REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th10249091204
Elizabete Belo Lobato1
Ivaldo da Silva Sousa2
Ana Cleia Lacerda da Costa Sousa3
Mércia Ferreira de Souza4
Esmeralda Viana Braga Sá5
Simone Pelaes Maciel Nunes6
Arivaldo Leite Mira7
Josiette de Nazaré Silva da Costa8
Rildo Frederico Ferreira9
Jeanne do Socorro Batista Aguiar10
Aldinei Borges de Almeida11
Marlene de Souza da Cunha12
Jocivannia Maria de Sousa Nobre Dias13
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo pesquisar as trajetórias de mulheres ribeirinhas que lutam pelo direito à educação, visto que tais dificuldades são percebidas a partir do fato de serem mulheres. Elas, em sua maioria, pertencem a famílias economicamente menos favorecidas, além disso, são vistas na sociedade em geral como o “sexo frágil” e algumas sofrem com o preconceito em larga escala causado pelo machismo estrutural. Como principais resultados constatou-se que quando se trata das políticas educacionais para a mulher ribeirinha compreende-se que seu papel na totalidade das regiões onde habita ainda é relacionada às resistências, lutas e superações. Devido a isso, seus direitos ainda permanecem à margem de qualquer debate mais produtivo para valorizar a educação direcionada a esse segmento social.
Palavras-chave: Mulheres. Ribeirinhas. Educação. Políticas Públicas. Direitos.
ABSTRACT
This article aims to research the trajectories of riverside women who fight for the right to education, since such difficulties are perceived from the fact that they are women. They, for the most part, belong to economically disadvantaged families, in addition, they are seen in society in general as the “weaker sex” and some suffer from largescale prejudice caused by structural machismo. As main results, it was found that when it comes to educational policies for riverside women, it is understood that their role in all the regions where they live is still related to resistance, struggles and overcoming. Because of this, their rights still remain outside any more productive debate to value education aimed at this social segment.
Keywords: Women. Riverside. Education. Public policy. Rights.
INTRODUÇÃO
É comum observar que a questão do processo de ensino e aprendizagem em escolas que atendem a população ribeirinha é tema de debates em várias instâncias do sistema educacional público. Evidentemente, uma vez que a escola e a sociedade compreendam essa situação, que é mais recorrente do que se pensa, necessitam utilizar mecanismos que venham a assegurar não apenas a inserção de indivíduos numa classe escolar rural/ribeirinha, mas, principalmente, sua permanência, evolução e conclusão dos estudos.
Isso se aplica acentuadamente às mulheres ribeirinhas que, em muitos casos, vivenciam adversidades e, por causa desses desafios, precisam superar suas próprias condições de vida para se dedicar aos estudos. Assim, a discussão do assunto se justifica por perceber a necessidade de analisar a educação do rural/ribeirinha e os desafios e possibilidades no ensino e aprendizagem para essa mulher ribeirinha, admitindo-se que as políticas públicas para esse segmento educacional enfrentam sérios entraves que, direta ou indiretamente, contribuem para que essas alunas venham a ter pouco aproveitamento escolar de tal forma que as possibilidades de crescimento pessoal e educacional se tornam reduzidas.
Esse artigo tem como objetivo pesquisar as trajetórias de mulheres ribeirinhas que lutam pelo direito à educação, visto que tais dificuldades são percebidas a partir do fato de serem mulheres.
DESAFIOS DA EDUCAÇÃO RIBEIRINHA
Ao longo dos anos as escolas ribeirinhas passam por diversas dificuldades, onde sofrem com a falta de políticas adequadas para seu meio. O modelo dessas escolas ribeirinhas acompanha o modelo urbano de ensino, ou seja, não se vincula a cultura e nem às necessidades do estudante ribeirinho. Todas essas lutas advindas dos movimentos sociais almeja uma escola que valorize os sujeitos que vivem e trabalham no meio rural, buscando reconhecer as necessidades culturais, os direitos e formação integral dos mesmos, ou melhor:
A educação ribeirinha precisa ser uma educação especifica e diferenciada, isto é, alternativa. Mas, sobretudo deve ser educação, no sentido amplo de processo de formação humana, que constrói referenciais culturais e políticas para a intervenção das pessoas e dos sujeitos sociais na realidade, visando a uma humanidade mais plena e feliz. (FERNANDES; CERIOLI; CALDART, 2009, p.23).
Observa-se que a escola deve se adequar a realidade dos alunos agregando novas formas de ensino que possam contribuir na construção de pensamento crítico, com base na cultura e identidade do ribeirinho. Com base a esse contexto histórico, percebe-se que a educação ribeirinha é sinalizada pela exclusão social, essa exclusão favorece uma minoria que se caracteriza desde os princípios básicos de garantias humanitárias, como a saúde e educação, sendo estas, marcada com o desrespeito pelos governantes da elite que continuamente tratam a educação ribeirinha como segundo plano.
Sabe-se que a educação ribeirinha é um conceito novo e que ainda está em construção, suas raízes são representadas por lutas e mudanças nas condições sociais de vida da população, surgem através dos grupos que se movimentam e se associam por estas transformações, na exigência de valorização sobre os espaços. Portanto, percebe-se que a formação voltada para o meio ribeirinho é fundamental para a manutenção da cultura do povo, pois a educação nesse segmento populacional tem como propósito educar o aluno para que este venha se tornar sujeito da sua própria história.
Com isso, a Educação Ribeirinha é destinada à população que vive no meio rural, geralmente próximo aos rios e canais fluviais no interior, sendo que uma de suas características principais são as escolas pequenas e com poucos alunos matriculados, que dispõem de várias séries ao mesmo tempo com apenas um único professor, turmas multisseriadas. Dessa forma, o ensino se torna dificultoso uma vez que o professor tem que fazer seu planejamento e executar sua aula com várias séries simultaneamente nos mesmos espaços e tempos:
Os professores têm muita dificuldade de organizar o processo pedagógico nas escolas ribeirinhas justamente porque trabalham com a visão de junção de várias séries ao mesmo tempo e têm que elaborar tantos planos de ensino e estratégias de avaliação da aprendizagem diferenciados quanto forem as séries com as quais trabalham. (ROCHA; HAGE, 2010, p.27,28).
Com isso, o maior prejudicado é o aluno uma vez que uns aprendem mais rápido e outros precisam de mais tempo para assimilar um determinado conteúdo, por mais que o professor se empenhe não terá tempo suficiente para dar ao aluno a devida atenção.
No entanto, a educação ribeirinha de conotação multisseriada possui alunos com diferentes idades, uma vez que o educador apresenta inúmeras dificuldades em trabalhar com anos distintos em um único espaço, além de ter que buscar métodos para adaptar seu conteúdo programático de acordo com a realidade local dos educandos, isso demonstra um grande desafio a ser superado. Assim, “o processo escolar deve se adequar e reconhecer a diversidade sociocultural e o direito à igualdade e à diferença” (SECAD, 2007, p.360)
Ser ali o porto seguro no qual poderiam encostar suas canoas e se permitirem dizer algo de si mesmos. A escola, enquanto espaço de vivências e convivências, apresenta-se como o elemento central na dinâmica cotidiana da vida das crianças e jovens (VICTÓRIA, 2017, p. 27).
Apesar de toda essa dificuldade, vale ressaltar que o aluno ribeirinho precisa e tem por direito receber um ensino digno e de qualidade. Segundo o Ministério da Educação, 2008, artigo 7°, a educação ribeirinha deverá oferecer todo apoio pedagógico necessário para os estudantes ribeirinhos, materiais didáticos, laboratórios, bibliotecas, etc., de acordo com a realidade local. Portanto, nas escolas ribeirinhas tanto quanto nas seriadas, o principal objetivo é proporcionar um ensino ao aluno de acordo com sua série de forma que ele venha ter resultados satisfatórios em seu desempenho educacional.
Diante disso, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST pode ser considerado o movimento social mais importante na luta pela Educação do povo campesino por compreender que o movimento tem sua história marcada na luta pela educação, pois, apresenta sinais de força e resistência em sua oposta relação com o estado, na concepção de uma política pública e de valorização na educação ribeirinha. Pois, foi nessa luta por melhorias, o MST conquistou seus assentamentos e formou os seus territórios, com isso surgiu a ideia de construírem uma escola, mesmo muitos achando impossível eles seguiram firme em sua proposta e então resolveram ir à luta com a mesma intensidade que foram para conquistar suas terras, “eles decidiram criar a escola da terra, onde se desenvolveria uma educação aberta para o mundo desde o campo” (KOLLING; CERIOLI; CALDART, 2002, p.62).
A força e os conhecimentos adquiridos pelo movimento social fortalecem o interesse público no confronto com o interesse estatal. Esses saberes possibilitam questionar a economia política em oposição, bem como dever do Estado diante da estrutura capitalista, pois os conhecimentos e as experiências educativas adquiridas por muitos anos de luta pelo MST determinam a possibilidade e a necessidade de criar procedimentos de formação de profissionais da educação objetivando o interesse público da população trabalhadora do campo. Sendo assim:
A relação do MST com a educação é, pois, uma relação de origem: a história do MST é a história de uma grande obra educativa. Se recuperarmos a concepção de educação como formação humana, é sua prática que encontramos no MST desde que foi criado: a transformação dos “desgarrados da terra” e dos ‘’pobres de tudo’’ em cidadãos, dispostos a lutar por um lugar digno na história. (ARROYO; CALDART; MOLINA, 2009, p.96).
O movimento social discute o paradigma político que oriente as práticas pedagógicas voltadas aos trabalhadores do campo, no entanto, é importante expor sobre a existência dos movimentos e organizações sociais como base única em volta da questão do campo, que constituem a luta por uma educação própria do campesinato. Sendo que a busca por educação do campo possui um caráter não só pedagógico, mas também político. Com isso:
O MST alia-se a outras organizações e juntos realizam em julho de 1997, o 1º Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agrária (I Enera) e, em 1998, a 1ª Conferência Nacional: Por uma Educação Básica do Campo. Essas iniciativas dão origem ao Movimento de Educação do Campo, que forja a criação institucional, pelo governo federal, do Programa Nacional de Educação da Reforma Agrária (PRONERA), o qual deverá voltar-se para a execução de políticas públicas para a Educação do Campo. (MOLINA, 2010, p.45).
O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), criado em 16 de abril de 1998, por meio da Portaria nº 10, surgiu através da luta dos movimentos sociais e sindicais de trabalhadores do meio rural em busca de políticas públicas voltada para o interesse do campesinato, “propõe e apoia projetos de educação voltados para o desenvolvimento das áreas de reforma agrária”. (INCRA, 2016). Em função disso, muitos jovens e adultos, trabalhadores das regiões de Reforma Agrária têm assegurado o direito de alfabetizar-se e de continuar seus estudos em diferentes níveis de ensino.
O PRONERA visa uma política pública de Educação do Campo que se desenvolve em áreas de Reforma Agrária, realizada pelo governo brasileiro, seu principal objetivo é busca por melhorias para o povo do campo, ou seja, visa uma melhor qualidade de vida em todas as suas dimensões: econômicas, sociais, ambientais, políticas, segundo os dados do INCRA de abril de 2016:
O Programa também capacita educadores para atuar nos assentamentos e coordenadores locais – multiplicadores e organizadores de atividades educativas comunitárias. As ações do programa, que nasceu da articulação da sociedade civil, têm como base a diversidade cultural e sócio territorial, os processos de interação e transformação do campo, a gestão democrática e o avanço científico e tecnológico. (INCRA,2016)
Sendo assim, a proposta difundida pelo PRONERA é pensada com base nos princípios da educação do campo, apresentando inúmeras alternativas de superar o ensino formal de educação bancária que domina o chão das escolas do campo, a luta em busca da reforma agrária estabelece na sua dimensão histórica, sua cultura de nascença. A experiência reunida pelo Movimento Sem Terra (MST) diante das escolas de assentamentos e dos acampamentos, bem como a própria vivência do MST na luta pela terra e por direitos correspondentes, podendo ser compreendida como um procedimento histórico vasto de onde provém o surgimento do Movimento de Educação do Campo.
Portanto, quando se fala de educação do campo se faz necessário conhecer o modo de vida dos sujeitos que vivem na área rural é fundamental entender a realidade cultural desses indivíduos para melhor intervir de forma positiva diante das perspectivas por políticas públicas de educação, como afirmam os autores Koliing, Ir.nery e Molina (1999) a educação precisa ter relações com a cultura, valores e com a formação dos sujeitos que vivem no campo. Assim se faz necessário a construção de políticas educacionais que estabeleça uma relação mútua entre os sujeitos, valorizando seus saberes.
Diante dessas políticas públicas para o campo, foram colocadas em pauta as reflexões e práticas pedagógicas prováveis para povo campesino, adotava-se uma nova proposta de pensar a Educação do Campo, surgindo a ideia de planejar uma Conferência Nacional Por Uma Educação Básica do Campo, tendo como “ideia dominante propor um modelo único de educação adaptável aos especiais, aos diferentes, indígenas, camponeses, meninos de rua, portadores de deficiências e outros”. (KOLLING; NERY; MOLINA,1999, p.7). Segundo os autores foi um amplo avanço, pois, essa conferência trouxe propostas de educação básica que assumisse de fato a realidade cultural do povo campesino.
Em termos legais o histórico da educação rural/do campo remete a Constituição Federal (CF) de 1934, percebe-se que o legislador já se preocupava em fazer referência à escola rural, mesmo que naquele contexto a ideia estivesse atrelada a outros objetivos que, neste caso, era manter o homem do campo produzindo em suas terras para garantir a riqueza da nação e desinchar as cidades povoadas por causa do processo de industrialização. Essa constatação se dá quando se observa no parágrafo quarto do artigo 121 do texto constitucional, essa preocupação com a educação rural:
O trabalho agrícola será objeto de regulamentação especial, em que se atenderá, quanto possível, ao disposto neste artigo. Procurar-se-á fixar o homem no campo, cuidar da sua educação rural, e assegurar ao trabalhador nacional a preferência na colonização e aproveitamento das terras públicas (BRASIL, 1934).
Essa mesma CF de 1934, cujos legisladores foram otimistas em suas intenções para com a educação do país e a educação rural, em seu Capítulo II, “Da Educação e da Cultura”, constituído por 11 artigos (Art. 148 a Art. 158), além fazer referência a essa modalidade educacional, no Parágrafo único do artigo 156 tratava, ainda, dos percentuais de recursos destinados à educação, incluindo o previsto para a educação nas zonas rurais. O artigo em questão dizia o seguinte:
A União e os Municípios aplicarão nunca menos de dez por cento, e os Estados e o Distrito Federal nunca menos que vinte por cento, da renda resultante dos impostos na manutenção e no desenvolvimento dos sistemas educativos. Parágrafo único: Para a realização do ensino nas zonas rurais, a União reservará no mínimo, vinte por cento das cotas destinadas à educação no respectivo orçamento anual (BRASIL, 1934).
Essa conquista da educação na Constituição Federal de 1934 não durou muito, uma pena, pelos bons propósitos educacionais pensados para aquele contexto histórico e social. Em pouco mais de três anos foi substituída pela Constituição Federal de 1937, de 01 de novembro, quando Getúlio Vargas estabeleceu o Estado Novo. E educação brasileira sofreu a perda das conquistas, pois um Estado autoritário instalou-se no país.
Somente cerca de nove anos depois, com a mudança de governo no Brasil, em 20 de agosto de 1946, o então Presidente da República Gaspar Dutra, decretou a Lei Orgânica do Ensino Agrícola (Decreto-Lei nº 9.613/1946):
estabelece as bases de organização e de regime do ensino agrícola, que é o ramo do ensino até o segundo grau, destinado essencialmente à preparação profissional dos trabalhadores da agricultura (BRASIL, 1946).
Percebe-se uma evolução tímida, porém, relevante naquele momento para a educação rural, mesmo que voltada ao ensino específico para o trabalho. Após as décadas de governo militar no Brasil, momento conturbado, até sombrio na ordem social imposta, veio a abertura política com a Redemocratização e a construção de uma nova constituição, que foi chamada de cidadã. A Constituição Federal de 1988 garante que a educação é um direito público subjetivo e, portanto, de todos os cidadãos, sejam de zonas urbanas e rurais, assim, abriu-se um caminho a educação rural ser tratada como direitos de equidade e respeito às diferenças. Foi necessário aguardar mais oito anos para se adquirir, de fato, algo mais palpável nessa direção. Neste sentido, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996 mostrando sensibilidade com a especificidade da educação rural, tão defendida pelos movimentos sociais do campo, estabeleceu as seguintes normas:
Art. 28 – Na oferta da educação básica para a população rural, os sistemas de ensino proverão as adaptações necessárias à sua adequação, às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente: conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; organização escolar própria, incluindo a adequação do calendário escolar às – fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; adequação à natureza do trabalho na zona rural.
O que se percebe no artigo em questão é que, se comparado a CF de 1934, traz evoluções estruturais para a adequação às peculiaridades do meio rural, entre elas estão currículo, metodologia e calendário. Ainda na década de 1990 o Ministério da Educação começa a adotar algumas políticas universalizantes para atender demandas de escolas localizadas nas zonas rurais. Para atender essas demandas, alguns programas na área educacional foram implantados, dentre essas eles estão:
- Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (Fundef);
- Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae);
- Programa Nacional do Livro Didático (PNLD); Programa Nacional de Transporte Escolar (PNTE); Programa de Dinheiro Direto na Escola (PDDE).
Nesse período, ainda foram iniciados programas específicos para o público de escolas do meio rural, tais como:
- O Programa Escola Ativa, um programa específico para as escolas multisseriadas, que utiliza metodologia adaptada da experiência colombiana da Escuela Nueva. Até no início dos anos 2000, o modelo havia sido implementado pelo programa FUNDESCOLA do Ministério da Educação em mais de 4.000 escolas multisseriadas rurais (cerca de 7% do total) em quase 600 municípios.
- O PROFORMAÇÃO, um programa de habilitação de professores, a distância, destinado a professores sem habilitação que atuavam no ensino fundamental, de 1ª a 4ª séries e classes de alfabetização nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A maior parte (80%) dos 35 mil professores atendidos encontravam-se atuando em zonas rurais.
Assim, a educação rural começa a receber uma atenção mais específica nesse período final do século XX e início do século XII, mas os movimentos sociais continuarão a reivindicar as melhorias de estrutura e ensino para as populações dessa parcela do Brasil.
A Educação da Mulher Ribeirinha e suas implicações
No Brasil, a condição feminina tem garantido grandes avanços a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, desde então, várias políticas públicas foram desenvolvidas em benefício dos direitos previstos na Lei, tais políticas trouxeram como consequências a inserção da mulher tanto no poder Executivo quanto no Legislativo e Judiciário. Dessa forma, se pode afirmar que a mulher conseguiu a sua emancipação, embora, essa condição ainda seja dificultada a uma boa parcela desse público.
Ao se falar de educação, principalmente no Brasil, sabe-se que há uma grande polêmica em torno da valorização e respeito para com as classes menos favorecidas. Pois, a educação pública no Brasil é carente de verbas de infraestrutura nas escolas, falta de professores qualificados, etc. Kolling, Cerioli e Caldart (2002, p. 14), diz que: “há muitas transformações a serem feitas na educação em nosso país para que se realize como instrumento de participação democrática e de luta pela justiça social e pela emancipação humana”.
Pode-se dizer que toda essa dificuldade se encontra nas escolas urbanas, nas escolas do meio rural ou campesina essas carências são piores.
Primeiramente por que o povo ribeirinho é considerado atrasado, sem educação, caboclo que devido morar nesse contexto não necessita de escola. Enfim, o povo ribeirinho vem sofrendo preconceito e descaso por parte do poder público ao longo dos anos. Arroyo, Caldart e Molina, (2009) afirmam que a educação ribeirinha surge através de uma nova visão sobre as comunidades do interior.
Conforme citado acima, percebe-se que a educação ribeirinha surgiu através das lutas dos movimentos sociais e da necessidade de homens e mulheres do interior em busca de uma educação digna para seus filhos e que respeite a realidade social, política e econômica do povo ribeirinho. Pode-se perceber que as lutas dos movimentos sociais visam contestar a valorização cultural e o descaso a respeito das políticas públicas na educação difundida no interior das comunidades. Kolling, Cerioli e Caldart (2002. p.19), afirmam que “nossa luta é no campo das políticas públicas, por que esta é a única maneira de universalizarmos o acesso de tudo o povo à educação”. Diante disso os autores deixam claro que as lutas advindas dos movimentos sociais visam protestar contra a falta de interesse que persiste a muitos anos no que se refere às políticas públicas para a educação no interior dos Estados e Municípios brasileiros.
Kolling, Cerioli e Caldar (2002, p.19), deixam claro que ”além de não reconhecer o povo que tem o direito de ser beneficiado com as políticas e da pedagogia, sucessivos governos tentam sujeitá-lo a um tipo de educação domesticadora e atrelada a modelos econômicos perversos”. Sendo assim, essas lutas por educação tiveram com principal objetivo defender o modo de vida do povo ribeirinho, valorizando a diversidade cultural, buscando políticas voltadas para essa realidade. Arroyo, Caldart e Molina (2009) afirmam que:
É preciso educar para um modelo de agricultura que inclui os excluídos, que amplia os postos de trabalho, que aumenta as oportunidades do desenvolvimento das pessoas e das comunidades e que avança na produção e na produtividade centradas em uma vida mais digna para todos […]. Consequentemente, exige uma educação que prepare o povo do campo para serem sujeitos dessa construção. Uma educação que garanta o direito ao conhecimento, à ciência e à tecnologia socialmente produzidas e acumuladas. Mas, que também contribua na construção e afirmação dos valores e da cultura, das autoimagens e identidades da diversidade que compõem hoje o povo brasileiro do campo. (ARROYO; CALDART; MOLINA, 2009, p.13 – 14)
Conforme explicado acima, a educação ribeirinha deve ser voltada para o contexto social e cultural desses sujeitos e o poder público deve assumir a responsabilidade de garantir a adequação e melhoria no ensino, onde a escola ribeirinha possa vincular na sua metodologia a realidade dos educandos que possibilite o resgate da história e cultura dos mesmos, incluindo assim no processo de ensino e aprendizagem dos educandos, potencializando a valorização das regiões ribeirinhas como um espaço multicultural e identitário.
Para os povos ribeirinhos, os rios são o cerne da vida, deles extraem grande parte de seus alimentos e deles dependem para ir e vir. Por isso, parte dessas escolas adota um calendário letivo adaptado ao ciclo das águas.
Também por causa das dificuldades de transporte e da distância, faltam professores. Os educadores passam a ser divididos em dois grupos e passam um semestre em cada escola, dormindo em alojamentos ou na casa de membros da comunidade, e retornando para seus lares no final da semana. Segundo Flores (2012, p. 56): “O acesso a essas escolas é quase sempre complicado. É difícil e custoso fazer o transporte escolar, os professores, a merenda chegar. Os custos são muito mais altos do que a média de outras regiões”.
Não muito distante da complexa realidade vivida, os moradores das comunidades ribeirinhas, vivenciam no cotidiano os desafios de construírem uma escola que reflita a vida da comunidade em suas múltiplas faces. Predominantemente católicas, as comunidades ribeirinhas geralmente apresentam denominações de santos os quais assumem a figura de padroeiro do local e caracteriza um ponto de junção cultural, social e política través das famosas festas do padroeiro. Nesse sentido, Ferraz (2010) destaca que:
esse evento exprime, de uma só vez, toda espécie de instituições: religiosas, econômicas, políticas, morais, estéticas, estreitando laços de cooperação e amizade, promovendo a aquisição de fundos e demarcando relações de poder no interior da comunidade (FERRAZ, 2010, p. 31).
Outras comunidades surgem através de núcleos familiares compostos por evangélicos, o que foge dessa característica marcante, expressa anteriormente e que predominantemente caracterizam as comunidades ribeirinhas da Amazônia. Algumas faces são bem marcantes nesse universo denominado comunidade ribeirinha e que mesmo diante das múltiplas formas de ser comunidade apresentam uma forma peculiar de organização espacial.
Atualmente as escolas localizadas em regiões onde se oferta a educação do ribeirinho enfrentam grandes desafios, à exemplo da instituição de ensino localizada em área ribeirinha, haja vista que necessitam implantar uma educação para a compreensão e adaptação à mudança. Deste modo, envolvendo o desenvolvimento de capacidades de inovação, no sentido de transformar os cidadãos ribeirinhos em sujeitos ativos, criativos e participativos capazes de construir sua própria história neste mundo globalizado. Tal realidade obriga a escola ribeirinha, enquanto agente corresponsável pela formação social do indivíduo, a rever seu currículo e transformálo, na verdade, adaptá-lo a esta nova sociedade conforme afirma Salgado (2002):
[…] não há mais lugar para uma escola integralmente estruturada para ensinar apenas aquilo que a ciência descobriu, que a sociedade aceita, que as políticas públicas deliberam e que o mundo acadêmico reconhece como necessário e universal, em detrimento do desenvolvimento da autonomia de pensamento, da visão sistêmica e do atendimento às peculiaridades históricogeográfico-sociais (SALGADO, 2002, p.01).
Portanto, a educação ribeirinha deve ser cada vez mais o de ensinar a pensar criticamente, mas para isso, será preciso aplicar metodologias diferenciadas tais como: definição de novos objetivos pedagógicos, elaboração e adequação dos currículos, definição apropriada dos conteúdos e situações de ensino respeitando a didática e a legislação, adaptando linguagens como a de era tecnológica. Pois, a escola é concebida como espaço de integração do conhecimento acumulado pela sociedade e do conhecimento que emerge da realidade expresso pelo contexto sociocultural dos alunos ribeirinhos.
A sociedade dos meios tecnológicos precisa de uma nova escola ribeirinha, onde a organização curricular tenha como base a interdisciplinaridade e como objetivo possibilitar uma relação significativa entre conhecimento e realidade numa busca da eliminação das barreiras entre as disciplinas. Sobre esta inovação da escola, Veiga argumenta que:
[…] para que a escola seja palco de inovação e investigação e torne-se autônoma, é fundamental a opção por um referencial teórico-metodológico que permita a construção de sua identidade e exerça seu direito à diferença, à singularidade, à transparência, à solidariedade e à participação. Precisamos reconstruir a utopia e, como profissionais da educação, refletir e questionar profundamente o trabalho pedagógico que realizamos até hoje em nossas escolas. (VEIGA, 2008, p. 31).
Tendo em vista que as transformações tecnológicas são velozes e abrangentes à necessidade de estar sempre em busca de aperfeiçoamento, descobrir suas potencialidades e integrá-las ao espaço educacional. Portanto, o desafio é superar o individualismo das disciplinas e construir um Projeto Político Pedagógico – PPP que vise a integração dos conteúdos para que os alunos tenham acesso às informações.
Para Veiga (2004, p.57), “teoria e prática são elementos distintos, porém, inseparáveis na construção do projeto”. Considerando tal definição, é importante ressaltar que a escola não deverá jamais partir do improviso, de forma isolada, todavia, consciente e organizada, respaldando suas ações, seguindo metas para superar os obstáculos encontrados. Assim sendo, Vasconcelos (2004), afirma que:
O projeto político-pedagógico é o plano global da instituição. Pode ser entendido como a sistematização nunca definitiva de um processo participativo […] importante caminho para a construção da identidade da instituição. É um instrumento teórico-metodológico para a transformação da realidade. (VASCONCELOS, 2004, p.17)
Partindo dessas concepções, a escola tem autonomia para elaborar seu projeto de acordo com as suas necessidades, levando em consideração a legislação, o currículo, os métodos e as normas da escola, construindo dessa forma sua identidade.
A escola precisa ter clareza em relação a sua identidade, que metas almeja alcançar, definindo seus valores, objetivos, sua visão de mundo. Sendo assim, necessita elaborar coletivamente as finalidades.
A escola persegue finalidades. É importante ressaltar que os educadores precisam ter clareza das finalidades de sua escola. Para tanto, há necessidade de se refletir sobre a ação educativa que a escola desenvolve, com base nas finalidades e nos objetivos que ela define. (VEIGA, 2007, p.23).
A escola consciente de suas finalidades busca redimensionar suas intenções, amadurecer sua autonomia e melhorar a sua qualidade de ensino, haja vista que as finalidades devem transformar a realidade, gerar um certo grau de esperança, principalmente naqueles que se veem marginalizados, dentro da política que exclui a maioria da população. Por isso, segundo Veiga (2007):
As questões levantadas geram respostas e novas indagações por parte da direção, de professores, funcionários, alunos e pais. O esforço analítico de todos possibilitará a identificação de quais finalidades precisam ser reforçadas, quais são relegadas e como elas poderão ser detalhadas em nível das áreas, das diferentes disciplinas curriculares, do conteúdo programático. (VEIGA, 2007, p.23).
Para Veiga (2007, p.23), existem quatro finalidades importantes: cultural, política e social, de formação profissional e a humanística, que quando elaboradas coletivamente irão contribuir para a tomada de decisões realistas e realizáveis. E assim, a realidade escolar vai sendo desvelada e vão sendo definidas as finalidades comuns a fim de assumir novas maneiras de organizar as estruturas administrativas e pedagógicas para a melhoria do trabalho da escola.
Como é possível observar os incentivos socioculturais na cidade são reduzidos. A única forma de se ter acesso à educação na área ribeirinha é a frequência à única escola existente na localidade.
A ausência da educação consistente e significativa tem representação relevante na vida do cidadão, principalmente se falar em mercado de trabalho, qualidade de vida e crescimento cultural. Isso se confirma quando se comparam nações que investiram em educação e onde se é latente o crescimento social, científico e tecnológico dessas nações. No Brasil, esses investimentos aparecem em programas sociais como os realizados pelo governo e por ONGs que mostram uma preocupação com o acesso e permanência de crianças e adolescentes carentes na escola. Um trabalho que está longe do que se almeja, mas deixa indicativos de que só é possível mudar a vida de uma nação por meio da educação.
Diante dessa necessidade de formar cidadãos competentes e promissores em uma sociedade cada vez mais exigente, cabe a escola rever seus conceitos no sentido de promover uma escola motivadora, com professores preparados, a fim de superar as dificuldades comumente enfrentadas por nossos educandos.
Dentro desse contexto dois pontos são observados com especial atenção. O primeiro é sobre a emergente atenção de que goza a educação nesta nova sociedade e remete a necessidade de implementar ações que possam conectar o conhecimento sistematizado no ensino formal com o conhecimento de mundo, proporcionando a este cidadão oportunidades de uma melhor qualidade de vida e de um olhar sobre questões que o conduzam a ela.
O outro, por conseguinte, trata do cenário tecnológico em que se estar imerso, onde impera novos métodos de alfabetização, cujo eixo principal é a fluência tecnológica (DEMO, 2008). E esta vem se mostrando mais uma dentre as muitas dificuldades que permeiam a pratica docente. Deste modo, tal realidade tem se tornado um desafio para educadores que precisam encontrar um meio de superá-las para que se promova um ensino mais proveitoso e eficaz para o aluno.
Observa-se que, em uma escola tradicional, o seu entendimento de ensino centra-se em propostas que veem na transmissão dos conteúdos o único modo de ensinar. Por meio da superação de alguns paradigmas educacionais, por exemplo, o que aposta na figura do professor como o detentor de todo o conhecimento e que o aluno é passivo nesse contexto, assim, o processo educacional pode se tornar mais aberto a novas experiências de interação. Neste sentido, a escola precisa ser compreendida na relação entre a complexidade de sua função e a constituição de sua diversidade. De acordo com Freire (1996):
Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender […]. Ensinar inexiste sem aprender e vice-versa e foi aprendendo socialmente que, historicamente, mulheres e homens descobriram que era possível ensinar[…]. (FREIRE, 1996, p.23)
Nesse contexto, observa-se que o processo de construção de conhecimento faz do professor que atua na educação ribeirinha um eterno estudante. Pois, na tentativa de localizar os elementos compositores desse processo, recorre às teorias que contribuíram para o desenvolvimento da educação, no claro intuito de encontrar soluções possíveis para melhorar a recente realidade educacional. Isso, de fato, é bastante positivo, pois a cada releitura, algo novo é acrescido em seu acervo cultural e pedagógico, uma vez que tais estudos vêm acompanhados de discussões que enriquecem e fazem refletir a prática pedagógica. Junto a isso, faz com que o educador se sinta motivado a buscar e socializar novos aprendizados.
A MULHER RIBEIRINHA
A educação historicamente construída para as mulheres brasileiras
Observa-se que a história da educação feminina no Brasil iniciou-se somente em meados do século XIX, pois antes, a mesma era voltada especificamente para as atividades domésticas. A participação feminina iniciou-se, timidamente, pois os colégios destinados às mulheres eram particulares e somente as meninas ricas tinham acesso. Segundo Tomé (2012), foi só em 1827 que o ensino público e gratuito foi sancionado no país e enfim as mulheres adquiriram o direito à educação. Ainda assim, as mulheres até podiam frequentar as aulas, mas sua educação era opressora e segregada. Isso porque além das escolas apresentarem currículos diferentes de homens para mulheres, o ensino superior era proibido para elas. A lógica patriarcal insistia no pensamento de que “as mulheres deveriam ser mais educadas do que instruídas”, ou seja, a ênfase deveria ser na força moral, na constituição do caráter, sendo suficientes pequenas doses de instrução intelectual. Conta-se que era muito comum a utilização de um versinho pelos homens, que dizia: “mulher que sabe muito é mulher atrapalhada, para ser mãe de família, saiba pouco ou saiba nada”.
Conforme afirma Tomé (2012), até a nossa independência, a única alternativa para mulheres escaparem do analfabetismo eram os conventos, sobretudo os europeus, que elas não hesitavam em ir apesar da longa e arriscada viagem. Embora, essa decisão não uma escolha exclusiva da mulher. A autora afirma ainda que muitas moças eram mandadas para lá pelos pais, quando eles geravam muitas filhas, e temendo a divisão de suas propriedades com os futuros genros, as enviavam a essas instituições; elas também eram despachadas pelos maridos traídos ou os que pensavam em trair; e pelos irmãos, que no momento da partilha da herança preferiam não repartir os bens com as irmãs. Percebemos então que os conventos também eram usados como prisões para essas jovens filhas de pessoas influentes, senhores de engenho, capitães-mores e marechais de campo.
Mas, pode-se perceber que com o passar do tempo, raras mudanças ocorreram no que se refere à educação feminina. As limitações típicas da cultura patriarcal brasileira e a péssima qualidade estrutural do ensino público permaneceram as mesmas, sendo necessárias muitas lutas até os dias atuais para que haja, na prática, a equiparação dos papéis sociais de ambos os sexos.
Sabe-se que a mulher pobre sempre trabalhou, como: escrava, babá, costureira, cozinheira, agricultora, etc. Porém, não tinha o seu trabalho valorizado e muito menos remunerado de maneira justa e que ainda é considerado um problema nos dias atuais. Contudo, muitas mudanças já ocorreram e cada vez mais se observa a preocupação dos setores educacionais em preparar tanto as mulheres para assumirem na sociedade os mesmos papéis exercidos pelos homens quanto a preparação desses homens no sentido de aceitação dessa realidade inevitável nos dias atuais:
Nesse contexto, a BNCC afirma, de maneira explícita, o seu compromisso com a educação integral. Reconhece, assim, que a Educação Básica deve visar à formação e ao desenvolvimento humano global, o que implica compreender a complexidade e a não linearidade desse desenvolvimento, rompendo com visões reducionistas que privilegiam ou a dimensão intelectual (cognitiva) ou a dimensão afetiva. Significa, ainda, assumir uma visão plural, singular e integral da criança, do adolescente, do jovem e do adulto – considerando-os como sujeitos de aprendizagem – e promover uma educação voltada ao seu acolhimento, reconhecimento e desenvolvimento pleno, nas suas singularidades e diversidades. Além disso, a escola, como espaço de aprendizagem e de democracia inclusiva, deve se fortalecer na prática coercitiva de não discriminação, não preconceito e respeito às diferenças e diversidades (BNCC, p. 14).
Observa-se que essa preocupação de maneira global com a educação no país estabelece definitivamente a igualdade de condições entre os gêneros, além de tornar possíveis as mudanças no comportamento íntimo familiar que ainda escraviza muitas mulheres. A BNCC dentre as suas 10 Competências Gerais, afirma que pretende:
Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva (BNCC, p.9).
Assim sendo, a educação promovida pelas instituições estará de fato a cumprir com seu compromisso pautada nos princípios da igualdade, equidade e diversidade para uma educação integral.
Políticas públicas para a educação da mulher ribeirinha
Quando se discorre a respeito das comunidades ribeirinhas existentes no norte do país nota-se que os agrupamentos tradicionais, o olhar sobre a mulher ribeirinha tem sido caracterizado pela multiplicidade, uma vez que os papéis sociais assumidos por este segmento social tem sido os mais variados possíveis. Para se ter uma noção a respeito desse pressuposto Amorim (2017, p. 39):
É possível destacar dois aspectos fundamentais que constituem a imagem feminina da mulher camponesa: a suposta ‘passividade’ das suas ações e os seus espaços políticos quase invisíveis. As perspectivas representam imagens femininas que transmitem a impressão de uma mulher completamente submissa que depende do homem para sobreviver nos espaços econômicos, políticos e sociais (AMORIM, 2017, p.39).
Esse cenário resultou em se considerar as mulheres um grupo excluído, supostamente dependente do homem, ainda que a realidade seja diferente, uma vez que as mulheres nas comunidades ribeirinhas desenvolvem atividades similares.
Nesse sentido, Balandier (2012) explica que, numa associação da categoria de gênero com concepções relacionadas a cultura patriarcal, tenta-se explicar a subordinação da mulher e a dominação dos homens. Na realidade, isso espelha o quanto a combinação de diversas representações e concepções acabaram por limitar a atuação da mulher e supervalorizar a dominação masculina. A partir desses estudos e debates compreendeu-se muitas questões que até então pareciam ocultas em relação ao pensamento patriarcal e o movimento das mulheres para enfrentar discriminações sociais. De acordo com Silva (2016, p. 83):
- As relações de gênero possuem uma dinâmica própria, mas também se articulam com outras formas de dominação e desigualdades sociais (raça, etnia, classe).
- A perspectiva de gênero permite entender as relações sociais entre homens e mulheres, o que pressupõe mudanças e permanências, desconstruções, reconstrução de elemento simbólicos, imagens, práticas, comportamentos, normas, valores e representações.
- As relações de gênero, como relações de poder, são marcadas por hierarquias, obediências e desigualdades. Estão presentes os conflitos, tensões, negociações, alianças, seja através da manutenção dos poderes masculinos, seja na luta das mulheres pala ampliação e busca do poder.
Nota-se então que existe um desequilíbrio significativo entre as práticas sociais e os valores baseados na cultura patriarcal tornando ainda mais difícil a identificação da nova identidade social da mulher que compartilha o papel de sustentar a família. Esse descompasso também impede a identificação da nova identidade social da mulher casada, ativa, ocupada, sobretudo da trabalhadora assalariada em tempo integral, que passou a compartilhar efetivamente da provisão da família. Para Moraes (2015):
No contexto de preocupação com a visibilidade do trabalho doméstico, objetiva-se mapear a adesão dos grupos sociais (homens e mulheres) a valores mais desiguais e a valores mais igualitários bem como mapear a adesão desses grupos a opiniões que expressam percepções do impacto do trabalho da mulher na vida familiar. Assim, investiga- se de que modo o fato de estar trabalhando altera a percepção das mulheres e dos homens chefes e cônjuges com relação à compatibilização vida familiar/trabalho. (MORAES, 2015, p.54)
De forma geral, as restrições impostas à mulher dão lugar a um processo de exclusão baseado em diferenças que deveriam aproximar e não afastar as pessoas. Na percepção de Laurentis (2012, p. 56), “o ser humano, ao tornar-se o “sujeito múltiplo”, percebe suas identidades sociais básicas (gênero, raça, etnia) e, por conseguinte, as diferenças que apresentam entre si”.
A discussão sobre o papel feminino, do sujeito e da identidade dentro da sociedade especialmente nos estudos das relações de gênero contempla uma série de complexidades e de tendências. Discutir o que significa ser mulher nos dias atuais envolve o debate sobre a noção da identidade ou de que forma os sujeitos representam a si mesmos.
Na realidade, é importante ter a noção de que as mulheres na sociedade possuem uma identidade. Assim, a partir das diferenças sexuais, a mulher, será sempre considerada como o oposto do homem (não só fisicamente como também através da alegação da existência de diferenças psicológicas). Algumas teorias sociais estabeleceram que é a biologia que define a essência masculina e feminina, de forma que os comportamentos humanos podem ser explicados em termos de hereditariedade genética e do funcionamento fisiológico.
Segundo Chodorov (2013, p. 75), as diferenças essenciais entre homens e mulheres colocam-se a favor dos valores tradicionais do patriarcalismo e justificam manter as mulheres em seus domínios privados, obviamente em posição inferior. Infelizmente a ideologia faz da masculinidade a norma padrão, e assim as diferenças essenciais entre o homem e a mulher passam a ser socialmente construídas e, assim, sujeitas as alterações.
Entretanto deve-se considerar as transformações no papel da mulher não apenas no mercado de trabalho, mas em todos os setores sociais que passam a lhe conferir maior visibilidade. Entre esses destacam-se: o campo político, o campo econômico, a saúde, a cultura e, especialmente, na família.
Da mesma forma, problematizar as interações percebidas nos ambientes escolares no que diz respeito a educação das mulheres ribeirinhas, principalmente no que tange ao saber considerado válido que deve ser assimilado tanto por homens quanto por mulheres, inclui decisões a respeito do que sobre o como, o que, o porquê e o para que é importante o conhecimento formalizado. Levando em conta esse pressuposto é fundamental entender a abordagem de gênero que caracteriza a proposta curricular do ensino em muitas escolas ribeirinhas, possibilitando compreender as percepções sobre a mulher ribeirinha.
Apenas para se ter uma noção da representação social as mulheres nos agrupamentos ribeirinhos podem-se mencionar o trabalho doméstico que, erroneamente, tem sido considerado tarefa que se circunscreve ao feminino, que aparentemente é um prolongamento da própria condição de ser mulher. É um cotidiano que demanda muito esforço, dedicação e tempo. Pinto (2011, p. 62) explica que:
Convivemos, na Amazônia, com uma realidade social bastante diversificada em termos de gênero, realidade que não pode ser desconsiderada ou deixada à margem pelas instituições educacionais, como por exemplo, o trabalho realizado por homens e mulheres nesse ambiente tão diverso e singular. Consideramos que a compreensão do trabalho desenvolvido pelos diferentes gêneros nas comunidades ribeirinhas é condição fundamental para a valorização do papel da mulher nesse espaço, além de instituir o trabalho como um eixo fundamental no currículo escolar. (PINTO, 2011, p. 62)
Ao se debater a respeito das políticas públicas educacionais voltadas para a mulher ribeirinha é preciso entender que a prática educacional tem sido vista como histórica e social na medida em que se define no conjunto das relações sociais, determinadas, por sua vez, pelo modo de apropriação dos meios de produção.
Por mais que sejam grandes os esforços a fim de darem continuidade nas suas trajetórias educacionais, compreende-se que para muitos seja realmente muito difícil ter que se afastar do convívio familiar e ir para distante para poder estudar mais, sobretudo, quando se tratam de homens e mulheres que assumem o papel de pais de famílias, principais responsáveis pelo sustento da casa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta curricular das escolas ribeirinhas apresenta um conteúdo frágil no que diz respeito sobre as questões de gênero, pois ao insistir numa percepção essencialmente homogênea sobre a condição de vida das mulheres, como se todas vivessem do mesmo jeito, negam suas especificidades. Inclusive sem qualquer menção específica a mulher ribeirinha e sua condição vulnerável diante das oportunidades educacionais. Ao contemplar essas dimensões, os direitos humanos são devidamente promovidos, inclusive quando se trata da realidade educacional ribeirinha.
Por isso, quando se trata das políticas educacionais para a mulher ribeirinha compreende-se que seu papel na totalidade das regiões onde habita ainda é relacionada a resistências, lutas e superações. Devido a isso, seus direitos ainda permanecem à margem de qualquer debate mais produtivo para valorizar a educação direcionada a esse segmento social.
Diante dessa questão educacional acredita-se que é necessário a mobilização em torno das políticas educacionais que possam garantir a mulher ribeirinha o acesso mais rápido a formação no ensino ribeirinho, uma vez que o futuro e as oportunidades dependem da oferta e participação mais efetiva no contexto escolar.
Cientes desse problema, percebe-se que todos os esforços devem ser feitos pelos gestores das políticas públicas voltadas às escolas ribeirinhas, propondose metodologias dinâmicas, baseadas no conhecimento teórico e prático que venham contribuir direta ou indiretamente para melhoria do ensino no que concerne as condições necessárias para uma educação de qualidade direcionada à mulher ribeirinha.
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