UM ESTUDO SOBRE A PERÍCIA PSICOLÓGICA E A AÇÃO DO PSICÓLOGO CLÍNICO NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10203466


Ronilson Corrêa1


RESUMO

A atividade de avaliação psicológica no campo jurídico, sobretudo pela percepção dos magistrados da complexidade dos temas que envolvem decisões judiciais, convoca o psicólogo, a se posicionar em seu campo especifico, confronta-se com uma série de dificuldades como a escassa literatura e relato de experiências que forneçam bases seguras para o desenvolvimento de seu trabalho. Observa-se que ainda não há uma sistematização dos fundamentos teóricos e técnicos que possam servir de abalizadores à avaliação psicológica e à elaboração de laudos e pareceres, campo para o qual se dirige essa pesquisa. Com o objetivo de investigar os procedimentos e critérios utilizados pelo psicólogo neste processo, através de uma metodologia de pesquisa qualitativa e do uso da entrevista semi-dirigida, nos propomos a ouvir a experiência de profissionais de psicologia que trabalham no Centro de Apoio Psicossocial do Tribunal de Justiça de Pernambuco junto às medidas de guarda, adoção e tutela. Procuramos identificar as demandas dirigidas ao psicólogo, bem como investigar os principais instrumentos utilizados, o referencial teórico de sua prática, os documentos elaborados frente às demandas e as dificuldades enfrentadas na realização da avaliação psicológica. A avaliação psicológica é utilizada como meio para responder a questões técnicas em diversas ações, principalmente as de guarda, tutela, regulamentação de visita, curatela e interdição. Para a consecução desse objetivo, o psicólogo recorre a diferentes metodologias: leitura dos processos, entrevista com as partes e com outras pessoas envolvidas, visita domiciliar e institucional. A abordagem de grande parte desses profissionais é a Sistêmica e o documento que espelha o estudo realizado é o parecer psicológico, encaminhado ao Magistrado e considerado por este de grande valor decisório. Entretanto, são inúmeras as dificuldades apontadas para a realização das tarefas dirigidas a estes profissionais. Estas vão desde falta de suporte devido aos poucos recursos materiais a pouca literatura acerca deste tipo de trabalho.

Palavras-chave: psicologia jurídica; avaliação psicológica; referenciais teóricos, referenciais técnicos.

Introdução

Pode-se observar, na atualidade, inúmeras e aceleradas transformações, sobretudo quando as comparamos há algumas décadas. O modo de pensar, de agir, os valores morais e éticos, as demandas e necessidades da população, entre outros fatores, se apresentam com novas configurações. Com a família, célula Máter da sociedade, não seria diferente: sofrendo rupturas na sua estrutura tradicional, ela, hoje, no mundo ocidental, não apresenta, predominantemente, o modelo hierárquico caracterizado pelo patriarcado, considerando-se, sobretudo, as inúmeras mudanças econômicas, culturais e políticas. A família vem construindo, cada vez mais, sua base na igualdade, liberdade e afetividade, deslocando a referência vertical para uma estrutura democrática em que há um comprometimento de todos os seus membros. Porém, mudanças dessa natureza não ocorrem da mesma forma e ao mesmo tempo; as diferenças de gerações, o momento social e cultural podem avançar ou retardar esses novos modos de estar na família gerando, em muitos casos, a presença de conflitos. A família como uma instituição dinâmica poderá administrar tais conflitos de uma maneira amigável que leve ao benefício de todas as partes ou, administrar de forma a resultar em rupturas bruscas das relações. Neste caso, a carga emocional envolvida nas situações pode dificultar a resolução do(s) problema(s). Sobre estas questões Melo e Campos esclarecem:

As rupturas das tradições provavelmente propiciam uma quebra nas relações vinculares. Por isso representam um desarrumo no percurso do ritmo familiar, o que transforma os laços em desenlaço, e a ordem em desconcerto, criando-se, assim, vivências de transgressões. Em decorrência, abrem espaço para a violação dos direitos e deveres individuais e coletivos.(MELO, Z. M.; CAMPOS, Z. D. P., 2009, p.61). 

Os espaços que se abrem para a violação dos direitos e deveres individuais e coletivos nos ajudam a compreender a necessidade de uma estrutura mediadora que irá trabalhar para resgatar a ordem e a garantia dos direitos violados. Na esfera dos conflitos sociais e familiares, especificamente, têm-se a intervenção do poder do Estado como ordenador, indicador e estruturador destas demandas tornando-se um importante dispositivo decisório dos conflitos em busca de sua finalização.

O poder judiciário com o objetivo de garantir os direitos desta população promulga em julho de 1990, a Lei Federal nº 8.069 conhecida por Estatuto da Criança e do Adolescente. Neste, a criança e o adolescente são reconhecidos como sujeitos de direitos e detentos de irrestrita prioridade. A justiça, então, irá comparecer diante das necessidades que porventura surjam à proteção da criança e dos adolescentes. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, 1990) também reconhece a necessidade, instituída no Art. 150, de órgãos públicos manterem equipes interdisciplinares especializadas para lidar com tal público. Dispõe, ainda, em artigos posteriores, que estes profissionais possam elaborar laudos e pareceres na intenção de subsidiar as decisões dos juízes nos processos, como também desenvolver trabalhos de orientação e prevenção. Compete à equipe interdisciplinar cumprir com as atribuições previstas no ECA, dentre elas: 

Fornecer subsídios por escrito, mediante laudos, ou verbalmente na audiência, e bem assim desenvolver trabalhos de aconselhamento, orientação, prevenção e outros, tudo sob a imediata subordinação à autoridade judiciária, assegurada a livre manifestação do ponto de vista técnico (ECA,1990. art.151, p. 53)

Mesmo com a crescente demanda para a elaboração de laudos e pareceres no âmbito judiciário, o que se observa é uma enorme carência de bibliografia e pesquisas que abordem tal temática, provavelmente por se tratar de um campo relativamente novo de saber e de prática. Neste sentido, a Psicologia no campo jurídico é especialidade pouco estudada e pesquisada, apesar de sua importância e utilização pelo Direito, sobretudo no âmbito criminal, cível, trabalhista e até administrativo.

Ao constatarmos o escasso número de profissionais de psicologia existentes no Brasil que se debruçam sobre a realização da atividade de avaliação psicológica com produção de publicações referentes ao tema, acreditamos que esta pesquisa possa contribuir como uma ferramenta de trabalho aos profissionais nesta atividade, bem como oferecer subsídios à formação do psicólogo para o conhecimento de uma prática emergente e em expansão.

A realização da prática psicológica no âmbito da justiça incita-nos a algumas reflexões relacionadas às diferenças desta atividade com aquelas desenvolvidas pelo psicólogo em outras áreas. Maciel (2002, p.23 apud Cunha 2000) salienta que utilizar um modelo conceitual para avaliação pericial pressupõe uma análise inicial da visão da lei sobre a competência em questão, pois as competências às quais se destinam as avaliações periciais podem não ser entendidas na sua objetividade. E quando isso ocorrer, como será reavaliado, por exemplo, um processo de interdição?  Afirma, ainda, que:

As demandas atuais da sociedade com o surgimento de novas formas de perceber valores, crenças e os contratos sociais exigem, do ponto de vista das competências pessoais e profissionais, um redirecionamento das práticas de trabalho dos psicólogos, modificando não somente o discurso, mas, principalmente, a ação efetiva de forma a ampliar os conhecimentos já estabelecidos sobre a atividade pericial e a incorporar as novas contribuições voltadas à resolução dos conflitos entre os litigantes […].

A psicologia Jurídica configura-se como um campo de ação sempre que, em processos judiciais, existir uma questão psicológica que deve ser esclarecida. As conclusões expedidas pelo psicólogo junto aos autos do processo serão encaminhadas ao Juiz com o intuito de fornecer subsídios científicos que ajudem a sua decisão. O pedido de avaliação psicológica pode ser solicitado em todas as áreas da Justiça, embora atualmente venha sendo mais requisitada na área da família, junto a adolescentes em conflitos com a lei e em procedimentos de guarda, tutela, adoção, regulamentação de visitas e situações de maus-tratos ou abuso sexual que envolvem crianças e adolescentes. 

É necessária uma preparação específica do psicólogo para este tipo de trabalho, isto é, que o mesmo tenha conhecimentos tanto psicológicos quanto jurídicos na área em que vai atuar. Este profissional precisa estar preparado para utilizar técnicas de avaliação, mas, principalmente, estar capacitado para adaptar os conhecimentos psicológicos que possui para a atividade pericial.

O exame da literatura disponível indica que os pedidos para avaliação psicológica são oriundos, principalmente, de situações que envolvem: questões relacionadas à criança e ao adolescente, considerados sujeito de direitos a partir da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente; questões relacionadas ao direito da família: separação, disputa de guarda, regulamentação de visitas; psicologia e direito cível: casos de interdição, indenizações, entre outras ocorrências cíveis; psicologia do trabalho: acidentes de trabalho, indenizações; psicologia Jurídica e direito penal (fase processual): exames de corpo delito, de paternidade, de insanidade mental, entre outros procedimentos; psicologia prisional ou carcerária (fase de execução): execução das penas restritivas de liberdade e restritivas de direito.

A Psicologia Jurídica tem-se dedicado a estudar e trabalhar as questões psicológicas relacionadas com a prática legal… É um ramo da Psicologia Aplicada, cujos conhecimentos ampliam cientificamente o campo jurídico, buscando dar diagnóstico, prognóstico e tratamento aos sujeitos envolvidos, particularizando cada caso. (FÁVERO et al, 2005. p. 46).

Quanto às atribuições do psicólogo jurídico, segundo o Conselho Federal de Psicologia (1992), o psicólogo jurídico desenvolve atividades como: proceder à avaliação das partes envolvidas em processo judicial, elaborando estudo psicológico, com a finalidade de assessorar e subsidiar a decisão do Juiz; realizar o acompanhamento de casos objetivando a clareza para definição da medida; fornecer subsídios por escrito (em processo judicial) ou verbalmente (em audiência); emitir laudos, pareceres e responder a quesitos; realizar estudo de campo, através de visitas domiciliares, em abrigos, internatos, escolas e outras Instituições, buscando uma discussão multiprofissional, intra e extra-equipe, para realizar o diagnóstico situacional e a compreensão da psicodinâmica das pessoas implicadas na problemática judicial em estudo; exercer atividades no campo da Psicologia Jurídica numa abordagem clínica, realizando entrevistas psicológicas, aplicando técnicas psicométricas e projetivas, desenvolvendo trabalhos de orientação e aconselhamento, realizando observação lúdica de crianças e propondo procedimentos a serem aplicados; promover a prevenção e controle da violência intra e extra familiar, institucional e de outras condutas infracionais contra crianças e adolescentes, entre outras relacionadas à supervisão e elaboração de pesquisas e estudos, ampliando o conhecimento psicológico na área do Direito e da Psicologia Jurídica; 

Dentre essas atribuições destaca-se a tarefa de fornecer subsídios por escrito (em processo judicial) ou verbalmente (em audiência), emitir laudos, pareceres e/ou responder a quesitos formulados pelo Juiz.  Nesse sentido, os procedimentos da perícia psicológica exigem critérios que sirvam de base para sua realização. Fávero (2005).

Em relação aos instrumentos de avaliação psicológica, o Conselho Federal de Psicologia, em sua resolução nº 007/2003 instituiu o Manual de Documentos emitidos pelo Psicólogo, destacando que a avaliação psicológica é um processo técnico-científico de coleta de dados e interpretação a respeito de fenômenos psicológicos resultantes da relação indivíduo-sociedade. Dentre as diversas modalidades de avaliação psicológica destacam-se o laudo e o parecer psicológico. 

Laudo psicológico, segundo o CFP/resolução 007/2003, é uma apresentação descritiva acerca de situações e/ou condições psicológicas e suas determinações históricas, políticas e culturais pesquisados no processo de avaliação Psicológica. A finalidade do laudo psicológico será a de apresentar os procedimentos e conclusões gerados pelo processo da avaliação psicológica, relatando sobre o encaminhamento, as intervenções, o diagnóstico, o prognóstico e evolução do caso, orientação e sugestão de projeto terapêutico, bem como, caso necessário, solicitação de acompanhamento psicológico, limitando-se a fornecer somente as informações necessárias relacionadas à demanda, solicitação ou petição. A Estrutura do Laudo se compõe de: identificação; descrição da demanda; procedimento; análise e conclusão.

O parecer psicológico é um documento fundamentado e resumido sobre uma questão focal do campo psicológico, contribuindo para uma resposta esclarecedora a um problema, sendo menos complexo que o laudo psicológico. O parecer será realizado através de uma avaliação especializada, de uma “questão-problema”, visando a dirimir dúvidas que estão interferindo na decisão, sendo, portanto, uma resposta a uma consulta, que exige de quem responde competência no assunto. A estrutura do Parecer, por sua vez deve conter: identificação; exposição de motivos; análise e conclusão. 

Em que pese estas recomendações, não encontramos, na literatura, indicativos quanto à forma como estes laudos e pareceres vêm sendo realizados, tanto em seus aspectos técnicos quanto em seus fundamentos teóricos.  São para estes aspectos que esta pesquisa voltou-se e, considerando as contribuições que pode trazer, justificamos nosso interesse em realizá-la.

CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA: 

Com o objetivo de investigar a ação do psicólogo clínico na elaboração de laudos e pareceres no âmbito da justiça, procuramos, de forma especifica identificar os tipos de demandas para a avaliação psicológica; referencial teórico que norteia a prática do psicólogo; os instrumentos utilizados, os documentos elaborados pelo psicólogo e as situações em que estes são emitidos; e, finalmente, identificar as dificuldades enfrentadas no desenvolvimento desse trabalho. Esta pesquisa não se pautou numa compreensão prévia do fenômeno que está sendo investigado, buscando dados que pudessem confirmar ou refutar uma hipótese pré-estabelecida, conforme sugere os modelos tradicionais de investigação. Ao contrário, partimos de questões norteadoras que nos levassem a traçar caminhos em busca da compreensão de como tais profissionais estão realizando suas práticas e qual o sentido dessa experiência.

Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, baseada na análise de conteúdo proposta por Bardin (2016) que permite por meio da narrativa dos profissionais colaboradores, uma compreensão mais ampla sobre os aspectos envolvidos em sua experiência com perícia e avaliação psicológica. Os dados colhidos durante o processo de investigação foram agrupados segundo eixos temáticos e articulados com a fundamentação teórica disponível, oferecendo um rico panorama da experiência dos psicólogos no âmbito jurídico.  

A coleta de dados foi realizada no Centro de Apoio Psicossocial (CAP) do Tribunal de Justiça de Pernambuco é um órgão auxiliar do Tribunal de Justiça, e se diferencia de outros Centros de Apoio ligados ao Tribunal. Neste sentido, o CAP não está ligado a um Juiz especificamente, sendo considerado um apêndice da Secretaria do Judiciário, um órgão auxiliar. O CAP conta, hoje, com três núcleos: o de psicologia, de serviço social e núcleo de apoio técnico.

Inicialmente foram realizadas visitas com a intenção de conhecer o campo no qual iríamos atuar, bem como observar a dinâmica institucional, as demandas e o espaço físico. Nessa ocasião apresentou-se aos profissionais os objetivos da pesquisa e o agendamento das entrevistas.  Trabalhou-se com um total de 18 entrevistas semi-dirigidas com psicólogos que desenvolvem atividades de elaboração de laudos e pareceres psicológicos nos núcleo já caracterizado, mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, procedimento que foi gravado e transcrito seguindo rigorosamente as palavras dos participantes. Foram registradas, também, pausas e hesitações procurando-se preservar, ao máximo, a fidelidade do que foi dito. Os eixos temáticos abordados pela entrevista versaram sobre aspectos relacionados à prática da avaliação psicológica desses profissionais, destacando-se: as demandas quanto à avaliação psicológica; os instrumentos utilizados; os referenciais teóricos e metodológicos que sustentam a prática psicológica e as dificuldades encontradas na realização do trabalho. Pretendeu-se compreender, através de narrativas, o sentido da experiência destes profissionais e os desafios vividos no cotidiano de suas práticas. 

RESULTADOS E DISCUSSÃO 

Os resultados apresentados dizem respeito à coleta de dados realizada no Centro de Apoio Psicossocial do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Embora o trabalho realizado pelos psicólogos nessas unidades tenha suas especificidades, é interessante observar que as narrativas relacionadas aos eixos temáticos abordados nas entrevistas foram bastante similares, revelando a convergência de grande parte dos entrevistados quanto aos conteúdos apresentados. Considerando esta convergência, apresentaremos os dados obtidos indicando, em negrito, os eixos temáticos trabalhados na entrevistas.

Solicitação de avaliação psicológica: os profissionais esclarecem que em seu trabalho não realizam perícia e sim avaliação e/ou estudo psicológico, sendo estes solicitados pelos Juízes. Essas avaliações são feitas, especificamente, para atender às demandas vindas das varas de família em casos que envolvem litígio, disputa por guarda, regulamentação de visita, casos de interdição, de reconhecimento de paternidade, mudança de nome ou de gênero, negativo de paternidade, reconhecimento de paternidade sócio-afetiva, interdição, curatela e pensão alimentícia. Também são atendidas as demandas advindas da vara do trabalho, que pela sua complexidade necessitam do parecer de um perito psicólogo e de um assistente social. As solicitações de guarda, tutela, adoção e regulamentação de visitas constam das maiores demandas atendidas.

No que diz respeito à necessidade da realização de uma pericia psicológica, esta é, via de regra, requisitada diretamente pelos Juízes, nos casos em que o Ministério Público, representado pelo promotor e advogados que defendem uma das partes, percebem a presença de fatores emocionais envolvidos no processo. Nesses casos, psicólogos e assistentes sociais são convocados como peritos dados à necessidade de um olhar e de uma escuta que possibilitem atenção aos aspectos complexos do ser humano com suas dores e conflitos e a compreensão da subjetividade dos envolvidos no processo. Os psicólogos entrevistados relatam que dentre as atividades que envolvem a perícia procuram, antes de tudo, orientar para que os periciados encontrem novas formas de convivência e novas formas de se colocar na relação, orientações que possibilitam reflexões mais profundas acerca de seus vínculos e, em alguns casos mudanças de posicionamentos frente à questão objeto da perícia. Demonstram clareza de que, embora não se trate de uma intervenção psicoterápica, estas reflexões são terapêuticas. Outra possibilidade de intervenção é o encaminhamento a serviços externos para o atendimento psicoterápico com psicólogos clínicos que ofereçam seus trabalhos com preço reduzido ou atendam em postos de saúde. 

Finalmente, vale ressaltar que a solicitação de uma perícia pode ou não ser acatada por um Juiz, ainda que a prática demonstre que dificilmente esta pericia não seja considerada. 

Os instrumentos mais utilizados pelos psicólogos que trabalham no Judiciário são a entrevista e a observação. Os psicólogos participantes da pesquisa estabelecem uma distinção entre demanda e queixa, explicitando que a entrevista se configura como excelente recurso para escuta e percepção da dinâmica de todo o processo. Especial atenção deve ser dada às entrevistas utilizadas em processos de adoção, pois através delas se poderá averiguar os objetivos dos pretendentes à adoção e o lugar a ser ocupado pela criança/adolescente numa dada configuração familiar (o desejo dos pais). Em se tratando de uma criança/adolescente ainda vinculada ao seu contexto familiar, torna-se prioritário, antes de qualquer procedimento relacionado à adoção, a busca pela reintegração desta criança/adolescente à família, pois a adoção caracteriza-se como procedimento de exceção, só realizada quando outros recursos não são possíveis. Outro critério importante na avaliação de pretendentes à adoção, diz respeito à investigação das condições emocionais dos adotantes e do contexto ambiental em que a criança/adolescente será inserida. As entrevistas podem ser individuais e/ou compartilhadas a depender do caso e faixa etária; contudo, a escuta da criança e/ou adolescente é sempre realizada. Estas entrevistas não só colhem dados, mas tem, também, um caráter interventivo, na medida em que proporciona a reflexão acerca das questões abordadas, possibilitando uma compreensão para além dos fatos trazidos à esfera jurídica. Não se realizam nenhum tipo de testes e, caso se observe esta necessidade, encaminha-se a um profissional especializado. Ressalta-se, ainda, que o principal referencial nesta avaliação é o bem estar físico e emocional das crianças e adolescentes, sujeitos da adoção.  Percebe-se a preocupação do profissional em atender as exigências do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) quanto aos procedimentos referidos à adoção, conforme reza o Art. 19. Tal como relatado contempla-se a garantia do direito de convivência familiar e comunitária decretada por lei.

À exceção dos pedidos de guarda e adoção em que as visitas domiciliares são rotineiras, outras demandas encaminhadas ao judiciário não requerem, necessariamente, este procedimento. No entanto, quando este é realizado, é feito em conjunto com as assistentes sociais. Reiteram que não há uma padronização em suas intervenções, pois cada caso é singular, demandando uma forma própria de ouvir e intervir, o que se constitui um desafio em seus trabalhos.

Quanto à avaliação psicológica que envolve o atendimento às crianças, os psicólogos relatam que, de forma lúdica, utilizam desenhos, considerados como instrumento válido para observação de crianças e de seu contexto familiar. Quando percebem a necessidade de uma avaliação psicológica mais profunda (através do uso de técnicas projetivas: TAT ou Rorschach), encaminham para um técnico perito externo, embora manifestem desejo de se especializarem nessa área, considerando a precariedade de sua formação. Em que pese à importância desses instrumentos, questionam o fato de um teste, por si só, não dizer da complexidade da pessoa humana, sendo importante a observação do todo que envolve a dinâmica do periciado. 

Quanto ao referencial teórico que fundamenta a análise dos dados obtidos ao longo da avaliação psicológica, os psicólogos entrevistados revelam que não têm um referencial teórico comum. Dentre as abordagens desses profissionais podemos destacar: a analítica, a psicanálise, a gestalt-terapia, a psicologia social, comportamental e, principalmente, a perspectiva da abordagem sistêmica, considerada fundamental diante da complexidade de seus trabalhos. Destacam que embora os peritos se apóiem em abordagens diferentes, são as experiências compartilhadas que resultam numa prática interdisciplinar e que dão suporte tanto para a construção do trabalho, como para a elaboração de livros e artigos. Ressaltam que a avaliação psicológica não precisa se deter apenas naquilo que é avaliado, indicando que a escuta da dor e do sofrimento vividos pelas partes envolvidas no processo é tão fundamental quanto a emissão de um parecer, o que leva a pautarem suas ações em uma conduta ética em prol do crescimento do outro. Acrescentam que recorrem, também, aos conhecimentos da psiquiatria e da psicopatologia para complementarem a sua atividade profissional. As narrativas indicam, ainda, que a ausência de referenciais teóricos leva estes profissionais a trabalharem de forma precária, insegura e muitas vezes, na base de erros e acertos. Percebem que a formação do Psicólogo não aborda temáticas desta natureza que contribua, de forma mais específica, para uma visão psicossocial do humano. Alguns desses profissionais fizeram especialização na área jurídica, ressaltando que a psicologia jurídica é uma disciplina distinta e diferenciada em relação à psicologia clínica, carecendo, ainda, de maior fundamentação. 

A narrativa dos profissionais nos leva a refletir acerca da falta de um referencial teórico específico para o desenvolvimento das atividades de avaliação psicológica. É possível que a base teórica necessária para esta avaliação possa ser feita a partir de diferentes olhares, desde que se contemple a psicodinâmica dos indivíduos em questão e o modo como estão lidando com seus conflitos e/ou motivações. 

Referenciais metodológicos que norteiem suas análises: revelam que não possuem previamente estes referenciais frisando a liberdade de atuação. Embora sejam orientados a atender primeiro o autor da ação, as diferentes situações e clientelas demandam por intervenções contextualizadas. Independente dessas diferenças, ressaltam que a postura clínica é fundamental tanto na compreensão do processo quanto na elaboração de seu parecer, respeitando-se as especificidades do campo jurídico. Relatam que, em tese, deveria haver obediência a certa cronologia na distribuição dos processos, passando em primeiro lugar pelas assistentes sociais e, posteriormente, pelos psicólogos. No entanto, dada a urgência em que os casos são atendidos ou devido à morosidade de alguns processos, esta distribuição não é obedecida. Para estes profissionais, nenhum caso que envolve a justiça, por mais simples que possa parecer, não pode ser assim considerado, pois existem dificuldades inerentes ao próprio processo que atrapalham o seu andamento ou mesmo a sua conclusão. Há processos que pela sua complexidade requerem procedimentos adicionais tais como: visitas à escola e/ou conversas com outros profissionais direta ou indiretamente envolvidos com a população estudada. É um trabalho realizado por uma equipe interdisciplinar, pois não só os aspectos psicológicos precisam ser avaliados, mas, também, os sociais, os econômicos, culturais, a título de exemplo.  

Os psicólogos entrevistados relatam que em muitos processos, sobretudo os que envolvem litígio, há possibilidade de acordo entre as partes, e que ao término da elaboração do parecer não há uma continuidade na relação com os periciados, encerrando, assim, seu vínculo. Essa talvez seja uma das maiores diferenças entre a psicologia clínica e a Jurídica, pois esta última se dirige ao cumprimento de um dever que remete a um fato jurídico e não à busca por ajuda a conflitos psicológicos. Segundo suas experiências, os psicólogos percebem a confiança dos Magistrados em relação aos seus pareceres técnicos, concordando, em sua maioria, com as sugestões emitidas pelos profissionais nesses pareceres. Assinalam, ainda, que a aceitação e confiança dos magistrados vêm promovendo considerável aumento de demandas para estes profissionais. Entretanto, questionam a viabilidade de resolução de muitos casos indicados serem resolvidos sem a necessidade de uma avaliação psicológica. 

Quanto à elaboração dos pareceres psicológicos esclarecem a necessidade de uma linguagem objetiva de acordo com os parâmetros do direito e as especificidades das questões que estão sendo avaliadas. Esta objetividade exigida delimita, de alguma forma, a redação dos pareceres. 

As dificuldades enfrentadas na realização de suas atividades: envolvem desde pouco espaço físico até a falta de veículos para locomoção nas visitas, como também número de computadores insuficientes para execução de seus trabalhos, resultando no atraso e acúmulo dos processos. Devido à falta destes recursos, a postura desses profissionais é aproveitar o tempo com estudos e leituras. 

Também existem dificuldades teóricas e metodológicas: suas narrativas indicam que a presença e/ou interferência dos elementos subjetivos no processo de investigação é inevitável, decorrente do fato de estarem lidando com a subjetividade, o que influencia os resultados obtidos. Sobre o mesmo tema, uma das participantes da pesquisa revela a dificuldade de encontrar o limite entre a objetividade do campo do direito e a subjetividade do trabalho psicológico na sua ação investigativa, o que gera conflitos quanto ao posicionamento do profissional e na delimitação da atuação do psicólogo jurídico, por vezes confundindo-se com a prática do psicólogo clínico. Isto exige que estes profissionais, mesmo tendo um olhar e uma escuta clínicas para a compreensão do que se revela, elaborem pareceres com uma linguagem objetiva e contextualizem os fenômenos observados às questões que estão em discussão. Diferente da prática clínica, os atendimentos realizados pelos psicólogos no âmbito da Justiça têm seus limites; muito embora determinados temas abordados “abram feridas”, é preciso estar atento para não transformar esses atendimentos em psicoterapia, sempre lembrando que o foco é um trabalho pericial com finalidades de emissão de um parecer. 

Outra dificuldade encontrada, diz respeito ao trabalho em equipe interdisciplinar, pois se torna difícil conciliar pontos de vistas diferentes frente a uma mesma situação.  Esta mesma dificuldade é indicada pela profissional que desenvolve atividades junto a processos de guarda e tutela, mas, nestes casos, sua justificativa está dirigida a intensa demanda de processos conduzidos. Parece-nos que mesmo com as dificuldades relatadas o trabalho interdisciplinar é de fundamental importância para os processos de guarda, tutela e adoção, pois quando esclarece que o interesse da justiça em adotar uma postura analítica e crítica incorporando aos seus procedimentos contribuições teóricas de outras áreas do conhecimento. 

Há, ainda, falta de amparo jurídico que permita aos profissionais a segurança necessária para a elaboração de um parecer, sem que com isto sintam-se ameaçados de possíveis consequências. Além disso, o pouco tempo para cumprir os prazos solicitados pelo Juiz interfere nas atividades realizadas, sobretudo porque os processos nem sempre obedecem a uma ordem cronológica de chegada, mas são atendidos segundo a urgência. Para isso, em sua experiência profissional, desenvolvem a capacidade de filtrar, através de um estudo minucioso do processo, aqueles casos que pedem uma atuação mais rápida da justiça, embora, a princípio, o caso não parecesse de tamanha prioridade. A ausência ou atraso dos periciados também causa dificuldades para os psicólogos na continuidade do processo e na elaboração de seus pareceres. É destacado, ainda, que para o estudo do caso não há a obrigação das partes em comparecerem a um atendimento quando são convidadas pelo psicólogo, necessitando, às vezes, de intimação da justiça para a conclusão do processo. 

Outra questão relevante abordada refere-se à necessidade dos profissionais da área de psicologia jurídica trabalharem em conjunto, pois a demanda desta profissão vem crescendo, necessitando da construção de uma linha teórica que os oriente. Para tanto há necessidade de aprofundar pesquisas que possam servir de base para os que estão iniciando esta prática, considerando-se, sobretudo, a pouca sistematização teórica existente nesta área de atuação. Ressaltam, também, a falta de conhecimento deste campo de trabalho em muitas faculdades de Direito.  

Quanto ao trabalho multidisciplinar, relatam que os processos são distribuídos segundo a necessidade do olhar profissional, sendo os mais complexos analisados pelas duas disciplinas (psicologia e serviço social); assim, juntos, os profissionais decidem o momento de iniciar os atendimentos, as entrevistas e as visitas. A elaboração dos relatórios, em geral, se realiza separadamente e, ao término do processo reúnem seus relatórios em um único parecer, embora relatem que, às vezes, por se tratar de olhares diferentes, há discordâncias e, nesses casos, fazem pareceres separados. Ao perceberem, no decorrer de um processo, a necessidade de um parecer psiquiátrico, este também é solicitado. As discussões de casos são de fundamental importância, o que possibilita a construção de pareceres únicos e psicossociais, cabendo ao juiz determinar o que é mais relevante naquele momento, para o caso analisado. 

Em relação a pareceres externos: segundo suas experiências, acreditam que um parecer técnico de um perito que atue fora da instituição jurídica não consegue apreender todas as dimensões do processo, o que é melhor investigado através de um acompanhamento mais sistemático, tal como realizam. Devido às suas limitações, um parecer vindo de fora não atende toda demanda implicada em um caso de litígio, por exemplo, pois não captura todas as partes envolvidas, visto que informações relevantes ao caso não são verificadas em sua totalidade.  Para isto, além de um olhar psicossocial são necessárias estratégias correspondentes a cada caso e sensibilidade junto às partes envolvidas. Em algumas situações a omissão de informações é necessária, ainda que seja preciso, pessoalmente, colocar o juiz a par desta omissão.

Quanto às solicitações dirigidas aos peritos técnicos externos, estas são motivadas por discordâncias quanto aos pareceres de profissionais, sobretudo quando uma das partes se sente prejudicada. Os psicólogos entrevistados questionam a confiabilidade e neutralidade de um parecer cuja remuneração esta sendo feita por uma das partes.

Por se tratar de uma prática profissional que envolve uma avaliação que tem certo poder decisório, revelam que as pressões externas costumam acontecer, sobretudo aquelas em que se lança mão do poder econômico ou da linhagem a qual a pessoa pertence. Esclarecem, ainda, que a depender do contexto em que a ameaça é realizada, ela pode ser ou não informada no relatório e considerada no parecer. Ressaltam, no entanto, que trabalham em uma equipe que orienta suas atividades em princípios éticos bem definidos, não havendo, portanto, interferências desta ordem.

Quanto à classe social atendida: a demanda pelos serviços realizados pelo judiciário é bastante variada, indo desde pessoas que vivem com uma grande precariedade material até aquelas cujas disputas envolvem um elevado patrimônio. Relatam, também, que não há nenhuma pesquisa realizada sobre demanda por classes sociais atendidas. Há preocupação em adequar a linguagem utilizada às diferentes classes sociais, tendo-se o cuidado para que entendam sua abordagem e sua orientação. Percebem uma maior adesão às sugestões emitidas pelos profissionais nas classes sociais menos favorecidas, enquanto que aquelas em que o poder aquisitivo e intelectual é mais elevado requerem, por parte dos peritos, maior atenção pelo fato de que podem usar de seus conhecimentos para manipular as informações.

CONCLUSÕES

As narrativas apresentadas nos levam a ricas reflexões que, por sua vez, nos possibilitam compreender o vasto campo desenvolvido pelo trabalho dos psicólogos jurídicos; permite-nos, ainda, traçar caminhos para que essas ações possam ser mais efetivas. Destacam-se, entre as falas, alguns aspectos que nos parecem de fundamental importância: a escassez de literatura relacionada a processos que envolvam litígio e, principalmente, casos de guarda e tutela conduzindo os profissionais a construir uma prática pautada, na grande maioria das vezes, na experiência de profissionais mais antigos; trata-se de uma pratica profissional delicada e complexa, na medida em que, através de avaliações psicológicas apresentam um parecer psicossocial que deve, a rigor, oferecer uma ampla compreensão da matéria que motivou a avaliação, sem perder de vista os aspectos legais envolvidos na questão; é crescente a demanda que a justiça dirige à avaliação psicológica, exigindo que os profissionais se posicionem a partir de um estudo interdisciplinar, o que muitas vezes não é realizado, o que ainda se constitui um desafio; apesar dos profissionais entrevistados utilizarem métodos semelhantes, não possuem um referencial metodológico organizado/estruturado. Quanto ao referencial teórico adotado, há fortes indicativos de um olhar teórico fundamentado na Abordagem Sistêmica e na Psicanálise; a ação clínica e o posicionamento judiciário estão presentes na prática destes profissionais, contudo distanciam-se, no discurso, havendo uma clara separação destes dois campos; há uma legitimação, por parte da justiça, do parecer psicológico, tornando-o determinante na decisão judicial; uma das principais dificuldades apontadas para o desenvolvimento das atividades diz respeito à carência de recursos materiais e metodológicos, o que conduz à elaboração de pareceres pouco consistentes e confiáveis; a fragilidade de uma rede mais ampla que possa atender às demandas, sobretudo da população carente atendida no judiciário também dificulta as ações do Psicólogo; finalmente, segundo os relatos, a ausência de uma visão multifacetada do humano na formação desses profissionais pouco o habilita para a realização de um trabalho interdisciplinar tendo como foco o social e suas repercussões.

Percebe-se, portanto, que ainda que o trabalho desenvolvido pelo psicólogo jurídico no campo da avaliação psicológica seja um permanente desafio, os profissionais demonstram estar cientes das dificuldades enfrentadas e buscam, de diferentes maneiras, oferecerem serviços pautados na ética e no respeito à singularidade e complexidade do humano. A avaliação psicológica no campo jurídico é uma prática que vem se consolidando e que, por ser relativamente nova (quando comparada a outras) apresenta-se como um campo fértil de pesquisas e reflexões. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARDIN, L. Analise de Conteúdo; tradução Luis Antero Reto, Augusto Pinheiro. São Paulo: Edições 70, 2016.

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 1Psicólogo especialista em psicologia clínica com título conferido pelo Conselho Federal de Psicologia. É pós-graduado em Intervenção Psicossocial no Âmbito Jurídico e também pós-graduado em Saúde Mental. Tem experiência em docência nos cursos de pós-graduação em Psicopedagogia pela Faculdade FATEC-Pe lecionando disciplinas em avaliação Psicopedagógica. Tem licenciatura em Letras e pós-graduação em Metodologia de línguas. E-mail: ronil_son2008correa@hotmail.com