TRUST: INTRODUÇÃO À ENTIDADE FIDUCIÁRIA E SEU CONTEXTO HISTÓRICO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7999807


PEDRO HENRIQUE RAGUZA PAZIN


RESUMO

No mundo atual do planejamento patrimonial e sucessório, diversas entidades fiducárias são utilizadas para organização e aproveitamento tributário, além de soluções de conflitos sucessórios como um herdeiro incapaz ou até mesmo, auxílio de incapaz para a manutenção do patrimônio e preservação da qualidade de vida.

Dentre todas as já existentes, uma das mais consolidades estruturas é o contrato de Trust, com mais de mil anos de doutrina e extremamente utilizado ao redor do globo – inclusive por brasileiros com investimentos no Exterior.

Este estudo visa introduzir esta entidade e seu contexto histórico, trazendo um pouco de sua utilização para a atualidade.

I- Trusts: Definição e Contexto Histórico

Mas afinal, o que é tal figura que leva o nome de Trust? Possuindo natureza jurídica de um Contrato privado entre as partes, sendo o Settlor (Real dono dos bens, aquele que institui (settle) o Trust), Trustee (Administrador do bem), Protector (Opcional – esta figura garante que o Trustee cumpra com o contrato de trust) e beneficiários (Quem será beneficiário dos frutos dos bens do Trust) – Abordaremos detalhadamente estas figuras mais à frente neste estudo. Como em todo contrato (em regra geral), a ausência de qualquer uma das partes e do objeto do contrato torna por extinguir o mesmo. Heleno Taveira Torres diz:

“O Trust permite dividir a propriedade de um bem (cindir a propriedade de um mesmo direito) entre dois sujeitos, dos quais um, o trustee, é legitimado a exercitar parte das faculdades comumente inerentes ao direito de propriedade e, o outro, o beneficiary, o sujeito que gozará das vantagens do exercício de poder do trustee sobre o bem de sua propriedade (que pode ser o próprio settlor)”1

Os primeiros ativos à serem transferidos do Settlor ao Trustee, e todos os novos aportes subsequentes, são chamados de Trust Fund. Por exemplo, digamos que o único ativo de um Trust seja um Imóvel nos Estados Unidos, e este imóvel é vendido e 100% dos frutos é transferido aos beneficiários, com aprovação do Trustee para tal; isto faria com que o ativo do Trust deixasse de existir, colocando um fim também à obrigação de administração do Trustee e portanto, colocando um fim também ao contrato de Trust.

Este instrumento já possui cerca de mil anos de Doutrina, sendo oriundo do Direito Inglês (Anglo-saxão, para ser mais exato) e com reconhecimento internacional de lei padrão do Common Law inglês, mas também sendo reconhecido por outros países com lei de influência do Direito Romano.

Assim, regredindo quase mil anos, aqui uma breve explicação de como o Trust de fato começou, sendo quando os Soldados Ingleses partiam para as cruzadas, e, com a incerteza do retorno com vida para suas terras e propriedades, deixavam tais ativos na posse de uma pessoa de confiança para que sua família não os perdesse em um eventual falecimento durante as missões. Trata-se de um contrato realizado com base e força na Confiança (Mesmo nome que ainda o rege – Trust, “Confiança”, em inglês) onde um terceiro não dono dos bens teria posse e administraria até a (i) volta de seu real dono ou (ii) transmissão aos seus beneficiários, nos termos estipulados pelo próprio Settlor no momento do acordo, nascendo os primeiros rascunhos do que viria a ser o contrato do Trust.

Trazendo para a atualidade, tal figura foi se modernizando com o passar dos anos e se sofisticando de acordo com as demandas mais complicadas e especificas, sendo extremamente usada ao redor do globo principalmente nos planejamentos patrimonial (envolvendo o planejamento tributário) e sucessório, dado tamanha versatilidade e flexibilidade que esta ferramenta agrega aos planejamentos, já que poderá ser feita de livre vontade (obviamente, observando os limites da legislação) e com os desdobramentos protegidos via contrato, estipulando também os poderes específicos que o Trustee terá sobre os bens e o que deverá ser feito com cada bem em cada condição ou situação adversa – aqui, vale dizer que infinitas hipóteses podem ser contempladas no contrato, à via de exemplo: Se o cenário X ocorrer, poderemos realizar as soluções A. Mas se qualquer fato evitar que o cenário X se conclua, nós poderemos utilizar a solução B, e assim sucessivamente.

Aqui, podemos considerar como exemplo um cenário onde o dono dos bens está preocupado com seu planejamento sucessório, onde o foco de sua preocupação é o quê de fato ocorrerá com seus bens no exterior caso este venha a faltar de forma precoce, e como seus beneficiários irão receber tais ativos – Este é o ponto principal da flexibilidade do contrato de Trust, além de outros fatores como não haver uma obrigatoriedade de quais ativos são permitidos serem detidos pelo Trust, indo desde ações de uma empresa nos Estados Unidos, até imóveis, passando por contas bancárias em bancos de investimento internacionais, sendo utilizados ainda para organização patrimonial, onde se escala transferências feitas periodicamente para cada beneficiário nos termos estabelecido no Trust.

No que tange a matéria física do instrumento, há dois principais documentos que podem ou não estarem consolidadas em um único deles – a depender de como foi redigido o contrato de acordo com a vontade do Settlor e do agente que realizou o planejamento patrimonial – sendo eles o Trust Deed e a Letter of Wishes. Marco Pileggi Filho, em seu livro “Trust: O instituto à luz do Direito Brasileiro” narra:

“Para complementação do exposto, entende-se, em síntese: (i) Trust Agreement, Trust Deed, Settlement ou Letter of Wishes é o documento que constitui o instituto. Nele, formulado por um settlor, será definido a forma de Trust, o(s) beneficiary(ies), o protector e seu regimento interno; (ii) Trustee é aquele que detém as obrigações originadas do instituto. Para tanto, é o ente que regerá a propriedade do Trust para os devidos fins determinados e contratados; (iii) Beneficiary é o ente, ou entes conforme intenção do settlor, que serão beneficiados pela existência deste instituto em particular. Tal benefício poderá se constituir de diversas maneiras, conforme modalidade de trust criada em settlement; (iv) Settlor, trustor ou grantor é a quem faz o settlement do Trust e, portanto, o criador do instituto. Naturalmente, é detentor da propriedade cedida ao Trust e determinará sua destinação, nos moldes de sua própria legalidade; e (v) o Protector é uma figura possível, mas não essencial ao Trust, sendo determinado pelo settlor e tornando-se novo ente inserido na equação do Trust. Terá poder de supervisão sobre o trust e seus ativos, podendo ser inclusive uma sociedade jurídica a realizar tal atividade.” (PILEGGI FILHO, Marcos. Trust: O instituto à luz do Direito Brasileiro. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais: RDB, São Paulo, V20, n. 76, p. 255-285)

O primeiro, é de fato a documentação do contrato, a parte escrita, a matéria positivada que rege o sistema do Trust. Aqui, são especificadas todas as partes do contrato, a existência ou não de um Protector (Agente que será melhor explorado nos seguintes tópicos deste estudo) ou não, os poderes do Trustee, como as distribuições deverão acontecer e quando, além de possíveis substituições como trocas de contas bancárias, mudança do Trustee, adição ou remoção de beneficiários e assim por diante. Em suma, todas as condições para que qualquer movimento no Trust ocorra, deve estar contida no Trust Deed, exigindo ainda a autorização escrita de todas as partes necessárias para que qualquer movimentação seja feita. Já o segundo, Letter of Wishes, poderá estar contemplada no Trust Deed, tornando os dois documentos, um único, porém, diferentemente do primeiro, este determina como os bens e ativos deverão ser distribuídos e/ou administrados na falta do settlor, funcionando como uma carta de instruções ao Trustee dos bens que recebeu a confiança.

Esta, deverá ser seguida à risca pelo Trustee, e, se houver, a figura do protector atuará garantindo que todas as instruções e vontades sejam feitas de acordo com o desejo do Settlor e do disposto no Trust Deed, e poderá abranger parte dos bens ou todos eles, com uma forma de distribuição de livre escolha, respeitando, claro, a legislação vigente e garantindo que nenhuma fraude à beneficiários ou credores possa vir a ocorrer – tais condições são sempre analisadas no caso concreto. Não existe um “Padrão” de Trust, mas sim, espécies e formas de administração.

I.A– As espécies do TRUST

Ante o exposto, nota-se que o grau de personalização desta entidade é quase que ilimitado, razão pela qual praticamente não existem dois trusts que sejam exatamente iguais. Claro, os fins para os trusts podem ser semelhantes, principalmente no que tange o planejamento patrimonial e sucessório. Mas afinal de contas, como determinar qual tipo de Trust é ideal para o seu caso concreto, seus bens e suas características familiares e posteriormente sucessórias, quais os tipos de resultados são esperados da entidade, além do talvez ponto mais importante entre os aqui citados – o grau de responsabilidade (liability) que o settlor ainda deseja ter, já que este será o fator determinante para o grau de atuação do Trustee e, se houver, do Protector.

  • O Trust Revogável

De início, vamos de fato iniciar com o mais simples e comum Trust – O Trust Revogável. Nesta configuração, o Settlor ainda possui diversos poderes em relação ao Trustee, sendo o principal deste a possibilidade de Revogação Parcial ou total dos ativos do Trust. Na primeira, apenas uma parte dos ativos do Trust é retirada da administração do Trustee (e consequenemente, do fundo dos ativos do Trust, deixando de ser um objeto do trust) e é transferida de volta para o Settlor. Para exemplificar este cenário, podemos pensar uma conta de investimentos detida pelo Trust que acabou por gerar rendimentos durante um ano de operação. Neste cenário, o Settlor possui totais poderes e condições de, seguindo o disposto no Trust Deed, instruir o Trustee de entrar em contato com a instituição financeira e dar a ordem da transferência dos lucros retidos neste ano de operação para a conta pessoal do Settlor, mas ainda mantendo os valores remanescentes na administração do Trustee e de titularide do Trust, mantendo o contrato ativo.

Já na revogação total, como o nome insinua, todos os ativos detidos pelo trust são transferidos de volta para a titularidade do Settlor, assim cessando as responsabilidades do Trustee e por fim, extinguindo o Trust.

Esta espécie com a revogabilidade permitida, é muito útil para Trusts cujas atividades sejam de fato operacionais (Contas de investimento, ações de empresas operacionais, imóveis que geram rendimentos de alugueis, entre outros exemplos) e aconselhável em casos onde o Settlor tem a expertise necessária para tal administração, além de as condições para as revogações estarem explícitas no Trust. Neste contexto, a função do Trustee ainda é de suma importância, já que em termos gerais, sua função seria a proteção do bom funcionamento das estruturas operacionais, além de auxilio ao Settlor sobre os melhores momentos para as revogações. Devido as características e poder do Settlor nesta espécie, alguns países (Estados Unidos por exemplo) em seus ordenamentos jurídicos – que reconhecem o Trust e possuem legislação específica sobre a entidade – ainda tratam o Settlor como responsável e detentor dos ativos, sendo também visto como o agente obrigado a arcar com as obrigações tributárias e civis referente aos ativos, por exemplo, no momento de uma distribuição dos lucros, a alíquota de aumento de capital será cobrado à nivel do Settlor.

  • O Trust Irrevogável

Nesta espécie, o Settlor não tem poderes nem autorização para realizar resgates (revogação) dos ativos, sendo tal responsabilidade e decisão total do Trustee, com auxilio de um Protector, caso haja. Nesta espécie, o Trust Deed irá determinar quando alguma transferência poderá ocorrer, e apenas com exclusiva autorização do Trustee que irá atuar de acordo com o determinado no citado documento.

Este tipo de Truste é muito comum em situações exclusivas de planejamento sucessório, ou quando há alguma particularidade sobre os beneficiários que necessitam da expertise do Trustee para a preservação do patrimônio. Explicando melhor os dois pontos – no primeiro, uma vez que a quantia é transferida ao Trustee por meio do Trust, não há possibilidade de resgate pelo Settlor, sendo este patrimônio garantido e preservado até o momento da transferência determinada pelo Trust Deed (Geralmente, após o falecimento dos settlors para seus herdeiros). No segundo ponto, para exemplificar, é possível que o Settlor determine em sua Letter of Wishes que a quantia total à ser distribuida aos herdeiros seja dividida mensalmente em porcentagens equivalentes mês a mês, para um melhor proveito dos beneficiários e preservação do montante total.

Aqui, via de regra, a liability recai sobre o Trustee e consequentemente sobre o Trust, o que pode gerar benefícios tributários para os beneficiários do Trust após as transferências. Por exemplo, uma das modalidades que os Estados Unidos abre em seu ordenamento jurídico, é sobre o Non-grantor Trust, que nada mais é que um trust irrevogável mas que possui vantagens tributárias. Explico – num cenário de sucessão de bens americanos detidos por pessoas físicas não americanas, a taxa de sucessão (Estate Gift Tax) é significantemente alta, sendo do valor total à ser transferido. A transferência sendo feita pelo Non-Grantor Trust não recebe tal taxa, já que a transferência será feita por uma entidade que está em US Situs Asset (Ativo em sítio (território) americano), não caracterizando como herança e sim, uma transferência de ativos, com cargas tributárias significamente menores. Esta espécie também é útil para que o patrimônio se permaneça intacto até durante toda a vida do Settlor, sendo utilizado apenas na falta do Settlor e execução da Letter of Wishes pelo Trustee.

Quando falamos das espécies dos Trusts, não há necessariamente um contrato melhor do que o outro, mas sim, um que seja melhor aproveitado entre as necessidades e vontades do Settlor. A palavra chave aqui é efetividade. Por este motivo, sempre é ideal que haja um agente especializado em Planejamento Patrimonial para que as decisões sejam tomadas em conjunto, além da escolha de um Trustee, a necessidade de um protector ou não, e se a espécie escolhida de fato atende as vontades do Settlor.

Ainda, é importante sempre ser considerada a jurisdição à qual o Trust será constituído, pensando nas incidências tributárias e civeis. Por exemplo, jurisdições como Canadá e Estados Unidos compartilham da mesma legislação e ambas reconhecem a entidade, entretanto, possuem responsabilidade e cargas tributárias diversas, além de reconhecerem a entidade de forma diferente. Ambas as definições também se distintam das utilizadas pelo direito Inglês (Aplicado no Reino Unido e em seus territórios, como as Ilhas Virgens Britânicas), com também cargas tributárias e características e nomenclaturas próprias. O que auxilia na escolha da jurisdição é a própria localização dos ativos e os tipos de ativos, ademais, tudo acaba sempre retornando ao ponto de que se faz necessário o estudo dos ativos, jurisdições e vontades e necessidades do Settlor para que a espécie correta seja escolhida.

II.B – As partes do Trust

Após elaborarmos brevemente sobre as tipicidades do Trust e suas principais características, precisamos agora detalhar as obrigatórias partes do Trust e seus agentes, além de suas peculiaridades e particularidades. Assim, adiante:

Settlor

A figura do Settlor é na verdade o agente que de fato é o dono dos ativos à serem distribuídos para o Trust. Este agente poderá ser uma pessoa Jurídica ou uma pessoa física, e inclusive, um Trust poderá ter mais de um único Settlor, que também poderá ser beneficiário de seu próprio Trust. As obrigações do Settlor são limitadas de acordo com a espécie de Trust a ser constituída, além de ser o responsável pela assinatura do Trust Deed em conjunto com o Trustee, além de ser elaborar a Letter of Wishes e a assiná-la, providenciando as instruções necessárias para o Trustee administrar os bens em nome do Trust após eventual óbito. Não raro em Trusts familiares, vemos ambos os cônjuges atuando como Settlors, financiando por exemplo uma quantia a ser preservada para os estudos de seus filhos durante o crescimento. Não necessariamente a responsabilidade dos Settlors será a mesma, tudo será determinado pelo Trust Deed em comum acordo dos settlors, assinado por ambos junto ao Trustee.

Este agente não necessariamente necessita de expertise para a boa manutenção do Trust, principalmente nos Trusts irrevogáveis. A maior atenção do Settlor deve estar focada na constituição do Trust e dos termos a serem assinados na constituição do Trust Deed, além da elaboração completa da Letter of Wishes.

Mesmo na figura do Trust Irrevogável, por mais que o Settlor não tenha poderes para retirar os bens do Trust, ainda há a possibilidade de sua administração, instruindo o Trustee de suas vontades e eventuais reenvestimentos – retornamos mais uma vez ao ponto de que tudo dependerá do bem, finalidade e do disposto no Trust Deed para que o Trust não seja sub aproveitado, tendo sua plena capacidade e possibilidade explorada.

Por fim, esta figura também poderá ser uma Personalidade Jurídica, por exemplo uma companhia que virá a realizar as transferências ao Trustee, inclusive com os novos aportes além do Trust Fund inicial. Neste cenário, as tomadas de decisões recaem sobre os controladores (Diretores, Managers, Manager Partner, etc.) da companhia, que deverão executar todas as funções de Settlor em nome da empresa que atuará em tal função. Ainda, é necessário que o Settlor esteja atento na escolha de seu Trustee, uma vez que este será o responsável pela administração do Trust e consequentemente, dos ativos nele presente. É possível ainda que no Trust

Deed sejam estipulados poderes ao Settlor para a substituição do Trustee por um que o Settlor julgar que o melhor atenda, desde que as condições para isto (também estipuladas no Trust Deed) sejam atendidas.

Trustee

Talvez a figura mais importante do contrato de Trust. Claro, como previamente mencionado, todas as partes são codependentes e de suma importância, mas aqui o destaque cabe ao Trustee devido ao grau de responsabilidade e de obrigatoriedades que este agente deve apresentar. Além de cumprir com todo o disposto no Trust Deed, cumprir com todas as obrigações recebidas do Settlor para a ideal manutenção do Trust, o Trustee ainda é responsável por todas as responsabilidades declaratórias (Seja fiscal ou civil), garantia do cumprimento da Legislação e prevenção de qualquer atividade ilícita no decorrer da administração do Trust.

As jurisdições apresentam diversas definições e obrigações para este agente, aqui, vamos trabalhar com as mais utilizadas, provenientes do direito Inglês e espalhada para o direito Americano. Via de regra, os Trusts possuem as mesmas obrigações declaratórias da jurisdição que as empresas, muitas vezes sendo usada a analogia para as obrigações das declarações fiscais a serem apresentadas pelo Trustee em nome do Trust. Por exemplo, nas jurisdições signatárias da OCDE, existem duas principais obrigações à serem realizadas para as personalidades jurídicas – o Economic Substance e o CRS. O Primeiro, é de obrigação do Agente de Registro das empresas, mas no caso do Trust, esta obrigação por analogia é aplicada ao Trustee, visto que este é o responsável pela boa administração do Trust e arquivamento de seus arquivos legais e financeiros. A segunda, é uma obrigação dos Diretores de cada empresa registrada na jurisdição e que por conta disto, também recai ao Trustee visto que este é o único agente com direito de controle e administração do Trust. Extendendo um pouco a exemplificação, no caso de um Trust Americano, todos os formulários declaratórios à IRS deve ser realizado pelo próprio Trustee, ou no caso de formulários específicos que se refiram às declarações fiscais e tributárias, por um CPA contratado e com procuração emitida pelo próprio Trustee para atuação exclusiva da atividade citada. Estes são apenas alguns dos exemplos onde o Trustee terá que atuar para a boa manutenção do contrato de Trust. Claro que estas acabam por variar de acordo com o ordenamento jurídico ao qual o Trust está constituído e aplicado, mas independente de qual seja a obrigação ou compromisso com os órgãos controladores de cada jurisdição, resta claro que a responsabilidade de cumprimento recai sobre o Trustee.

Não há nenhum impedimento em termos um Trustee que seja uma pessoa jurídica, na realidade, este é o cenário recomendado e mais utilizado ao redor do globo. Diversas empresas internacionais se especializaram no ramo, fornecendo serviços desde a constituição do Trust até a atividade como Trustee, porém, este não é um serviço facilmente prestado.

Qualquer pessoa jurídica que vá atuar como Trustee, deverá passar por rígidas análises dos próprios órgãos controladores, para que possam primeiro receber a licença para atuar como Trustee na jurisdição. Em países signatários da OCDE e que fazem parte dos territórios ingleses e portanto, utilizam o mesmo ordenamento jurídico, há ainda níveis de licença e de tipos de Trust aos quais as empresas poderam atuar como Trustee. Não raro vemos escritórios de advocacia empresarial destas jurisdições se candidatarem para as licenças de Trustee, visto que isto permite a união entre o planejamento e efetiva administração do contrato de Trust, sendo este elaborado, mantido e administrado pelo mesmo agente.

Embora seja permitido que pessoas físicas atuem como Trustee, vale ressaltar a importância da expertise para atuar neste função. É extremamente necessário que tal agente entenda plenamente as regras legais da jurisdição onde o Trust será constituído para sua boa manutenção, visto que a depender da jurisdição, as penalidades podem ser tanto sanções financeiras como até a perda da licença para atuar como Trustee, além das complicações geradas na manutenção do Trust. Lembrando que o Trust passa a ser dono dos ativos, e na medida em que o contrato não possui seu administrador, de fato há o risco de os ativos ficarem sem administração e subaproveitados, inclusive podendo haver perdas financeiras ou desvalorização dos ativos.

Embora não haja nenhum impedimento de se ter dois Trustees em um mesmo Trust, há de se avaliar a real necessidade ou se o caso concreto realmente necessita de dois agentes atuando nesta função, majoritamente pelo fato de que, exceto se o Trust Deed estipular expressamente tais condições, ambos os Trustees terão as mesmas obrigações fiduciárias, legais e fiscais de um mesmo Trust, o que poderá gerar atrasos ou até conflito na hora das assinaturas.

Um cenário onde termos dois Trustees pode ser interessante de acordo com o caso concreto, é no caso dos Splits Trusts, onde um Trustee seria responsável pela porcentagem do Grantor Trust e o segundo trustee, responsável pela parcela Non- Grantor Trust, assim separando a administração e responsabilidades declaratórias e fiscais de cada Trust por um Trustee diferente.

Consolidando, ter um Trustee certo para cada Trust é ideal para seu bom funcionamento, especialmente se este Trustee for empresa especializada nesta atividade e com expertise para as tomadas de decisão estipuladas pelo Trust Deed.

Beneficiários

Chegamos enfim à figura dos beneficiários do Trust, onde não há limites. Os beneficiários de um Trust podem ser pessoas físicas ou jurídicas, podendo ser inclusive, um novo Trust beneficiário do primeiro. Não raro inclusive, vemos os próprios Settlors atuando também nesta capacidade, sendo sempre estes também apontados no Trust Deed no momento da constituição do Trust, e ainda podendo novos serem adicionados pelo Settlor e com a aprovação do Trustee.

Dentre os poderes dos beneficiários, está o poder de resignação dos direitos aos benefícios do Trust, o que poderá inclusive resultar na extinção do mesmo e fazendo com que os bens sejam transferidos de volta ao Settlor na falta de outra instrução expressa no Trust Deed, o que ocorreria por exemplo em um Trust irrevogável cuja única função seja o planejamento sucessório com o Trust sendo a ferramenta de transferência aos beneficiários.

Ainda, é possível que determinados poderes sejam proferidos aos beneficiários, sendo isto feito sempre pelo Trust Deed, mas em regra geral a principal função do Beneficiário de um Trust é literal – usufruir e receber os frutos e distribuições do Trust. Por fim, é importante que se analise também a capacidade dos beneficiários para receberem os bens – se ativos financeiros, a instituição financeira deve estar preparada para tais transferências, além é claro da capacidade legal dos beneficiários e se há a necessidade de uma tutela (no caso de incapacidade).

Protector

Chegamos então, ao Protector. De todas as outras partes mencionadas, esta é a única que é de fato opcional com o Trust funcionando perfeitamente em sua ausência. Porém, à depender da espécie do Trust, e inclusive da capacidade dos beneficiários para receberem os ativos após as transferências do Trust, visto que comumente temos uma figura de um Protector que também é procurador de um beneficiário ainda incapaz (menor de idade, por exemplo).

Este agente poderá ter inúmeros poderes, inclusive sua assinatura é necessária para que qualquer atitude no Trust seja tomada e executada, mas aqui, cabe atenção – os poderes do Protector de forma alguma poderá ultrapassar os poderes e decisões do Trustee, uma vez que este é o agente com obrigação final de tomada de decisões e assinaturas. Porém, o Protector poderá, em exercício de sua obrigação, notificar o Settlor das tomadas de decisão e inclusive sugerir (mas não executar e decidir) a substituição do Trustee, embora esta não obrigatoriamente será aceita pelo Settlor.

Novamente temos a importância da expertise do protector para pleno exercício de suas funções. Comumente vemos advogados dos Settlors nesta função, para que auxiliem os mesmos nas tomadas de decisão e garantia de seus objetivos com o Contrato de Trust, além é claro da supervisão das atitudes tomadas pelo Trustee.

III Conclusão

Embora ainda extremamente recente em nosso ordenamento jurídico, a entidade fiduciária do Trust é extremamente utilizada no planejamento patrimonial ao redor do globo, prioritariamente devido à sua imensa jurisprudência de centenas de anos, além de sua flexibilidade e prioridade que um planejamento sucessório requer.