TRABALHO ANÁLOGO A ESCRAVIDÃO VERSANDO SOBRE A PRECARIEDADE DO TRABALHO RURAL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10155439


Ageu Coutinho de Carvalho*;
Adriano Michael Videira dos Santos**.


RESUMO

O presente estudo aborda a questão do trabalho análogo a escravidão. Objetivou analisar as responsabilidades jurídicas do empregador que pratica o trabalho análogo ao escravo em área rural e a natureza jurídica desta prática. Bem como analisar os princípios constitucionais que amparam o trabalhador vítima de trabalho escravo; examinar as sanções jurídicas e sua natureza cabíveis ao escravista; compreender e a analisar a eficácia dos órgãos fiscalizadores ao trabalho em área rural; e identificar e compreender a execução da lei para aplicação de sanção e a eventual reparação civil pelo dano causado ao empregado. Para a realização deste estudo foram feitas uma pesquisa bibliográfica em veículos especializados disponíveis, e foi constatado que as penas previstas no Código Penal, não são tão eficazes. Ainda é pouco debatido o confisco em caso de exploração do trabalho, sequer é colocado em prática, seguindo sem regulamentação definitiva, o que faz com que se exigir a condenação criminal e a responsabilização objetiva dos proprietários do local em que é praticado o trabalho escravo ainda fiquem sem solução concreta. Porém, ressalta-se a “lista suja”, que compelida pelo princípio da transparência, o método ostentou em sua face o nome das empresas ao qual cometeram ilícitos a que se referem. Pode-se analisar que a eficácia do plano ainda não é plena ao ponto de erradicar com a prática escravagista no âmbito laboral, mas o mecanismo auxilia na forma efetiva de diminuição destas práticas desumanas.

Palavras-chave: Escravidão. Trabalho rural. Responsabilidade jurídica. Empregador.

1 INTRODUÇÃO

O presente estudo científico trata de um tema que ainda é latente em nosso cotidiano, embora a própria nomenclatura nos remeta a um pensamento de um ocorrido que se perdeu nas histórias e nos livros. A escravidão no âmbito trabalhista ainda se faz presente na vida de muitos trabalhadores, atacando de forma silenciosa, maquiada, mas sendo eficaz quanto ao seu resultado destruidor.

É de grande relevância analisar as formas maquiadas de escravizar, aparentemente, revestidas das formas legais, tendo como finalidade driblar os direitos protetivos devidamente positivados em nosso ordenamento jurídico. A escravidão no âmbito do trabalho pode contar ainda com modos de aparências legalistas, dessa forma visando ludibriar todo um aparato judicial, acontecimentos estes que buscam a vulnerabilidade das classes hipossuficientes para submetê-los ao exercício de tal prática.

Portanto, o problema que se pretende investigar gira em torno do seguinte questionamento: Quais as responsabilidades jurídicas do empregador que pratica o trabalho análogo ao escravo? Têm-se como possíveis soluções para as presentes problemáticas as seguintes hipóteses: a relação das normas penais positivadas ao direito do trabalho e sua eficácia; a correlação dos princípios constitucionais à proteção da dignidade da pessoa humana em prol ao trabalhador; a reparação civil por dano causado ao ofendido (trabalhador).

É válido salutar que, embora a época escravocrata tenha sido esquecida, a mesma ainda é um problema permanente, pois essa realidade ainda anseia de forma maquiada em nossa sociedade, desse modo, a nossa legislação ainda busca de forma positivada e com seus órgãos fiscalizadores tomar medidas eficazes com o escopo de coibir tal prática hedionda.

No presente momento é válido ressaltarmos que a escravidão no trabalho não se pauta em algo distante da realidade de nossa humanidade e muito menos ficou esquecida nos primórdios da era escravagista. É de grande relevância analisar formas dissimuladas de escravizar que vem mascarada para driblar direitos protetivos devidamente positivados em nosso ordenamento jurídico.

Com base nisso, a percepção que temos da proibição escravocrata devidamente positivada nos dá uma forma imperiosa de pensamento que nos remete a liberdade de tal desmazelo e que ficaram apenas nos livros de história. Logo, o presente estudo objetiva analisar as responsabilidades jurídicas do empregador que pratica o trabalho análogo ao escravo em área rural e a natureza jurídica desta prática. Para alcançar os objetivos            referidos, foi desenvolvida uma pesquisa bibliográfica de abordagem qualitativa, por meio de coletas de materiais utilizando a base de dados do Google Acadêmico, em livros, doutrinas, jurisprudências, documentos revistas e periódicos. Foram selecionadas monografias, teses, artigos científicos e livros que tratam a temática.

2 CONCEITOS E ASPECTOS GERAIS DE TRABALHO ESCRAVO

A breve missão de contextualizar o tema supracitado dependerá da analise de vários ângulos a serem explanados, é válido levarmos sempre em consideração os pontos de vista de alguns doutrinadores, sociólogos e historiadores, bem como a época e suas diferentes significações.

Tripalium que deriva do latim tardio “tri” (três) e “palus” (pau) – literalmente, “três paus”, consistem em um termo romano que faz menção a um instrumento de tortura (castigo) que era usado nos primórdios da época escravagista, mais tarde tal terminologia veio a originar, no português, a palavra Trabalho e Trabalhar.2

Tendo em vista a explanação do tema, é de suma importância ainda abordarmos a contextualização da terminologia escravidão3:

Escravidão é um fenômeno da sociedade, que consiste em fazer o trabalho de uma pessoa, dia e noite, sob possível de condições mais precária e sem pagar mais do que o alimento e o abrigo que pode dar a um quarto com recursos mínimos.Pessoas que sofrem de escravidão, conhecido como escravos, vêm de lugares do mundo onde a pobreza e a negligência abundam.a escravidão era um dos principais mecanismos da função do feudalismo, este poder econômico, cuja característica principal foi a criação de um sistema de compra e venda de escravos entre pessoas com poder de fazer o trabalho sem pagamento ou recompensa de qualquer espécie, alimentando assim os estômagos dos poderosos que comprá-los.

A fim de aditar o que fora dito, trazemos à baila o entendimento mencionado do tão ilustre autor Sento-Sé4 que preleciona da seguinte forma:

[…] identificar os significados dos diferentes usos dos termos é, portanto, mais do que lidar com nomes: é desvendar as lutas que se escondem por detrás dos nomes – lutas essas em torno da dominação, do uso repressivo da força de trabalho e da exploração.

O estudo das terminologias nos leva a uma compreensão, além do seu simples significado, nos traz ainda o entendimento de forma profunda, nos permite mergulhar na história, a fim de descobrir sua origem, seu desenvolvimento e, por conseguinte, seu desfeche.

Dando continuidade a linha de raciocínio de Sento-Sé5, o escritor nos dá uma breve explanação no que consiste o Trabalho escravo contemporâneo como:

Aquele em que o empregador sujeita o empregado a condições de trabalho degradantes, inclusive quanto ao meio ambiente em que irá realizar a sua atividade laboral, submetendo-o, em geral, a constrangimento físico e moral, que vai desde a deformação do seu consentimento ao celebrar o vínculo empregatício, passando pela proibição imposta ao obreiro de resilir o vínculo quando bem entender, tudo motivado pelo interesse mesquinho de ampliar os lucros às custas da exploração do trabalhador.

Percebemos que o trabalho escravo é um fato que ainda está presente em nossa sociedade, mas de forma paramentada, no intuito de driblar as formas protetivas que são desfavoráveis ao assunto.

Trata-se de práticas degradantes que ferem a honra de qualquer pessoa submetida ao feito. O doutrinador Castilho6 nesse sentido vem acrescentar a nossa compressão o seguinte entendimento:

(…) o trabalho forçado era tratado no âmbito do Ministério Público sob a ótica criminal e sob a ótica dos direitos humanos. Do ponto de vista criminal, situações denunciadas sob o nome genérico de trabalho escravo são enquadráveis nos tipos penais previstos nos arts. 197, 203, 207 e 149 do Código Penal. Trata-se de atentado contra a liberdade do trabalho, frustração do direito assegurado por lei trabalhista, aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional e redução à condição análoga à de escravo.

É válido salutar que, embora a época escravocrata tenha sido esquecida, a mesma ainda é um problema permanente, pois essa realidade ainda anseia de forma maquiada em nossa sociedade, desse modo, a nossa legislação ainda busca de forma positivada e com seus órgãos fiscalizadores tomar medidas eficazes com o escopo de coibir tal prática hedionda.

2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS E A EVOLUÇÃO LEGISLATIVA

O Trabalho é uma característica muito antiga do homem, nota-se a sua existência desde a criação das primeiras sociedades, desde então se fez necessário a sua introdução nos grupos primitivos perpetuando até o presente momento. Mota7 nos explica o surgimento da prática:

A sociedade paleolítica caracterizou-se pela subsistência na dependência da caça, da pesca e da coleta de frutas e raízes, e pela utilização de objetos confeccionados com pedra lascada, ossos e dentes de animais. Devido a essa dependência os grupos humanos eram nômades, acossados pelas intempéries e pela busca de alimento. Viviam em bando e dividiam coletivamente o espaço e as atividades.

A utilização da mão de obra escrava vem sendo praticada desde a formação das primeiras sociedades, como fora supracitado por Mota, tal ato se deu pelas divergências, conflitos territoriais, a escarces de alimentos, dessa forma, tais condições propiciaram entre eles a guerra, onde os perdedores, mortos em campos de batalha, serviam como alimento ao grupo vitorioso, ao passar do tempo, perceberam que os derrotados nos duelos teriam outras finalidades, ou seja, seria mais vantajoso que estes praticassem serviços laboriosos aos seus novos donos. Dessa forma, o gênese da questão escrava teve seu inicio.

Levando em consideração o contexto histórico fazendo uso dos textos que encontramos na 8Bíblia Sagrada podemos observar ainda passagens onde há a narração de casos de escravidão na epístola de Paulo aos Gálatas, no novo testamento, capitulo 5, versículo 1: ‘’para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não vos submeteis, de novo, a julgo de escravidão, ou seja, comprovando quão antiga é tal prática que se perdurou no tempo, sendo utilizada ainda por várias épocas ao longo da história, segundo prelecionam Mota e Braick:9

O desenvolvimento comercial provocou a expansão da economia monetária, ao mesmo tempo em que criou uma necessidade de conquistar novas terras ou colônias para ampliar o fornecimento de cereais e a exportação de produtos como o vinho e o azeite. A expansão econômica só seria possível graças a utilização da mão-de obra escrava, que trabalhou nos mais diversos setores de produção

Nessa época já pode-se observar um esboço da necessidade das primeiras mãos-de-obra advindas do trabalho, ao longo desse período, se fez presente o crescimento econômico e com ele a imprescindibilidade da execução laboral, com uma execução eficaz e que não gerassem altos custos, dessa forma, dava-se início a uma das formas de exploração.

É válido fazer uma distinção que nessa época a escravidão deu lugar a

servidão, podemos apontar ainda os servidores da gleba, que na sua essência não desfrutavam de sua liberdade plena, pois eram condicionados a permanecerem no sou local de trabalho de cultivo onde exerciam ainda sua moradia na qual detinham um gozo limitado.

Na idade moderna, especificamente, no Brasil o trabalho escravo ganhou destaque com o uso de mão de obra forçada em vários setores da economia, tais como o cultivo da cana de açúcar no nordeste, a produção do café no estado de São Paulo e Rio de Janeiro e ainda a extração de pedras preciosas em Minas Gerias. A fim de aditar o que fora dito:

No Brasil, a escravidão teve início com a produção de açúcar na primeira metade do século XVI. Os portugueses traziam os negros africanos de suas colônias na África para utilizar como mão-de-obra escrava nos engenhos de açúcar no Nordeste. Os comerciantes de escravos portugueses vendiam os africanos como se fossem mercadorias aqui no Brasil. Os mais saudáveis chegavam a valer o dobro daqueles mais fracos ou velhos.

(…) Nas fazendas de açúcar ou nas minas de ouro (a partir do século XVIII), os escravos eram tratados da pior forma possível. Trabalhavam muito (de sol a sol), recebendo apenas trapos de roupa e uma alimentação de péssima qualidade. Passavam as noites nas senzalas (galpões escuros, úmidos e com pouca higiene) acorrentados para evitar fugas. Eram constantemente castigados fisicamente, sendo que o açoite era a punição mais comum no Brasil Colônia.10

Com base no que fora dito, é dê suma importância salientar as evoluções sociais com o esboço de leis que tinham como objetivo acabar com a prática escravagista.

Em meados de 1850, através da Lei n° 584, de iniciativa de Euzébio Queiróz restou proibida a prática lucrativa do tráfico negreiro, seguindo esse mesmo ponto de vista, podemos mencionar ainda o Decreto nº 2.270, de 28 de setembro de 1855, conhecido como Lei dos Sexagenários que estabeleceu algumas restrições com base na libertação dos escravos que ultrapassassem 60 anos de idade. Assim nos traz Sento-Sé:11

[…] libertava os escravos que tivessem mais de 60 anos de idade, porém eles ficariam obrigados a prestar serviços aos seus senhores, por mais de 03 anos, a título de indenização pela alforria; poderiam ficar dispensados dessa prestação suplementar de serviços se pagassem 100$000 ao senhor, ou se atingissem 65 anos de idade.

Com o advento da Lei do Ventre Livre, de 28 de Setembro de 1871, eram estabelecidas algumas possibilidades e condições de liberdade.

Os filhos de escravas deixariam de ser escravos quando atingissem a maioridade. Ao lado disto, previa a possibilidade de, ao completarem 08 anos de idade, passarem para o Estado, que pagaria ao senhor uma indenização, no valor de 600.000 réis (600$000), e os colocaria numa instituição de caridade e para trabalhar em seu favor.12

Com o fenômeno da promulgação da Lei áurea assinada pela princesa Isabel no dia 13 de maio de 1988, Lei de número 3.353, a regente do império brasileiro aboliu a escravidão no país e tornou proibida a exploração do trabalhador em razão de sua cor, raça ou etnia.

No presente momento é válido ressaltarmos que a escravidão no trabalho não se pauta em algo distante da realidade de nossa humanidade e muito menos ficou esquecida nos primórdios da era escravagista.

É de grande relevância analisar formas dissimuladas de escravizar que vem mascarada para driblar direitos protetivos devidamente positivados em nosso ordenamento jurídico.

Com base nisso, a percepção que temos da proibição escravocrata devidamente positivada nos dá uma forma imperiosa de pensamento que nos remete a liberdade de tal desmazelo e que ficaram apenas nos livros de história.

Porém, tal pratica ainda encontra-se latente, maquiada, em nossa sociedade, algo, apesar de estabelecido nos padrões jurídicos brasileiros de proteções ao trabalhador, mas que ainda encontram-se corrompidas pela desonestidade do seu algoz.

De acordo com as referencias legais vigentes, trago à baila os aspectos legislativos. Trabalho análogo ao escravo na Constituição Federal de 1988 resta estabelecido dessa forma: A nossa Carta Magna de 198813, no art. 1º, preleciona em seu bojo o Estado Democrático de Direito, elevando o princípio da dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa ao fundamento deste Estado.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania
III– a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político. (grifado)

Com base nisso afirma Inicialmente Piovesan14 que:

A Constituição de 1988 é o marco jurídico da transição democrática e da institucionalização dos direitos e garantias fundamentais. O texto demarca a ruptura com o regime autoritário militar instalado em 1964, refletindo o consenso democrático pós- ditadura.

Nossa Carta Maior com base em seus princípios basilares de proteção da dignidade da pessoa humana tem como principal escopo a decência, o decoro, resguardar e honrar a proteção à integridade física, psíquica e moral do cidadão.

A Constituição Federal do Brasil de 1988 constitui em seu rol artigos e princípios intrínsecos e extrínsecos que visam proporcionar a proteção jurídica humana, taxando fundamentos federativos, como o artigo que fora supracitado. Levando em consideração os aspectos legislativos da Lei Maior podemos citar ainda o art. 170 que tem como escopo a ordem econômica e por fim, assegurar a existência digna a todos.

Seguindo esta mesma linha de raciocínio, com fulcro no parágrafo 7ª do artigo 226, tem o planejamento familiar que pauta-se no princípio da dignidade da pessoa Humana. Com base no que fora dito, Martins15 afirma que: ‘’A dignidade da pessoa humana é uma forma de efetivação do Direito e um limite mínimo ao legislador.

Com fulcro ainda no artigo 5ª, inciso III, ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante. Como consequência do que fora explanado, e com fundamento nos textos constitucionais chegamos ao entendimento que tal princípio abrange e compreende a liberdade do trabalho, seus valores sociais a valorização do trabalhador e sua existência digna.

No que tange a legislação infraconstitucional sobre o trabalho análogo ao escravo, seguindo por este viés, apesar das medidas protetivas também dispomos em nosso ordenamento jurídico as de caráter exclusivamente punitivo, dessa forma tentando coibir tal prática.

No Código Penal16 vigente de 1940 restou tipificado em seu art. 149, o crime de práticas análogas à de escravo. In verbis:

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando- o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto. Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
§1º. Nas mesmas penas incorre quem:
I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
§2º. A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
I – contra criança ou adolescente;
II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

Diante do que fora aqui exposto, ficou estabelecida pelos nossos legisladores a punição para quem submete pessoas em condições escravas, condicionando-as a título de coisa, tratando-as de forma desumana, degradante, ferindo seus direitos tutelados pela constituição.

É de suma importância explorar ainda a preocupação do jus puniendi em não somente abordar a situação a qual a pessoa é submetida à forma escrava, mas sim o crime contra a liberdade individual que está dentro dos crimes contra a pessoa, visando também a abrangência da liberdade de autodeterminação, locomoção e a livre disposição de si próprio.

Com base na jurisdição do nosso país, mencionaremos a importância de algumas tentativas de solucionar a problemática, dentre elas as convenções internacionais sobre o trabalho escravo.

Citaremos ainda, uma das agências da Organização das Nações Unidas-ONU, que tem como principal objetivo promover o bem e a justiça social, buscando e tornando possível o desenvolvimento trazendo consigo soluções para traçar melhorias no âmbito trabalhista, de forma a afastar o trabalho forçado análogo ao escravo, sendo ela, a Organização Internacional do Trabalho – OIT.

Neste sentido podemos citar algumas das convenções17 ratificadas pelo Brasil sendo elas:

A Convenção nº 29 que determina em seu art. 1º:
Artigo 1º
1. Todo País-membro da Organização Internacional do Trabalho que ratificar esta Convenção compromete-se a abolir a utilização do trabalho forçado ou obrigatório, em todas as suas formas, no mais breve espaço de tempo possível.
Com base ainda no que fora dito o art. 2º define o trabalho forçado: Artigo 2
1. Para fins desta Convenção, a expressão “trabalho forçado ou obrigatório” compreenderá todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente.
Em 1957, a OIT publica a convenção nº 105 afirmando em seu art. 1º: Artigo 1º: Todo País-membro da Organização Internacional do Trabalho que ratificar esta Convenção compromete-se a abolir toda forma de trabalho forçado ou obrigatório e dele não fazer uso:
a) como medida de coerção ou de educação política ou como punição por ter ou expressar opiniões políticas ou pontos de vista ideologicamente opostos ao sistema político, social e econômico vigente;
b) como método de mobilização e de utilização da mão-de obra para fins de desenvolvimento econômico;
c) como meio de disciplinar a mão-de-obra;
d) como punição por participação em greves;
e) como medida de discriminação racial, social, nacional ou religiosa.

Com o advento das declarações sobre os princípios de Direitos estabelecias pela OIT em 1998, restou estabelecido o compromisso dos países-membros resguardar a aplicabilidade e a promoção de tais princípios fundamentais e direitos do trabalho, quais sejam o da liberdade, associação e organização sindical, reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva, eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório, e abolição do trabalho infantil.

2.2 PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO E DE OUTROS RAMOS JURÍDICOS

Conforme preleciona Maurício Godinho Delgado18:

O direito do trabalho como ramo jurídico especial, porém não singular ou anômalo, integra-se ao universo jurídico geral, guardando, é claro, suas especificidades, mas também se submetendo a vínculos com núcleo jurídico principal.

Partes significativas desses vínculos são formados por princípios gerais do Direito que atuam no ramo justrabalhista, além dos princípios especiais de outros segmentos jurídicos que também cumprem papel de relevo no Direito do trabalho. Na verdade, pode-se dizer que os princípios gerais do Direito (que, hoje em grande medida, são princípios constitucionais), que se aplicam ao ramo justrabalhista especializado, demarcam os laços essenciais que este ramo, não obstante suas particularizações, tem de manter com o restante do direito.

Aditando o que fora dito pelo tão ilustre autor supracitado é válido ressaltarmos que a diversidade de princípios gerais de Direito se faz presente no campo laboral, servindo ainda como preceitos norteadores que visam sempre à proteção in pro misero, diga-se ainda, que é de muita relevância sua aplicabilidade no ramo justrabalhista, conjunto principio lógico este que sofrem pequenas adequações inevitáveis quando são inseridos no ramo específico, mas tal alteração não tem como objetivo descaracterizá-los preservando sua essência.

Maurício19 em sua obra faz uma breve citação do que descreve como grupo principal dos princípios gerais:

Em um dos planos, o princípio da dignidade humana e diversas diretrizes associados a esta basilar: o princípio da não discriminação, o princípio da justiça social e, por fim, o principio da equidade. Em outro plano, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (o primeiro também formulado como princípio da proibição do excesso). Em um terceiro plano, o princípio da boa- fé e seus corolários, os princípios do não enriquecimento ilícito sem justa causa, da vedação ao abuso do direito e da não alegação da própria torpeza.

Tais princípios têm como escopo o objetivo de estabelecer diretrizes que dão um seguimento a noção jurisdicional, nos trazendo valores essenciais ao convívio social, tendo como fonte basilar a própria constituição ao qual nos traz o principio da proteção da dignidade humana, assim como as relações sociais entre as pessoas que tem como pilar os princípios da razoabilidade e o da boa-fé.

Dessa forma, funcionando como base geral, tendo em vista a preservação da ordem jurídica, estrutura esta que rege e filtra outros dispositivos, sempre buscando a seguridade organizacional e a coerência entre a totalidade normativa social

2.3 ASPECTOS SOCIOLÓGICOS

No entendimento de Britto20 exterioriza-se a elevação do ser a um patamar muito acima da mera biologia excessivamente racional e metódica, pois:

[…] se trata de uma elevação que já é enlevo, encantamento, êxtase tão-só experimentado pelos que se vêem a serviço do seu próprio crescimento interior e do aprimoramento do Direito e da sociedade. Feito o mesmo Kant a dizer, tomado de seráfico orgulho: “o céu estrelado sobre mim e a lei moral dentro de mim”. Fácil perceber que são eles, os valores, usinas de comportamento sociais convergentes, porque internalizados como bens coletivos; quer dizer, bens que favorecem a todos. Operando, então, como fatores de fixidez, estabilidade, coesão, o que já se traduz num contínuo plasmar do que se poderia designar por uma alma comum. Uma só personalidade ou caráter comunitário. Tudo por se tratar de idéias-força que se vão depurando no cadinho da História, de maneira a ganhar a objetiva consistência dos costumes. Daí que muitas vezes o desrespeito a eles seja socialmente tido por um escândalo ou proceder absolutamente intolerável, porque o fato éque os valores, assim guindados à condição de locomotivas sociais, vão-se se tornando leis em sentido natural. (grifos no original).

Externa-se, dessa forma, a necessidade de respeito ligado às normas e valores sociais, com o desenvolvimento da existência, se estabeleceu de forma natural a necessidade da codificação legislativa que se encontram disponíveis ao favorecimento de toda sociedade.

Levando em consideração a produção econômica e quem detém essa produção, este, pôr-se-á sempre à disposição do filtro basilar Magno vigente em nosso país estabelecido como o ápice legislativo, a fim de encontra-se em segundo plano quando deparar-se em conflito com a exploração da força do trabalho humano em detrimento dos princípios da dignidade existencial.

2.2 ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA

2.2.1 Trabalho Análogo ao Escravo Rural

O deslocamento de pessoas de uma região para outra em busca de novas oportunidades tal como desempenhar uma nova atividade profissional ainda se faz presente com muita freqüência em nossa realidade. Contudo, causa espanto, o número considerável de indivíduos que são submetidas ao trabalho análogo à de escravo nessas ocasiões.

Como preleciona Damião21, essas situações pautam-se em:

a) carência de empregos;
b) instabilidade financeira nos municípios em que residem;
c) falta de especialização ou mão de obra qualificada para fazer bom proveito das eventuais oportunidades de emprego;
d) dividas geradas antes e depois de se instalarem na empresa, causando subserviência e necessidade de permanecer no trabalho, onde suas dívidas vêm a ocasionar uma verdadeira crescente, multiplicando-se cada vez mais;
e) coações feitas através das ameaças dos agenciadores ou dos próprios empresários, culminando na prática da tortura e de homicídios, conseguindo enclausurar financeiramente e psicologicamente não só o trabalhador, mas toda a sua família;
f) falta de instrução, que os faz acreditar que tal prática enseja o desrespeito, não somente aos seus patrões, mas às leis que regulamentam o país.
g) Falta de programas de recolocação dos trabalhadores resgatados no mercado de trabalho.

A situação citada nos remete a um pensamento em que envolve as políticas públicas e a sua atuação que deveriam de uma forma mais eficaz propiciar a reintegração de forma segura do trabalhador no mercado laboral.

Dessa forma, para a maioria destes trabalhadores sem ocupação resta apenas a buscar novas oportunidades de emprego em outras regiões distantes do seu lar.

No entanto, pode ser uma busca perigosa, pois algumas pessoas que conhecem as situações destes problemas regionais acabam se aproveitando da vulnerabilidade destas pessoas de forma que recrutam candidatos a promessas de trabalho e dessa forma os conduzem à escravidão.

Com maior detalhe do que fora dito, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG)22 nos traz a forma de procedência, abordagem e a funcionalidade do ato de condução de um individuo à uma vida de trabalhador escravo rural:

Como você pode se tornar “escravo” ⇒ A mão-de-obra é recrutada no seu município ou em lugares muito distantes. ⇒ O recrutamento/aliciamento para o trabalho é feito pelo “gato”, que arregimenta os trabalhadores. ⇒ O “gato” chega na cidade, vai de porta em porta ou anuncia por toda a cidade que está recrutando trabalhadores. ⇒ O trabalhador também é aliciado com falsas promessas de bons salários ou com o “adiantamento”, que é uma quantidade em dinheiro que o trabalhador recebe do “gato” e deixa com a família. ⇒ Ao aceitar este adiantamento, o trabalhador, já sai da cidade com uma dívida a ser paga. A dívida aumentará com os gastos de transportes e alimentação do local do aliciamento até onde ele irá trabalhar. Assim começa a escravidão por dívida. ⇒ É prática do “gato” reter a Carteira de Identidade e a Carteira de Trabalho dos trabalhadores. A retenção de documentos é ilegal. ⇒ O transporte de trabalhadores é feito em ônibus ou caminhão e é freqüentemente precário.

É válido dizermos ainda que além dessas práticas escancaradas de recrutamento ao trabalho escravo, dispomos ainda de uma versão mais sutil ou menos

violenta, para manter o trabalhador em erro, práticas estas que apesarem de ser menos ‘’gravosas’’ ainda sim configuram práticas escravagistas, pois ferem direitos e garantias constitucionais.

Com fulcro na emenda constitucional de n° 81, de 5 de junho de 2014, que deu nova redação ao art. 243 da CF/88, preconizou que:

Art. 1º O art. 243 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º.

Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei.” (NR)

Em conformidade com Sakamoto23, podemos afirmar que o isolamento geográfico se faz ainda condição decisiva, impedindo o trabalhador de abandonar o seu local de trabalho:

O trabalhador por vezes é levado para um lugar 300 quilômetros distante da cidade mais próxima, além de precisar entregar seus documentos a quem o “contrata”. A base da escravidão contemporânea é a servidão em que a pessoa contrai uma dívida de forma fraudulenta com o proprietário da fazenda ou com o empregador, que no Brasil é conhecido como “gato”. Este muitas vezes faz essa ponte entre trabalhadores e fazendeiros, sendo responsável por esse processo de contratação de dívida, em que o trabalhador é aliciado em sua cidade natal ou mais próximo da propriedade rural e levado para uma determinada fazenda.

A maior concentração do trabalho escravo no Brasil ainda é na zona rural, pois se aproveitam da situação precária da desinformação e o baixo rendimento e abrangência da fiscalização nestes locais.

Na página do Senado Federal Foram lançados dados da ONG Repórter Brasil24 que caracterizavam o perfil dos escravos no Brasil25:

(…) 95,5% das pessoas que trabalham em regime semelhante ao da escravidão são homens. Do total, 40,1% são analfabetos. Apenas 27,9% chegaram a cursar os primeiros anos do ensino fundamental, sem, no entanto, completarem o quinto ano (antiga quarta série). Outros 21,2% prosseguiram os estudos, mas sem concluírem o ensino fundamental. A maioria dos trabalhadores (63%) estava entre os 18 e 34 anos no momento do resgate, idade em que teriam, em tese, completado os ensinos fundamental e médio. Mas é também nessa idade que estão no auge do vigor físico, capazes de executar tarefas pesadas e extenuantes.

Reiterando o que fora anteriormente dito, o trabalho escravo está diretamente ligado à falta de informação em todos os sentidos, seja na deficiência da educação básica escolar ou na falta de informação ligada a prevenção a esse tipo de ato praticado que deixam essas pessoas extremamente vulneráveis a essas práticas aproveitadoras.

2.2.2 REPONSABILIDADE CIVIL PELO TRABALHO ANÁLOGO AO ESCRAVO RURAL

Conforme o Código Penal, o crime de redução à condição análoga à de escravo é previsto no art. 149, sendo configurado por submeter o trabalhador a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva; por sujeitá-lo a condições degradantes de trabalho; por reduzir meios de locomoção; e por adquirir dívidas com o empregador. Além disso, também configuram o crime o fato de se cercear os meios de transporte, se vigiar de forma ostensiva o local de trabalho e reter documentos.26

Mesmo sendo esferas independentes, o Código Penal é referencia para que os órgãos de fiscalização adinistrativos atuem, porém, é comum não se apresentar elementos importantes que venham caracterizar a infração trabalhista que configure o crime. Desta forma, ocorre que, nem sempre pode se responsabilizar criminalmente também os responsáveis pelas infrações trabalhistas27.

Para exemplificar o tema, ocorreu no início de 2023 um caso em que foram resgatados 207 trabalhadores em condições análogas à de escravo na colheita da uva no Rio Grande do Sul. Relataram os trabalhadores que viviam sob ameaças, agressões físicas, em alojamentos precários e sem receberalimentação adequada, o que caracterizou crime pelo fato de os trabalhadores estarem submetidos à condições degradantes de trabalho28.

A empresa contratante afirmou desconhecer tal situação, uma vez que terceirizou o serviço de contrataçãod a mão de obra para a colheita da uva das vinícolas. Os trabalhadores foram resgatados e receberam verbas recisórias, porém, não foram indenizados e reconhecida a condição de trabalho análago à de escravo, conforme propôs o Ministério Público, sendo ainda apurada a responsabilização das empresas. No caso descrito acima, após o resgate, a Empresa concordou com o pagamento das verbas rescisórias dos trabalhadores, mas rejeitou a proposta de acordo do Ministério Público do Trabalho para indenizar os trabalhadores pela redução à condição análoga à de escravo. As empresas poderão ser responsabilizadas na esfera trabalhista pela prática do crime do art. 149 do Código Penal, além de ser possível se confiscar os imóveis utilizados para o crime em questão (Emenda Constitucional nº 81/2014).29

2.2.3 POLÍTICAS DE ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ANÁLOGO AO ESCRAVO

O fenômeno do trabalho análogo aos escravos tomou seu especo tanto nas mídias sociais quanto em nosso ordenamento jurídico, o qual nos impulsiona a incessante busca pela resolução deste problema que assola sorrateiramente nossa sociedade.

Desta forma, o Estado toma iniciativas desenvolvendo políticas de repressão ao combate desta prática ou que ao menos possibilitem a diminuição desta, tais como, a fiscalização do Ministério Público do Trabalho, Polícia Federal, Ministério Público Federal e as condenações em grau jurisdicional.

Destarte, seria de suma importância salientar que a aplicação de outros meios viria a auxiliar de forma mais harmônica e eficaz as políticas de repreensão de exploração laboral que as leis e as políticas de repreensão que são aplicadas isoladamente, como veremos a seguir.

2.2.3.1 Lista Suja

Podemos apontar o instituto da lista suja como uma nova ferramenta de tentativa de coibir a prática de trabalho escravo, mais uma das iniciativas do Estado que tem como objetivo a diminuição e a erradicação da prática.

O referido cadastro se regulamentou através da portaria de número 1.234 de 2013 do Ministério Público do Trabalho e Emprego, que em substituição adveio a portaria de número 540, revogada pela portaria interministerial de número 2, de 12 de maio de 2011, que sofreu revogação pela Portaria Interministerial n. 2/2015 e por fim, a portaria que revogou a anterior e encontra-se vigente é a de número 4/2016.

Considerada um modelo de referência mundial pela ONU, a lista tem o objetivo de divulgar o nome dos empregadores que submetem os trabalhadores a condição escrava quando fiscalizadas pelo órgão ministerial do trabalho. Neste contexto, ratificou a jornalista Costa30 que:

A partir da chamada “lista suja”, empresas e bancos públicos que assinaram o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo podem negar crédito, empréstimos e contratos a fazendeiros e empresários que usam trabalho análogo ao escravo.

O Estado tem o dever de nos assegurar a proteção das garantias constitucionais, deveres estes que devem ser fiscalizados para uma boa manutenção da dignidade que nos é assegurada.

Contudo, a lista suja é mais uma ferramenta utilizada a auxiliar a coibir tais práticas, pois a mesma tem como princípio basilar a transparência da ação estatal, desta forma, trabalhando junto com a fiscalização social, tornando pública a informação, desta forma, os índices de novos acontecimentos tendem a diminuir.

2.2.3.2. Lei de n° 14.946 de 2013

De autoria do Deputado Carlos Bezerra Junior o projeto de Lei que se transformou em Lei estadual nº 14.946 de 2013/SP, tem como principal escopo o aumento de punição dos empregadores que condicionam os trabalhadores em situações subumanas, com base em seu artigo 1°, restou estabelecido que:

Artigo 1º – Além das penas previstas na legislação própria, será cassada a eficácia da inscrição no cadastro de contribuintes do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação (ICMS) dos estabelecimentos que comercializarem produtos em cuja fabricação tenha havido, em qualquer de suas etapas de industrialização, condutas que configurem redução de pessoa a condição análoga à de escravo.31

O presente artigo 4° da lei supra nos preconiza que se houver a cassação de inscrição do cadastro dos contribuintes do ICMS, quais sejam sócios, pessoas físicas e jurídicas, estes estarão impedidos de exercer o mesmo ramo da atividade de costume, ainda que seja em outro estabelecimento. Contados de tal decisão, as restrições se darão pelo prazo de 10 anos.

Nota-se que a maioria dos métodos que visam o combate ao trabalho análogo ao escravo é de iniciativa do Poder Legislativo, embora as medidas de repressão à prática escravagista estão diretamente ligadas à atuação do Ministério Público.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi abordado neste estudo a questão do trabalho análogo a escravidão. Apesar de se pensar ser algo do passado o trabalho escravo ainda ocorre na atualidade, impondo desafios no âmbito trabalhista de forma disfarçada, revestida das formas legais. Esse disfarce tem o desígnio de enganar os direitos protetivos, que estão devidamente positivados no ordenamento jurídico brasileiro, inferindo na submissã ao exercício de tal prática em pessoas em situação de vulnerabilidade social, onde são submetidas a sistemas de práticas degradantes, desonrosas, destituídas de qualquer segurança jurídica.

Logo, verificou-se nesse estudo quanto as responsabilidades jurídicas e qual natureza jurídica da conduta do empregador que pratica o trabalho análogo ao escravo, a relação das normas penais positivadas ao direito do trabalho e sua eficácia, correlacionados com os princípios constitucionais da proteção da dignidade da pessoa humana em prol ao trabalhador, e a reparação civil por dano causado ao ofendido (trabalhador).

Ao analisar os princípios fundamentais à garantia da dignidade do trabalhador verificou-se que em nossa Carta Magna, mais precisamente em seus artigos 5° ao 11°, um aparato geral que visa em primeiro lugar a proteção à dignidade da pessoal humana, com o escopo de resguardar em primeiro plano a sua integridade física e psíquica, dando ainda, diretrizes entre o trabalho e o trabalhador para que se realize um ambiente laboral digno, honroso e justo para todos.

Pode-se examinar a vigência da lei em prol da proteção e proibição do trabalho escravo e verificar que apesar das penas previstas em nosso Código Penal, especificamente em seus artigos 149 e 203, não serem tão eficazes, novas políticas públicas são criadas com o objetivo de punir, de forma mais rigorosa, a prática escravagista. Além disso, foi possível identificar e compreender a execução da lei para aplicação de sanção e a eventual reparação civil pelo dano causado ao empregador que venha cometer tal ato ilícito;

O que pode-se constatar é que ainda é pouco debatido o confisco em caso de exploração do trabalho sequer é colocado em prática, seguindo sem regulamentação definitiva, o que faz com que o conceito de “trabalho escravo” trazido pelo artigo 243 da CF, bem como, se exigir a condenação criminal e a responsabilização objetiva dos proprietários do local em que é praticado o trabalho escravo ainda fiquem sem soclução concreta. Porém, ressalta-se a “lista suja”, que compelida pelo princípio da transparência, o método trouxe em seu bojo o verdadeiro resultado da sua função, pois, ostentou em sua face o nome das empresas ao qual cometeram ilícitos a que se referem. Pode-se analisar que a eficácia do plano ainda não é plena ao ponto de erradicar com a prática escravagista no âmbito laboral, mas o mecanismo auxilia na forma efetiva de diminuição destas práticas desumanas.

Todavia , acredita-se que a explanação desta temática foi de grande valia, haja vista que colabora com a propagação de informação e com a conscientização de uma problemática que deveria ser mais explorada pela mídia e pelas autoridades na busca de soluções, no que tange a direitos e deveres do cidadão.


² Dicionário: http://www.dicionarioetimologico.com.br/trabalho/> acesso em: 05/09/2016 às 15:40.
³ Escravidão-definição: https://edukavita.blogspot.com.br/2013/04/escravidao-definicao-conceito.html> acesso em:
4 SENTO-SÉ, Jairo Lins de Albuquerque. Trabalho escravo no Brasil na atualidade. São Paulo: LTr, 2001, p.16
5 Idem, p.27
6 CASTILHO, Ela Wiecko V. de. Em busca de uma definição jurídico-penal de trabalho escravo. In: MOREYRA, Sérgio Paulo (org.). Trabalho escravo no Brasil contemporâneo. São Paulo: Loyola, 1999, p.86
7 MOTA, Myriam Becho; BRAICK. Patricia Ramos. História das Cavernas ao Terceiro Milênio. 1. ed. São Paulo: Moderna, 1999. P. 4.
8 Bíblia- epístola de Paulo aos Gálatas, no novo testamento, capitulo 5, versículo 1.
9 MOTA, Myriam Becho; BRAICK. Patricia Ramos. História das Cavernas ao Terceiro Milênio. 1. ed. São Paulo: Moderna, 1999. p. 39.
10 ESCRAVIDÃO no Brasil – Escravos no Brasil. História do Brasil. Disponível em: http://www.historiadobrasil.net/escravidao. Acesso em: 20.set de 2023.
11 SENTO-SÉ, Jairo Lins de Albuquerque. Trabalho escravo no Brasil. 2. Ed. São Paulo: LTr, 2000. p.39.
12 idem
13 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm.Acesso em: 20.set de 2023.
14 Piovesan, Flávia. A proteção dos direitos humanos no sistema constitucional brasileiro. Disponível em: http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/revista5/5rev4.htm. Acesso em: 20.set de 2023.
15 Martins, Pinto Sergio. Direitos Fundamentais Trabalhistas. 1. Ed. São Paulo: Atlas, 2008.p.76.
16 www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del12848complicado.htm.
17 www.oitbrasil.org.br/convention. Acesso em: 20.set de 2023.
18 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2010, 9º edição.
19 Indem
20 BRITTO, Carlos Ayres. O humanismo como categoria constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 78
21 DAMIÃO, Danielle Riegermann Ramos. Situações Análogas ao Trabalho Escravo. Reflexos na Ordem Econômica e nos Direitos Fundamentais.São Paulo: Letras Jurídicas Editora Ltda, 2014.p.84.
22 Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura. Trabalho Escravo: não caia nessa arapuca. Disponível em: http://bdm.unb.br/bitstream/10483/10867/1/2015_GeisaTollerCorreiaRomao.pdf. Acesso em: 20.set de 2023.
23 SAKAMOTO, Leonardo. O Trabalho Escravo reinventado pelo Capitalismo Contemporâneo. Disponível em: http://www.contee.org.br/noticias/entrevistas/nent4.asp. Acesso em: 20.set de 2023.
24 Senado Federal. Em discussão. Disponível em: http://www.senado.gov.br/NOTICIAS/JORNAL/EMDISCUSSAO/trabalho-escravo/perfildos- escravizados.aspx. Acesso em: 20.set de 2023.
25 Idem
26 BRASIL. Decreto-lei n. 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 07 nov. 2023.
27 TRENTINI, Flávia; PORTO, Larissa Ferreira. Direito Do Agronegócio: Confisco de imóvel rural em caso de trabalho análogo à escravidão. Conjur, 2023. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023- mar-10/direito-agronegocio-confisco-imovel-rural-trabalho-analogo-escravidao/. Acesso em: 07 nov. 2023.
28 EMPRESA que oferecia mão de obra para vinícolas do RS rejeita acordo e nega trabalho em condições semelhantes à escravidão, diz MPT. G1, [S. l.], 07.nov. de 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2023/03/02/empresa-que-oferecia-mao-de-obra- para-vinicolas-do-rs-rejeita-acordo-e-nega-trabalho-em-condicoes-semelhantes-a-escravidao-diz- mpt.ghtml. Acesso em: 07 nov. 2023.
29 Idem.
30 COSTA, Camilla. Para que serve a lista suja do trabalho escravo. BBC Brasil, abr. 2015. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/04/150402_trabalho_escravo_entenda_cc. Acesso em: 07 nov. 2023
31 SÃO PAULO. Lei nº 14.946, de 28 de janeiro de 2013. Disponível em: http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/2013/lei-14946-28.01.2013.html. Acesso em: 07 nov. 2023.

REFERÊNCIAS

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*Acadêmico de Direito. E-mail: ageucarvalhocsilva@gmail.com. Artigo apresentado a Faculdade Interamerica de Porto Velho-UNIRON, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito Porto Velho, 2021.
**Prof. Orientador (titulação). Professor da Disciplina: Trabalho de Conclusão de Curso.