidade demonstra o reconhecimento de suas habilidades e conhecimentos não apenas na área da psiquiatria, mas também na orientação profissional. Sua atuação no instituto contribuiu para o desenvolvimento de programas e estratégias que auxiliavam os indivíduos na escolha de carreiras adequadas às suas aptidões e interesses (Silva & Rosas, 1997).

A nomeação como Diretor dos Serviços Psiquiátricos e de Higiene Mental da Província de Santa Fé reflete a confiança depositada no Mira y Lopez para promover a saúde mental e melhorar a qualidade de vida dos cidadãos da região. Sob sua liderança, foram implementadas políticas e programas, que visavam a prevenção, tratamento e reabilitação de pessoas com problemas de saúde mental. No Uruguai, a contratação de Mira y Lopez pelo Ministério da Educação para estabelecer e dirigir o Instituto de Orientação Profissional de Montevideo evidencia sua experiência na práxis com os indivíduos que precisavam e buscavam a tomada de decisões informadas sobre suas carreiras. Um exemplo prático da psicologia aplicada. O trabalho desenvolvido nesse instituto teve um impacto significativo na orientação e aconselhamento vocacional.

Em 1944, por conta do descontentamento causado pela intervenção militar do governo peronista na mídia universitária argentina, Mira y López aceitou um contrato com o Ministério da Educação do Uruguai para organizar e dirigir pesquisas sobre escolares uruguaios, bem como iniciar aplicações de testes para a orientação profissional (Mira, 2005). Mudou-se para Montevidéu, onde trabalhou no Laboratório de Psicopedagogia “Sebastián Morey Otero” e lá conheceu Alice Madeleine Galland, que se tornou sua segunda esposa. Dessa união, nasceram Nuria, Rafael, Emilio Carlos (falecido com poucos meses de vida) e Emilio Rafael. 

Mira y López no Brasil

Em 1945, Mira y López foram convidados pelo Departamento Nacional da Criança e por outras instituições a visitar o Rio de Janeiro para uma série de conferências. 

O primeiro contato de Mira y López, com o Brasil, ocorreu em maio de 1945, a convite da Universidade de São Paulo (USP), Instituto de Organização Racional do Trabalho (IDORT), Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e Estrada de Ferro Sorocabana, onde pronunciou conferências e deu um curso de Psicologia Aplicada ao Trabalho. Em outubro do mesmo ano voltaria ao Brasil, agora ao Rio de Janeiro, para se ocupar do curso do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), concluído em outubro de 1946 (Rosas,1995). 

Em 1946, outro ponto importante atravessou sua trajetória profissional: sua atuação na criação do Centro de Orientação Juvenil (COJ), que foi uma das primeiras instituições especializadas no atendimento clínico e orientação psicológica de jovens a ser fundada no Brasil. O processo de atendimento seguia uma sequência bem definida. Iniciava-se com a coleta de documentação por meio de entrevistas conduzidas pela assistente social. Em seguida, eram aplicados testes pelos técnicos de psicologia e a equipe trabalhava em conjunto para planejar o atendimento adequado. Além disso, havia uma orientação paralela voltada aos responsáveis pelas crianças, buscando envolvê-los no processo.

Diversos testes eram utilizados no COJ como parte do processo de avaliação psicológica. Entre eles estavam o Psicodiagnóstico Miocinético (PMK), desenvolvido por Mira y López, o teste Minhas Mãos, elaborado por Helena Antipoff, o teste Binet e o teste de Rorschach (Jacó-Vilela, Messias, Degani-Carneiro & Oliveira, 2017). Cada um desses instrumentos tinha o objetivo de fornecer informações específicas sobre o paciente, auxiliando a compreender seus aspectos emocionais, cognitivos e comportamentais.

Vale ressaltar que o COJ tinha um foco específico em seu atendimento e não lidava com pacientes que apresentavam graves distúrbios psicopatológicos. Nessas situações, era estabelecida uma colaboração institucional com serviços especializados, buscando encaminhar esses casos para profissionais com expertise adequada.

Quando se tratava de orientação profissional, o COJ direcionava os interessados ao ISOP (Instituto de Seleção e Orientação Profissional), dirigido por Mira y López e localizado na Fundação Getúlio Vargas. Essa instituição tinha como objetivo oferecer suporte na escolha de carreira e orientação vocacional, auxiliando os jovens a tomarem decisões conscientes e informadas sobre seu futuro profissional.

Dessa forma, o COJ desempenhou um papel pioneiro no atendimento psicológico e orientação de jovens no Brasil, proporcionando uma estrutura organizada e profissionais qualificados para auxiliá-los em suas demandas emocionais, psicológicas e de orientação profissional. Vale ressaltar da influência de Helene Antipoff na vinda de Emílio Mira y Lopez ao Brasil:

Aliás, logo após sua mudança para o Rio de Janeiro, Helena Antipoff contribuiu para viabilizar a vinda de Mira y López para o Brasil. Esse psiquiatra estava exilado na Argentina, impedido de voltar a seu país natal – a Espanha – por problemas políticos. Filiado ao Partido Socialista, Mira, já formado em medicina, exerceu a chefia dos serviços psiquiátricos do exército republicano durante a Guerra Civil espanhola. Com a vitória do franquismo e consequente instalação da ditadura, teve de deixar o país e, entre 1939 e 1945, esteve em vários países para conferências e pequenos trabalhos de pesquisa. Em 1945, a convite do Departamento Nacional da Criança e de outras instituições, esteve no Rio de Janeiro para uma série de conferências. Em 1947, através da mediação de Helena Antipoff, aceitou o convite dos dirigentes da Fundação Getúlio Vargas (os engenheiros Luiz Simões Lopes e João Carlos Vidal) para instalar e dirigir o Isop, primeiro no gênero no Brasil e modelo para vários outros que se estabeleceram nos demais estados (Campos, 2010, p.76).

Percebe-se que, logo após sua mudança para o Rio de Janeiro, Helena Antipoff, desempenhou um papel importante ao contribuir para a vinda de Mira y López para o Brasil. Mira y López, um psiquiatra exilado na Argentina devido a conquista de Franco na guerra civil espanhola, contou com o apoio de Helena para estabelecer-se no Brasil.

Foi nesse momento que Helena Antipoff mediou o convite feito pelos dirigentes da Fundação Getúlio Vargas, os engenheiros Luiz Simões Lopes e João Carlos Vidal. Através dessa mediação, Mira y López aceitou o convite para instalar e dirigir o ISOP (Instituto de Seleção e Orientação Profissional), o primeiro de seu gênero no Brasil e um modelo para instituições similares estabelecidas em outros estados brasileiros.

O instituto, sob a direção de Mira y López, tornou-se uma referência no auxílio aos jovens na escolha de suas carreiras, contribuindo para a promoção de uma educação mais direcionada e alinhada com as aptidões e interesses individuais. Em seguida, Mira y López foram convidados para assumir a direção do Instituto de Seleção e Orientação Profissional (ISOP) da Fundação Getúlio Vargas, em fase de organização no Rio de Janeiro (Silva & Rosas, 1997). Ao lado de outros profissionais, Mira y López participou das lutas pela regulamentação da profissão e pela formação acadêmica regular do psicólogo no Brasil (Jacó-Vilela & Rodrigues, 2014). Escreveu livros, abrangendo os campos da Psicologia, Psiquiatria, Educação e Psicanálise.

A atuação conjunta de Helena Antipoff e Mira y López demonstrou o compromisso desses profissionais em promover avanços na área da saúde mental e da educação no Brasil. Seu trabalho colaborativo permitiu a introdução de abordagens inovadoras e a criação de instituições pioneiras que influenciaram positivamente o desenvolvimento do campo psicológico e educacional no país. Dessa forma, Helena Antipoff desempenhou um papel fundamental em facilitar a chegada de Mira y López no Brasil.

Antes de seguirmos o caminho cronológico, anualmente, adotado para organizar historicamente as atividades científicas e de vida de Emílio Mira y Lopez, cabe abrirmos um “parêntese” para a devida contextualização histórica que atravessava suas experiências e oportunidades profissionais no Brasil.

É justamente, nesse cenário intelectual, social e no ano da eleição presidencial brasileira de 1945, realizada no dia 2 de dezembro, que Emílio Mira y López chegam ao país pela primeira vez. Lembrando que durante a era Vargas, o Brasil passou por uma série de mudanças sociais, políticas e econômicas que tiveram impacto significativo no cuidado com a infância, na modernização econômica e no mundo do trabalho. Nesse contexto, dois movimentos tiveram destaque: o higienismo e a escola nova. 

Diante deste percurso histórico, pode-se compreender, mesmo que brevemente, o caminho que a Psicologia e sua concepção sobre a infância, bem como suas intervenções, percorreram até a chegada de Mira y López no Brasil. Em 1945, após quase 15 anos de governo autoritário sob o Estado Novo de Getúlio Vargas, a pressão por mudanças políticas e o enfraquecimento do apoio ao regime levaram à queda de Vargas. Em outubro de 1945, foi realizada uma eleição presidencial, e o marechal Eurico Gaspar Dutra foi eleito presidente, marcando o início da redemocratização do Brasil. O país voltou ao sistema democrático, com a posse de Dutra em 31 de janeiro de 1946 (Fidelis, 2011).

Durante o governo de Getúlio Vargas (1951-1954), o Brasil passou por um período de políticas nacionalistas, com a chamada “Política do Petróleo” como um dos principais destaques. Em 1953, foi criada a Petrobras, uma empresa estatal responsável pela exploração e desenvolvimento dos recursos de petróleo no Brasil. Essa ação visava fortalecer a autonomia energética do país, garantindo o controle nacional sobre um recurso estratégico (Peyerl, 2017).

Além disso, durante esse período, houve uma ênfase na substituição de importações, com a intenção de desenvolver a indústria nacional e reduzir a dependência de produtos estrangeiros. O governo implementou políticas de incentivo à indústria, com a criação de estímulos fiscais e financiamentos para a produção e a modernização das fábricas nacionais.

Em 1960, o presidente Juscelino Kubitschek concluiu um dos projetos mais ambiciosos do Brasil: a construção de Brasília, uma cidade moderna e planejada no interior do país, para ser a nova capital. A mudança da capital do Rio de Janeiro para Brasília tinha o objetivo de promover o desenvolvimento da região central do Brasil e reduzir as disparidades regionais. A construção de Brasília tornou-se um símbolo da modernização e da integração do país, além de representar a capacidade do governo de executar grandes obras de infraestrutura (Abdala Júnior, 2015).

Entre 1961 e 1964, o Brasil enfrentou uma série de crises políticas e econômicas. A renúncia do presidente Jânio Quadros em agosto de 1961, após apenas sete meses de mandato, gerou uma instabilidade política. Com a renúncia, o vice-presidente João Goulart assumiu a presidência, mas sua posse foi marcada por tensões políticas e sociais, pois Goulart era visto como um líder de tendências esquerdistas.

A crise política foi agravada pela crise econômica, com alta inflação e crescentes problemas financeiros. A disputa em torno de reformas políticas, econômicas e sociais levou a um período de grande agitação política, conhecido como “a crise da legalidade”.

Em 31 de março de 1964, as Forças Armadas lideraram um golpe militar que depôs o presidente João Goulart. Os militares alegaram a necessidade de combater a corrupção e o comunismo, tomando o poder para “preservar a democracia e a ordem no país”. Com o golpe, foi instaurada a Ditadura Militar no Brasil, que duraria até 1985.

Após o golpe, os militares suspenderam os direitos políticos, cercaram a liberdade de imprensa e reprimiram movimentos sociais e políticos considerados subversivos. Esse período foi marcado por um regime autoritário, com ações repressivas, censura e violação dos direitos humanos. O golpe de 1964 teve um impacto profundo na história do Brasil, influenciando a política, a sociedade e a economia por muitas décadas (Corrêa, 2016).

Durante os anos 1945 e 1964, várias políticas públicas foram implementadas visando à melhoria das condições de vida das crianças. Algumas das principais políticas relacionadas à infância que eram ativas neste período incluem o Serviço de Assistência ao Menor (SAM) que foi criado em 1941 e tinha como objetivo implementar políticas de assistência à infância, buscando proteger crianças e adolescentes em situação de risco social. O SAM era uma instituição pública que desenvolvia ações de proteção e assistência social, atuando junto a crianças e famílias em situação de vulnerabilidade. Entre as atividades realizadas pelo SAM, destacam-se o acolhimento institucional de crianças em abrigos, ações de apoio a famílias em situação de pobreza e vulnerabilidade e a promoção de medidas socioeducativas para crianças e adolescentes em conflito com a lei (Costa, 2022).

Em 1943, foi promulgada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que unificava a legislação trabalhista existente até então. Embora não seja uma política exclusiva para a infância, a CLT trouxe importantes regulamentações trabalhistas que impactam indiretamente a proteção das crianças. O documento fixou a idade mínima para o trabalho em 14 anos, exceto para o trabalho na condição de aprendiz, permitindo o emprego de adolescentes entre 12 e 14 anos, desde que na condição de aprendizes em cursos profissionalizantes. Além disso, a CLT também estabelece limites de jornada de trabalho e condições adequadas para o trabalho, visando proteger a saúde e a integridade física dos trabalhadores, o que incluía adolescentes.

Também foi criada em 1964, no início do regime militar, a FUNABEM, que tinha o propósito de promover o bem-estar e a proteção de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social. A instituição tinha a missão de formular e executar políticas públicas voltadas para a infância e a adolescência, buscando garantir seus direitos fundamentais e melhorar suas condições de vida. A FUNABEM era responsável por desenvolver programas de assistência social, educação e saúde direcionados especialmente para crianças e adolescentes em situação de risco, como órfãos, abandonados, em conflito com a lei ou vivendo em situações precárias.

Durante o período de 1945 a 1964, o governo brasileiro também promoveu diversas campanhas de saúde com o objetivo de combater a mortalidade infantil. Essas campanhas buscavam ampliar o acesso a cuidados médicos, melhorar as condições sanitárias e fornecer informações sobre cuidados com a saúde e higiene para reduzir a mortalidade de crianças. Essas iniciativas tinham como foco principal a prevenção de doenças e a promoção da saúde da população infantil, especialmente em áreas mais carentes e regiões com indicadores de saúde desfavoráveis.

É importante ressaltar que, apesar dos esforços realizados por meio dessas políticas, muitas das iniciativas ainda refletiam a realidade de uma sociedade com profundas desigualdades sociais. A proteção e o bem-estar integral da infância receberam maior destaque e abordagem mais abrangente em políticas mais recentes, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), promulgado em 1990 (Woicolesco, 2014).

O período de 1930 e 1945, durante o governo do presidente Getúlio Vargas, foi marcado por profundas transformações políticas, econômicas e sociais no país, incluindo a industrialização, modernização e o desejo de ajustar as instituições de produção à organização racional e científica. O país estava se recuperando da crise econômica provocada pela queda dos preços do café, principal produto de exportação do Brasil. Com isso, o governo Vargas adotou uma série de medidas para estimular o desenvolvimento industrial e a diversificação da economia, como a criação da Companhia Siderúrgica Nacional, em 1941.

Esse processo de industrialização e modernização exigiu a especialização dos postos de trabalho, com a necessidade de mão de obra qualificada para lidar com as novas tecnologias e processos produtivos. Nesse sentido, surgiu a ideia do “the right man in the right place”, ou seja, o indivíduo mais adequado para determinada função, a fim de maximizar a eficiência e a produtividade. Além disso, a ideia de “organização racional e científica” das instituições de produção também esteve presente nesse contexto, sendo influenciada pela corrente do Taylorismo, que propunha a divisão do trabalho em tarefas simples e repetitivas, bem como a padronização dos processos produtivos. Este período também foi marcado pela criação do salário-mínimo e a regulamentação do trabalho infantil pelo Decreto nº 22.042 de 3 de novembro de 1932.

Depois de uma década, é neste contexto histórico que Mira y López irá defender a complementaridade do processo de seleção e salientando que este deve ser global (Rosas, 1995). E não seria por acaso que remonta a essa época de quebra de paradigmas a criação de diversas instituições para a formação de trabalhadores, como: o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), em 1942; o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), desde 1946; a Fundação Getúlio Vargas (FGV), de 1944; onde foi criado o ISOP, em 1947. Vários campos de atuação profissional são propostos, inclusive na educação, e tenta-se dar conta dos desafios do desenvolvimento da sociedade brasileira na década de 1940, quando o trabalho assalariado se consolidou como o fator capaz de inserir socialmente trabalhadores qualificados, nessa sociedade industrializada (Martins, 2014).

Mira y López foi convidado por vários órgãos estaduais brasileiros, como a Universidade de São Paulo (USP), o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), o DASP (Departamento Administrativo do Serviço Público) e o Centro de Estudos Franco da Rocha. Este convite foi influenciado por Roberto Mange23 (1885-1955). Proferiu conferências sobre os mais variados campos da psicologia aplicada (personalidade, psicologia jurídica, psicologia do trabalho etc.), tanto em São Paulo quanto no Rio de Janeiro. Mira y López foi convidado a voltar ao Brasil no mesmo ano, estadia que se estendeu até 1946, em decorrência de alguns compromissos como o curso de um ano ministrado no DASP, intitulado Seleção, Orientação e Readaptação Profissional (Martins, 2014).

Dois anos se passaram até que sua estadia no país fosse definitiva, em razão de outro convite, feito pelo Dr. João Carlos Vital, da Fundação Getúlio Vargas, para que Mira y López participassem da criação de um órgão voltado para a seleção e a adaptação do trabalhador brasileiro: o ISOP. Segundo Silva e Rosas (1997), a sugestão de seu nome para essa função foi apresentada pelo professor Lourenço Filho, que foi colaborador do próprio Mira y López no ISOP, bem como da Associação Brasileira de Psicotécnica.

A criação do ISOP, com sede no Rio de Janeiro, tinha como principal objetivo a difusão e o ensino da psicologia aplicada em seus campos de atuação, ou seja, a psicologia do trabalho, a psicologia educacional e a psicologia clínica. O ISOP, modelo institucional de treinamento e ensino profissional, foi reproduzido em alguns Estados brasileiros. Esse modelo foi montado em Minas Gerais, com a criação do SOSP (Serviço de Orientação Profissional), pelo Ministério da Educação desse Estado, em 1949; e na Bahia, a partir da criação do IDOV (Instituto de Orientação Vocacional), vinculado à Universidade da Bahia, em 1959. Ambos os projetos contaram com a colaboração de Mira y López (Martins, 2014).

Em diversos folhetos preparados com a finalidade de divulgar a história, os serviços, os cursos e as publicações da entidade, provavelmente a partir dos primeiros anos da década de 50, os objetivos e atividades do ISOP são discriminados de modo mais conciso: 
1. Realização de pesquisas de caráter psicotécnico, objetivando o ajustamento entre o trabalhador e o trabalho. 
2. O estudo, a execução e a difusão dos métodos científicos de informação ocupacional, seleção profissional, concursos e classificação de pessoal, assistência psicológica no trabalho, orientação vital e orientação profissional. 
3. O reajustamento e a readaptação profissional dos incapacitados para o trabalho, possibilitando seu retorno a atividades profissionais adequadas. 
4. O estudo do mercado nacional de trabalho para o fim de colocação do trabalhador, com vistas a seu maior rendimento nas melhores condições técnicas. 
5. A promoção de reuniões e seminários de psicotécnica. A organização e administração de cursos de formação, extensão e aperfeiçoamento de psicotécnicos e orientadores profissionais (Silva & Rosas, 1997, p.24).

Os técnicos do ISOP, dois anos após sua fundação, criaram a Associação Brasileira de Psicotécnica (ABP), em 1949. Esta, por sua vez, iniciou, no mesmo ano, a publicação da revista Arquivos Brasileiros de Psicotécnica, cujo redator-chefe era Mira y López. A revista mudou seu nome em 1969 para Arquivos Brasileiros de Psicologia Aplicada e, em 1979, para Arquivos Brasileiros de Psicologia. Até 1990, esteve sob a responsabilidade da Fundação Getúlio Vargas, o que possibilitou que todos os números, de 1949 a 1990, encontrem-se agora digitalizados e disponíveis na biblioteca digital desta instituição. As publicações frequentemente tratavam sobre o comportamento dos criminosos, crianças (delinquentes ou excepcionais) ou, mesmo, sobre a qualificação de trabalhadores. A publicação destacou-se à época, ainda, como a principal divulgadora dos eventos de Psicologia acontecidos no Brasil e no exterior (Jacó-Vilela & Rodrigues, 2014). Foi também, na Associação Brasileira de Psicotécnica que foi publicado seu anteprojeto de regulamentação da profissão de psicólogo e dos cursos de Psicologia, em 1954, dando início a uma grande articulação e mobilização política, visando à aprovação da Lei 4119 – o que ocorreu em 27 de agosto de 1962 (Jacó-Vilela & Rodrigues, 2014).

O ISOP e os Arquivos e Associação Brasileira de Psicotécnica, formam, pois, um todo coeso que corresponde às necessidades daquele momento do país: iniciando-se na industrialização, necessitando de técnicos – o psicotécnico ou psicologista – capaz de lidar com as consequências do “fator humano” na racionalidade do novo modo de produção. A seleção e o treinamento técnico são vistos como aspectos essenciais para melhorar a qualidade do trabalho (Jacó-Vilela & Rodrigues, 2014, p. 155). 

Os psicotécnicos já participavam de vários setores dos serviços públicos e privados em quase todo o país quando, em consequência da própria implantação do ISOP e de outros serviços similares, consolidou-se a necessidade de criar normas tanto para a atuação dos que estavam no mercado de trabalho quanto para a formação de novos profissionais (Rosas, 1995).  No que se refere à regulamentação da profissão de psicólogo, cabe o registro a seguir:

O primeiro anteprojeto para regulamentação da profissão de psicólogo foi elaborado em novembro de 1953 e foi encaminhado ao Ministério da Educação, com o objetivo de atender a demanda dessa classe emergente e assim proporcionar uma maior organização dos profissionais que atuam no campo do diagnóstico, seleção e orientação profissional. Contudo, a condução dos debates sobre a regulamentação estabeleceu um embate político que girou em torno dos limites das atribuições do psicólogo, cuja polarização pôs de um lado Nilton Campos e Lourenço Filho (entre outros), ambos catedráticos e teóricos da psicologia, e do outro Mira y López (e membros do ISOP), “formador” e “treinador” de psicotécnicos voltados para a aplicação do saber psicológico. O desenvolvimento do projeto de regulamentação da profissão revelou também algumas divergências, sendo uma delas relacionada à seguinte questão: a formação desse profissional deveria ser de responsabilidade de instituições universitárias ou poderia ser realizada por instituições não universitárias (Martins, 2014, p. 14).

O processo de regulamentação se estendeu por mais de dez anos, muito por conta das numerosas revisões e alterações que sofreu (Baptista, 2010), tendo se encerrado com a promulgação, em 27 de agosto de 1962, da Lei 4.119. Assinada pelo então presidente João Goulart24 (1919-1976), a Lei 4.119 estabeleceu as funções do psicólogo e os critérios para sua formação.

Enquanto esteve no Brasil, Mira y López mantinha intenso intercâmbio internacional, especialmente na América Latina. Como pode ser visto em sua participação na Sociedade Interamericana de Psicologia (SIP), da qual foi Vice-Presidente para a Região Atlântica (1955). Ocupou também cargos de diretoria e inclusive organizou o VI Congresso Interamericano de Psicologia, no Rio de Janeiro em 1959 (Degani-Carneiro, Jacó-Vilela, Espírito-Santo & Vasconcellos, 2022).

Voltando ao modelo de marcos anuais para a descrição dos acontecimentos da vida e obra em Emílio Mira y Lopez. Em 1946, Mira y López esteve no Brasil, conforme dito, em decorrência de alguns compromissos como o curso de um ano ministrado no DASP, intitulado Seleção, Orientação e Readaptação Profissional. No ano de 1947, publicou o “Manual de orientación professional”, em Buenos Aires.

Pode-se destacar que em 1948, Mira y Lopez receberam convites para ministrar cursos em diversos países da América Latina. Sua reputação e conhecimento na área da psiquiatria e psicologia levaram-no a ser convidado a compartilhar suas experiências e expertise em países como Guatemala, México, Cuba e Venezuela. Além disso, Mira y Lopez foram agraciados com títulos honorários e nomeações importantes em instituições acadêmicas renomadas. Ele se tornou Professor Titular Honorário da Cátedra de Psiquiatria da Universidade de Yucatán, no México, a distinção de receber o título de Doctor Honoris Causa pela Universidad de San Carlos de Guatemala. Bem como, foi nomeado Membro Honorário da Sociedad Venezolana de Psiquiatría.

Em 1949, Mira y Lopez foi nomeado organizador e supervisor do Serviço de Orientação Profissional do Ministério da Educação do Estado de Minas Gerais, no Brasil. Nessa função, ele desempenhou um papel fundamental na implementação e supervisão de programas de orientação profissional. Além disso, Mira y Lopez assumiu a posição de professor de Psiquiatria e Psicologia Experimental no ISOP (Instituto Superior de Orientação Profissional), uma instituição, que conforme foi dito, se torna destaque no Brasil. Sua atuação como professor em disciplinas e cursos na instituição permitiu que ele compartilhasse seus conhecimentos e experiências com os alunos, contribuindo para a formação de profissionais qualificados nesses campos (Silva & Rosas, 1997).

O reconhecimento de suas contribuições na área da psicotécnica veio com o Prêmio IDORT-1948 (Instituto de Organização Racional do Trabalho), recebido em São Paulo. Esse prêmio destacou sua excelência e inovação no campo da avaliação psicológica e seleção de pessoal, áreas essenciais, para a psicologia aplicada, para a identificação e o aproveitamento das habilidades dos indivíduos no contexto profissional.

Mira y Lopez também foi palestrante no IX Congreso Internacional de Psicotecnia, realizado em Berna. Além de suas atividades acadêmicas e de pesquisa, Mira y Lopez também fundou e foi editor-chefe da revista Arquivos Brasileiros de Psicotécnica, o periódico oficial do ISOP. Essa iniciativa editorial permite a disseminação do conhecimento e o avanço da psicotecnia no Brasil, fornecendo um espaço para a publicação de pesquisas e discussões relevantes nessa área.

Em 1950, Mira y Lopez foi eleito por unanimidade como Secretário-Geral da Associação Brasileira de Psicotecnia (Silva & Rosas, 1997). Como Secretário-Geral, ele desempenhou um papel fundamental na promoção e coordenação das atividades da associação, visando o avanço da disciplina e a colaboração entre profissionais e pesquisadores. Além de seu papel na associação, Mira y Lopez ministrou cursos em várias instituições no Brasil. Ele lecionou na Escola do Ministério da Aeronáutica, na Escola do Estado Maior, na Escola de Oficiais do Exército Brasileiro, bem como no Ministério da Marinha e no Departamento Nacional do Menor. 

O registro da contribuição de Mira y Lopez para a formação de profissionais das Forças Armadas brasileiras cabe destaque, pois a psicotecnia desempenhou um papel crucial na seleção e avaliação psicológica de pessoal militar. Além disso, Mira y Lopez ministrou cursos no Departamento Nacional do Menor, conforme citado, demonstrando seu interesse e envolvimento no campo da psicotecnia aplicada à infância e à adolescência. Mais uma vez, sua experiência é atravessada por questões que liguem às necessidades psicológicas e comportamentais das crianças e dos jovens. 

Também constam registros das atividades de Mira y Lopez a partir de 1950 no campo do esporte, mais precisamente no Futebol Brasileiro. Contudo, se faz importante compreender a importância deste esporte para o Brasil das décadas de 50 e 60:

El fútbol en Brasil en los años 50 y 60 se había convertido en el principal deporte popular. El proceso histórico de difusión y popularización de este juego en América Latina remonta a las dos primeras décadas del siglo XX. En consecuencia, es evidente que el fútbol no se lleva en la sangre ya sea de brasileños, argentinos o uruguayos. El fútbol es un elemento cultural relativamente reciente en la historia brasilera y latinoamericana. Sin embargo, es indiscutible la relevancia del fútbol en los discursos de las identidades nacionales de algunos países sudamericanos.Estudiar la complejidad de los procesos socio-históricos implicados en la transformación del fútbol en un signifcativo referente cultural (Kaulino, 2014, p. 85).

Cabe contextualizar, historicamente, que o futebol no Brasil nas décadas de 50 e 60 havia se tornado o principal esporte popular, mas é importante compreender o processo histórico de difusão e popularização desse jogo na América, que remonta às duas primeiras décadas do século XX. É evidente que o futebol não está no “sangue” dos brasileiros, argentinos ou uruguaios, pois ele é um elemento cultural relativamente recente na história desses países latino-americanos.

Apesar disso, o futebol adquiriu uma enorme relevância nos discursos das identidades nacionais em alguns países sul-americanos. Essa relevância é resultado da complexidade dos processos sócio-históricos envolvidos na transformação do futebol em uma referência cultural significativa.

O futebol chegou à América Latina por meio de imigrantes europeus que trouxeram consigo sua paixão pelo esporte (Kummels, 2011). A popularização do futebol na região foi impulsionada por diferentes fatores, como a disseminação da prática nas classes trabalhadoras, a criação de clubes esportivos e a formação de ligas e competições locais.

O jogo de futebol foi adotado e adaptado às condições e realidades socioculturais da América Latina, ganhando características únicas e uma dimensão social e simbólica significativa. O futebol tornou-se um espaço onde as identidades nacionais e regionais se manifestaram, gerando um sentimento de pertencimento e união entre os povos.

A partir das décadas de 50 e 60, o futebol já era parte integrante da cultura brasileira e latino-americana. Ele passou a ser um elemento central nas expressões culturais, nas conversas cotidianas, nas rivalidades entre times e até mesmo nas disputas políticas e sociais.

A importância do futebol como referência cultural se deve à sua capacidade de unir diferentes grupos sociais, transcendendo barreiras de classe, raça e origem. É um fenômeno que vai além do esporte em si, tornando-se um reflexo da identidade coletiva e um símbolo de orgulho nacional.

Com base em suas experiências como Psicólogo no esporte, principalmente com a utilização de seu teste de personalidade PMK (Psicodiagnóstico Miocinético), junto aos jogadores de vários times, inclusive da seleção brasileira de futebol. Mira y Lopez publica o livro “Futebol e Psicologia” (1964) em coautoria com Athayde Ribeiro da Silva (Myotin, 2018). Neste livro, os autores exploram a relação entre a psicologia e o futebol, abordando a influência dos aspectos psicológicos no desempenho dos jogadores, técnicas de treinamento mental e questões relacionadas ao comportamento coletivo e liderança dentro das equipes de futebol.

A obra busca oferecer uma perspectiva psicológica para a compreensão do jogo de futebol, analisando como fatores como motivação, concentração, emoções, tomada de decisões e dinâmicas de grupo podem influenciar o rendimento dos jogadores e o desempenho das equipes em campo. A obra também pode ajudar a compreender o impacto psicológico do futebol na vida dos jogadores, torcedores e na sociedade como um todo.

Em 1951, Mira y Lopez foi palestrante em três importantes eventos científicos. Ele participou do XIII Congreso Internacional de Psicología, realizado em Estocolmo, onde teve a oportunidade de compartilhar suas pesquisas e conhecimentos com outros especialistas em psicologia de diferentes partes do mundo. Além disso, foi palestrante no X Congresso Internacional de Psicotecnia, que ocorreu em Göteborg. Nesse congresso, ele apresentou suas pesquisas e percepções no campo da psicotecnia, por meio de seu teste psicológico PMK (Psicodiagnóstico Miocinético). O terceiro evento em que participou em 1951 foi a III Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, realizado em Belo Horizonte, no Brasil. 

No ano seguinte, em 1952, Mira y Lopez participou do Congreso Internacional de Neuropsiquiatría, realizado em Santiago, no Chile. Sua presença neste congresso destacou seu interesse e conhecimento em neurociência e psiquiatria. Em 1953, participou do XI Congresso Internacional de Psicotecnia, realizado em Paris. 

Em 1954, Mira y Lopez dedicou-se a uma importante atividade acadêmica e profissional. Ele ministrou cursos intensivos durante três meses na Universidad de Santa Clara, em Cuba.  Além disso, recebeu o título de Membro de Honra da Sociedade Cubana de Neurologia e Psiquiatria. Essa distinção reconheceu seu prestígio e suas contribuições para a neurologia e psiquiatria em Cuba. Sua afiliação como membro de honra fortaleceu os laços entre ele e a comunidade científica cubana, promovendo o intercâmbio de conhecimentos e o avanço da prática clínica e da pesquisa nesse campo. Mira y Lopez também foi nomeado Membro Honorário da Sociedade de Psiquiatria, Neurologia e Neurocirurgia de Córdoba, na Argentina (Silva & Rosas, 1997).

Em 1955, Mira y Lopez assumiu importantes cargos e recebeu honrarias em reconhecimento a suas contribuições no campo da psicologia e saúde mental. 

Primeiramente, ele foi nomeado Vice-Presidente para a Região Atlântica da Sociedade Interamericana de Psicologia, sediada no Rio de Janeiro. Além disso, se tornou membro de Honra da Fundação Acadêmica de Pelotas, localizada no Rio Grande do Sul, Brasil. 

Mira y Lopez recebeu também, o título de Sócio Honorário da Associação Paulista de Higiene Mental e Psiquiatria Infantil.  Por fim, foi designado como delegado do Brasil no XII Congresso Internacional de Psicologia Aplicada, realizado em Londres. Essa nomeação reforça e reafirma a participação de Mira y Lopez no cenário internacional da psicologia aplicada. 

No ano de 1956, foi convidado a lecionar Psicologia na Universidade Ignacio Agramonte, em Camagüey, Cuba. Ele também foi convidado pela Comissão de Aperfeiçoamento Médico do Colégio Nacional de La Habana para ministrar cursos sobre medicina psicossomática e estatística médica. Em 1957, ele apresentou um trabalho no II Congresso Internacional de Psiquiatria, em Zurique (Silva & Rosas, 1997).

Em 1958, o professor Mira y Lopez recebeu um convite da Universidade de Venezuela para reorganizar o departamento de Psicologia durante três meses. Além disso, tornou-se membro honorário da Sociedade Médica do Hospital Psiquiátrico de Caracas. Também foi palestrante no XIII Congresso da Associação Internacional de Psicologia Aplicada, realizado em Roma. Nesse mesmo ano, Mira y Lopez recebeu uma homenagem dos alunos diplomados em psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Estado, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil.

No ano seguinte, em 1959, ele assumiu a organização e supervisão do Instituto de Orientação Vocacional da Universidade da Bahía, no Brasil. Além disso, foi nomeado Secretário Geral do VI Congresso Interamericano de Psicologia. Esses eventos demonstram o reconhecimento e a importância de Mira y Lopez no campo da psicologia no país. 

No ano de 1960, Mira y Lopez foi palestrante e Presidente de Seção no XVI Congresso Internacional de Psicologia, realizado em Bonn. Além disso, ele foi designado como “Expert” em Psicologia Experimental pela UNESCO, com a responsabilidade de ministrar cursos no Departamento de Psicologia da Faculdade de Humanidades da Universidade Nacional de La Plata, na Argentina (Silva & Rosas, 1997). Também recebeu o título de Membro Honorário da Associação Argentina de Medicina Psicossomática e da Academy of Mental Health de Nova York.

No ano seguinte, em 1961, foi convidado especial pelo Instituto Cubano de Amistad de los Pueblos (Mira, 2005). Além disso, foi palestrante no I Congresso Latino-Americano de Psiquiatria, realizado em Caracas.

Em 1962, Mira y Lopez foram convidados para ministrar um curso de verão sobre Psicologia na Universidade de Quito, no Equador (Silva & Rosas, 1997). Além disso, foi nomeado Professor Honorário pela Faculdade de Filosofia e Letras da mesma universidade. Nesse mesmo ano, ele foi convidado a participar do Seminário Internacional sobre A Psicologia Científica nos Meios Audiovisuais, patrocinado pela UNESCO, em Caen, na Normandia.

Neste ano foi promulgada em 27 de agosto de 1962 a Lei 4.119/62, que regulamenta a profissão de psicólogo no Brasil. Essa legislação estabeleceu as bases para a institucionalização e a profissionalização da psicologia no país, reconhecendo a importância do trabalho dos psicólogos e definindo suas atribuições e competências. A lei trouxe diretrizes para o exercício da profissão de psicólogo. 

No contexto da institucionalização e da profissionalização da psicologia no Brasil, Emílio Mira y Lopez desempenhou um papel fundamental. Mira y Lopez foi convidado a ministrar cursos e conferências no Brasil, disseminando conceitos e práticas psicológicas que estavam sendo discutidas nos congressos internacionais. Ele contribuiu para a criação dos primeiros cursos de Psicologia no país e participou ativamente da discussão sobre a regulamentação da profissão. Seu trabalho foi fundamental para a valorização e o reconhecimento da psicologia como uma área de conhecimento e atuação profissional no Brasil.

Em 1963, o Psiquiatra, Psicólogo e professor Mira y Lopez foi convidado a presidir a Seção sobre “Avaliação da personalidade” no XVII Congresso Internacional de Psicologia, que ocorreria em Washington (Novaes, 1963). No entanto, devido a problemas de saúde, ele decidiu recusar o convite. Apesar disso, posteriormente, recebeu um convite da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Cuyo, em Mendoza, Argentina. Aceitando essa nova oportunidade, o psicólogo viajou para a Argentina e ministrou um curso intensivo de Psicologia Médica, realizado entre os dias 15 e 30 de novembro. Durante esse período, teve a oportunidade de compartilhar seu vasto conhecimento e experiência no campo da psicologia com os estudantes e profissionais da área de saúde da universidade.

Após concluir seu compromisso na Argentina, retornou ao Brasil e decidiu passar alguns dias de descanso em sua casa de campo, perto de Petrópolis. No entanto, infelizmente, no dia 28 de dezembro, ele sofreu um infarto. Esse evento repentino colocou sua saúde em perigo e exigiu atendimento médico imediato.

Quase duas décadas após iniciar sua jornada no país, Mira y López viram nascer a profissão que tanto ajudou a consolidar. Contudo, não pôde acompanhar os desdobramentos que a criação dessa nova profissão acarretou para o desenvolvimento da sociedade brasileira, viria a falecer na cidade de Petrópolis em 16 de fevereiro de 1964, no Rio de Janeiro (Martins, 2014). Mira y López veio a falecer após o segundo ataque cardíaco.

Antes de concluirmos este percurso histórico da vida e obra de Emílio Mira y Lopez, se faz importante compreender resumidamente a perspectiva de Psicologia difundida e compreendida pelo autor, o que vamos relembrar alguns fatos já mencionados.

O interesse de Mira y Lopez pela Psicologia manifestou-se desde muito cedo, como consequência direta da sua concepção de Medicina. A influência recebida do seu professor Augusto Pi Sunyer, em cujo laboratório de Fisiologia colaborou como aluno da licenciatura, proporcionou-lhe, para além de uma metodologia e de uma visão positivista, um conceito de unidade funcional dos organismos que o acompanhou ao longo da sua vida e me fez sempre considerar o ser humano como uma unidade psicofísica, por isso seus conceitos de medicina e psicologia se unem, já que a missão do médico é curar o ser humano, não um corpo ou uma psique, e para Mira y Lopez não há alteração psicológica que não tenha seu reflexo orgânico, nem alteração orgânica que não tenha seu reflexo psíquico. Ambas as coisas sempre ocorrem simultânea e unitariamente, embora em alguns casos um aspecto predomine sobre o outro. Por outro lado, os fatores que influenciam a pessoa não são apenas endógenos, mas exógenos, pelo que o meio social está indissociavelmente ligado a ela. Assim, também passou a ser percebido suas considerações no meio acadêmico:

A obra de Emílio Mira y López consubstancia uma construção teórica ampla, abrangente e capaz de nos oferecer um panorama de sínteses originais no qual se entrecruzam as principais problemáticas atuais da Antropologia, da Biologia e da Psicologia, e ao mesmo tempo dos modelos quer centrados na observação da conduta, quer voltados para explicações funcionais mentalistas, tanto da área da cognição como da emoção do comportamento e da personalidade, tendo-se inclusive antecipado em diversas posições do maior interesse científico de nossos dias (Seminério, 1978, p. 35).

Recordemos aqui, também, a afirmação de Iruela (1993, p.56): “Para Mira, o psicológico emerge do fisiológico e atinge sua plenitude no social, na adaptação do homem ao mundo que o cerca, seguindo um percurso de crescente complexidade”.

Quanto à personalidade humana, ele tem uma concepção dinâmica, integral e evolutiva, coincidente com a de Stern, considerando que a totalidade individual psicofisiológica que caracteriza todo organismo adota no caso humano a forma de uma totalidade individual que age intencionalmente, é eu e hetero-referente, vida e experiência.

Em outras palavras: todos os seres vivos possuem atividade psíquica, pois sua manifestação energética é autorregulada e dotada de ritmo e intencionalidade; quanto à “noção de existência” não atribuía saber se todos os seres vivos sentem que são. Mas só os seres humanos são capazes de ter uma fronteira clara delimitando seus conteúdos pessoais, capaz de fazer surgir uma oposição entre eles e o mundo exterior, entre o eu e o não-eu, de viver diante do mundo e não nele ou como ele.

Mira y Lopez disse que tanto a personologia25 de Wilhelm Stern26 (1871-1938) quanto a psiquiatria moderna converge ao apontar a importância do estudo evolutivo da integração pessoal. Somente seguindo passo a passo, advinda por uma análise cuidadosa obtida por informações sociais, a vida psíquica do sujeito, será possível traçar os contornos de sua personalidade. Essa concepção de personalidade leva em conta tanto os fatores endógenos (constituição, temperamento e inteligência) quanto os exógenos (experiência de situações aprendidas) em uma síntese dinâmica e evolutiva cujo resultado é a formação do caráter (Mira, 2005).

Assim, Mira y Lopez concebia a personalidade como o conjunto harmonioso de três instâncias fundamentais: inteligência, temperamento e caráter; todos eles arbitrados por um quarto, o Self. A inteligência seria o resultado integral da atividade das funções cognitivas; o temperamento seria dos afetivos; e o caráter é o resultado de funções conativas, nome dado por Mac Dougall27 (1866-1920) aos processos de acentuação que antecedem a ação. Todas essas funções se relacionam entre si, constituindo as fases sucessivas de um ciclo psíquico que, partindo da percepção sensorial e terminando na ação ou conduta, representa o elemento básico do funcionalismo mental do homem. No ser humano, vários desses ciclos existem sobrepostos a cada momento, o que contribui para dar uma ideia de realidade, continuidade e unidade a cada indivíduo.

Desta forma, a psicologia para ele deve ser abordada de um ponto de vista abrangente, funcional, dinâmico-evolutivo e pragmático. Para o autor, não só seria impossível separar pessoa e organismo, consciência e comportamento, como também não seria possível separar indivíduos de grupos sociais com quem viveu e vive. Ou seja, não seria possível compreender um eu sem o tu com quem se relaciona. Desta forma, para Mira y Lopez a psicologia seria integral, dinâmica, social, na perspectiva do indivíduo ter a vontade de ser útil, vivo e verdadeiramente adequado ao estado atual do conhecimento científico vigente (Mira, 2005).

Considerações Finais

Como exposto ao longo desta pesquisa, acrescentamos ainda em perspectivas conclusivas que Mira y López, ao longo de sua jornada, também vivenciou experiências relativas à atenção à infância e publicou sobre o tema em inúmeras ocorrências. Publicou em Bilbao, um artigo intitulado “Iniciación de la infancia escolar en la vida social” (1921), em que discutiu o processo de introdução das crianças na vida social por meio da educação escolar durante os primeiros anos de vida. 

Além desses aspectos destacamos que em 1936, Mira y López desempenhou um papel fundamental no estabelecimento e operação da primeira clínica na Espanha dedicada à observação e tratamento de distúrbios comportamentais na infância, conhecida como La Sageta. Esta clínica, fundada por Mira y López em colaboração com Alfred Strauss e Jeroni de Moragas, representou um marco importante no reconhecimento e abordagem dos desafios enfrentados pelas crianças com dificuldades comportamentais. 

Nos cursos ministrados no Departamento Nacional do Menor reforçou ainda mais seu compromisso com a compreensão e melhoria do bem-estar infantil, destacando sua dedicação ao estudo e aplicação prática da psicotécnica, por exemplo, voltada para essa fase do desenvolvimento humano. Desta forma, compreendemos, sem sermos demasiados nas passagens bibliográficas em que o autor se envolve com o tema infância, que seu interesse sobre o tema parte, não apenas de uma construção teórica, mas, principalmente, de sua práxis como médico e psicotécnico.

Desta forma, consideramos que a trajetória de Emílio Mira y López revela um percurso singular e influente na história da psicologia, especialmente no contexto brasileiro. Sua formação robusta na Espanha e a subsequente experiência adquirida em diferentes países durante seu exílio enriqueceram significativamente seu arcabouço teórico e prático. Mira y López se destacou pela criação do Psicodiagnóstico Miocinético (PMK), um método inovador de avaliação da personalidade que se tornou um marco em sua carreira e uma contribuição valiosa para a psicologia aplicada.

No Brasil, Mira y López desempenharam um papel crucial na institucionalização da psicologia. Sua participação na criação do Instituto de Seleção e Orientação Profissional (ISOP) e sua influência na regulamentação da profissão de psicólogo são testemunhos de seu comprometimento com o desenvolvimento da área. O ISOP, em particular, tornou-se um modelo para outras instituições, contribuindo para a difusão e o ensino da psicologia aplicada em várias regiões do país.

Para além dessas contribuições acima discutidas, sua atuação em diversas áreas, como a psicologia jurídica, educacional e do trabalho, demonstrou a versatilidade e a profundidade de seu conhecimento. Mira y López não apenas aplicou métodos psicotécnicos para a seleção profissional, mas também contribuiu para a orientação vocacional e a readaptação de trabalhadores, mostrando uma preocupação constante com a aplicação prática da psicologia para o benefício social.

Todavia, o impacto de Mira y López na psicologia brasileira não se limita apenas às suas contribuições institucionais. Ele também influenciou diretamente a formação de novos profissionais, seja através de suas palestras, cursos ou publicações. Sua abordagem multidisciplinar e seu compromisso com a aplicação prática da psicologia deixaram um legado duradouro, que continua a influenciar a prática psicológica no Brasil.

Portanto, a vida e obra de Emílio Mira y López representam um capítulo importante na história da psicologia. Sua trajetória reflete não apenas a resiliência e a adaptabilidade de um cientista em tempos de adversidade, mas também a capacidade de transformar desafios em oportunidades para o avanço do conhecimento e da prática psicológica. O estudo de sua vida e obra oferece valiosas lições sobre a importância da interdisciplinaridade, da aplicação prática do conhecimento e do compromisso com o desenvolvimento social, consolidando sua posição como um dos pioneiros da psicologia no Brasil.


5Não adentrarmos de forma específica em tais mudanças históricas neste artigo. Todavia, caso o leitor tenha interesse em aprofundar na discussão, recomendamos a leitura da obra de François Dosse (2015) intitulada O desafio biográfico: escrever uma vida.
6Para aprofundar na temática, indicamos a obra Sociedade dos Indivíduos de Norbert Elias (1994) e a dissertação de mestrado de Benito Schmidt (1996) intitulada Uma reflexão sobre o gênero biográfico: a trajetória do militante socialista Antônio Guedes Coutinho da perspectiva de sua vida cotidiana (1868-1945).
7Salientamos que optamos em utilizar ambos os termos “biografia e trajetória” nesse trabalho, ainda que reconheçamos que diferentes autores compreendem que tratam-se de concepções distintas. 
8José Julián Martí Pérez (1853-1895) foi um político nacionalista, intelectual, jornalista, ensaísta, tradutor, professor, editor, poeta e maçom cubano, considerado um herói nacional cubano por causa de seu papel na libertação de seu país da Espanha. Ele também foi uma figura importante na literatura latino-americana.
9Máximo Gómez y Báez (1836-1905) durante a re-anexação de Santo Domingo à Espanha (1861-1865), Máximo Gómez ingressou no Exército Espanhol como voluntário. Na Guerra da Restauração (1863-1865) lutou contra as tropas insurgentes que tentavam recuperar a independência do país. Como tantos outros dominicanos leais à Espanha, após a vitória dos independentistas mudou-se com a mãe e as irmãs para Cuba, onde graças a um empréstimo pessoal de Valeriano Weyler pôde dedicar-se ao trabalho agrícola na região de Bayamo.
10José Antonio de la Caridad Maceo y Grajales (1845-1896) conhecido simplesmente como Antonio Maceo, foi um militar cubano, segundo em comando do Exército Libertador de Cuba durante a Guerra da Independência.
11Augusto Pi Sunyer (1879-1965) foi médico e escritor, nasceu em Barcelona, ​​​​Espanha. Ele era professor universitário desde os vinte e cinco anos; realizou pesquisas, principalmente no campo da Fisiologia. Trabalhou como professor nas universidades de Sevilha, Barcelona, ​​​​Buenos Aires e Caracas. Ele também foi um político catalão, liberal e republicano, autor de romances e poesias, interessado nos problemas da humanidade. De 1916 a 1923 foi deputado das Cortes e obteve o prêmio Achucarro (Espanha, 1922). Devido à guerra civil espanhola, emigrou para Caracas no início de junho de 1939. Foi contratado pelo Ministério da Educação, sob a direção do Dr. Enrique Tejera, e iniciou seu trabalho docente na Universidade Central da Venezuela, na qual contribuiu com o desenvolvimento do Instituto de Medicina Experimental José Gregorio Hernández.
12Joaquín Xirau Palau (1895-1946) foi um filósofo e pedagogo espanhol. Decano da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Barcelona, ​​ele foi para o exílio no México após a guerra civil, onde lecionou na Universidad Nacional Autónoma de México.
13Wolfgang Köhler (1887-1967) foi um dos principais teóricos da Psicologia de Gestalt, considerado o porta voz do movimento devido aos seus livros escritos com cuidado e precisão. Nasceu na Estônia em 1887 e com cinco anos se mudou para o norte da Alemanha.
14Charles Edward Spearman (1863 -1945) foi um psicólogo inglês conhecido pelo seu trabalho na área da estatística, como um pioneiro da análise fatorial e pelo coeficiente de correlação de postos de Spearman. Ele também fez bons trabalhos de modelos da inteligência humana, incluindo a descoberta de que escores em testes cognitivos incompatíveis exibiam um fator geral único, batizado de fator “g”.
15Louis Charles Henri Piéron (1881-1964) foi um psicólogo francês. Ele foi um dos fundadores da psicologia científica na França. Ele desenvolveu o Teste de Cancelamento de Toulouse-Piéron com Édouard Toulouse.
16Eric Arthur Blair (1903-1950), mais conhecido pelo pseudónimo George Orwell, foi um escritor, jornalista e ensaísta político inglês, nascido na Índia Britânica.
17Ernest Miller Hemingway (1899- 1961) foi um escritor norte-americano. Trabalhou como correspondente de guerra em Madrid durante a Guerra Civil Espanhola. Esta experiência inspirou uma de suas maiores obras, Por Quem os Sinos Dobram. Ao fim da Segunda Guerra Mundial, se instalou em Cuba
18John Roderigo Dos Passos (1896-1970) foi um romancista e pintor estadunidense, descendente de imigrantes portugueses originários da Madeira.
19Pablo Ruiz Picasso (1881-1973) foi um pintor espanhol, escultor, ceramista, cenógrafo, poeta e dramaturgo que passou a maior parte da sua vida na França.
20Alfredo Calcagno (1891-1962) recebeu uma bolsa para estudar psicologia e pedagogia em Bruxelas, onde obteve o doutorado em pedagogia. Ao retornar, foi professor titular de psicologia, antropologia e psicopedagogia na Universidade e na Escola Normal de La Plata. Depois de ser membro do Conselho Provincial de Educação, foi reitor do Colégio Nacional de La Plata.
21Em países de língua inglesa, um fellow é um membro de um grupo de professores de alto nível de uma faculdade ou universidade ou de sociedades acadêmicas em particular. Seria o equivalente a “membro acadêmico” na tradução para o português, em seu sentido de “pessoa física pertencente a uma corporação acadêmica”.
22A fisiatria é uma especialidade médica que trata de doenças variadas, que são capazes de causar algum tipo de incapacidade, limitação física, dores crônicas, doenças neurológicas, musculoesqueléticas, oncológicas ou a perda de alguma habilidade em um determinado paciente.
23Roberto Mange (1885-1955) engenheiro suíço, veio para o Brasil aos 28 anos, para lecionar na cátedra de Mecânica Aplicada às Máquinas da Escola Politécnica de São Paulo, a convite de Geraldo de Paula Souza. Seu nome inscreveu-se na História da Psicologia no Brasil por seu trabalho pioneiro em instrução profissional racional e seleção de pessoal com base na Psicotécnica. Foi uma das figuras relevantes na aplicação da Psicologia às questões do trabalho, um de seus maiores divulgadores e formadores de novos quadros na área.
24João Goulart (1919-1976) foi o 24.º presidente do país. Eleito em 1961, governou sob um regime populista sendo deposto pelo golpe militar de 1964. Conhecido como Jango, nasceu em São Borja, Rio Grande do Sul, no dia 1 de março de 1919.
25Sistema de psicologia criado por Henry Murray para estudar a personalidade. De acordo com essa teoria a personalidade se enraíza no cérebro e é definida pela fisiologia cerebral, que determina sentimentos, lembranças, crenças, atitudes, temores e valores. Para a Murray a personalidade não é uma entidade estática, ao contrário, ela é mutável e capaz de evoluir e se desenvolver ao longo da vida. Ela é composta de todos os eventos que ocorrem ao longo da existência do indivíduo.  A Personologia reconhece a singularidade de cada pessoa e a semelhança entre todas e, ao contrário da psicanálise, defende que o ideal da natureza humana envolve certo grau de tensão, para reduzi-la, pois é o processo de agir para reduzir a tensão que traz satisfação, e não o alcance de uma condição livre de toda e qualquer tensão.
26Wilhelm Stern (1871-1938) foi um psicólogo e filósofo alemão. Ele é conhecido pelo desenvolvimento da psicologia personalista, que colocou ênfase no indivíduo examinando traços de personalidade mensuráveis, bem como a interação desses traços dentro de cada pessoa para criar o eu.
27Mac Dougall (1866-1920) foi um médico de Haverhill, que, no início do século XX, procurou medir a massa supostamente perdida por um corpo humano, quando a alma deixa o corpo após a morte.

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1Esta pesquisa faz parte de um dos tópicos discutidos na dissertação de mestrado de Fernando Ben pelo programa de pós-graduação em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Publicada com o título: Os discursos psicológicos sobre a infância nos escritos de Emilio Mira y López (1945-1964).
2Doutorando em Psicologia Social (UERJ). Mestre em Psicologia Social (UERJ). Graduado em Psicologia (Estácio de Sá). Especialização em Saúde Pública (UNOPAR) E-mail: psicologofernandoben@gmail.com
3Docente do Curso Superior na UFPE no Departamento de Fundamentos Socio-filosóficos da Educação- DFSFE Doutor em História (UFPEL). Mestre em História (UFPEL). Graduado em História (UFPEL). Especialização em Metodologias de Ensino de História (Faculdade Intervale). MBA em Psicologia e Coaching (Faculdade Metropolitana). Graduando em Pedagogia (FACUMINAS) E-mail: thicedrez@hotmail.com
4Docente da disciplina de História no ensino básico da rede municipal de Pelotas-RS e Rio Grande-RS, bem como, tutor no Curso de Licenciatura em História (UAB-UFPEL). Doutor em História (UFPEL). Mestre em História (UFPEL). Graduado em História (UFPEL). E-mail: elvis.simoes@gmail.com.