REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202507072240
Eric Antonio Bispo Souza1
Ramon Cerqueira Gomes2
Fernanda Sanjuan Souza3
Alyne da Silva Muller4
RESUMO
A transição escolar para o Ensino Médio é reconhecida como um fenômeno potencialmente crítico na vida de muitos adolescentes, frequentemente associado a dificuldades no novo contexto de escolarização. No Brasil, ainda são escassas as publicações científicas que abordam programas institucionais voltados à promoção da permanência e ao êxito escolar nessa etapa. Este artigo tem como objetivo propor a elaboração de um programa de transição escolar para o Ensino Médio, com base em estudos nacionais e internacionais sobre práticas de facilitação dessa transição. Foram realizadas buscas avançadas com os descritores “high school transitions” ou “transitions to high school”, combinados com os termos “programs” (programas) ou “adjustment” (ajustamento). A proposta visa apresentar práticas que favoreçam o processo de adaptação escolar, contribuindo para a consolidação de trajetórias acadêmicas bem-sucedidas entre adolescentes.
Palavras-chave: Transição escolar, ajustamento escolar, estudantes do Ensino Médio, programa de intervenção
1 INTRODUÇÃO
A transição para o Ensino Médio (EM) é frequentemente acompanhada por processos psicossociais significativos. As novas demandas educacionais comumente se relacionam a mudanças institucionais (como a transferência de escolas), cognitivas e acadêmicas (envolvendo conceitos e processos mais complexos, além da reorganização da rotina escolar), sociais (como a participação dos pais e da comunidade, e a maior circulação em ambientes sociais) e psicológicas (relacionadas à identidade e aos posicionamentos). Esses fatores tendem a gerar desestabilizações na dinâmica psíquica dos(as) estudantes, mobilizando sua constituição identitária frente ao novo contexto escolar. Assim, as transições escolares revelam a delicada fase do desenvolvimento adolescente, marcada por desafios à identidade no ambiente educacional.
No cotidiano das instituições escolares, observa-se o quanto a entrada no Ensino Médio pode ser desestabilizadora para adolescentes. São frequentes as queixas de dificuldades de aprendizagem e socialização, bem como sintomas de ansiedade e indícios de depressão — aspectos que também são identificados por psicólogos, docentes, pedagogos, assistentes sociais e demais profissionais que atuam diretamente com o corpo discente.
Diante da recorrência de sintomas como baixa autoestima, ansiedade, estresse e até mesmo depressão, e considerando os riscos associados à evasão escolar e ao agravamento de problemas de saúde mental nessa fase de transição, torna-se fundamental investigar quais programas de facilitação da transição escolar vêm sendo publicados na literatura científica. A proposta de um programa de transição escolar para o Ensino Médio tem como objetivo contribuir para a elaboração de projetos de intervenção ajustados à realidade educacional brasileira, com vistas à permanência dos estudantes, à redução de problemas psicossociais relacionados à adaptação escolar e à promoção do êxito acadêmico por meio de ações estratégicas de apoio institucional.
As transições escolares envolvem processos intra e intersubjetivos que fazem parte da trajetória do(a) estudante no sistema educacional. Algumas transições são de natureza desenvolvimental, marcadas por mudanças físicas, intelectuais e emocionais; outras são sistêmicas, como a passagem de um nível de escolarização para outro ou a mudança de instituição (Anderson et al., 2000).
Embora haja variações, a maioria dos(as) estudantes conclui o Ensino Fundamental e ingressa no Ensino Médio no início da adolescência. Nesse contexto, muitos relatam perceber o novo ciclo como mais difícil e exigente, sendo o gerenciamento do tempo e a organização dos estudos suas principais preocupações (Mizelle, 1995). Pesquisadores vêm se dedicando a compreender os fatores de risco e proteção envolvidos nesse processo de transição (Mizelle, 1995; Uvaas & McKevitt, 2013; Gomes, 2018; Tilleczek & Ferguson, 2007; Astor et al., 2018).
Estudos apontam que o grau de conexão e de ajuste dos estudantes às normas e regras do ambiente escolar, antes do ingresso no EM, constitui fator protetivo diante de possíveis consequências negativas no processo de transição (Dedmond, 2006). Indivíduos que evadiram do ensino médio são significativamente mais propensos a enfrentar desemprego, pobreza, dependência de assistência pública, problemas judiciais, doenças, divórcios, monoparentalidade, além de manterem filhos com altas chances de também abandonarem a escola (Bridgeland, DiIulio & Morison, 2006). Estatísticas também revelam que estudantes do sexo masculino apresentam taxas mais elevadas de evasão do que estudantes do sexo feminino (Snyder & Dillow, 2010).
As interações com o grupo de pares, bem como a cultura e o clima escolar, estão entre os fatores que mais influenciam a aprendizagem dos(as) estudantes (Garringer & MacRae, 2008). Programas de transição eficazes oferecem orientação durante o período de mudança, promovem vínculos afetivos, fomentam uma cultura de apoio e senso de comunidade, além de proporcionar o desenvolvimento de habilidades para a vida e oportunidades de construção de relacionamentos saudáveis (Feller, 2003; Mizelle & Irvin, 2000).
Essas transições escolares têm sido reconhecidas como momentos especialmente significativos para os(as) estudantes (Tilleczek & Ferguson, 2007), sobretudo para aqueles(as) em situação de risco. Essa condição diz respeito a estudantes que, muitas vezes, não concluem os ciclos escolares nos prazos esperados, nem desenvolvem as habilidades e a autoconfiança necessárias para alcançar opções significativas nas esferas do trabalho, lazer, cultura e relações interpessoais (Ferguson et al., 2005).
O Ensino Médio brasileiro concentra os maiores índices de evasão da trajetória educacional dos(as) adolescentes. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2019) indicam que 20,2% dos jovens entre 14 e 29 anos não frequentam a escola nem concluíram a escolarização obrigatória. A transição entre o Ensino Fundamental e o Ensino Médio é um dos momentos mais críticos, com taxas de abandono que podem chegar a 18% entre estudantes com 19 anos ou mais.
Estudantes frequentemente esperam encontrar mais liberdade e possibilidades de escolha no Ensino Médio. Por outro lado, também relatam sentimentos de nervosismo e medo, especialmente diante da possibilidade de sofrerem intimidação por parte de colegas mais velhos ou de se sentirem perdidos em um ambiente escolar desconhecido (Mizelle, 1995). A maior diversidade de professores e colegas, bem como a ampliação das opções curriculares e extracurriculares, pode acarretar redução no rendimento acadêmico e aumento da irregularidade na frequência escolar (Reyes, Gillock & Kobus, 1994).
Nesse contexto, são comuns relatos de queda na autoestima (Mizelle, 1995), piora no desempenho acadêmico e aumento da ansiedade social (Galton, Gray & Ruddock, 2003), bem como a elevação da probabilidade de evasão (Tilleczek et al., 2011).
Para enfrentar esses desafios, algumas escolas têm desenvolvido programas de apoio à transição escolar. Estudantes que participam de programas mais abrangentes tendem a manter níveis satisfatórios de desempenho acadêmico e a apresentar menor risco de evasão, especialmente quando há envolvimento ativo de estudantes, pais e equipe escolar (Hertzog & Morgan, 1999).
Com base na revisão de literatura sobre teoria e práticas voltadas às transições escolares para o Ensino Médio, Uvaas e McKevitt (2013) propuseram cinco recomendações para a elaboração de programas de apoio: (1) desenvolvimento de currículos e programas específicos para a transição; (2) promoção de estratégias que favoreçam o desempenho acadêmico; (3) fortalecimento da conectividade escolar; (4) revisão da estrutura escolar; e (5) identificação de estudantes submetidos a múltiplos estressores.
Apesar das contribuições já existentes, ainda há carência de estudos que investiguem como a transição impacta especificamente os(as) estudantes que ingressam no Ensino Médio (Benner, 2011). Assim, torna-se necessário que as escolas planejem, implementem e avaliem seus próprios programas, considerando a escassez de referências científicas consolidadas sobre o tema (Uvaas & McKevitt, 2013).
O objetivo geral deste artigo é elaborar, com base em achados relevantes da literatura, um programa de transição escolar voltado à facilitação da entrada de adolescentes no Ensino Médio. Os objetivos específicos são: (1) identificar os principais desafios enfrentados na transição escolar; (2) delinear áreas temáticas estratégicas de enfrentamento; e (3) propor estratégias preventivas e interventivas para atenuar os problemas enfrentados por adolescentes nesse processo.
2 MÉTODO
A construção de um programa de transição escolar para o Ensino Médio deve considerar os fatores que impactam a qualidade do processo formativo dos(as) estudantes, bem como as ações capazes de enfrentar os problemas vivenciados nesse momento de mudança educacional.
2.1 Procedimento de Coleta de Dados
Em uma primeira etapa da pesquisa, foram realizadas buscas avançadas utilizando os descritores “high school transitions” ou “transitions to high school” (transições para o ensino médio), combinados com os termos “programs” (programas) ou “adjustment” (ajustamento), no Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). A pesquisa priorizou estudos em que os descritores estivessem presentes nos títulos dos artigos.
Com base nos estudos encontrados, foram analisados programas de transição escolar, e delinearam-se grupos temáticos que orientaram a formulação de ações estratégicas voltadas à facilitação da transição para o Ensino Médio.
Na segunda etapa da coleta, ampliou-se a busca por meio da inclusão da base de dados Google Acadêmico, além da incorporação de novos descritores, como “habilidades sociais”, “adolescentes” e “sucesso acadêmico”, com o objetivo de aprofundar os fundamentos teóricos das ações estratégicas propostas.
2.2 Procedimento de Análise de Dados e Elaboração da Proposta de Programa de Transição Escolar para o Ensino Médio
A partir da revisão de literatura, foram identificados os principais fatores que interferem no processo de transição escolar dos(as) estudantes. Esses fatores foram categorizados em conjuntos temáticos, com base em sua relevância para o enfrentamento dos desafios da transição.
Com base nessas categorias, foram elaboradas propostas de ações estratégicas associadas a cada conjunto temático. Cada ação foi estruturada com seus respectivos subtemas, objetivos e fundamentações teóricas. O foco dessas propostas interventivas é mitigar os principais problemas enfrentados por adolescentes durante a transição para o Ensino Médio.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Com base na revisão da literatura realizada, foram organizados quatro conjuntos temáticos estratégicos para a composição de um programa de transição escolar destinado a adolescentes ingressantes no Ensino Médio:
- Facilitação da comunicação com estudantes e famílias;
- Socialização;
- Preparação para o sucesso acadêmico;
- Acompanhamento e avaliação.
A seguir, descrevem-se os principais aspectos de cada conjunto temático, acompanhados de propostas de estratégias preventivas e/ou interventivas voltadas à mitigação dos problemas mais recorrentes enfrentados por adolescentes nesse processo de transição.
3.1 Facilitação da Comunicação com Estudantes e Famílias
As ações estratégicas voltadas à facilitação da comunicação com estudantes e famílias foram estruturadas com base em propostas que mobilizam os canais institucionais de informação e os diversos atores da comunidade escolar. A comunicação aberta, acolhedora e acessível deve ser tratada como prioridade pelas instituições, especialmente no que se refere aos(as) estudantes recém-ingressos.
Segundo Astor et al. (2018), em estudo sobre práticas de acolhimento, a forma como os(as) estudantes e seus responsáveis são recebidos nos primeiros contatos com a escola impacta significativamente sua percepção sobre a comunidade escolar. Assim, experiências iniciais em reuniões, atendimentos ou pedidos de informação influenciam diretamente o sentimento de pertencimento.
O objetivo central das ações deste conjunto temático é promover práticas de hospitalidade, disponibilizar informações relevantes de forma clara e acessível e garantir canais contínuos de comunicação com os agentes escolares. Dentre as estratégias propostas, destacam-se a produção de materiais informativos, a utilização de ferramentas digitais de comunicação e a realização de atividades de integração com estudantes e responsáveis.
Quadro 01: Ações estratégicas para o conjunto temático facilitação de comunicação com estudantes e famílias
Subtema(s) | Ação(ões) estratégicas | Objetivos esperados | Fundamentos na literatura científica |
Orientações sobre estrutura escolar e curricular | Acolhimento por famílias e estudantes mais antigos na escola. Apresentação virtual e disponibilização de mapas das áreas escolares. Produção de material de Orientações Acadêmicas específico para os estudantes, como um Guia do Estudante, em formato de fácil acesso e consulta (impresso e digital). Fóruns tira-dúvidas para esclarecimentos sobre questões acadêmicas e da estrutura escolar. Comunicação via mensagem de textos e conferências virtualizadas, que possam ser consultadas posteriormente pelas famílias e estudantes. | Oferecer informações precisas para estudantes e famílias sobre a escola e a rotina acadêmica. Promover a apropriação do espaço físico pelos estudantes e suas famílias. Fomentar o sentimento de pertença à comunidade escolar. Facilitar o acesso à informação. | Astor et al. (2018) |
Criação de um canal de comunicação constante entre família e escola | Grupo em aplicativo de mensagens instantâneas. | Fomentar a aproximação e aumentar o sentimento de pertença da família e do estudante à comunidade escolar. | Astor et al. (2018) |
Atividades de aproximação com a escola antes do ingresso como estudante | Criar parcerias com escolas de séries finais do Ensino Fundamental. Articular momentos de apresentação e integração de potenciais estudantes com a nova escola. | Ampliar as possibilidades de escolha do estudante e sua família quanto à nova escola. Fomentar a aproximação e aumentar o sentimento de pertença da família e do estudante à comunidade escolar. | Uvaas; McKevitt (2013) |
Fonte: Autoria própria (2021).
3.2 Socialização
A socialização constitui uma dimensão central na experiência escolar e exerce influência significativa sobre o processo de adaptação dos(as) estudantes. Dificuldades em estabelecer e manter vínculos interpessoais nos novos contextos podem comprometer o engajamento com a escola, intensificando o estresse e elevando os riscos de evasão ou baixo desempenho.
Embora a adolescência seja uma fase marcada por vulnerabilidades, também oferece oportunidades para o desenvolvimento de trajetórias saudáveis e de habilidades interpessoais. É nesse momento que os(as) adolescentes enfrentam transições em diferentes esferas da vida — como grupos de pares, ambientes escolares e familiares —, o que demanda um conjunto ampliado de competências sociais para lidar com desafios, mudanças e incertezas (Fonseca et al., 2013; Pereira, Cia & Barham, 2008).
A presença de repertórios sociais bem desenvolvidos tende a contribuir para o desempenho acadêmico e para o bem-estar psicossocial dos(as) estudantes (Bartholomeu, Montiel & Silva, 2016). Nesse sentido, as propostas deste conjunto temático têm como foco a promoção de vínculos interpessoais, o desenvolvimento de habilidades sociais e a construção de um ambiente escolar acolhedor e colaborativo.
De acordo com Del Prette e Del Prette (2017), habilidades sociais consistem em comportamentos socialmente valorizados, com alta probabilidade de resultados positivos para o indivíduo e seu grupo, e que contribuem para o desempenho competente em interações interpessoais. Os autores classificam essas habilidades em seis categorias interdependentes: empatia, autocontrole, civilidade, assertividade, abordagem social-sexual e desenvoltura social.
Quadro 2 – Ações estratégicas para o conjunto temático Socialização
Subtema(s) | Ação(ões) estratégicas | Objetivos esperados | Fundamentos na literatura científica |
Resolução de conflitos | Capacitação de lideranças (estudantes e servidores/profissionais) para resolução de conflitos e habilidades sociais. | Possibilitar a multiplicação de atitudes e comportamentos pacificadores e socializadores na comunidade escolar. | Johnson, Simon e Mun (2014); Del Prette e Del Prette (2009) |
Educação parental | Encontro formativo com pais de estudantes. | Promover atitudes parentais de maior envolvimento na vida escolar dos filhos. | Astor et al. (2018); Gomes (2014) |
Construção de novos vínculos interpessoais | Café-da-manhã coletivo e aplicação de dinâmica de grupo. Promover evento interativo que envolva exposição de habilidades artístico-culturais dos estudantes. | Suscitar espontaneidade dentre os discentes e servidores(as). Promover ativação de novas relações interpessoais. | Astor et al. (2018) |
Habilidades sociais | Implementar projeto de desenvolvimento de habilidades sociais. | Ampliar o repertório comportamental de habilidades sociais dos estudantes. | Del Prette e Del Prette (2002) |
Programa Amigo: estudantes veteranos apoiadores dos recém-chegados à instituição (Programa de Acolhimento de Pares) | Selecionar estudantes veteranos para orientar e acompanhar ingressantes na escola. | Facilitar a construção de rede de apoio social (ingressante e veteranos). Favorecer a disseminação da cultura escolar com os ingressantes. | Astor et al. (2018) |
Programa diálogo fácil com o professor | Criar espaços de diálogos e interação informais entre estudantes e professores na escola. | Facilitar a comunicação e socialização entre estudantes e professores. | Correia; Pinto (2008) |
Realização de pesquisa acerca dos estudantes ingressantes e suas famílias | Aplicar instrumentos que permitam acessar dados da realidade psicossocial dos estudantes ingressantes e suas famílias. | Avaliar características psicossociais dos estudantes ingressantes e suas famílias. | Astor et al. (2018) |
Hospitalidade e interações nos contatos iniciais com a escola | Pais e estudantes veteranos voluntários podem participar do processo de recepção e acolhimento dos novos membros da comunidade de ingressantes. | Favorecer a comunicação espontânea com novos membros da comunidade escolar. Promover acolhimento comunitário para com os ingressantes na escola. | Astor et al. (2018) |
Fonte: Autoria própria (2021).
3.3 Preparação para o Sucesso Acadêmico
O sucesso acadêmico é um dos principais eixos de atenção em programas de transição escolar. Trata-se de um fenômeno multifacetado, relacionado ao desempenho, ao envolvimento do(a) estudante com os processos de aprendizagem e à capacidade institucional de oferecer condições adequadas para esse desenvolvimento (Alarcão apud Soares et al., 2005).
A dimensão institucional do sucesso acadêmico inclui aspectos como estrutura física, serviços disponíveis, organização curricular, clima escolar e qualidade das interações. Já os fatores relacionados aos(as) estudantes, docentes e currículo precisam ser considerados de forma integrada, uma vez que se influenciam mutuamente e podem gerar avanços significativos nos processos de ensino e aprendizagem (Soares et al., 2015).
Neste programa, o conceito de sucesso acadêmico engloba tanto o rendimento escolar, expresso por meio de avaliações, quanto a autoavaliação do(a) estudante sobre seu processo de aprendizagem. Considerando isso, as estratégias propostas abrangem:
- Identificação de conhecimentos prévios, habilidades e competências;
- Fomento a hábitos de estudo e organização da rotina;
- Criação de ações de suporte a estudantes com dificuldades;
- Oferta de programas de tutoria e mentoria;
- Acompanhamento da adaptação às novas demandas acadêmicas;
- Formação docente contínua e elaboração de currículos de transição.
Quadro 3 – Ações estratégicas para o conjunto temático Preparação para o Sucesso Acadêmico
Subtema(s) | Ação(ões) estratégica(s) | Objetivos esperados | Fundamentos na literatura científica |
Identificação do perfil socioeducacional do estudante | Aplicação de questionário. | Identificar as lacunas formativas. Identificar as fragilidades socioeconômicas e escolares que interferem na aprendizagem. | Astor et al. (2018); Uvaas; McKevitt (2013) |
Suporte para estudantes com dificuldades acadêmicas | Atendimento individualizado com o professor. Aconselhamento com equipes interdisciplinares. | Promover a superação das dificuldades acadêmicas. | Uvaas; McKevitt (2013) |
Programas e apoios acadêmicos adicionais | Mentoria com estudantes mais antigos e tutoria individualizada com os professores. | Aumentar a conexão entre estudantes e professores. Oferecer novas abordagens metodológicas dos conteúdos de ensino. | Uvaas; McKevitt (2013); Astor et al. (2018); Gomes (2018) |
Acompanhamento da adaptação dos estudantes às novas rotinas acadêmicas e organização para os estudos | Atendimento multiprofissional ao estudante e famílias. Monitorias com estudantes mais antigos. | Orientar os estudantes para o melhor ajuste de suas rotinas acadêmicas e organização para os estudos. | Uvaas; McKevitt (2013); Mizelle (1995); Astor et al. (2018) |
Programas de formação docente | Atividades de formação de docentes. | Favorecer a construção de currículos que atendam às demandas de aprendizagens de habilidades e competências acadêmicas. Estimular a formação de ambientes acolhedores. | Uvaas; McKevitt (2013) |
Currículo de transição com abordagem das estratégias acadêmicas requeridas na nova escola | Adaptação do período inicial do curso com abordagem exclusiva destes conteúdos em aulas. Adaptar o currículo para turma, segundo especificidades dela. Desenvolver o currículo baseado em fatores sociais, construindo um senso de comunidade dentro da escola. | Mediar a aprendizagem de habilidades de estudo e estratégias de trabalho em casa. Favorecer que os estudantes desenvolvam estratégias de estudos adequadas. Orientar sobre formatos de produções acadêmicas demandadas na nova escola. Construir senso de comunidade dentro da escola. | Uvaas; McKevitt (2013) |
3.4 Acompanhamento e Avaliação
A avaliação contínua do programa de transição escolar é fundamental para identificar tanto os efeitos das ações implementadas quanto as necessidades de ajuste ao longo do processo. De acordo com Fonseca et al. (2011), a avaliação das condições de ajustamento dos(as) adolescentes permite detectar dificuldades acadêmicas, comportamentais e relacionais, possibilitando intervenções individualizadas e coletivas mais eficazes.
Além de permitir a identificação precoce de desafios enfrentados pelos(as) estudantes, a avaliação também contribui para o aprimoramento do próprio programa, indicando suas potencialidades e fragilidades. Os instrumentos avaliativos devem considerar os três conjuntos temáticos anteriores — comunicação, socialização e sucesso acadêmico —, e envolver estudantes, famílias e profissionais da escola.
Recomenda-se o uso de questionários eletrônicos para estudantes e responsáveis, com foco em aspectos como adaptação acadêmica, relações interpessoais, estado emocional e percepção geral da escola. Também é importante realizar avaliações institucionais que orientem a continuidade, reformulação ou ampliação das ações estratégicas do programa de transição escolar.
Quadro 4 – Ações estratégicas para o conjunto temático Acompanhamento e Avaliação
Tema(s) | Ação(ões) estratégicas | Resultados esperados | Fundamentos na literatura científica |
Monitoramento da adaptação individual | Questionário virtual. | Identificar os elementos de ajustamento da transição com relação à: comunicação, socialização, adaptação acadêmica e estado de saúde. | Fonseca et al. (2011); Astor et al. (2018) |
Avaliação do projeto de transição escolar | Questionários para familiares e profissionais envolvidos no projeto. | Identificar potencialidades e dificuldades das ações estratégicas desenvolvidas. | Astor et al. (2018) |
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na investigação realizada a partir dos achados na literatura, relativos à transição escolar para o Ensino Médio, foi possível identificar temas relevantes que devem fundamentar a elaboração de programas escolares de facilitação da transição de adolescentes para o Ensino Médio. Neste estudo, identificaram-se quatro principais áreas temáticas estratégicas: 1. Facilitação de comunicação com estudantes e famílias, 2. Socialização, 3. Preparação para o sucesso acadêmico e 4. Acompanhamento e Avaliação.
Em cada área temática desdobraram-se estratégias preventivas e/ou interventivas para atenuar os principais problemas que possam ser enfrentados por adolescentes na transição escolar, destacando-se os objetivos esperados. Na temática Facilitação de comunicação com estudantes e famílias, delinearam-se as seguintes estratégias: realização de orientações sobre estrutura escolar e curricular, criação de um canal de comunicação constante entre família e escola e atividades de aproximação com a escola antes do ingresso como estudante. Na temática Socialização, constatou-se a importância das estratégias de enfrentamento para a facilitação da transição de adolescentes, a saber: resolução de conflitos; construção de novos vínculos interpessoais; desenvolvimento de Programa Amigo: estudantes veteranos apoiadores dos recém-chegados à instituição (Programa de Acolhimento de Pares); realização de Programa Diálogo Fácil com o Professor; realização de pesquisa acerca dos alunos ingressantes e suas famílias; criação de grupos de mensagens de texto e ações com foco na hospitalidade e interações nos contatos iniciais com a escola. Na terceira área temática, Preparação para o sucesso acadêmico, listaram-se as estratégias de enfrentamento a seguir: identificação do perfil socioeducacional do estudante; criação de atividades de suporte para estudantes com dificuldades acadêmicas; realização de programas e apoios acadêmicos adicionais; acompanhamento da adaptação dos estudantes às novas rotinas acadêmicas; realização de programas de formação docente e elaboração de currículo de transição. Na quarta área temática, Acompanhamento e Avaliação, delinearam-se dois subtemas: monitoramento da adaptação individual e avaliação do projeto de transição escolar.
Optou-se por focar na delineação das áreas temáticas expostas anteriormente com suas respectivas estratégias e objetivos. No entanto, considera-se que existem outras possibilidades de investigação e sistematização de áreas temáticas em programas de facilitação da transição escolar, especialmente no que se refere à saúde dos estudantes e suas famílias. Por se tratar de um tema notoriamente abrangente e com interfaces com outras áreas do conhecimento, que não apenas as relativas às questões educacionais, optou-se por não incluí-la no programa de transição proposto neste estudo. Diante disso, salienta-se a necessidade de novos estudos que investiguem de modo aprofundado o impacto de ações estratégicas de promoção da saúde e outras áreas temáticas na facilitação da transição escolar.
Identificou-se que o campo de estudos sobre a temática da transição escolar, especificamente no que se refere à transição do Ensino Fundamental II para o Ensino Médio, no Brasil, é um campo de investigação com potencialidade de expansão, pois os achados na literatura científica são ainda incipientes e a relevância da temática é acentuada. Não foram identificados projetos de intervenção em si, que sejam desenvolvidos nas escolas brasileiras na etapa de transição escolar referida. No entanto, identificou-se presença de projetos de intervenção que tratam da transição do Ensino Fundamental I para o Ensino Fundamental II, bem como do Ensino Médio para o Ensino Superior.
Diante do panorama brasileiro de evasão escolar na última etapa da educação básica, a proposição da construção de um programa de transição escolar para o Ensino Médio aponta para práticas potencialmente favorecedoras da transição escolar. Esses programas podem promover trajetórias escolares exitosas de adolescentes e fomentar a permanência na escola.
Os achados pertinentes da literatura fundamentaram a elaboração da proposta de programa de transição escolar para a facilitação da transição de adolescentes para o Ensino Médio apresentada neste trabalho. Para tanto, 1) delinearam-se as áreas temáticas estratégicas de enfrentamento, no que diz respeito à facilitação da transição escolar de adolescentes e 2) realizaram-se propostas de estratégias preventivas/interventivas dentro das áreas temáticas de enfrentamento para atenuar os principais problemas que possam ser enfrentados por adolescentes na transição escolar.
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