TRAJETÓRIA E TRANSFORMAÇÕES: UMA ANÁLISE DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO FEMINISMO 

TRAJECTORY AND TRANSFORMATIONS: AN ANALYSIS OF THE HISTORICAL EVOLUTION OF FEMINISM

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.10183440


Marcos Henrique de Lira e Silva1


RESUMO: O presente estudo abordou a trajetória e transformações do feminismo no mundo e no Brasil. Para tanto, foram analisadas as três ondas do feminismo, o feminismo interseccional e o feminismo global à luz das produções de feministas diversas ao longo da história, bem como, o início da “quarta onda”. Como metodologia, foi desenvolvida uma revisão bibliográfica em livros e legislações com o objetivo de conhecer as ideias e pensamentos de estudiosos sobre a evolução do feminismo em âmbito nacional e mundial. Constatou-se, por fim, que o feminismo tornou-se cada vez mais global, com movimentos feministas em todo o mundo lutando por seus direitos e igualdade. As lutas variam de acordo com o contexto cultural, social e político de cada país, mas muitas vezes compartilham objetivos comuns, como a luta contra a violência de gênero, a discriminação no local de trabalho e a igualdade política. Nesse contexto, o movimento feminista continua a se desenvolver e adaptar às necessidades e desafios das mulheres na sociedade contemporânea. 

Palavras-chave: Feminismo. Evolução. Ondas. Estudos culturais. 

ABSTRACT: ABSTRACT: This study addressed the trajectory and transformations of feminism in the world and in Brazil. To do so, the three waves of feminism, intersectional feminism and global feminism were addressed in the light of the productions of diverse feminists throughout history, as well as the beginning of the “fourth wave”. As a methodology, a bibliographical review of books and legislation was developed with the objective of understanding the ideas and thoughts of scholars on the evolution of feminism at a national and global level. Finally, it was found that feminism has become increasingly global, with feminist movements around the world fighting for their rights and equality. The struggles vary according to the cultural, social, and political context of each country, but they often share common goals, such as the fight against gender violence, discrimination in the workplace and political equality. In this context, the feminist movement continues to develop and adapt to the needs and challenges of women in contemporary society. 

Keywords: Feminism. Evolution. Waves. Cultural studies. 

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS 

O movimento feminista tem como um dos principais objetivos questionar as desigualdades existentes entre homens e mulheres, na busca pela igualdade de gênero e pelo fim da dominação masculina. 

O patriarcado, enquanto sistema de dominação, fez das mulheres mães, esposas, trabalhadoras domésticas e executantes de atividades que envolvem cuidado. Somente acerca dessas afirmações consegue-se chegar a um acesso deficitário da população feminina à democracia, pois as atividades de reprodução da vida ocupavam demais as mulheres para que se preocupassem com suas subjetividades. 

No final do século XIX eclode o movimento feminista, que tinha como luta o combate às opressões contra as mulheres e, de acordo com seu contexto temporal, encampou pautas como: libertação sexual, educação igualitária, creches, moradias dignas e tantos outros interesses que amalgamavam adoção de novos padrões comportamentais com questões referentes ao acesso aos bens de sobrevivência. 

O presente estudo abordou a trajetória e transformações do feminismo no mundo e no Brasil. A abordagem deste artigo versa sobre os aspectos históricos do Movimento Feminista no Brasil, Estados Unidos e Europa. Considera-se aqui os acontecimentos referentes às três ondas feministas e o início da quarta, organizadas didaticamente como forma de compreensão da mobilização realizada por mulheres em diversos contextos históricos. 

O estudo se justifica, pois, as mobilizações das mulheres em torno da conquista de direitos existem há longos anos, com demandas específicas que envolvem, entre outros, as questões de gênero, raça e classe. Tais demandas vão surgindo no decorrer da história e passam a exigir novas soluções para novos problemas emergentes. Sabendo-se que a cada transformação deste movimento, foram registradas várias ações emancipatórias no que diz respeito aos direitos civis, políticos e sociais das mulheres, busca-se demonstrar que a cada mudança, novos olhares têm sido construídos e novas discussões consolidadas em direção à contínua e almejada busca das mulheres por igualdade e cidadania. 

Como metodologia, foi desenvolvida uma revisão bibliográfica em livros e legislações com o objetivo de conhecer as ideias e pensamentos de estudiosos sobre a evolução do feminismo em âmbito nacional e mundial. 

2. A EVOLUÇÃO DO FEMINISMO NO BRASIL E NO MUNDO E IMPORTÂNCIA PARA A CONJECTURA DA ATUAL POLÍTICA BRASILEIRA 

O feminismo é um movimento amplo e diversificado que busca abordar e retificar as desigualdades de gênero e promover a igualdade de gênero. Abrange várias perspectivas e teorias relacionadas aos direitos sociais, políticos e econômicos das mulheres. Toma-se como referência as ideias de Will Kymlicka, com a ressalva de que não obstante o trabalho deste autor guarde relações com as preocupações feministas em termos de abordar questões de justiça social e igualdade, seu foco específico tem sido os direitos das minorias, e não a discriminação baseada em gênero. 

Em todo o mundo, assistiu-se a uma virada participativa na busca pela igualdade de gênero, exemplificada pela adoção de cotas de gênero nas legislaturas nacionais para promover o papel das mulheres como tomadores de decisão. Também observa-se uma “virada de pluralismo”, com crescente reconhecimento legal dado ao direito consuetudinário ou direito religioso de grupos minoritários e grupos indígenas. Até o momento, a primeira tendência beneficiou principalmente as mulheres majoritárias, e a segunda beneficiou principalmente os homens minoritários. Nenhum dos dois garantiu efetivamente a participação de mulheres pertencentes a minorias. Em resposta, as feministas multiculturais propuseram inovações institucionais para fortalecer a voz das mulheres minoritárias, tanto no nível estadual quanto nas decisões sobre a interpretação e evolução das práticas culturais e religiosas1

Contraculturas, costumes e comportamentos de seus tempos, liderados pelo etnocentrismo masculino, muitas mulheres solitária e individualmente conseguiram se destacar, divergir, contrariar, elas ousaram com seus escritos, como Mary Astell em 1700, ao afirmar que as mulheres, tal como os homens, também teriam sido criadas por Deus como criaturas inteligentes2. Já em 1790, no artigo “Sobre a Igualdade dos Sexos”, Judith Sargent Murray, ousa, ao afirmar que as mulheres seriam inteligentes, tanto quanto os homens3

Marcando a história do feminismo na luta por igualdade de gênero, em 1791, Marie Gouze, também conhecida como Olympe de Gouges, após ser proclamada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789, que não considerou as mulheres enquanto sujeitas de direitos, redige a “Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã”, com apenas dezessete4, mas importantíssimos artigos, perturbadores para a época, de consciência igualitária e libertária. 

Esta Declaração teria o escopo de ressignificar a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que exclui as mulheres enquanto destinatárias de direitos, não as reconhecendo como cidadãs, uma vez que não tinham o direito de votar e nem de ser votadas, recusando-se seu acesso a qualquer espaço público, sem liberdade sexual e profissional, negando-se até os seus direitos de propriedade. 

Em um mundo essencialmente masculino, a pioneira Olympes de Gouges defende que a mulher nasce livre e no que concerne aos direitos permanece igual ao homem, escancarando que a Revolução Francesa deixou de fora a metade da população, a feminina, para quem o projeto de liberdade e igualdade continuava completamente inacessível5

Olympe na verdade redigiu a Declaração para a Rainha Maria Antonieta, com a pretensão de que fosse apresentada e aprovada em assembleia, o que acabou não acontecendo, com o fim trágico da autora feminista, posteriormente decapitada por se portar de forma ousada e à frente de seu tempo, principalmente por lutar para dar voz às mulheres, em um tempo em que o silêncio delas ainda era obrigatório6

A Assembleia Nacional da França, por convenção, rejeitou o projeto de Olympe, que quando escreveu a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, assim manifestou: “A mulher nasce livre e é igual ao homem perante a lei. A mulher tem o direito de subir ao cadafalso; deve ter igualmente o direito de subir à tribuna”7

Inobstante a ausência de oficialidade e a rejeição da declaração de Olympe, ele constitui um documento reconhecido e consagrado historicamente, sobretudo para concretização do feminismo e reconhecimento dos direitos das mulheres, enquanto mulheres, sendo o primeiro da revolução francesa a mencionar a semelhança jurídica e legal entre mulheres e homens. A escritora foi uma revolucionária, construindo uma trajetória heroica de vanguarda na luta pelos direitos das mulheres, defendendo a emancipação delas, o direito ao divórcio e o fim da escravidão8

Ligada ao teatro, Olympe escrevia e produzia peças representadas por mulheres, defendia a liberdade e igualdade feminina, espalhando panfletos e cartazes pela cidade, incitando as mulheres a lutarem por seus direitos e a não aceitarem tratamentos inferiores aos destinados aos homens, conclamando-as a acordarem para a realidade de subalternização que lhes eram impostas, conclamando que se unissem e lutassem por seus direitos de ocupação dos espaços públicos9

Olympe “bateu de frente” com os homens poderosos de seu tempo, dentre eles, Maximilien Robespierre, famoso e influente advogado e político francês, visto como uma das personalidades de maior importância da Revolução Francesa, conhecido como “o incorruptível”. Robespierre não perdoou Olympe De Gouges, por ela questionar os valores republicanos10

A ativista foi presa, acusada de contrariar as normas republicanas e, sem direito a advogado, foi condenada à morte como contrarrevolucionária, denunciada também por ser “uma mulher desnaturada”, sendo guilhotinada no dia 3 de novembro de 1793, dezoito dias depois da decapitação também da rainha consorte Maria Antonieta, para quem ela havia destinado originalmente sua “Declaração dos Direitos da Mulher”11

Contemporânea de Olympe, destacou-se no ativismo pró mulheres a escritora inglesa Mary Wollstonecraft, independente feminista e filósofa, que lutou bravamente pelo reconhecimento dos direitos femininos e morreu aos 38 anos, após o parto de sua filha Mary Shelley, a célebre autora do livro Frankenstein, deixando para engrandecer o feminismo, dentre outras, a destacada obra de 1792, Reivindicação dos Direitos das Mulheres, que acerca das mulheres, assim apregoava: 

Façam-nas livres, e elas rapidamente se tornarão sábias e virtuosas, como homens também se tornam, pois o aperfeiçoamento deve ser mútuo; caso contrário, existindo a injustiça que a metade da raça humana é obrigada a submeter-se, retorquindo a seus opressores, a virtude do homem será devorada pelo inseto cuja larva ele carrega sob seus pés12

Já em 1832, na França, Suzane Voilquin se tornou editora do primeiro jornal feminista de grande alcance voltado para a classe trabalhadora, sobretudo às mulheres operárias, o “Tribune des Femmes”, enquanto em 1848, ocorreu em Nova York, a primeira reunião pública dedicada aos direitos das mulheres americanas13

De meados do séc. XIX até os primórdios do séc. XX, acontece no mundo a posteriormente denominada “primeira onda” do feminismo, durante a qual mulheres do mundo inteiro emergiram bravamente em movimentos diversos, que visavam o enfrentamento à opressão e desigualdades, passando a reunirem-se, escrever e reivindicar direitos igualitários a propriedade e ao trabalho, o acesso à educação formal, a insurgência contra a violência doméstica e o resgate a dignidade laboral. 

Por volta de 1840, na Inglaterra e nos Estados Unidos, se fortalece o discurso feminista pela igualdade de direitos, mas as reivindicações femininas não foram unificadas, divergindo de conteúdo conforme a região, ganhando convergência a pauta de busca pelo direito ao voto e a existência fora do espaço privado, representado por suas próprias casas, que ao mesmo tempo que abrigavam-nas, também as aprisionavam em papéis absolutamente reservados, repetidos ao longo de muitas gerações pelas mulheres em suas famílias14

A partir de 1848, os filósofos alemães Karl Marx e Friedrich Engels denunciam, em panfletos e livros, as mazelas do capitalismo em desfavor das mulheres, publicizando a opressão por elas vivida, reconhecendo-as como cidadãs de segunda classe, submissas e sujeitas a toda sorte de violência e violações, escravizadas por seus “senhores”: pais, irmãos e maridos, que as distinguiam no papel de meras reprodutoras, mães de seus filhos15

Após a primeira guerra mundial (1914-1918), vozes feministas ganham repercussão e notoriedade mundial, como foram os casos das alemãs Rosa Luxemburgo e Clara Zetkin, pleiteando o sufrágio universal e o empoderamento das mulheres, com isonomia e ocupação dos espaços públicos e políticos16

No ano de 1907 os Estados Unidos, aproximadamente 15 mil mulheres trabalhadoras operárias protestaram na cidade de Nova York por melhores condições de trabalho e também pelo direito ao voto, dando origem à celebração do dia 08 de março como o Dia Internacional da Mulher, que marca a luta das mulheres por avanços sob forma de greves, marchas, reivindicações e acima de tudo, união, a congregação feminina na luta pela igualdade de gênero, através de assembleias e convenções ativistas dos direitos das mulheres17

Nos Estados Unidos, em 1920, a 19ª Emenda Constitucional, finalmente, concede às mulheres norte-americanas o direito ao voto, sendo que Wyoming já havia garantido o sufrágio feminino em seu território desde 1869, resultado da luta feminista de americanas que deram suas vidas lutando pelos direitos das demais. “Esse poder é a cédula do voto, o símbolo de liberdade e igualdade” Susan B. Anthony18

Nesse período as mulheres só existiam para o casamento e a procriação, porém, dentro do casamento, elas eram completamente dominadas pelos maridos, consideradas propriedades dos mesmos, sem direito ao divórcio, a custódia dos filhos, a herança, dinheiro e qualquer tipo de pertence material, padeciam com maus tratos intermitentes por parte de seus cônjuges. Dependentes economicamente, sem qualificação técnica, fora das universidades, dos postos de comando, da vida pública e política19

Após muitas batalhas, as mulheres casadas conquistam, somente em 1870, na Inglaterra, o direito a manterem consigo os proventos originários de seu trabalho, as propriedades pessoais, rendas e herança, permanecendo, contudo, com menos direitos que as mulheres solteiras, o que só iniciou a ser revertido em 188220

Tão logo as mulheres deixam suas casas para entrarem no mercado de trabalho, enfrentam péssimas condições de afazeres, jornadas exaustivas, salário inferior ao dos homens e turnos extras de trabalho doméstico, que associavam também com os cuidados exclusivos dos filhos, problemas que enfrentaram, inclusive com manifestos públicos e greves, sendo clássica a paralisação de 1888, na fábrica de fósforos Bryant & May, em Londres, conhecida como a “Greve das Match Girls”, que contou com a participação ativa de 1.400 mulheres21

Nessa época, ganharam o mundo os movimentos de sufragistas e suffragettes, o primeiro mais pacífico e elitista, o segundo popular, militante, mais ativista e agressivo, liderados inicialmente por mulheres americanas e inglesas, que culminou, em 1893, com as mulheres da Nova Zelândia conquistando o direito ao voto, reforçando a luta das demais pela conquista da cidadania, concretizado para as americanas em 1920, às inglesas em 1928 e às brasileiras em 193222

Note-se que após a intensificação do movimento feminista pelo direito feminino ao voto, em 1840, somente em 1893, 53 anos depois, elas o conquistaram na Nova Zelândia; 80 anos depois nos Estados Unidos; 88 anos após na Inglaterra e no Brasil, apenas 92 anos depois23

Ao ser deflagrada a Primeira Guerra Mundial, a guerra global centrada na Europa, que teve início em 1914 e fim em 1918, conflito que envolveu as maiores potências do mundo, as mulheres não foram inertes, se unindo pela paz e liberdade, criando em Washington, EUA, em 1915, o Partido das Mulheres pela Paz, seguido pelo Comitê Internacional das Mulheres pela Paz Permanente, de 1920, fundado em Haia, ações de grupos de mulheres que definem o alinhamento do feminismo ao pacifismo, reforçando a luta feminina contra a violência das guerras24

A literatura sobre mulheres, escrita por mulheres, começa a ganhar notoriedade, se podendo mencionar o exemplo da escritora britânica Virginia Woolf, que na reconhecida obra “Um Teto Todo Seu”, de 1929, denuncia abertamente que a ausência de representação feminina na literatura se devia a dependência financeira das mulheres, a falta de acesso delas a educação formal e a todo controle familiar e social ao qual estavam sujeitas. Ela defendeu a liberdade intelectual feminina, relatando o confinamento privado imposto às mulheres, como a razão dos entraves de suas produções literárias25

Contudo, a 2ª Guerra Mundial, cuja duração foi de 1939 a 1945, envolvendo a maioria das grandes potências mundiais, período no qual ocorre ainda o Holocausto, consegue, em grande medida, calar as mulheres e enfraquecer o movimento feminista, chegando a desaparecer durante esse período26

O ano de 1949 presenteia o mundo inteiro com as obras de Simone de Beauvoir. O Segundo Sexo, publicado na França, que se inscreve na literatura feminista como um manual inescapável, de contribuição singular, com a exploração minuciosa dos mitos, estereótipos e experiências pertinentes às mulheres, declarando pela primeira vez que “ser mulher” consiste em uma construção social e cultural, formada ao longo de toda existência feminina, de onde se originam os preconceitos e opressões que tanto as afligem27

Beauvoir tem a inspiração de consignar em seus escritos que para a sociedade em que estava inserida, uma mulher significava um ser humano imperfeito, incompleta, ao ser comparada ao homem: “A mulher é simplesmente o que o homem decreta e é definida e diferenciada tendo como referência o homem, e não a si mesma. A mulher é o “incidental”, o “não essencial”… Ele é o “Sujeito”, o “Absoluto; ela é o “Outro”, o “Objeto”… o sexo secundário”28

Em 1951, a filósofa Judia sobrevivente do holocausto Hannah Arendt publica seu primeiro livro, As Origens do Totalitarismo, contemplando o discurso feminista no que diz respeito ao embate das mulheres pelo direito a existência, consignando que o lugar da cidadania seria na esfera pública, marcada pela possibilidade de efetivos debates sobre diversos temas, que por lhes serem comuns, assumiam especial relevância, possibilitando o encontro de entendimentos múltiplos sobre diferentes assuntos29. Segundo Sánchez: 

Arendt também usa essa característica da esfera pública, mas acrescenta-lhe outros traços, ligados à condição humana da pluralidade, que nos mostram uma visão da esfera pública muito mais filosófica, e que deriva de uma concepção político- existencial dela própria, ou seja, de uma esfera pública entendida como espaço que possibilita a existência perante os outros […]. Só onde as coisas podem ser vistas por muitos em uma variedade de aspectos, só ali aparece autêntica e verdadeiramente a realidade humana […]. O sujeito arendtiano constitui-se intersubjetivamente a partir do momento em que aparece nesse espaço público partilhado. […] pois sem ele somos privados da presença dos outros, e, como se refere Arendt, o termo “privado” adquire todo o seu sentido original: estar privado de coisas essenciais a uma verdadeira vida humana, como a presença plural dos outros, o fato de “os homens, e não o homem, habitarem a Terra”30

Em 1960, tem início a chamada “segunda onda” do feminismo, nos Estados Unidos, difundida rapidamente pelas mulheres de outros países, movimento que perdura até o início da década de 1980. Após a conquista do voto que caracterizou a “primeira onda”, a revolução sexual prepondera na “segunda onda”, permitindo o controle da natalidade, libertando as mulheres para o prazer do sexo, desatrelando-o, definitivamente, da gravidez e dos filhos31

O acesso principalmente às pílulas anticoncepcionais, desde então facilitado, entrega para as mulheres, pela primeira vez, a autoridade sobre seus próprios corpos, transformando sua forma de pensar e de agir em relação ao exercício da sexualidade. 

Em 1963, a escritora ativista americana Betty Friedan publica o livro denominado A Mística Feminista, tornado um best-seller que embasou a “segunda onda” do feminismo, descrevendo o desempenho das mulheres operárias e donas de casa, e como tais papéis sustentavam o regime capitalista que tanto as ignoravam e oprimiam, retomando as ideias de Beauvoir e revigorando o movimento feminista em todo o mundo32

Friedan estremeceu a América, a partir do depoimento de mulheres donas de casa, brancas e da classe média, que se encaixavam no estereótipo de “rainhas do lar”, a autora feminista concluiu que elas não eram tão felizes como se esforçavam para aparentar, que seus lares não eram tão “doces”, e que a ausência de uma carreira externa e de um espaço público de existência, ocasionavam o descontentamento delas com as próprias identidades33

Ao ressaltar a capacidade intelectual da mulher, consignando que ela poderia conduzi- las a patamares bem maiores do que permitiria o âmbito doméstico, Friedan desmistifica o papel da mulher na sociedade da época, cooperando para a luta delas por seus direitos, além de contra dizer os escritos e entendimento de Sigmund Freud, que, segundo ela, atribuía todos os problemas das mulheres a sua suposta repressão sexual, a inveja que elas sentiriam do pênis, nominando a histeria como algo tipicamente feminino, disseminando conceitos estereotipados e machistas: “A natureza determinou o destino da mulher através da beleza, do encanto e da doçura […] na juventude uma graça adorada e na maturidade uma esposa amada.”34

A “segunda onda” ocasiona avanços das mulheres rumo à igualdade nas esferas profissionais, além de chamar atenção para a realidade experienciada pela violência doméstica, reivindicando-se leis protetivas para as vítimas e o direito ao divórcio, sendo que, em 1971, inaugura-se o primeiro abrigo para mulheres vitimadas de violência doméstica, no Reino Unido, por meio do esforço especial despendido pela ativista Erin Pizzey35

O caso conhecido como “Roe vs. Wade” foi julgado no ano de 1973, pela Suprema Corte Americana, compreendendo o aborto como um direito constitucional fundamental da mulher, colocando em pauta esse tema da maior relevância, ignorado por muitos países por motivações religiosas que desconhecem fatos, números explícitos que denotam a quantidade impressionante de mulheres mortas em todo o mundo pela prática de abortos malsucedidos36. A prática abortiva é separada por verdadeiras castas, uma vez que as mulheres de classes mais abastadas alcançam a prática sem maiores dificuldades, ignorando-se que abortos sempre foram praticados e que o fato de serem legalizados e oferecidos pelo sistema de saúde público, como ocorre em vários países desenvolvidos, não levariam quem não o desejam a praticá-los, tal como a sua proibição não os inibe, apenas colocam em risco a vida e integridade física das mulheres com menos recursos financeiros. 

Em caso de “desgraça”, muitas preferem, no final das contas, recorrer ao aborto. Praticado por um número crescente de mulheres casadas e multíparas, sobretudo nas cidades, o aborto parece ter sido empregado, na virada do século, como forma de contracepção […] é a expressão da vontade de mulheres que recusam não só um filho indesejado, como também os horrores do infanticídio […]. Isso significa que, a despeito dos avanços da gravidez deliberada no século XIX, a escassez dos meios anticoncepcionais abre um enorme espaço ao “acidente”. “Cair prenhe” e “estar encrencada” são expressões populares de uma gravidez que não vem necessariamente acompanhada de grande coro de alegria. Significa ainda a sorte aleatória dos filhos indesejados, eliminados, abandonados ou simplesmente aceitos como fatalidade no seio das famílias (…) não somente por razões de linhagem ou de papel, mas ainda por vontade pessoal: por parte das mulheres, que se encontram justificadas na maternidade, e por parte dos homens. “Uma mulher sem filhos é uma monstruosidade”, são as palavras que Balzac põe na boca homens. “Uma mulher sem filhos é uma monstruosidade”, são as palavras que Balzac põe na boca de Louise, protagonista das “Memórias de duas jovens esposas”; “somos feitas apenas para ser mães”37

Diante do número absurdo de mulheres assassinadas pelos homens em situação de violência doméstica, o movimento feminista reage, sobretudo em face da impunidade dos assassinos, historicamente tolerados, culpando-se as próprias vítimas por suas mortes, alegando-se razões passionais, ignorando-se as vontades, os desejos e, principalmente, os direitos humanos das mulheres. 

A luta feminista bravamente se insurge contra esta “pena de morte” à qual as mulheres estavam expostas nas hipóteses de infidelidade feminina, onde preponderava a “honra” sobre o bem da vida, ignorando-se a dignidade das mulheres enquanto pessoas humanas e a igualdade de gênero, até transformar o execrável entendimento jurídico nos tribunais superiores: 

O amor que mata, o amor açougueiro, é uma contrafação monstruosa do amor. O passionalismo que vai até o assassinato muito pouco tem a ver com o amor. A moderna sistemática jurídica não mais aceita a mal projetada e inventada legítima defesa da honra38

Já a “terceira onda” do feminismo começou no final dos anos 1980 e início de 1990. Nessa fase, o movimento se ressignifica, aprofundando debates antigos, cujas metas ainda não foram alcançadas, continuando contendas travadas por mulheres das gerações anteriores, como a busca de isonomia salarial com os homens, o enfrentamento às mazelas do patriarcado, da violência doméstica e as definições de papéis e funções das mulheres na sociedade. 

Judith Butler39, escritora norte-americana, teórica, ativista, filósofa e feminista, lança em 1990, o livro Problemas de Gênero, reafirmando, como havia dito Beauvoir em 1949, que os papéis femininos são construídos social e culturalmente, acompanhando o espaço destinado ao gênero em determinados períodos históricos temporais, acrescentando que as ações de gênero seriam sustentadas por atos, aparências, ações e discursos, que ao serem reiteradamente repetidos, passariam a equivocada impressão de serem naturais. 

Nesse mesmo ano (1990), enriquece a literatura feminista a obra O Mito da Beleza, da britânica Naomi Wolf40, defendendo que padrões de beleza idealizados pelos homens e expostos pela mídia, além de exporem as mulheres como mercadorias, reforçariam ideais de beleza inalcançáveis para as mulheres comuns, sendo usados abertamente para oprimi-las. Butler e Wolf e suas destacadas obras, marcam singularmente a terceira fase do movimento feminista mundial. 

Em 2012 tem início a “quarta onda” do feminismo, fase esta que ainda está amadurecendo, sendo muito mais on-line; as facilidades e o alcance digital integram a luta por igualdade e o combate ao sexismo. Um ano antes, em 2011, o movimento ousado das estudantes canadenses, denominado Marcha das Vadias, protestando com seios à mostra e poucas roupas, contra os constrangimentos impostos às mulheres vítimas de violência, ganharam repercussão e notoriedade mundial, sendo reproduzidos em vários locais do planeta41

As feministas da “quarta onda” tornam o movimento mais inclusivo para mulheres deficientes, trans e lésbicas, priorizam as mudanças de estereótipos, o combate a homofobia, misoginia e a violência doméstica e familiar, a alteração dos retratos das mulheres na mídia, continuando a pleitear antigas desigualdades trazidas à tona pelos movimentos anteriores e, sobretudo, repetem a mesma luta pela devida ocupação dos espaços públicos e políticos, o que não tem sido fácil de ser efetivamente alcançado, o que demanda mais união e ação das mulheres para real concretização: 

Apesar de toda a luta por emancipação, bem como pelo fato de as mulheres serem a maioria do eleitorado mundial, são poucas ainda as representantes em altas posições políticas e administrativas, em seus países. Existem muitas razões para isso: a posição da família, a pouca remuneração financeira, bem como as inúmeras responsabilidades domésticas. Esse quadro tem limitado o tempo que a mulher poderia dedicar à vida pública. Acrescente-se a isso o fato de que culturalmente falando, existe o estigma ou estereótipo construído secularmente de que o lar é do domínio da mulher e com isso as dificuldades surgem42

No Brasil em que pese 52% do eleitorado ser constituído por mulheres e a existência de alguns impositivos legislativo (Lei n.º 9.504/1997 – Lei das Eleições) no fito de estimular a participação feminina na política, a vigência deste instituto no ordenamento jurídico brasileiro, não conseguiu atingir o objetivo, pois, dos 513 assentos na Câmara do Deputados, apenas 91 estão ocupados por mulheres e apenas 13 senadoras entre 81 assentos. Entretanto, em pesquisa “As candidaturas femininas “fictícias” e impugnação de mandato eletivo” os autores chegam a conclusão de que essa eficácia normativa, que visa estimular a participação feminina na política, resta fraudada pelos partidos políticos, e que essa violação a uma política pública de Estado – de natureza eleitoral –, a qual visa amainar a sub-representatividade feminina na política, diminui sobremaneira a margem do exercício da liberdade de sufrágio do eleitor, e deve ser combatida via Poder Judiciário43

Ainda em 2018 um importante movimento das mulheres brasileiras, aproveitando-se da modernidade cibernética que a “quarta onda” permite, lançou um movimento organizado chamado Não É Não, no fito de desobjetificar o corpo das mulheres no carnaval daquele ano, tentando evitar e criminalizar o assédio sofrido via comportamentos abusivos e lascivo em espaços públicos. Citado movimento ganhou repercussão mundial e pôde ser estendido a outras festividades e demais espaços públicos, marcando um importante posicionamento de resistência das mulheres como detentoras de seus próprios corpos44

No final de tudo, olhando e admirando a luta incessante das mulheres, gerações após gerações, não há como negar a importância do feminismo para conquista dos direitos que atualmente as mulheres fazem jus, inserindo-as na história, as humanizando e tornando social sua existência, chegando-se à conclusão de que a luta feminista, o ativismo e os protestos devem continuar, por cada uma das mulheres nascidas no mundo. 

Como foi demonstrado por Kymlicka45 a eliminação da desigualdade sexual requer não apenas a redistribuição do trabalho doméstico, mas também uma ruptura na distinção entre público e doméstico. E modo que homens e mulheres devem ter oportunidades iguais tanto no âmbito público como no doméstico, de maneira que, o trabalho fora do lar bem como as tarefas do espaço doméstico possa ser distribuído com justiça para ambos os sexos. 

Por fim, é importante observar que o trabalho de Kymlicka sobre direitos das minorias e diversidade cultural pode ser relevante para discussões feministas em contextos multiculturais. Por exemplo, suas teorias sobre direitos culturais e direitos diferenciados de grupo poderiam ser aplicadas para examinar como o gênero se cruza com etnia, religião ou outras identidades culturais. 

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS 

O movimento feminista enquanto um movimento social de mulheres tem uma trajetória intensa de mudanças e de transformações das realidades sociais em quase todas as sociedades pelo mundo, principalmente, no ocidente. 

Diversas mulheres ao longo da história têm mostrado o quanto são insurgentes e buscam uma revolução de mulheres e para mulheres. Em grande parte dos passos dados em busca de emancipação, autonomia e liberdade, demonstraram o quanto que juntas fazem transformações sociais e subjetivas. Transformações essas que proporcionaram condições de sobrevivência em meio a contextos de dominação masculina que colocam a mulher em posição de subalternidade. Embora as mulheres tenham conquistado avanços expressivos no que diz respeito aos direitos de cidadania, em comparação aos homens a desigualdade ainda permanece sendo marcante. O processo de opressão e discriminação contra as mulheres continua a orientar relações que as expõem desde à violência psicológica e/ou física (colocando, muitas vezes, suas vidas em risco), ao assédio sexual, até obstáculos vastos nas possibilidades de ascensão na carreira, bem como a desigualdade de renda mesmo quando ocupam cargos hierarquicamente equivalentes aos dos homens. Herança de longa data nas sociedades ocidentais patriarcais com evidente hegemonia masculina, heteronormativa, branca e eurocêntrica, faz com que as mulheres sejam postas em um limiar de exclusão política, econômica e social, sendo consideradas objetos de uso e posse destituindo-as, inúmeras vezes, da liberdade de decisão e autonomia sobre sua vida e seu corpo. 

São séculos de exposição aos mais diversos tipos de violência e negação de parte de seus direitos e de uma vida vivida com dignidade. 

O movimento feminista, nesse sentido, mostra-se como um sujeito político e coletivo de luta e resistência contra tal situação. Sua força é fazer com que a objetividade dessa situação opressiva seja ressignificada de modo a ser concebida não mais como condição “natural” das mulheres, embora penosa; mas como injustamente imposta. Cria, assim, as condições para a construção de novos discursos de identificação da mulher, cujos sentidos a revigoram e a potencializam para coletivamente não somente criticar e resistir aos discursos que a subjugam, mas também avançar para expandir seus direitos sociais, civis e políticos. 

Algumas das principais etapas e evoluções do feminismo são: as três ondas do feminismo, o feminismo interseccional e o feminismo global. 

A primeira onda do feminismo ocorreu durante o final do século XIX, estendendo-se até o início do século XX. Nessa fase, as feministas lutaram principalmente pelo direito das mulheres ao voto e por igualdade legal. O movimento focava na conquista de direitos civis e políticos básicos para as mulheres. 

A segunda onda do feminismo teve lugar nas décadas de 1960 e 1970. Nessa fase, as feministas levantaram questões além dos direitos políticos, abordando questões como a igualdade salarial, a liberdade sexual, a violência doméstica e os direitos reprodutivos. O movimento também trouxe à tona a discussão sobre o papel desempenhado pelas mulheres na sociedade bem como a necessidade de contestar as normas de gênero. 

Já a terceira onda do feminismo emergiu na década de 1990 e continua até os dias de hoje. Essa fase se caracteriza pela diversidade de vozes feministas e pela crítica à visão universalista da segunda onda. As feministas da terceira onda defendem a inclusão de todas as identidades de gênero e raça, buscando uma compreensão mais ampla das interseccionalidades e da interconexão entre opressões sociais. 

Destaque-se que o feminismo interseccional reconhece as múltiplas formas de opressão enfrentadas pelas mulheres com fundamento em sua intersecção de identidades, como raça, classe social, orientação sexual, entre outras. Esse enfoque busca entender como as diferentes formas de discriminação se sobrepõem e se interconectam, e procura lutar contra todas as formas de opressão simultaneamente. 

Por fim, é importante ressaltar que o feminismo tornou-se cada vez mais global, principalmente com o início da “quarta onda” onde permite uma conexão on-line com movimentos feministas em todo o mundo, em busca de direitos e igualdade. As lutas variam de acordo com o contexto cultural, social e político de cada país, mas muitas vezes compartilham objetivos comuns, como a luta contra a violência de gênero, a discriminação no local de trabalho e a igualdade política. Nesse contexto, o movimento feminista continua a se desenvolver e adaptar às necessidades e desafios das mulheres na sociedade contemporânea. 


1RUBIO MARIN, Ruth; KYMLICKA, Will. Gender parity and multicultural feminism: towards a new synthesis. Oxford : Oxford University Press, 2018, passim

2MCCANN, Hannah; CARROLL, Georgie; DUGUID, Beverley; GEHRED, Kathryn; KIRILLOVA, Liana; KRAMER, Ann; HOLMES, Manian Smith; WEBER, Shannon; MANGAN, Lucy. O Livro do Feminismo. Rio de Janeiro: Globo S.A., 2019. p. 18-19. 

3Judith Sargent Murray defendia uma educação para as mulheres que as preparasse também para a vida pública no seu artigo “Sobre a igualdade dos sexos”, datado de 1779. Cf. LEGATES, M. In their time: a history of feminism in western Society. New York: Routledge, 2001, p. 139. 

4PREÂMBULO: Mães, filhas, irmãs, mulheres representantes da nação reivindicam constituir-se em uma assembleia nacional. Considerando que a ignorância, o menosprezo e a ofensa aos direitos da mulher são as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção no governo, resolvem expor em uma declaração solene, os direitos naturais, inalienáveis e sagrados da mulher. Assim, que esta declaração possa lembrar sempre, a todos os membros do corpo social seus direitos e seus deveres; que, para gozar de confiança, ao ser comparado com o fim de toda e qualquer instituição política, os atos de poder de homens e de mulheres devem ser inteiramente respeitados; e, que, para serem fundamentadas, doravante, em princípios simples e incontestáveis, as reivindicações das cidadãs devem sempre respeitar a constituição, os bons costumes e o bem-estar geral. Em consequência, o sexo que é superior em beleza, como em coragem, em meio aos sofrimentos maternais, reconhece e declara, em presença, e sob os auspícios do Ser Supremo, os seguintes direitos da mulher e da cidadã: 
Artigo 1º: A mulher nasce livre e tem os mesmos direitos do homem. As distinções sociais só podem ser baseadas no interesse comum. 
Artigo 2º: O objeto de toda associação política é a conservação dos direitos imprescritíveis da mulher e do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e, sobretudo, a resistência à opressão. 
Artigo 3º: O princípio de toda soberania reside essencialmente na nação, que é a união da mulher e do homem nenhum organismo, nenhum indivíduo, pode exercer autoridade que não provenha expressamente deles. 
Artigo 4º: A liberdade e a justiça consistem em restituir tudo aquilo que pertence a outros, assim, o único limite ao exercício dos direitos naturais da mulher, isto é, a perpétua tirania do homem, deve ser reformado pelas leis da natureza e da razão. 
Artigo 5º: As leis da natureza e da razão proíbem todas as ações nocivas à sociedade. Tudo aquilo que não é proibido pelas leis sábias e divinas não pode ser impedido e ninguém pode ser constrangido a fazer aquilo que elas não ordenam. 
Artigo 6º: A lei deve ser a expressão da vontade geral. Todas as cidadãs e cidadãos devem concorrer pessoalmente ou com seus representantes para sua formação; ela deve ser igual para todos. Todas as cidadãs e cidadãos, sendo iguais aos olhos da lei devem ser igualmente admitidos a todas as dignidades, postos e empregos públicos, segundo as suas capacidades e sem outra distinção a não ser suas virtudes e seus talentos.
Artigo 7º: Dela não se exclui nenhuma mulher. Esta é acusada., presa e detida nos casos estabelecidos pela lei. As mulheres obedecem, como os homens, a esta lei rigorosa. 
Artigo 8º: A lei só deve estabelecer penas estritamente e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito e legalmente aplicada às mulheres. Artigo 9º: Sobre qualquer mulher declarada culpada a lei exerce todo o seu rigor. 
Artigo 10: Ninguém deve ser molestado por suas opiniões, mesmo de princípio. A mulher tem o direito de subir ao patíbulo, deve ter também o de subir ao pódio desde que as suas manifestações não perturbem a ordem pública estabelecida pela lei. 
Artigo 11: A livre comunicação de pensamentos e de opiniões é um dos direitos mais preciosos da mulher, já que essa liberdade assegura a legitimidade dos pais em relação aos filhos. Toda cidadã pode então dizer livremente: “Sou a mãe de um filho seu”, sem que um preconceito bárbaro a force a esconder a verdade; sob pena de responder pelo abuso dessa liberdade nos casos estabelecidos pela lei. 
Artigo 12: É necessário garantir principalmente os direitos da mulher e da cidadã; essa garantia deve ser instituída em favor de todos e não só daqueles às quais é assegurada. 
Artigo 13: Para a manutenção da força pública e para as despesas de administração, as contribuições da mulher e do homem serão iguais; ela participa de todos os trabalhos ingratos, de todas as fadigas, deve então participar também da distribuição dos postos, dos empregos, dos cargos, das dignidades e da indústria. 
Artigo 14: As cidadãs e os cidadãos têm o direito de constatar por si próprios ou por seus representantes a necessidade da contribuição pública. As cidadãs só podem aderir a ela com a aceitação de uma divisão igual, não só nos bens, mas também na administração pública, e determinar a quantia, o tributável, a cobrança e a duração do imposto. 
Artigo 15: O conjunto de mulheres igualadas aos homens para a taxação tem o mesmo direito de pedir contas da sua administração a todo agente público. 
Artigo 16: Toda sociedade em que a garantia dos direitos não é assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não tem Constituição. A Constituição é nula se a maioria dos indivíduos que compõem a nação não cooperou na sua redação. 
Artigo 17: As propriedades são de todos os sexos juntos ou separados; para cada um deles elas têm direito inviolável e sagrado. Ninguém pode ser privado delas como verdadeiro patrimônio da natureza, a não ser quando a necessidade pública, legalmente constatada o exija de modo evidente e com a condição de uma justa e preliminar indenização (DE GOUGES, Olympe. Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã. 1791. Disponível em: http://www.historia.seed.pr.gov.br/arquivos/File/fontes%20historicas/declaracao_direitos_mulher_cidada.pdf. Acesso em: 5 Junho 2023. 

5DE GOUGES, Olympe. Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã. Op. cit. 

6CATEL, Muller; BOCQUET, José Louis. Olympe de Gouges. Feminista. Revolucionária. Heroína. Rio de Janeiro: Record, 2014, p. 334-335. 

7DE GOUGES, Olympe. Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã. Op. cit. 

8PULEO, Alicia. La Ilustración olvidada: la polémica de los sexos en el siglo XVIII. Madrid: Anthropos, 1993, p. 13. 

9PULEO, Alicia. La Ilustración olvidada: la polémica de los sexos en el siglo XVIII. Op. cit. 

10CUTRUFELLI, Maria Rosa. Eu vivi por um sonho. Rio de Janeiro: Record, 2009, p. 66. 

11GILL, Lorena Almeida. Olympe De Gouges e seus últimos dias. Pensamento Plural, Pelotas, v. 4, p. 203-207, Jan.-Jun., 2009, p. 206. 

12WOLLSTONECRAFT, Mary. Reivindicação dos Direitos da Mulher. São Paulo: Boitempo, 2016. p. 226. 

13PEDERSEN, Jean Elisabeth. Política sexual em Comte e Durkheim: feminismo, história e a tradição sociológica francesa. Revista de Estudos da Religião, v. 22, n. 2, 2022. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index. php/rever. Acesso em: 5 Junho 2023. 

14CISNE, Mirla. Feminismo e consciência de classe no Brasil. São Paulo: Cortez, 2015, p. 43. 

15Ibidem. 

16BITENCOURT, S. M. A contribuição de teóricas feministas para os estudos de gênero. Revista Ártemis, v. 16, n. 1, p. 178-185, ago-dez., 2013. 

17 Ibidem. 

18MCCANN, Hannah et al. O Livro do Feminismo. p. 62. 

19Ibidem, p. 63. 

20MCCANN, Hannah et al. O Livro do Feminismo. Op. cit., p. 62. 

21 COLLINS, P.H. Se perdeu na tradução? Feminismos negro, interseccionalidade e política emancipatória. Parágrafo, v. 5, n.1m p. 2317-491, Jun., 2017. Disponível em: http://revistaseletronicas.fiamfaam.br/index.php/ recicofi/article/view/559/506. Acesso em: 8 Junho 2023. 

22Ibidem. 

23 Ibidem. 

24CONNELL, Raewyn; PEARSE, Rebecca. Gênero: uma perspectiva global. São Paulo: NVersos, 2015, p. 36 

25CONNELL, Raewyn; PEARSE, Rebecca. Gênero: uma perspectiva global. Op. cit., p. 67. 

26Ibidem. 

27MCCANN, Hannah et al. O Livro do Feminismo. Op. cit., p. 114-115. 

28Ibidem, p. 115. 

29SÁNCHEZ, Cristina. Arendt. A política em tempos obscuros. São Paulo: Salvat, 2015. p. 82-83. 

30SÁNCHEZ, Cristina. Arendt. A política em tempos obscuros. Op. cit., p. 82-83. 

31PINTO, Céli Regina Jardim. Feminismo, História e Poder. Revista de Sociologia Política, Curitiba, v. 18, n. 36, p. 15-23, 2010, p. 16. 

32Ibidem. 

33MCCANN, Hannah et al. O Livro do Feminismo. Op. cit., p. 120. 

34MCCANN, Hannah et al. O Livro do Feminismo. Op. cit., p. 121. 

35ROCHA, Lourdes de Maria L. N. Casas-abrigo: no enfrentamento da violência de gênero. São Paulo: Veras Editora, 2007, p. 14. 

36ARIÈS, Philippe; DUBY, Georges. História da vida privada 4. Ed. São Paulo: Comp. das Letras, 2009. p. 136-137. 

37Ibidem, p. 137. 

38SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Criminal 289.919-3/2. Tatuí, Julgado em: 16.09.2002. Disponível em: https://assets-compromissoeatitude-ipg.sfo2.digitaloceanspaces.com/2014/07/ SILVIAPIMENTELetal_legitimadefesadahonra2006.pdf. Acesso em: 8 Junho 2023. 

39BUTLER, Judith. Problemas de gênero: Feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 19. 

40 WOLF, Naomi. O Mito da Beleza: como as imagens de beleza são usadas contra as Mulheres. Tradução de Waldéa Barcellos. Rio de Janeiro. Ed. Rocco, 1992. Passim. 

41ZANETTI, Julia Paiva. Jovens feministas do Rio de Janeiro: trajetórias, pautas e relações intergeracionais. 

Cadernos Pagu, v.36, p. 47-75, 2011. 

42RODRIGUES, Lindinalva. CAMPOS, Amini Haddad. Direitos Humanos das Mulheres. Curitiba: Juruá, 2012. p. 95. 

43Mouta Araújo, José Henrique e Costa de Oliveira, Pedro Henrique, As candidaturas Femininas “fictas” e a Impugnação de Mandato Eletivo, Rev. direitos fundam. democ., v. 27, n. 2, p. 06-38, mai./ago. 2022. 

44 Vione Schwengber, Maria Simone e Giongo Mendes Pinheiro, Naira Letícia, Não É Não – como contra condutas na direção do “cuidado de si”: uma análise foucaultiana. Rev. direitos fundam. democ., v. 26, n. 3, p. 266-286, set./dez. 2021. 

45 KYMLICKA, Will. O feminismo. In: KYMLICKA, Will. Filosofia Política Contemporânea. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 304-305. 


REFERÊNCIAS 

ARIÈS, Philippe. DUBY, Georges. História da vida privada 4. São Paulo: Comp. das Letras, 2009. 

BITENCOURT, S. M. A contribuição de teóricas feministas para os estudos de gênero. Revista Ártemis, v. 16, n. 1, p. 178-185, ago-dez., 2013. 

BUTLER, Judith. Problemas de gênero: Feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. 

CATEL, Muller; BOCQUET, José Louis. Olympe de Gouges. Feminista. Revolucionária. Heroína. Rio de Janeiro: Record, 2014, p. 334-335. 

CISNE, Mirla. Feminismo e consciência de classe no Brasil. São Paulo: Cortez, 2015. 

COLLINS, P.H. Se perdeu na tradução? Feminismos negro, interseccionalidade e política emancipatória. Parágrafo, v. 5, n.1m p. 2317-491, Jun., 2017. Disponível em: http://revistaseletronicas.fiamfaam.br/index.php/recicofi/article/view/559/506. Acesso em: 8 Junho 2023. 

CONNELL, Raewyn; PEARSE, Rebecca. Gênero: uma perspectiva global. São Paulo: NVersos, 2015. 

CUTRUFELLI, Maria Rosa. Eu vivi por um sonho. Rio de Janeiro: Record, 2009. 

DE GOUGES, Olympe. Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã. 1791. Disponível em: http://www.historia.seed.pr.gov.br/arquivos/File/fontes%20historicas/declaracao_direitos _mulher_cidada.pdf. Acesso em: 5 Junho 2023. 

GILL, Lorena Almeida. Olympe De Gouges e seus últimos dias. Pensamento Plural, Pelotas, v. 4, p. 203-207, Jan.-Jun., 2009. 

KYMLICKA, Will. O feminismo. In: KYMLICKA, Will. Filosofia Política Contemporânea. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 304-305. 

LEGATES, M. In their time: a history of feminism in western Society. New York: Routledge, 2001. 

MCCANN, Hannah; CARROLL, Georgie; DUGUID, Beverley; GEHRED, Kathryn; KIRILLOVA, Liana; KRAMER, Ann; HOLMES, Manian Smith; WEBER, Shannon; MANGAN, Lucy. O Livro do Feminismo. Rio de Janeiro: Globo S.A., 2019. p. 18-62. 

PEDERSEN, Jean Elisabeth. Política sexual em Comte e Durkheim: feminismo, história e a tradição sociológica francesa. Revista de Estudos da Religião, v. 22, n. 2, 2022. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/rever. Acesso em: 5 Junho 2023. 

PINTO, Céli Regina Jardim. Feminismo, História e Poder. Revista de Sociologia Política, Curitiba, v. 18, n. 36, p. 15-23, 2010. 

PULEO, Alicia. La Ilustración olvidada: la polémica de los sexos en el siglo XVIII. Madrid: Anthropos, 1993. 

ROCHA, Lourdes de Maria L. N. Casas-abrigo: no enfrentamento da violência de gênero. São Paulo: Veras Editora, 2007. 

RODRIGUES, Lindinalva. CAMPOS, Amini Haddad. Direitos Humanos das Mulheres. Curitiba: Juruá, 2012. 

RUBIO MARIN, Ruth; KYMLICKA, Will. Gender parity and multicultural feminism: towards a new synthesis. Oxford : Oxford University Press, 2018. 

SÁNCHEZ, Cristina. Arendt – A política em tempos obscuros. São Paulo: Salvat, 2015. 

SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Criminal 289.919-3/2. Tatuí, Julgado em: 16.09.2002. Disponível em: https://assets-compromissoeatitude-ipg.sfo2.Digital oceanspaces.com/2014/07/SILVIAPIMENTELetal_legitimadefesadahonra2006.pdf. Acesso em: 8 Junho 2023. 

WOLF, Naomi. O Mito da Beleza: como as imagens de beleza são usadas contra as Mulheres. Tradução de Waldéa Barcellos. Rio de Janeiro. Ed. Rocco, 1992. 

WOLLSTONECRAFT, Mary. Reivindicação dos Direitos da Mulher. São Paulo: Boitempo, 2016. 

Mouta Araújo, José Henrique e Costa de Oliveira, Pedro Henrique, As candidaturas Femininas “fictas” e a Impugnação de Mandato Eletivo, Rev. direitos fundam. democ., v. 27, n. 2, p. 06-38, mai./ago. 2022. 

Vione Schwengber, Maria Simone e Giongo Mendes Pinheiro, Naira Letícia, Não É Não – como contra condutas na direção do “cuidado de si”: uma análise foucaultiana. Rev. direitos fundam. democ., v. 26, n. 3, p. 266-286, set./dez. 2021. 

ZANETTI, Julia Paiva. Jovens feministas do Rio de Janeiro: trajetórias, pautas e relações intergeracionais. Cadernos Pagu, v.36, p. 47-75, 2011. 


1Mestrando em Direito Constitucional pela Unibrasil – Centro Universitário Autônomo do Brasil – UniBrasil (2023). Procurador Geral do Município do Ipojuca/PE. Advogado.