TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE DROGAS: DA PROIBIÇÃO À REDUÇÃO DE DANOS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10970335


Tiago André de Lá Cruz Fernandes1


Resumo

O histórico das políticas de drogas reflete uma evolução desde a proibição total até abordagens mais centradas na saúde pública e redução de danos. Inicialmente motivadas por preocupações morais e de saúde pública, as políticas de proibição foram implementadas no final do século XIX e início do século XX. Na década de 1970, os Estados Unidos lideraram a “Guerra às Drogas”, marcando uma era de repressão rigorosa ao tráfico e uso de drogas ilícitas. A partir das décadas de 1980 e 1990, surgiu o movimento de redução de danos, visando abordar o uso de drogas de forma mais pragmática e humanitária. Mais recentemente, tem havido um movimento em direção à legalização e regulamentação de certas drogas, como a cannabis, em alguns países. Atualmente, muitos países estão adotando políticas que tratam o uso de drogas como uma questão de saúde pública, promovendo tratamento para dependentes, prevenção do uso indevido e educação sobre os riscos das drogas. Essa evolução continua a ser influenciada por debates sociais, políticos e científicos sobre a melhor forma de lidar com o uso de drogas e seus impactos na sociedade.

PALAVRAS-CHAVE: Políticas de drogas; proibição e repressão; redução de danos; impacto social;

Abstract

The history of drug policy reflects an evolution from total prohibition to approaches more focused on public health and harm reduction. Initially motivated by moral and public health concerns, prohibition policies were implemented in the late 19th and early 20th centuries. In the 1970s, the United States led the “War on Drugs”, marking an era of rigorous repression of illicit drug trafficking and use. From the 1980s and 1990s onwards, the harm reduction movement emerged, aiming to address drug use in a more pragmatic and humanitarian way. More recently, there has been a movement towards the legalization and regulation of certain drugs, such as cannabis, in some countries. Currently, many countries are adopting policies that treat drug use as a public health issue, promoting addiction treatment, prevention of misuse, and education about the risks of drugs. This evolution continues to be influenced by social, political and scientific debates about the best way to deal with drug use and its impacts on society

KEYWORD: Drug policies; prohibition and repression; harm reduction; social impact;

INTRODUÇÃO

As diretrizes referentes ao controle e regulação do uso de drogas apresentam uma trajetória diversificada e complexa ao longo dos anos em diversas partes do mundo. 

Durante o século XX, observou-se uma transformação significativa nas abordagens adotadas, para controlar o uso de substâncias psicoativas, desde a proibição absoluta, até abordagens mais flexíveis, com foco na redução de danos e tratamento. 

Diversos elementos sociais, políticos, econômicos e culturais exerceram influência nas políticas de drogas em diversos países e regiões. Sendo assim, a discussão sobre políticas de drogas é de extrema importância devido aos significativos impactos que tais políticas causam na sociedade, na área da saúde pública, na segurança, nos direitos humanos e no sistema de justiça penal. 

Vale ressaltar, que as decisões políticas relacionadas às drogas não afetam somente os usuários e traficantes, mas também as comunidades como um todo, além de gerar consequências econômicas e de saúde pública de grande relevância.

Assim, serão apresentadas algumas políticas utilizadas no combate ao tráfico, consumo eventual e crônico, além de discutir como essas práticas se refletem em nossa sociedade. Abordaremos a política proibicionista, fundamentada na expressão de preceitos morais da sociedade, que desaprova certos comportamentos considerados negativos e justifica a aplicação do sistema penal para regulá-los.

Portanto, este trabalho visa retomar a questão das drogas, especialmente no que diz respeito à conduta de porte para consumo pessoal, desmistificando os aspectos relacionados à criminalização desses indivíduos. Abordaremos diferentes pontos de vista sobre a implementação da política de drogas atual e as consequências resultantes das ações de combate ao tráfico.

1 ESTRATÉGIAS DE COMBATE AO TRÁFICO DE DROGAS E AS MUDANÇAS INTRODUZIDAS PELA LEI 11.343/2006

Neste capítulo, serão discutidas as medidas adotadas em relação ao Proibicionismo, que tem como foco principal combater as ações associadas ao consumo e vício em substâncias entorpecentes, evidenciando os prejuízos resultantes desse comportamento.

Em seguida, será analisada a Abordagem Antiproibicionista, que busca principalmente promover a prevenção e a inclusão social daqueles que enfrentam problemas de dependência. Por último, serão destacadas as mudanças trazidas pela recente Lei de Drogas, ressaltando seus pontos positivos e algumas questões relevantes.

1.1 PROMOÇÃO DA SEGURANÇA PÚBLICA

Antes de discorrer sobre os detalhes da Política Proibicionista, é imprescindível contextualizá-la para direcionar nossa conversa sobre o assunto. Segundo Karam (2007), o proibicionismo pode ser interpretado como uma postura ideológica baseada em princípios morais, que se manifesta por meio de medidas políticas voltadas para controlar acontecimentos, comportamentos ou produtos considerados prejudiciais, através de proibições impostas, principalmente com a intervenção do sistema judicial.

Isso resulta na tipificação de ações por meio da adoção de leis criminais, sem levar em conta as decisões pessoais ou a esfera de autonomia de cada indivíduo, mesmo quando os comportamentos regulados não implicam em um dano ou risco real para terceiros (KARAM, 2007, p. 181).

Conforme Carvalho (2010), o proibicionismo tem como principal meta guiar os Estados na definição da Política Criminal de Drogas, muitas vezes ultrapassando normas e leis já existentes. Ademais, ele traz uma nova perspectiva sobre o uso de substâncias psicoativas, estabelecendo diretrizes e criando um novo modelo para o consumo de entorpecentes. Assim, sua finalidade é implantar um controle social sobre dependentes químicos e usuários de drogas, dando prioridade à construção de uma estrutura repressiva de combate à criminalidade, conferindo à Ideologia da Defesa Social um papel central e fundamentador.

Neste ínterim, a Defesa Social emerge como um argumento ideológico plausível no combate às drogas, ao expor uma guerra constante entre o bem e o mal. Isso se soma às ações das agências de punição, nutrindo de forma seletiva um sistema repressivo, o que dificulta as práticas políticas voltadas para a defesa dos valores constitucionalmente previstos (FIORE, 2015).

No entanto, essas agências, cuja responsabilidade é intervir e aplicar a lei, tendem    a submeter   os    preceitos   constitucionais,    especialmente aqueles relacionados à liberdade individual e à diversidade, a conceituações únicas, ignorando as nuances dos acontecimentos (FIORE, 2015).

Embora a Defesa Social e a Ideologia da Defesa Social compartilhem ideias semelhantes, há uma diferença fundamental em suas funções. De acordo com Carvalho (2010), enquanto a primeira cria políticas criminais com o objetivo de generalizar a técnica penal, a segunda discute as formas de interpretação do delito com base na criminalidade e nas condutas delituosas.

A Ideologia da Defesa Social pode se manifestar como mecanismos configuradores do controle social, justificando-se por meio de métodos repressivos cujo principal objetivo é combater os delitos cometidos na esfera social.

O proibicionismo em relação às drogas amplia o escopo de atuação do poder punitivo, criando um verdadeiro poder político que, sob o pretexto de prevenção, vigilância ou investigação, adquire um poder punitivo paralelo às instituições, conhecido como “sistema penal subterrâneo”. Isso marca um ponto de inflexão para a redução do Estado de Direito e a expansão do Estado de Polícia (NUCCI, 2009).

Apesar das diferenças metodológicas e nos objetos da ciência penal, a Ideologia da Defesa Social defende uma intervenção punitiva racional e científica, sugerindo padrões como resposta aos crimes praticados. Isso impacta a opinião pública e reproduz um efeito crítico em relação à violência das práticas punitivas.

A estrutura principiológica da Ideologia da Defesa Social permite uma contínua autolegitimação do sistema repressivo, ao sustentar a ideia de um poder racionalizado voltado para a proteção de bens jurídicos compartilhados pela estrutura social homogênea. Além disso, instrumentaliza os aparatos repressivos, determinando uma atuação letal em oposição ao discurso oficial de proteção dos direitos fundamentais, mantendo uma estrutura hierarquizada e seletiva do sistema de controle social (NUCCI, 2009).

Quanto ao Movimento de Defesa Social, ele buscou padronizar universalmente leis e instituições penais, visando promover a reforma e integração do sistema das ciências criminais. No entanto, suas medidas, embora se baseiam na ideia de ressocialização e humanitarismo, muitas vezes refletem práticas autoritárias e segregacionistas (FIORE, 2015).

Em relação à redução de danos decorrentes das políticas públicas, é importante destacar as objeções enfrentadas por aquelas que buscam superar a lógica punitiva. Isso inclui a diferenciação entre usuário-dependente e dependente delinquente, a disposição de espaços para diálogo e a aceitação social do consumo de drogas por prazer. Estas práticas permitem uma abordagem mais eficiente e menos prejudicial em relação ao uso de drogas, em oposição ao moralismo imposto pelo proibicionismo (FIORE, 2015).

Em suma, a incongruência entre as políticas de redução de danos e as políticas proibicionistas evidencia a necessidade de abandonar este último paradigma, a fim de desenvolver uma política criminal de drogas mais eficaz e compassiva (FIORE, 2015).

1.2 POLÍTICA ANTIPROIBICIONISTA: CRÍTICA CRIMINOLÓGICA

Com o objetivo de mitigar os efeitos adversos decorrentes da atual abordagem penal, a crítica criminológica, respaldada por políticas alternativas, desenvolveu projetos direcionados especificamente ao poder punitivo estatal. Esses projetos visam reduzir o dano causado aos indivíduos criminalizados pelo uso de drogas, sem buscar a proibição do consumo ou a criminalização desses indivíduos, mas sim integrá-los socialmente e oferecer meios para minimizar os danos causados pelo uso excessivo de substâncias psicoativas (FIORE, 2015).

De acordo com Fiore (2015), as políticas alternativas buscam compreender os processos de criminalização e descriminalização com base em teorias sociais, desafiando a lógica dos modelos tradicionais que buscam ampliar o poder por meio de políticas repressivas maximalistas.

Essa política, inicialmente, mantém a proibição legal intacta, mas introduz considerações práticas visando “evitar o mal maior”. Isso tem um impacto nas políticas proibicionistas, pois não pode ser implementado sem que as autoridades policiais pelo menos “toleram” essas práticas. Além disso, parece provocar uma mudança na ideologia subjacente da política do “apenas diga não”, introduzindo um modelo mais inclusivo que questiona os efeitos prejudiciais da estigmatização promovida pelo sistema penal autoritário sobre a saúde dos usuários de drogas (SILVA, 2008, p. 02).

Enquanto os modelos tradicionais buscam expandir sua punição, o processo de descriminalização procura mitigar os resultados decorrentes do aumento da punição. Isso argumenta que os desvios de conduta estão diretamente relacionados aos processos de seletividade e estigmatização de grupos sociais menos privilegiados. Assim, percebe-se que o foco do problema está mais na atribuição equivocada de status pela sociedade, em função não apenas da cor, mas também da condição econômica do indivíduo, do que em sua própria conduta (SILVA, 2008, p. 02).

As agências penais colhem resultados nefastos devido à sua disparidade no tratamento das drogas, refletindo-se em diversos setores, como médico, econômico e educacional, gerando um alto custo decorrente da criminalização. Ao se comprometerem de forma repressiva com o combate ao uso de drogas, instituem uma forma de gestão da criminalização secundária, ao condenar o usuário na tentativa de acabar com o tráfico de drogas, afetando de forma evasiva os grupos e indivíduos mais socialmente vulneráveis (FIORE, 2015).

O discurso emocional que encobre a funcionalidade política e a verdadeira finalidade do sistema penal também revela o fracasso contínuo de seus objetivos explícitos. Não se pode deixar de classificar como fracassado um sistema que promete proteger os indivíduos, prevenir condutas negativas e ameaçadoras, fornecer segurança e que, hoje, após séculos de funcionamento, busca legitimar um aumento descontrolado do número de crimes, uma diversificação e maior perigo decorrente dessa criminalidade apresentada como crescentemente poderosa (KARAM, 2007, p. 189).

Ao eleger o traficante de drogas como um antagonista social, toda a questão é reduzida à aplicação do sistema penal, potencializando de maneira hostil a criminalidade e impossibilitando o uso de alternativas baseadas na redução de danos causados tanto pelo uso ocasional quanto pelo uso excessivo de drogas (FIORE, 2015).

Assim, o projeto antiproibicionista pode promover de maneira significativa políticas baseadas na prevenção, resultando na atenuação dos danos causados pelas drogas e pelo excesso cometido pelo sistema penal. Ao afastar a ilegalidade associada à criminalização do uso, avança-se na proposta de educar o usuário e, possivelmente, regulamentar o comércio e o uso de entorpecentes (FIORE, 2015).

Portanto, diante dos resultados frustrantes da política proibicionista até agora apresentados no campo das drogas, torna-se evidente a publicização ilusória sustentada pela mesma, cujas represálias não foram capazes de impedir ou superar as estatísticas em torno não apenas do uso, mas também do mercado ilegal de drogas. Assim, infere-se dessas explanações que a prática dessas condutas não é e nunca foi impedida pela política repressiva, pois não está diretamente relacionada à sua legalidade, e sim à complexidade de fatores que envolvem o comportamento humano.

 1.3 AS INOVAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI DE DROGAS

Com a promulgação da Lei 11.343/2006, foi estabelecido o SISNAD – Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas -, cujo principal objetivo, conforme o artigo 3º, é “articular, integrar, organizar e coordenar as atividades relacionadas com a prevenção do uso indevido, a atenção e a reinserção social de usuários e dependentes de drogas”, além de reprimir a “produção não autorizada e o tráfico ilícito de drogas” (NUCCI, 2009).

 Além disso, a lei prescreve medidas para prevenir o uso indevido, prestar assistência e promover a reintegração social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para reprimir a produção não autorizada e o tráfico ilícito de drogas; define crimes e estabelece outras providências (NUCCI, 2009).

As principais inovações introduzidas pela Lei 11.343/2006 dizem respeito às sanções, que visam prevenir o uso de drogas e combater o tráfico, diferenciando o tratamento dado ao usuário/dependente em relação ao traficante. Além disso, foram acrescentados dois tipos penais relacionados aos verbos “transportar” e “depositar”, que não estavam previstos na legislação anterior (NUCCI, 2009).

A nova lei também prevê condutas relacionadas ao cultivo, semeação e colheita de plantas, mesmo que destinadas ao consumo pessoal, que possam causar dependência física ou psicológica. Além disso, aboliu a pena de prisão para usuários, substituindo-a por sanções mais brandas com o objetivo de reintegrar socialmente os indivíduos que tiveram contato com drogas, e aumentou as penas para traficantes (NUCCI, 2009).

Apesar da intenção do legislador de diferenciar entre traficar e usar/depender, essa distinção supera não apenas a lógica das penas aplicadas, mas também a prática processual vigente. Teoricamente, há um regime preventivo para o uso e um regime criminalizador na prática, refletindo-se significativamente na abordagem social dessas condutas. Isso significa que o tratamento social dado ao uso de drogas é muito mais prejudicial e repressivo do que o tratamento penal vigente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com as evidências apresentadas de forma abrangente, os métodos empregados pelo Direito Penal para conter o uso excessivo de drogas, especialmente o Tráfico de Drogas, revelaram-se ineficazes até o momento presente. A tentativa de combater esse problema enraizado em nossa sociedade tem gerado mais vítimas do que resultados efetivos. As políticas de combate ao Tráfico de Drogas não podem se basear na estigmatização do usuário, uma vez que sua conduta não prejudica terceiros. Pelo contrário, as transgressões cometidas pelo Estado contra os bens jurídicos de certas comunidades, decorrentes do comércio ilegal de drogas e substâncias psicoativas, devem ser atribuídas aos membros de organizações criminosas e traficantes que lucram com essa atividade ilegal.

A formulação de uma política adequada em relação às drogas deveria começar com a descriminalização do uso, como é evidenciado em alguns países europeus que regulamentaram legalmente as quantidades permitidas para consumo diário e estabeleceram critérios para distinguir as diferentes condutas. O modelo adotado por Portugal é um exemplo, no qual o porte para consumo pessoal foi convertido em uma infração administrativa. Nesses casos, o indivíduo recebe assistência de uma equipe de profissionais, que decide se é necessário tratamento terapêutico ou punições mais severas. Os resultados dessa nova abordagem têm sido bem-sucedidos, com a redução dos índices de consumo crônico e do envolvimento de adolescentes e crianças. Além disso, fica claro que a descriminalização do uso não leva necessariamente a um aumento no consumo da droga. No Brasil, onde a realidade é caracterizada por um processo constante de seleção e estigmatização de populações socialmente vulneráveis, essa abordagem seria uma alternativa viável.

Além disso, é importante ressaltar que ao longo deste trabalho foi defendida a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343/2006, que trata do delito de Porte de Drogas para Consumo Pessoal. Isso porque viola preceitos constitucionais relacionados à intimidade e à vida privada dos indivíduos, contradizendo a lógica punitiva baseada na proteção da saúde pública e no risco abstrato do delito. Também foi enfatizado que ao diferenciar o tratamento entre substâncias distintas, tanto lícitas quanto ilícitas – o que não faz diferença significativa, já que não impede a dependência, como no caso do álcool – ocorre uma violação do princípio da igualdade. Portanto, fica claro que, a criminalização da conduta relacionada ao consumo de drogas é essencialmente moral, embora a previsão constitucional referente à intimidade e à vida privada deixe claro o que é direito e o que é moral.

No que diz respeito às políticas implementadas ao longo do tempo para lidar com o problema das drogas, a persistência da Política Proibicionista, tanto no âmbito jurídico quanto social, evidencia que o tratamento dado aos dependentes e usuários ainda é estigmatizante. Esse modelo atribui a responsabilidade de tratamento ao sistema penal, por meio de ações repressivas das agências punitivas, reduzindo o indivíduo a um mero objeto de intervenção. A proposta da chamada Justiça Terapêutica também se encaixa nessa lógica coercitiva, ao invés de ressocializar e reintegrar o usuário e o dependente químico, acabando por infringir a integridade e o direito das pessoas de tomarem decisões sobre suas próprias vidas, transformando esse modelo em um processo gradual e antiquado de criminalização.

Por outro lado, os programas alternativos propõem um modelo baseado essencialmente na voluntariedade e na permissão do indivíduo. A lógica subjacente à Política de Redução de Danos contrasta com o proibicionismo, reconhecendo no sujeito alguém com plena capacidade de escolha, oferecendo espaço para novas práticas que visam mitigar os danos causados pelo uso excessivo de drogas, sem recorrer a qualquer dogma moral. Assim, torna-se evidente a diferença no tratamento dado aos usuários e dependentes por cada modelo de política, pois, ao contrário do proibicionismo, aqui há o reconhecimento do sujeito em sua plena autonomia, preservando sua capacidade de expressão, o que tem um impacto positivo no âmbito social.

Por fim, o cerne de nossas explanações é alcançado quando observamos a sobreposição dos meios de controle social sobre as condutas consideradas desviantes. Fica evidente que estamos diante de um sistema rigoroso de regras, que visa estabelecer, aplicar e executar normas por meio de sanções. Isso nos leva a questionar se é possível incluir um excluído na conjuntura atual. Apesar das evidências sugerirem que não, acredita-se na reformulação do suporte penal oferecido às pessoas que cometem delitos, pois… Seria mais simples não encontrar uma solução do que implementar novas práticas para adaptar o sistema atual. Além disso, as interações que ocorrem dentro do complexo prisional e os efeitos negativos que geram na sociedade são consequências de um sistema capitalista agressivo, no qual os indivíduos socialmente menos favorecidos são frequentemente submetidos (embora nem sempre) a práticas criminalizantes devido à sua condição social. Portanto, antes de atribuir ao Estado a responsabilidade de reinserir e ressocializar, é importante examinar nosso comportamento em relação aos presos, iniciando esse processo de forma inversa: educando primeiro a população e depois o infrator, visando garantir um equilíbrio nas relações sociais.

Apesar das considerações apresentadas ao longo deste trabalho, que apontam para a necessidade de reformulações, há aspectos positivos na Lei 11.343/2006, especialmente no que diz respeito à diferenciação entre condutas de uso/dependência e tráfico, algo ausente na legislação anterior, a Lei 6.380/1976. Além disso, as penas foram transformadas em uma abordagem mais preventiva do que punitiva, incluindo a conversão de penas privativas de liberdade em penas restritivas de direitos. No entanto, apesar da intenção do legislador de distinguir entre essas condutas, essa diferenciação vai além da lógica das penas e da prática processual, ainda permitindo a observação de dois tratamentos distintos em relação ao delito de consumo: um focado na prevenção da reincidência e outro na criminalização, o que tem um impacto significativo na abordagem social desses indivíduos.

Portanto, conclui-se que a melhor alternativa diante da questão do consumo e do tráfico seria descriminalizar a conduta de uso pessoal e manter as políticas públicas em vigor, visto que, mesmo existindo, não produziram os resultados positivos esperados ao longo dos anos. Como ideal, busca-se o investimento do Estado em ações mais preventivas do que repressivas, visando garantir a integridade física e moral dos dependentes e da população em geral.

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1 Graduando em Direito pela Universidade Evangélica de Anápolis – Campus Ceres. E-mail: tiagofernandescriminal@gmail.com