REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7905420
Ingrid Milene Lima Rodrigues
Mel Jersif Alves Da Silva
Orientador: Prof. Ms. Jordano Leite Cavalcante De Macêdo
RESUMO
O Acidente Vascular Cerebral (AVC) refere-se a um déficit neurológico agudo que se dá a partir de uma obstrução de vasos sanguíneos localizados no cérebro ou ruptura de uma artéria cerebral, que frequentemente implica em sequelas motoras, como déficit de marcha. O Suporte Parcial de Peso Corporal (SPPC), além de facilitar e auxiliar no desenvolvimento da marcha, possibilita um equilíbrio mais adequado por favorecer uma descarga de peso mais simétrica, e ainda permite um melhor suporte de peso que potencializa a segurança durante o treino. O objetivo desse estudo foi constatar a efetividade do treinamento da marcha com suporte parcial de peso na reabilitação de pacientes que sofreram acometimento neurológico advindo do AVC. Trata-se de uma revisão sistemática de ensaios clínicos randomizados analisados por dois revisores independentes, de acordo com a recomendação da plataforma Prisma, nas bases de dados PubMed, PEDro e CENTRAL. Foram incluídos seis estudos originais que abordavam o treino de marcha com suporte parcial de peso corporal em indivíduos acometidos por acidente vascular cerebral em seu estágio crônico, sendo utilizada a escala PEDro para analisar a qualidade metodológica dos artigos. Conclui-se que o SPPC, quando usado na reabilitação, é importante e eficaz para a recuperação marcha de indivíduos acometidos pelo acidente vascular cerebral crônico.
Palavras-chave: Acidente vascular cerebral; Marcha; Peso corporal.
1 INTRODUÇÃO
O Acidente Vascular Cerebral (AVC) é considerado uma das principais causas de óbito e incapacidade no mundo. O AVC refere-se a um déficit neurológico agudo que se dá a partir de uma obstrução de vasos sanguíneos localizados no cérebro (isquêmico) ou ruptura de uma artéria cerebral (hemorrágico), que frequentemente implica em sequelas motoras, como déficit de marcha. Assim, a restauração da capacidade de deambular torna-se primordial na reabilitação pós-AVC (SILVA e et al., 2020).
A marcha humana é fundamental para que haja o deslocamento de um lugar para o outro e se estabelece pelo funcionamento do sistema neuromusculoesquelético (MIRELMAN et al., 2018). É uma ação bípede e complexa que requer a atividade dos membros corporais de maneira rítmica e alternada com anteriorização do centro de gravidade. Para que o caminhar aconteça o equilíbrio permite que o corpo se mantenha erguido e a locomoção leva ao passo inicial mantendo a sincronia (JIMÉNEZ, 2017).
O treino de marcha com Suporte Parcial de Peso Corporal (SPPC) corresponde a uma abordagem que contribui no processo de deambular dos indivíduos com acometimento neurológico (HARTEL; ROSSATO; RODRIGUES, 2019). Além de facilitar e auxiliar no desenvolvimento da marcha, possibilita um equilíbrio mais adequado por favorecer uma descarga de peso mais simétrica, e ainda permite um melhor suporte de peso que potencializa a segurança durante o treino (GAMA et al., 2019).
O SPPC é um sistema que utiliza um arnês associado a esteira rotativa para suspensão de parte do peso corporal durante a caminhada (CHUA et al., 2020). Dentre os benefícios de se empregar tal recurso na reabilitação da marcha, vale ressaltar a possibilidade do trabalho de deambulação com supervisão, o menor risco de lesões e quedas, padrão de esforço crescente e menor demanda cardiovascular (OLIVEIRA et al., 2018).
Diante disso, nota-se a importância deste estudo e a necessidade de buscar na literatura um maior número de evidências que abordem o trabalho de recuperação da marcha com suporte parcial de peso nos indivíduos em questão. Esse estudo teve por objetivo constatar a efetividade do treinamento da marcha com suporte parcial de peso na reabilitação de pacientes que sofreram acometimento neurológico advindo do acidente vascular cerebral.
2 METODOLOGIA
A presente pesquisa corresponde a uma revisão sistemática qualitativa de caráter observacional. No estudo utilizou-se a Estratégia PICO que se constitui em quatro itens P: paciente pós acidente vascular cerebral; I: Treino de marcha com suporte parcial de peso; C: Não apresenta comparação com nenhuma intervenção, O: Reabilitação pós acidente vascular cerebral.
Esta revisão sistemática, foi submetida no Registro Prospectivo Internacional de Revisões Sistemáticas (PROSPERO) segundo os padrões exigidos. O registro foi realizado no dia 8 de dezembro de 2022 contendo o número CRD42022382160.
O levantamento de dados se deu no ano de 2023, por meio das bases de dados National Library of Medicine (PUBMED), Physiotherapy Evidence Database (PEDro) e Cochrane Central Register of Controlled Trials (CENTRAL). Foram utilizados os descritores “stroke”, “gait” e “body weight”, associado aos operadores booleanos AND/OR para combinar os termos ou deixá-los sozinhos a fim de apurar as buscas.
Foram incluídos ensaios clínicos controlados randomizados (ECRs) que abordavam o treino de marcha com suporte parcial de peso para reabilitação com indivíduos de ambos os sexos, acometidos por acidente vascular cerebral em seu estágio crônico. Artigos incompletos, bem como aqueles sem embasamento científico e/ou que não estevam relacionados ao tema proposto foram excluídos.
Foram utilizadas as estratégias de busca em inglês, nas plataformas National Library of Medicine (PUBMED) e Cochrane Central Register of Controlled Trials (CENTRAL): (stroke OR stroke rehabilitationOR cerebrovascular accident OR cerebral infarction) AND (body weight OR weight-bearing) AND (gait OR walking OR locomotion). Vale ressaltar que, na plataforma Physiotherapy Evidence Database (PEDro) a pesquisa aconteceu sem o emprego de operadores booleanos, sendo utilizado a seguinte estratégia: Stroke* Gait* Bodyweight*.
A escala de qualidade PEDro foi utilizada para avaliar a qualidade metodológica dos ensaios clínicos randomizados, identificando os estudos que apresentaram validade interna e quantidade de material estatístico suficiente para interpretação dos resultados. Dos 11 critérios presentes na escala, dez são usados para calcular a pontuação dos estudos, que pode resultar em até 10 pontos.
A seleção dos artigos aconteceu por dois revisores de maneira independente, a princípio por meio da leitura do título e resumo, e em seguida pela analise aos critérios de inclusão e exclusão. Os dados alcançados após a extração, foram apresentados por meio de tabelas que continham as principais características pertencentes a cada estudo para que fossem comparados e discutidos, restando aqueles que atendiam aos critérios de elegibilidade da escala PEDro.
Fluxograma 1. Pesquisa e triagem dos estudos relacionados nos bancos de dados, conforme a plataforma PRISMA. Teresina-PI, 2023.
Fonte: Autores
3 RESULTADOS
A tabela 1 refere-se à avaliação metodológica dos artigos por meio da escala de qualidade PEDro organizada em critérios de 1 a 11, autor e ano de publicação.
Tabela 1. Análise da qualidade metodológica dos estudos por meio da escala PEDro. Teresina-PI, 2023.
A tabela 2 corresponde as principais características referentes aos estudos, a fim de facilitar a organização e comparação das informações, separadas por autor, amostra, objetivos, intervenção e resultados.
Tabela 2. Dados gerais sobre os artigos selecionados para obtenção dos resultados. Teresina-PI, 2023.
Autor | Amostra | Objetivos | Intervenção | Resultados |
COMBS-MILLER et al. 2014 | 20 | Comparar os efeitos do treinamento em esteira com suporte de peso corporal e treinamento de caminhada no solo quando combinados para tarefa e dose (duração/frequência/i ntensidade) na melhora da função de caminhada, atividade e participação após o AVC. | Intervenções de caminhada de trinta minutos (treinamento em esteira com suporte de peso corporal ou treinamento de caminhada em superfície) foram administradas cinco vezes por semana durante duas semanas. A intensidade foi monitorada com a Escala de Percepção de Esforço de Borg em incrementos de cinco minutos para manter uma intensidade de treinamento moderada. | O grupo de treinamento de caminhada em solo demonstrou melhorias significativamente maiores na velocidade de caminhada confortável em comparação com o grupo de treinamento em esteira com suporte de peso corporal imediatamente (alteração de 0,11 m/s vs. 0,06 m/s, respectivamente; p = 0,047) e três meses (variação de 0,14 m/s vs. 0,08 m/s, respectivamente; p = 0,029) após o treinamento. |
DUNCAN et al. 2011 | 408 | Comparar dois exercícios terapêuticos diferentes fornecidos por fisioterapeutas para melhorar a capacidade de andar após o AVC. | Um grupo recebeu treinamento em esteira com uso de suporte de peso corporal 2 meses após a ocorrência do AVC (treinamento locomotor precoce), o segundo grupo recebeu esse treinamento 6 meses após a ocorrência do AVC (treinamento locomotor tardio) e o terceiro grupo participou de um programa de exercícios em casa administrado por um fisioterapeuta 2 meses após o AVC (programa de exercícios em casa). Cada intervenção incluiu 36 sessões de 90 minutos cada por 12 a 16 semanas. | Todos os grupos tiveram melhorias semelhantes na velocidade de caminhada, recuperação motora, equilíbrio, estado funcional e qualidade de vida. |
GAMA et al. 2017 | 28 | Investigar os efeitos do treinamento de marcha com suporte de peso corporal (BWS) em esteira versus solo em indivíduos com AVC crônico. | Os participantes foram aleatoriamente designados para receber treinamento de marcha com BWS em esteira (n=14) ou no solo (n=14) 3 vezes por semana durante 6 semanas. | 1 semana após a última sessão de treinamento, ambos os grupos melhoraram em todas as medidas de resultado, exceto comprimento do passo parético e razão de simetria do comprimento do passo, que melhoraram apenas no grupo overground (P = 0,01 e P = 0,01, respectivamente). 6 semanas após a última sessão de treinamento, todas as melhorias permaneceram e o grupo da esteira também melhorou o comprimento do passo parético (P<0,001), mas não o índice de simetria do comprimento do passo (P>0,05). |
GANGOPADHY AY et al. 2021 | 30 | Avaliar o efeito do treinamento em esteira com suporte de peso corporal na recuperação da marcha, função dos membros inferiores e equilíbrio dinâmico em pacientes com AVC crônico. | O grupo A recebeu BWSTT com reabilitação convencional por quatro semanas. O Grupo B recebeu apenas reabilitação convencional por quatro semanas. A duração da reabilitação convencional foi de 40 minutos em cada grupo. Junto com isso, o grupo A recebeu 20 minutos de BWSTT e o grupo B recebeu 20 minutos de treinamento de marcha convencional. A terapia foi dada três dias por semana. | Houve melhora significativa em todas as medidas de resultado, por exemplo, BBS, TUG, Teste de caminhada de 10 metros e cadência, em ambos os grupos, pré e pós intervenção, mas o grupo A apresentou melhora estatisticamente significativa em parâmetros como equilíbrio dinâmico, velocidade de caminhada, controle postural e função de caminhada(p<0,05). |
MIDDLETON et al. 2014 | 43 | O objetivo deste estudo foi determinar se uma intervenção intensiva (treinamento intensivo de mobilidade), incluindo BWSTT, fornece resultados superiores de marcha, equilíbrio e mobilidade em comparação com uma intervenção semelhante com treinamento de marcha no solo no lugar do BWSTT. | O tratamento consistiu em 1 hora de treino de marcha; 1 hora de atividades de equilíbrio; e 1 hora de força, amplitude de movimento e coordenação por 10 dias da semana consecutivos (30 horas). | Não foram encontradas diferenças significativas (α = 0,05) entre os grupos após o treinamento ou no acompanhamento; portanto, os grupos foram combinados para análises restantes. |
SRIVASTAVA et al., 2016 | 45 | Avaliar o papel do treinamento em esteira com suporte de peso corporal (BWSTT) para sobreviventes de AVC crônico. | O grupo I recebeu treinamento de marcha orientado para a tarefa por meio de uma abordagem de fisioterapia convencional. Grupo II recebeu treino de marcha em esteira sem suporte de peso corporal (carga total); os pacientes usavam um arnês suspenso para segurança e para garantir condições experimentais semelhantes, mas nenhum suporte mecânico foi fornecido. O grupo III recebeu treino de marcha em esteira com suporte de peso corporal (40% de redução do peso corporal), que permaneceu inalterado durante todas as sessões de treinamento (20 sessões, 30min/dia, 5 dias/semana por 4 semanas) . | Todas as medidas de resultados primários e secundários mostraram melhora significativa (P <0,05) nos 3 grupos no final do treinamento, que foi mantida em 3 meses de acompanhamento (além da resistência de caminhada no grupo I). Os resultados foram melhores com BWSTT, mas não significativamente (P>0,05). |
4 DISCUSSÃO
Para esta revisão sistemática, foram encontrados seis artigos nas bases de dados (PEDro, PUBMED e CENTRAL), que utilizaram o suporte parcial de peso no treinamento de marcha em pacientes pós acidente vascular cerebral. Desse modo, tendo o objetivo de investigar a eficácia desta intervenção, comparando-o com outros métodos, como exercícios em solo, além de nenhum tipo de intervenção.
Todos os artigos estudados utilizaram o suporte parcial de peso como intervenção. Gama et al. (2017) o comparou com o treinamento de marcha em solo. Srivastava et al. (2016) além de comparar com o treinamento de marcha em solo, também comparou com treinamento em esteira sem suporte de peso corporal. Gangopadhyay et al. (2021) utilizou como instrumento de avaliação os testes Timed Up and Go, Cadência, Teste de Caminhada de 10 metros e Escala de Equilíbrio de Berg. Combs-miller et al. (2014) também utilizou medidas de avaliação, sendo elas caminhada confortável/rápida de 10 metros, caminhada de 6 minutos, simetria espaço-temporal e a Medida de Participação e CIF. Duncan et al. (2011) o comparou com o treinamento locomotor precoce e tardio, e programa de exercícios em casa.
Combs-miller et al. (2014) comparam dois métodos diferentes, um protocolo durante duas semanas, administradas cinco vezes por semana de caminhada de trinta minutos em esteira com suporte de peso corporal, e o treinamento de caminhada em solo. Ao final do acompanhamento, o estudo mostrou que o grupo de treinamento de caminhada em solo demonstrou melhorias significativamente maiores na velocidade de caminhada confortável em comparação com o grupo intervenção. E apenas o grupo controle melhorou significativamente a velocidade de caminhada confortável.
Duncan et al. (2011) realizou um programa em que um grupo recebeu treinamento em esteira com uso de suporte de peso corporal 2 meses após a ocorrência do AVC, o segundo grupo recebeu 6 meses após a ocorrência do AVC e o terceiro grupo participou de um programa de exercícios em casa administrado por um fisioterapeuta 2 meses após o AVC, cada intervenção incluiu 36 sessões de 90 minutos cada por 12 a 16 semanas. O estudo mostrou que em um ano, metade de todos os participantes tinham aumentado a capacidade de caminhada funcional. Não foram encontradas diferenças significativas na melhora entre o treinamento locomotor precoce e o exercício doméstico
Gangopadhyay et al. (2021), em um programa de 3 dias por semana, durante quatro semanas, utilizou 40min de fisioterapia convencional para indivíduos com 6 meses ou mais de AVC, além de 20min de treinamento em esteira com suporte de peso corporal (BWSTT) para o grupo experimental e 20min de treino de marcha convencional para o grupo controle. O estudo evidenciou que todos os participantes apresentaram melhora satisfatória nas medidas de resultados, no entanto, aquele que recebeu o BWSTT obteve respostas expressivas em relação aos parâmetros avaliados da marcha.
Na pesquisa de Gama et al. (2017), foi feito uma comparação do treino de marcha com suporte de peso corporal (BWS) na esteira e no solo em um protocolo de 3 sessões de 45min cada, durante seis semanas com intervalos de pelo menos um dia. Com uma semana de conclusão do treinamento, os participantes obtiveram resultados positivos para melhora da marcha nos critérios avaliados, todavia, o grupo BWS na esteira não mostrou melhoria no comprimento do passo parético e razão de simetria do comprimento do passo. Seis semanas após o mesmo grupo avançou positivamente em relação ao comprimento do passo parético, mas permaneceu sem progresso para simetria do comprimento do passo.
Middleton et al. (2014), aplicou um protocolo de 10 dias consecutivos no decorrer da semana com 1 hora de treinamento de marcha em esteira com suporte de peso corporal (BWSTT) para o grupo experimental e no solo para o grupo controle. Associado a isso, os mesmos receberam 1 hora de atividades de equilíbrio; e 1 hora de força, amplitude de movimento e coordenação, totalizando 3 horas de intervenção. Imediatamente após o treinamento ou a longo prazo não foi constatado nenhuma diferença significativa quando comparado um grupo com o outro. Sendo assim, os grupos foram unidos para analisar os demais desfechos, resultando em indicadores de melhora na marcha, equilíbrio e mobilidade seguida da terapia intensiva.
Srivastava et al. (2016), foi realizado um programa de 4 semanas, com 20 sessões, 5 vezes ao dia por 30 min em três grupos: treinamento de marcha em solo, treinamento em esteira sem suporte de peso corporal e treinamento em esteira com suporte de peso corporal (BWSTT). No final do treinamento ambos os grupos mostraram melhora significativa, porém o BWSTT não tem vantagem significativa sobre as estratégias convencionais de treinamento de marcha.
5 CONCLUSÃO
Os estudos evidenciaram que o treino de marcha com suporte parcial de peso é eficaz para a reabilitação da marcha em indivíduos acometidos pelo acidente vascular cerebral crônico. No entanto, quando comprado com o treinamento em solo, não foram percebidos resultados significativos para recuperação da marcha. Sendo assim, se faz necessário à procura de mais evidências cientificas sobre o assunto abordado, relacionado o uso de suporte parcial de peso na reabilitação da marcha em pessoas com acometimento neurológico.
REFERÊNCIAS
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