TRABALHO DOMÉSTICO REMUNERADO NO CAPITALISMO DEPENDENTE: UM LEVANTAMENTO BIBLIOGRÁFICO

PAID DOMESTIC WORK IN DEPENDENT CAPITALISM: A BIBLIOGRAPHICAL SURVEY

TRABAJO DOMÉSTICO REMUNERADO EN EL CAPITALISMO DEPENDIENTE: UN ESTUDIO BIBLIOGRÁFICO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202408171226


Marianne Ribeiro de Almeida1


Resumo: Essa pesquisa explora as abordagens existentes na pesquisa sobre trabalho doméstico remunerado, duas abordagens principais foram encontradas. Primeiramente, analisa o mercado de trabalho doméstico, focando nas condições de trabalho, remunerações, divisão sexual do trabalho e a luta das empregadas domésticas por direitos. Em segundo lugar, as investigações sobre a influência desse trabalho na vida pessoal das trabalhadoras, incluindo sua saúde física e mental. Ao analisar as pesquisas realizadas em países centrais, os pesquisadores concluem que são os postos de trabalho mais preteridos da sociedade, ocupados por mulheres imigrantes, muitas vezes ilegais e sem acesso aos direitos trabalhistas daqueles locais. O que se agrava nos países de capitalismo periférico, que são mais interessados em pesquisar o trabalho doméstico, nesses lugares, de capitalismo dependente, o trabalho doméstico é ainda mais desvalorizado e envolvido por interseccionalidades de raça, gênero e lugar de moradia, fatores que organizam as sociedades de capitalismo dependente em que a classe trabalhadora é superexplorada como um todo. Com isso, a análise realizada considera o resultado do levantamento bibliográfico à luz da teoria marxista da dependência.

Palavras-chave: Trabalho reprodutivo remunerado, condições de trabalho, Trabalho feminino.

Abstract: This research explores existing approaches to research on paid domestic work, two main approaches were found. Firstly, it analyzes the domestic labor market, focusing on working conditions, remuneration, sexual division of labor and the struggle of domestic workers for rights. Secondly, investigations into the influence of this work on the workers’ personal lives, including their physical and mental health. When analyzing research carried out in central countries, researchers conclude that these are the most neglected jobs in society, occupied by immigrant women, often illegal and without access to labor rights in those places. What is worse in countries with peripheral capitalism, which are more interested in researching domestic work, in these places, with dependent capitalism, domestic work is even more devalued and involved by intersectionalities of race, gender and place of residence, factors that organize dependent capitalism societies in which the working class as a whole is super-exploited. Therefore, the analysis carried out considers the results of the bibliographical survey in light of the Marxist theory of dependence.

Key-Words: Paid reproductive Work, working conditions, female work.

Resumen: Esta investigación explora los enfoques existentes en la investigación sobre el trabajo doméstico remunerado, se encontraron dos enfoques principales. En primer lugar, analiza el mercado laboral interno, centrándose en las condiciones laborales, la remuneración, la división sexual del trabajo y la lucha de las trabajadoras domésticas por sus derechos. En segundo lugar, investigaciones sobre la influencia de este trabajo en la vida personal de los trabajadores, incluida su salud física y mental. Al analizar las investigaciones realizadas en los países centrales, los investigadores concluyen que se trata de los trabajos más olvidados de la sociedad, ocupados por mujeres inmigrantes, muchas veces ilegales y sin acceso a derechos laborales en esos lugares. Lo que es peor en los países con capitalismo periférico, que están más interesados ​​en investigar el trabajo doméstico, en estos lugares, con capitalismo dependiente, el trabajo doméstico está aún más devaluado y involucrado por interseccionalidades de raza, género y lugar de residencia, factores que organizan el capitalismo dependiente. sociedades en las que la clase trabajadora en su conjunto está superexplotada. Por tanto, el análisis realizado considera los resultados del levantamiento bibliográfico a la luz de la teoría marxista de la dependencia.

Palabras-clave: Trabajo reproductivo remunerado, condiciones laborales, Trabajo de las mujeres.

1. Introdução

O estudo do trabalho doméstico é um tema que tem sido discutido de forma tangencial, pois é parte da “economia do cuidado” ou care, assunto em voga nas academias de países de capitalismo central. Entretanto, o trabalho doméstico remunerado ainda está numa crescente de estudos, que ainda não está consolidado, como será demonstrado neste artigo. Em resumo, o trabalho doméstico existe para que o capitalismo consiga manter sua reprodução, então, o mercado conta com as empregadas domésticas, que normalmente têm sua atividade invisibilizadas e inferiorizada em detrimento de outras atividades em todo o mundo, de forma que o cenário laboral e os impacto desse trabalho, muitas vezes pauperizado deveriam ser mais profundamente discutidos na academia.

Com isso, esse levantamento bibliográfico, com discussão crítica de seus resultados, aborda o tema delimitando duas perspectivas: a primeira, focaliza a dinâmica do mercado de trabalho doméstico e as condições enfrentadas pelas trabalhadoras domésticas. A segunda perspectiva concentra-se na análise dos efeitos desse trabalho sobre a vida privada das empregadas domésticas, examinando as implicações sociais, físicas e psicológicas dessa atividade laboral.

O capitalismo dependente é a base teórica na qual a análise crítica desse trabalho é realizado, tal teoria determina que os países periféricos tem sua economia intrinsecamente ligada ao sistema capitalista global de forma que aqueles são dependentes dos países centrais por estes serem os detentores do capital, tecnologia e comércio, o que só se tornou possível devido a troca desigual que se dá entre esses dois grupos, países centrais e periféricos, onde os primeiros exportam produtos industriais e os segundos somente alimentos e matéria prima, com menor valor de mercado e menos capital agregado (Marini, 2022).

Com essa teoria em mente, foi possível analisar os textos encontrados no levantamento bibliográfico, e não somente o conteúdo deles em são relevantes para essa análise, mas a nacionalidade dos autores, o local em que escolhem desenvolver a pesquisa e os resultados por eles coletados. Essa pesquisa é qualitativa, não tem como intuito comparar dados que não são comparáveis, por isso a interpretação se deu dessa forma, comparando dados que todos textos acadêmicos devem ter: local, data e objetivo.

Este estudo agrega um total de nove textos, provenientes de diferentes partes do mundo, fornecendo uma visão abrangente das complexidades envolvidas no estudo a respeito do trabalho doméstico remunerado. Através da análise crítica dessa literatura à luz da teoria marxista da dependência, este levantamento contribui para uma compreensão mais profunda de como a questão social se expressa através desse tipo de trabalho. Destacando as diferenças e semelhanças encontradas em contextos diversos, bem como os desafios comuns enfrentados pelas empregadas domésticas em todo o mundo.

2. METODOLOGIA – O TRABALHO DOMÉSTICO NA PESQUISA ACADÊMICA

O primeiro passo da pesquisa foi situar o assunto no Brasil, o que foi feito através de pesquisa no Banco de Tese e Dissertações da CAPES, em português, a respeito do trabalho atribuído às empregadas domésticas. Nesta parte da pesquisa, foi utilizado a expressão “trabalhadora doméstica”, com isso, foram encontradas as Teses de Doutorado e Mestrado das pesquisadoras Heloísa Helena de Sousa Franco Oliveira (2021) e Adélia Araújo Buriti (2021) como resultado, que tratam dos assuntos: condições de trabalho e acúmulo de funções das trabalhadoras domésticas, ambas utilizam de conceitos de Divisão Sexual do Trabalho, Trabalho de Reprodução Social, entre outros conceitos marxistas. Ao encontrar esses textos, foi possível pensar nas palavras-chave para realizar a pesquisa em inglês.

Com essa varredura inicial, para compreender qual sentido têm-se dado às pesquisas acadêmicas que visam analisar as condições de trabalho das empregadas domésticas na atualidade e em esfera mundial, foi realizada uma varredura teórica em língua inglesa na plataforma de organização de periódicos Scopus, considerando pesquisas dos anos de 2020 a 2023 usando diversas a palavras-chave para encontrar a temática, como explica-se a seguir.

O período temporal foi escolhido devido à pandemia de COVID-19, que iniciou-se no ano de 2020, por entender que esse evento trouxe mudanças significativas para o mercado de trabalho, foi marcado como início do período a ser considerado, até o período atual.

No início da busca foi necessário chegar a um consenso do termo que traduzia exatamente a “empregada doméstica” no conceito utilizado no Brasil, para fazer a pesquisa com as palavras-chave. Porque o conceito de empregada doméstica no Brasil possui características de trabalho muito específicas, o que torna difícil a tradução dessa expressão para o inglês. Esse conceito específico, brasileiro é, resumidamente àquele que é expresso pelo Artigo 1º da Lei Complementar 150/15:

Art. 1o Ao empregado doméstico, assim considerado aquele que presta serviços de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, por mais de 2 (dois) dias por semana, aplica-se o disposto nesta Lei (Brasil, 2015).

Com essa conceituação definida, logo, foi possível observar que a expressão mais comum, “housekeeper”, seria equivalente às faxineiras, portanto, insuficiente para a proposta da pesquisa, uma vez que os textos encontrados, tratavam normalmente da exceção dessa regra: das faxineiras. Então, com mais leituras, chegou-se à palavra “housemaid” que trouxe os resultados mais satisfatórios, principalmente em pesquisas sobre os países considerados do Sul Global.

Entretanto, foi possível perceber que os textos, de forma geral, faziam análises parecidas entre si e que tinham foco em questões diferentes das pesquisas brasileiras que tratavam de acúmulo de funções de condições de trabalho. Portanto, estavam distantes dos objetivos propostos pelo levantamento necessário para esta pesquisa. Mas foi partindo desses artigos, que tornou-se possível pesquisar outras expressões em inglês, como: “Female Domestic Work”, “Paid Domestic Workers” e “Domestic Servant”. Então após encontrar esses termos mais adequados, foram pesquisados somados ao termo “accumulation of work”, que não trouxe nenhum resultado relevante, depois “condition of work” este trouxe como resultados nove textos que se encaixavam nos critérios do conceito de empregada doméstica para o Brasil e tratavam de alguma forma sobre condições de trabalho.

A partir desse caminho de pesquisa bibliográfica foi possível encontrar os caminhos que a literatura sobre o trabalho doméstico remunerado e a condição de trabalho dessas profissionais, tem tomado diante da academia, de forma que foi possível identificar duas perspectivas mais relevantes sobre objeto pesquisado, são eles: A Influência do Trabalho na Vida Privada das Empregadas Domésticas; e O Mercado de Trabalho Doméstico. Essa busca de dados se deu entre março e junho de 2023.

3. PERSPECTIVAS ACADÊMICAS SOBRE O TRABALHO DOMÉSTICO

3.1 O MERCADO DE TRABALHO DOMÉSTICO

O ponto a ser observado nessa perspectiva, é o mercado de trabalho doméstico, a análise foi composta por textos que buscam verificar como se encontra o ambiente do trabalho com cuidados e com limpeza dentro dos lares, como é organizado o tempo de trabalho, progressão de carreira, as atividades a serem realizadas, quem são as pessoas que ocupam esses lugares e principalmente as lutas que travam para conquistarem direitos enquanto classe trabalhadora.

Para introduzir esse ponto de vista, primeiramente, é necessário explicar que o mercado de trabalho doméstico é formado por processos socioculturais e históricos, de forma que há muitas interferências influenciando o funcionamento desse mercado, todos os textos aqui selecionados incluem esse preâmbulo para tratarem os dados coletados.

Por isso, para melhor explicar essa perspectiva, é necessário vinculá-la à teoria do Trabalho de Reprodução Social, em que as autoras selecionadas nesse levantamento bibliográfico fazem, são elas Juliana Cristina Teixeira (2021), Raquel Rojas Scheffer (2021), Anju Mary Paul, Jiang Haolie, Cynthia Chen (2022), Raquel Martínez Buján (2022), e Lisa Blaydes (2023), explicam que o trabalho doméstico, exercido pelas mulheres na divisão sexual do trabalho, deve ser considerado um trabalho que contribui para que seja possível a reprodução do capital, garantidor do funcionamento do trabalho produtivo, portanto, este deveria ser remunerado.

Além dessas autoras foi levantada uma importante pesquisa, que ainda estava em curso no momento de levantamento de dados, sobre trabalho de reprodução social realizada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), através do Global Care Policy Index (GCPI), que é um sistema de comparações de políticas de cuidado doméstico com e sem remuneração e tem como objetivo avaliar como os países protegem a política deste trabalho de reprodução social (cuidado e limpeza) e incentivar que ocorram melhorias nas políticas de proteção às trabalhadoras e familiares que o exercem (Paul et. all, 2022).

Dentro dessa teoria do trabalho de reprodução social, será utilizado o recorte de trabalho reprodutivo terceirizado, que hoje é remunerado, mas mesmo assim continua feminilizado. Lisa Blaydes (2023) comenta que apesar de existir essa remuneração, ela é baixa e esse trabalho, desvalorizado pela sociedade. O que se dá porque o pagamento por essa atividade profissional, como todos as demais, não deriva do valor de sua produção, mas da relação de poder ali embutida e por isso, completa  Rojas Scheffer (2021).

Lisa Blaydes (2023), analisa em Assessing the Labor Conditions of Migrant Domestic Workers in the Arab Gulf States, as condições de trabalho das trabalhadoras domésticas imigrantes que exercem seu trabalho no Golfo Arabe. A autora utiliza como fonte, reportagens de ONGs que tratam de direitos humanos, relatórios realizados pelas Organizações de Direitos Humanos que buscam estudar questões do trabalho feminino e de migrantes, além disso, ela mesma faz uma pesquisa com empregadas domésticas imigrantes vindas da Indonésia e Filipinas para a Arábia Saudita, o recorte escolhido é esse por ser o que contempla o maior número de pessoas, justifica a autora. A coleta de dados que ela mesma realizou durou duas semanas em abril de 2021. 656 indivíduos participaram da pesquisa, e já tinham trabalhado em 975 domicílios.

Com a pesquisa realizada, a autora conseguiu comprovar o que já sugeria antes do levantamento de dados, que na grande maioria dos casos, esse posto de trabalho de empregada doméstica é ocupado por mulheres, porque estas possuem uma dificuldade maior ao acessar o mercado de trabalho devido ao gênero e seu status social periférico. Além disso, no mundo inteiro, as mulheres que o ocupam, estão proporcionalmente em lugares piores no mercado de trabalho, de forma que essa profissão, considerada a mais subalterna, é a única que a elas resta. Com essa análise, a autora conclui que pode-se dizer que o não reconhecimento do trabalho doméstico como trabalho e a desvalorização das pessoas que ocupam esses postos, se inter relacionam e retroalimentam para mantê-los nesse status. (Blaydes, 2023).

Em Migration, Domestic Care Work and Public Policies on Long-Term Care in Spain, de Raquel Martínez Buján (2022), a autora busca explorar o impacto da pandemia de Covid-19 nas condições de trabalho das trabalhadoras domésticas migrantes. Para construir sua pesquisa, usa dados do Inquérito à População Ativa, financiado pelo Ministério da Saúde Espanhol, e analisa os efeitos da crise sanitária na precariedade desse setor de trabalho, medida através do desemprego, subemprego e trabalho temporário. A pesquisa é realizada na Espanha, e os dados levantados são do período da pandemia de Covid-19, que abarcam 2021 a 2024, ou seja, é uma pesquisa que ainda está em curso e os resultados apresentados são parciais.

Ao analisar os resultados de Martínez Buján, é possível observar que em países centrais as empregadas domésticas normalmente são imigrantes, vindas de países de capitalismo dependente e devido a internacionalização da divisão social do trabalho e disseminação da mercantilização do trabalho doméstico, essas mulheres que já se encontravam em situações subalternas, tornam-se ainda mais profundamente subalternizadas (Martínez Bujan, 2022).

Martínez Buján (2022), continua explicando que o trabalho doméstico, é, em grande parte das vezes o único lugar que imigrantes ilegais conseguem trabalhar, que cerca de cinquenta por cento da mão de obra das empregadas domésticas na Espanha trabalham sem nenhum registro, ou seja, sem acessar direitos trabalhistas ou de assistência social que aquele país garante às legalizadas. Por isso esses postos são os que sobram para aquelas imigrantes. Tal fato se repete em diversos estudos, como no caso dos países do Golfo Árabe, Blaydes (2023), afirma que nesses países, os mais desenvolvidos da região, também apresentam tais características que relaciona o trabalho sem registro com imigrantes ilegais e acrescenta que em alguns países, não há legislação alguma sobre a contratação de empregadas domésticas, sendo todas contratadas sem registro, portanto sem acesso à direitos (Blaydes, 2023) e (Martínez Bujan, 2022).

No texto, If caring begins at home, who cares for the carers? Introducing the Global Care Policy Index, os estudos levantados por Anju Mary Paul, Jiang Haolie, Cynthia Chen (2022), concluem que mesmo em países centrais o trabalho doméstico é subjugado a diversos tipos de exploração, nem mesmo países que se propõem a dar qualidade de vida para seus habitantes foram bem nas pesquisas realizadas com as regras propostas pela Organização Internacional do Trabalho. Observou-se nesta pesquisa que um ponto com o maior desrespeito aos tratados e recomendações do órgão se dá em relação a equiparação do trabalho doméstico com qualquer outro trabalho, o que escancara o quanto há uma questão de organização da sociedade e economia, para além de questões culturais.

Para fazer as análises, as autoras levantaram dados do Global Care Policy Index (GCPI) que se trata de (GCPI), um sistema de pontuação original para comparações de políticas de atendimento. Esse índice pretende alcançar dois objetivos: avaliar como as proteções dos provedores de cuidados domésticos correspondem aos parâmetros de referência da política da Organização Internacional do Trabalho e incentivar os países a melhorar suas proteções políticas para provedores de cuidados na esfera doméstica (Paul et. all, 2022).

Como teste piloto desse índice, que tem como conclusão o artigo apresentado, as autoras utilizaram dados de 29 países, selecionados em diversas regiões do planeta, diversos regimes governamentais, infraestrutura e nível de desenvolvimento. O país que teve o melhor resultado sobre a condição do mercado de trabalho doméstico foi a Suécia e o pior, Bangladesh. Esses dados vêm da da Organização Internacional do Trabalho, que  mantém o banco de dados NATLEX , que é de acesso aberto. Alguns desses países não carregam os dados nas plataformas da OIT, então as pesquisadoras e equipe contaram com materiais secundários, incluindo relatórios da OIT e de ONGs, relatórios de consultoria jurídica e publicações acadêmicas revisadas por pares para preencher as lacunas deixadas por dados ausentes. A primeira vez que o trabalho foi apresentado foi no ano de 2019, não há especificação de quando os dados foram coletados. As autoras são pesquisadoras estadunidenses.

Em Same work, same value? Paid domestic workers’ and housewives’ struggles for rights in Uruguay and Paraguay, Rojas Scheffer (2021), analisa como se a organização da trabalhadoras domésticas remuneradas e não remuneradas para o reconhecimento de sua atividade enquanto trabalho e sobre os direitos que implicam uma trabalho, analisando o Uruguai e Paraguai. A pesquisa é realizada com base em entrevistas e técnicas de observação participante.

Rojas Scheffer (2021), observa em suas conclusões que além de imigrantes mulheres vindas do meio rural ou, que, por outros motivos, não acessaram a educação são as que ocupam tais postos de trabalho. E continua ao afirmar que em países menos desenvolvidos, as mulheres que exercem trabalho reprodutivo remunerado, não são imigrantes, mas as que ocupam os lugares mais vulneráveis da sociedade. Rojas Sheffer (2021), explica que nesses casos, a racialização da profissão é uma forma de demarcar mais claramente quem são as mulheres que exercem esse trabalho de reprodução social de forma remunerada, no caso do Brasil, conforme Teixeira (2021), as mulheres negras, que ocupam sempre os últimos lugares nas posições sociodemográficas

Dentro do acima explanado, os estudos, são realizados através da perspectiva de desigualdades emaranhadas, conceito trazido por Rojas Sheffer (2021), que explica que as empregadas domésticas são sujeitos que agrupam desigualdades com assimetrias em muitas dimensões: econômicas, culturais e políticas, que derivam do poder advindo da classe, gênero e raça/etnia e que interagem nos diferentes espaços e temporalidades. (Rojas Scheffer, 2021)

No Brasil, a pesquisa a ser analisada é o texto Brazilian housemaids and COVID‐19: How can they isolate if domestic work stems from racism? de Juliana Cristina Teixeira, a autora explica que o trabalho doméstico nesse lugar tem especificidades muito únicas, e o conceito de desigualdades emaranhadas, aqui se aprofunda como interseccionalidade, que engloba a situação de opressão vinda da raça, gênero, classe e relação com o colonialismo e esvravidão brasileira (Teixeira, 2021).

Em sua obra, a autora propõe um debate sobre a situação das empregadas domésticas brasileiras no contexto da pandemia de COVID-19  que visa ampliar a discussão sobre esse cenário e vinculá-lo estruturalmente ao da formação sócio-histórica do país que tem como elementos fundadores o racismo e colonialismo.

O que unifica essas pesquisas é o foco delas, todas focam no mercado de trabalho doméstico, analisam como esse funciona e como ainda reproduz racismo e machismo em relação a esse trabalho.

3.2 A INFLUÊNCIA DO TRABALHO NA VIDA PRIVADA DAS EMPREGADAS DOMÉSTICAS           

Nessa perspectiva, a ênfase dos estudos se dá na vida privada das empregadas domésticas. As pesquisas encontradas tratam sobre as condições de saúde física e mental das trabalhadoras e as relações entre esses fatores e o exercício das funções delas nos mais diversos lugares do mundo.

Germán Guerra, Arturo Júarez García, Claudine Burton Jeangros, Antoine Flahault, Amado D. Quezada Sánchez, Nelly Salgado-de-Snyder (2022), autores do texto Non-Migrant Paid Domestic Workers and Depressive Symptoms: A Mixed-Methods Systematic Review, fazem uma revisão sistemática das pesquisas que tratam da relação entre os sintomas depressivos das empregadas domésticas relacionados com o exercício das funções dessas no trabalho.

Os autores pertencem a uma parceria entre a Faculdade de Medicina da Universidade de Genebra e ao Programa de Saúde Global do Centro de Pesquisa em Sistemas de Saúde do Instituto Nacional de Saúde Pública do México. A busca dos dados se deu entre julho e novembro de 2019.

O estudo é delimitado com a análise sobre trabalhos africanos, latino americanos e asiáticos, destes, limita entre pesquisas que considerem as empregadas domésticas não-migrantes, por entenderem que essas teriam mais motivos diretamente ligados ao trabalho para apresentarem os sintomas depressivos, chegando assim a dez pesquisas relevantes para análise. Chama atenção para que seja possível conceber que essa profissão nessa região de capitalismo tardio em que houve um período colonial e escravista. (Guerra et al., 2022).

 Interessante destacar a dificuldade dos autores de caracterizarem se as empregadas domésticas entrevistadas são ou não depressivas, pois a maior parte delas, nunca foi a um médico especializado que poderia fechar o diagnóstico corretamente, por isso no decorrer da pesquisa optam pela expressão “sintomas depressivos” (Guerra et al., 2022).

Como resultados os autores apresentam que, em regra, as empregadas domésticas são mais propensas a apresentarem sintomas depressivos que demais profissionais e que uma possível explicação para tal fato, seria para além das condições sociais e do trabalho, diz respeito ao abuso moral e sexual no local em que trabalham. Explicam os autores que os números de sintomas depressivos são ainda maiores entre mulheres que moram em seus locais de trabalho, portanto o fato de não existir desconexão com os abusadores (patrões), falta de privacidade e privação de alimentos, tende a aumentar o número desses sintomas (Guerra et al., 2022).

Tariq, Shaikh e Musharraf, no texto Working Conditions and Work-Related Health Issues of Female Domestic Workers in Four Districts of Karachi (2020),  também estudam a vida privada das mulheres que exercem o trabalho doméstico de forma remunerada, nessa pesquisa se propõe a observar como se relacionam às condições de trabalhos destas trabalhadoras com o estado de saúde em que se encontram, porém esses autores focam na parte da saúde física dessas mulheres, concluindo que existem problemas de saúde que podem ser relacionados diretamente com a profissão.

A pesquisa é feita analisando trabalhadoras que são residentes de assentamentos ilegais da Cidade de Karashi no Paquistão, levando em conta trabalhadoras domésticas  não migrantes, o que os autores concluem de acordo com a composição desses assentamentos, os dados foram coletados seguindo critérios elaborados pelos autores e de acordo com a legislação paquistanesa e bibliografia, apesar de não mencionar quando foi feita a coleta de dados, explica que se deu durante seis meses.

Ao analisar as condições de saúde das empregadas domésticas, os pesquisadores conseguem identificar como essas trabalhadoras estão expostas à situações que prejudicam a saúde física, como ocorre em situações em que trabalham com produtos químicos sem EPI’s adequados, mas também informam que há uma dificuldade ao fazer essa análise, porque no Paquistão, país em que é realizada a pesquisa, também é baixo o número de empregadas domésticas que conseguem acessar um sistema de saúde (Tariq et. all,, 2020).

Já no artigoLiving and working conditions of female domestic workers in Pune City, os autores Pokale, Gothankar e Pore, fazem uma análise do reflexo que o trabalho das empregadas domésticas de uma cidade de grande porte na Índia, tem em suas vidas pessoais e dos reflexos nas vidas de suas famílias (Polale et. all, 2021).

Ao contrário da pesquisa de Guerra et al. (2022) e Tariq, Shaikh e Musharraf (2020), Pokale, Gothankar e Pore (2021), dão foco às mulheres imigrantes e explicam que essas ocupam o maior número de postos de trabalho de empregada doméstica no país estudado, a Índia. Acrescentam que na realidade analisada por eles, as empregadas, em maior número não são fixas em seus postos de trabalho, mas trabalham em várias casas ao mesmo tempo, realizando diferentes tarefas em cada uma delas e que a remuneração é paga de acordo com a função desempenhada, o recorte de pesquisa foi enfocando somente essas trabalhadoras em período parcial. Os dados foram coletados na cidade de Pune, na Índia, levando em conta as cinco regiões da cidade e suas especificidades. O período de coleta de dados se deu entre julho de 2017 e janeiro de 2019.

Como resultado das análises realizadas, os pesquisadores chegaram às conclusões voltadas para a vida íntima daquelas mulheres: como eram suas casas, seus maridos, em quantas casas trabalhavam e quais funções exerciam normalmente. O cenário encontrado foi de altas taxas de pobreza, maridos com problemas com alcoolismo e que os trabalhos esporádicos eram os que pagavam melhor, todos esses fatores contribuíam para a pior qualidade de vida dessas mulheres (Pokale, 2021).

O último artigo selecionado foi o Modern-day slavery? The work-life conflict of domestic workers in Nigeria, dos autores Toyin Ajibade Adisa, Olatunji David Adekoya e Olajumoke Okoya, onde estudam sobre como as empregadas domésticas visualizando o conflito trabalho/vida privada dessas trabalhadoras, percebendo que, as famílias empregadoras resolveram parte desse problemas  ao terceirizarem o trabalho doméstico, a autora, analisa, partindo das características do emprego dessas mulheres, como se dá tal conflito (Adisa et. all, 2021).

Os dados selecionados foram coletados em Lagos, capital de Nigéria, onde trabalham os pesquisadores, 21 empregadas domésticas foram entrevistadas para a pesquisa, que se deu em período anterior a 2019, não precisando os autores quando.

Nesse texto, os autores se aproximam da discussão a respeito do mercado de trabalho das empregadas domésticas, apesar do foco principal ainda ser a vida pessoal dessas, eles deixam claro que existe um problema sistemático ao analisar os dados colhidos e explicam que nas atuais condições de trabalho, de acúmulo de funções, jornadas muito longas e imprevisibilidade, é impossível que as empregadas tenham uma vida pessoal saudável (Adisa et. all, 2021).

Essa perspectiva de análise do trabalho doméstico remunerado, apesar de tangenciar assuntos como a informalidade na contratação dessas profissionais e resquícios de escravidão moderna, pontos diretamente ligados ao mercado de trabalho doméstico, foca nas consequências que o trabalho doméstico traz para a vida íntima das pessoas que exercem essa atividade de forma remunerada.  É possível compreender que o assunto aqui abordado trata das consequências do mercado de trabalho doméstico na vida de suas trabalhadoras.

4. CAPITALISMO DEPENDENTE

 Ruy Mauro Marini (2022), cunha em 1973 o termo Capitalismo Dependente ao explicar como se deu a inserção do Brasil e de toda América Latina no mercado mundial e como esse modo de inserção foi determinante para o capitalismo central se manter e se desenvolver. Isso se deu porque a acumulação nesses países centrais só foi possível com a exploração dos países periféricos ao exigir que estes exportassem alimentos e matérias primas-primas enquanto aqueles enviassem produtos industrializados e de maior valor agregado.

Com essa forma de produção, os países centrais puderam criar técnicas de trabalho que fizessem que a produção fosse mais eficiente, de modo que em menos tempo os trabalhadores poderiam produzir mais e com menos desgaste, de forma que os capitalistas desses locais pudessem continuar ampliando sua acumulação de capital. Já nos países periféricos, essa mudança nos meios de produção nunca ocorreu, nestes, para que o capitalista local possa lucrar, é necessário maior exploração do trabalhador, o que Marini (2022) chama de superexploração do trabalhador.

Essa superexploração do trabalhador é analisada pelo autor ao se referir ao trabalhador de forma geral desses países periféricos, que trabalham muito mais horas que o trabalhador de países centrais, têm condições de trabalho piores e recebem salários inferiores. Marini (2022) explica que isso se dá devido à troca desigual que ocorre entre os países dependentes, que exportam matéria prima e alimentos, e países centrais que compram esses produtos por preços baixos e vendem mercadoria manufaturada e industrializada com maior valor agregado.

Nesses países periféricos em que todos os trabalhadores são superexplorados, torna-se necessário a organização da sociedade através de outros signos que justifiquem as expressões da questão social se apresentando de forma tão latente. Conforme Souza (2023), a partir dessa necessidade, a ideologia capitalista classifica a sociedade enfatizando diferenças entre os grupos sociais, diferenças essas, que muitas vezes são criadas por essa  própria ideologia. Assim, o racismo, machismo, xenofobia e homofobia passam a ser estruturantes para que a organização do capitalismo continue se reproduzindo.

Em consonância, Silvio Almeida (2019), explica que raça é um elemento puramente político, construído para dar base ao racismo, que justificaria essa organização social que precisa subalternizar um grupo, dessa forma o racismo não só atravessa todas as instituições, mas ele faz com que elas sejam possíveis de existirem num capitalismo dependente que pauperiza as pessoas. Por isso, continua, no caso do Brasil, não basta compreender o racismo apenas como derivação dos sistemas econômico e político que tem como base o capitalismo dependente.

Almeida (2019) acrescenta que a especificidade na dinâmica estrutural do racismo do Brasil, passa em grande parte pela escravidão de pessoas pretas sequestradas no continente africanos e explorads no país por cerca de 300 anos o que deixa marcas profundas na vida enômica e na socialização dos descendentes desses escravizados. Esse histórico, em parte, faz com que a população normalize que os pretos, ainda hoje, ocupem espaços menos valorizados no país, como favelas e presídios. Sem se questionarem, conforme Cida Bento (2002), porque nos lugares de prestígio, como universidades e cargos de chefia, essas pessoas não estão, sendo que pretos e pardos compõem, segundo o Senso de 2022, 56% da população brasileira. Nesse sentido, acrescenta Gonzalez (1987, p.224) “o racismo se constitui como a sintomática que caracteriza a neurose cultural brasileira. Nesse sentido, veremos que sua articulação com o sexismo produz efeitos violentos sobre a mulher negra em particular.”

Através da dialética da dependência também, se justifica que para o capitalismo se manter, é necessário que através da ideologia, cria-se camadas sociais diferentes dentro da classe trabalhadora, de forma que se justifique o porque certas pessoas são ainda mais exploradas. No Brasil, essa organização se dá com homens brancos no topo, seguidos pelas mulheres brancas, e muito abaixo encontram-se os homens pretos e ao final as mulheres pretas, todos os índices de pobreza irão expor essa divisão sócio-econômica, criada pela formação histórica, mas, mantida pelo sistema de capitalismo dependente.

Com isso, observa-se que na divisão racial do trabalho, coube aos pretos e pardos os piores locais do mercado de trabalho, uma vez que o racismo justifica que aquelas pessoas estejam naquelas posições. O racismo constrói subjetividades e faz com que seja normalizada a exploração do corpo preto.

Quando esse corpo preto pertence a uma mulher, logo, ele é encaixado no trabalho de menor reconhecimento e remuneração, o trabalho doméstico que normalmente é oferecido de forma gratuita, então quando é remunerado é ocupado pelas pessoas que não têm opção de ocupar outros postos de trabalho.

Ao dividir a classe trabalhadora em pequenos grupos, determina qual lugar cada pessoa pode ocupar, e quais grupos terão o status de pessoa, inclusive. Os ditos pela ideologia como os de menos valor sustentando pequenos grupos e toda a classe trabalhadora superexplorada de países de economia dependente sustentando os modos de vida dos países centrais. Essa divisão da classe trabalhadora, explica Souza (2023), aliena a classe e serve como contenção de uma presente luta de classes, fazendo que a luta se dê dentro da mesma classe, deixando os detentores do capital livres de maiores resistências.

Esses grupos depreciados, servem como exército de reserva para o mercado de trabalho, exército esse impossível de ser absorvido no capitalismo dependente, que sobrevive em trabalhos desprotegidos de legislação, precarizados e informais.

Ao analisar criticamente o levantamento bibliográfico realizado, é possível encontrar todas essas características no trabalho doméstico remunerado, principalmente nos países periféricos, enfatizando os pertencentes à América Latina, que em sua formação sócio-histórica, têm a escravidão e colonialismo como bases para a organização da sociedade.

5. DISCUSSÃO

Com a varredura teórica realizada, à luz da Teoria Marxista da Dependência, cunhada por Marini (2022), foi possível analisar algumas questões que tangenciam os textos, mesmo que de forma não intencional pelos pesquisadores.

As pesquisas foram realizadas por autores de diversas partes do mundo, na perspectiva do Mundo do Trabalho as pesquisas se dão no Golfo Àrabe, Brasil, Chile e Paraguai, Espanha e Estados Unidos. Já na segunda perspectiva, que trata sobre a influência do trabalho na vida privada das empregadas domésticas, as pesquisas são realizadas no México, Paquistão, Índia e Nigéria. Dos nove textos analisados, sete são escritos por países de capitalismo periférico.

Então, a partir desse número, significativamente maior de pesquisas sobre o trabalho doméstico em países de economia periférica é possível analisar esse levantamento a partir da categoria da dialética da dependência e como se dão as condições de trabalho das empregadas domésticas nesse contexto.

Como visto em grande parte dos textos, inclusive os dois que são realizados em países de capitalismo central (Estados Unidos e Espanha), as empregadas domésticas, ocupam os piores postos de trabalho em relação à garantia de direitos e remuneração, conforme a pesquisa de Paul, Haolie e Chen (2022), mesmo no país que melhor protege suas trabalhadoras domésticas, a Suécia, não o faz de maneira satisfatória se comparado às demais profissões. O que escancara como essa precarização é inerente à categoria de trabalho de forma geral.

Nos países de capitalismo periférico em que os trabalhadores são mais explorados, superexplorados, as condições de trabalho e remunerações inferiores, essa situação tende a piorar, o que é possível comprovar com a leitura de todas as pesquisas que se encontram na perspectiva que visa analisar a influência do trabalho na vida privada da empregada doméstica, realizadas no Paquistão, Nigéria e Índia, todos países de capitalismo periférico.

Nesses países o trabalho doméstico é o mais precarizado e menos gerador de riqueza imediata, por isso os postos de trabalho são ocupados pelas categorias mais vulneráveis da sociedade, sejam elas indígenas, negros ou imigrantes, mas sempre mulheres. Na divisão sexual do trabalho, coube aos homens os trabalho que agregam capital rapidamente, às mulheres o trabalho de reprodução social, trabalho esse, essencial para a manutenção da reprodução do trabalhador. Portanto, é considerado natural que as mulheres mais subalternizadas ocupem o trabalho doméstico remunerado.

Nos países latino-americanos analisados (México, Brasil, Chile e Paraguai), o que chama atenção é o número de empregadas domésticas exercendo esse trabalho, o foi teorizado por Souza (2023), segundo ela,  nos países de economia dependente:

A condição dependente inibe o acesso massivo aos bens de consumo viabilizados pelo desenvolvimento das forças produtivas, como máquina de lavar, equipamentos de auxílio na limpeza doméstica ou urbana etc.; assim como o não acesso massivo a equipamentos de uso coletivo, como creches, restaurantes populares ou lavanderias etc (Souza, 2023, s/n).

Com essa afirmação a autora corrobora com o que vem sendo teorizado nesse artigo, que a classe trabalhadora dos países de capitalismo dependente precisam mais dos trabalhos de uma empregada doméstica, por alguns motivos, como o trabalho mais intensivo, jornadas mais longas e menor acesso à tecnologias que facilitem o trabalho doméstico. Além disso, a questão do excesso de mão de obra disponível nesses países faz com que uma parcela da população fique à disposição para exercer postos de trabalho degradantes e informais, a autora segue:

ter uma trabalhadora doméstica em casa não é um “luxo” apenas da burguesia (que com certeza o tem, mas não é o foco neste debate). Essa é a realidade de muitos trabalhadores assalariados, que também precisam vender sua força de trabalho — principalmente a chamada classe média que, embora possa não se reconhecer como classe trabalhadora, dados os mecanismos de alienação, o é — e só podem ter determinadas condições de vida a partir da sua renda do trabalho, porque acessam de maneira muito rebaixada os serviços de que necessitam para se reproduzir, por meio da exploração do trabalho doméstico (Souza, 2023, s/n).

No Brasil, devido à sua formação sócio-histórica, o capitalismo dependente é fundado pelo racismo e patriarcado, que organizam toda a sociedade, de forma que, o trabalho doméstico remunerado é fruto direto do trabalho antes exercido pelas escravizadas. Teixeira (2023), trata exatamente de como as empregadas domésticas permanecem em situações vexatórias no Brasil, exemplificando com casos concretos de como essa profissão foi uma das mais atingidas pela crise de saúde e econômica do COVID-19. Que trouxe tanto mortes em maior número para a população mais pobre, como uma diminuição de vagas em trabalhos formais, deixando, mais uma vez, o mercado de trabalho doméstico como a única opção para um vasto número de mulheres pretas, o grupo mais preterido no mercado de trabalho brasileiro.

Esses fatores, racismo e patriarcado, são fundamentais para a permanência de mulheres pretas prestando o serviço doméstico remunerado. Como visto no levantamento bibliográfico, os postos de trabalho doméstico são ocupados pelos cidadãos mais subalternizados da sociedade. Esse aspecto explicita a complexidade que existe dentro da classe trabalhadora dos países de economia dependente, que é organizada em pequenos grupos, que são alienados pelas ideologias machistas e racistas que funcionam para que não se organize para a verdadeira luta de classes.

O estudo sobre o trabalho doméstico no Brasil, como explica Saraiva (2022) precisa ser feito de forma totalizante, que leve em conta a situação de dependência do país, fator de gênero, raça e classe, de forma que o trabalho não fique esvaziado.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao identificar que existem essas duas perspectivas na literatura a respeito das funções de trabalho das empregadas domésticas, foi possível compreender que elas se dão de acordo com a intencionalidade de cada pesquisador: as pesquisas sobre o Mercado de Trabalho Doméstico, normalmente observam a necessidade de ampliação de ações de entes públicos e da sociedade civil na ampliação de direitos das empregadas domésticas, bem como do reconhecimento do trabalho de reprodução social enquanto um trabalho, mesmo àquele que não é remunerado por ser exercido por familiares de cada domicílio.

Os trabalhos da linha de pesquisa nomeada como A Influência do Trabalho na Vida Privada das Empregadas Domésticas observa como é a vida dessas trabalhadoras, o mercado de trabalho não é necessariamente o fator fundamental de vulnerabilidade dessas mulheres, como citado, muitas vezes é a desorganização familiar, o machismo e racismo, que podem, ou não serem presentes no trabalho destas. E o mercado de trabalho, torna-se assim uma parte da série de opressões que essas mulheres vivem.

Além disso, a linha que debate o mercado de trabalho contribui com seus estudos com foco de como são distribuídas as funções às trabalhadoras na divisão sexual e racial do trabalho, entendendo esse grupo enquanto classe trabalhadora, o que também, por vezes é esquecido pela outra linha de pesquisa.

Analisando esse levantamento à luz da teoria marxista da dependência, é possível compreender que em todos os países o trabalho doméstico é o mais preterido e portanto, acaba sendo ocupado pelas camadas mais vulneráveis da sociedade, essa classe tem gênero e, mas nos países dependentes tem raça. Nesses locais, cujo exército de reserva é substancial, o trabalho doméstico remunerado é ainda mais mal remunerado, superexplorado e precarizado, por serem empregadas de uma classe trabalhadora também superexplorada e alienada por uma ideologia capitalista que mantém a classe trabalhadora dividida entre mulheres e homens, brancos e não brancos, trabalhadores pobre e  paupérrimos.

Com esse levantamento fica claro que há a necessidade de aprofundamento na pesquisa das duas áreas e que elas conversam em muitos trabalhos, o que é considerado bastante positivo. Algo que não se pode perder de vista é a questão da interseccionalidade ao analisar as opressões que essas profissionais sofrem na sociedade civil, que decorrem da opressão no trabalho.

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¹Mestranda em Economia Doméstica na linha de pesquisa Trabalho, Questão Social e Política Social, pela Universidade Federal de Viçosa (UFV); Licenciada em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) com ênfase em Patrimônio Histórico. Bacharela em Direito pelo Centro Universitário de Viçosa – Univiçosa.