TORÇÃO UTERINA EM VACA HOLANDESA: CORREÇÃO E EVOLUÇÃO DO CASO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202407311725


Renata Seibel1
Leonardo José Gil Barcellos2
Rayssa Emiliavaca de Moraes3


RESUMO: A torção uterina consiste em um movimento rotacional do útero sobre seu eixo longitudinal.  Entre os fatores de risco, estão a idade e o número de partos, peso excessivo do feto, transporte dos animais  e pastoreio em áreas de declive, além da contenção e derrubamento de vacas ao final da gestação. Os sinais  clínicos variam conforme o grau da torção, contudo, podem ser observados taquicardia, dispneia, algia,  abdome tenso, além de dificuldade em se locomover. O diagnóstico, portanto, baseia-se na palpação vaginal  e/ou transretal. Dependendo do caso, a correção pode ser feita pelo método cirúrgico por meio da cesariana  ou, então, por manobras obstétricas, como é o caso do rolamento. O objetivo deste relato é o de descrever  o caso de uma vaca holandesa, com aproximadamente cinco anos de idade, que apresentou distocia devido  a torção uterina completa. Após a correção da torção uterina, a paciente apresentou cetose, metrite e  deslocamento de abomaso à esquerda, e várias condutas foram empregadas para a resolução desses  problemas. Com a resolução do caso, a paciente permaneceu viva e, atualmente, segue sua vida produtiva.  

Palavras-chave: Torção uterina; Distocia; Bovino; Deslocamento de abomaso; Omentopexia. 

INTRODUÇÃO 

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2022), com 234,3 milhões de  bovinos, o Brasil constitui o maior rebanho do mundo, sendo o estado de Mato Grosso o maior produtor. Nesse sentido, partos distócicos podem resultar em grandes prejuízos econômicos aos produtores e, dentre  os animais domésticos, a espécie bovina é a mais suscetível, o que se torna um fator preocupante e  desafiador dentro das propriedades (Andolfato; Delfiol, 2014). 

A distocia caracteriza-se pela não expulsão do feto de dentro do útero e os fatores que contribuem  para isso, podem ser de origem fetal ou materna. Dentre as causas de origem fetal, destacam-se as anomalias  do feto, como feto enfisematoso e monstro fetal, além de posições incorretas, excesso de peso corporal e  número de fetos durante a gestação. Já como causas de origem materna, estão a atonia uterina,  estreitamento das vias fetais moles e duras, bem como torção uterina (Prestes; Alvarenga, 2006). Além  disso, a raça, conformação da vaca e do touro, número de parições, sexo do bezerro e duração da gestação  também são fatores predisponentes a distocia em bovinos (Andolfato; Delfiol, 2014). 

Quanto à torção uterina, já classificada como causa de distocia materna, pode ser caracterizada  como um movimento rotacional do órgão gestante sobre seu eixo longitudinal. Afirma-se que os ruminantes  são os mais propensos a desenvolver esse tipo de distocia materna. Isso devido a situação anatômica do  útero no abdome, em relação a posição dos ovários, disposição dos ligamentos, morfologia do corpo do  útero e a distribuição dos fetos no interior do órgão (Prestes; Alvarenga, 2006). Nesse sentido, a junção  ventral do ligamento largo é associada à curvatura menor do útero, fazendo com que a grande curvatura  fique livre e consiga resultar na torção uterina (Aoyama, 2019). 

Dentre as principais causas de torção uterina, podemos incluir a forma do útero e a disposição do  ligamento, útero pesado e assimétrico que pode se chocar contra o rúmen e girar, assimetria entre os cornos,  idade dos animais e partos repetidos que resultam na flacidez da musculatura e dos ligamentos, transporte  dos animais e pastoreio em áreas de declive, além de rolamentos das vacas ao fim da gestação. Portanto, a  torção uterina pode ser classificada em leve (45-90 graus), média (90 a 180º) ou grave (acima de 180º) a  partir da avaliação transvaginal. Embora os sinais clínicos variam conforme o grau da torção, existem sinais  evidentes de abdome tenso, dispneia, taquicardia, alguma, dificuldade de locomoção, distúrbio digestivo, além  de reversão espontânea em casos leves ou necrose do útero em casos graves (Prestes; Alvarenga, 2006). 

A correção de casos de torção uterina pode ser feita a partir de laparatomia, seguido ou não de  cesariana, ações manuais sobre o feto por via vaginal, ou por método de rolamento no sentido oposto da  torção. É importante salientar que, em casos de morte fetal e enfisema, as tentativas de tratamento  constituem um alto risco devido às grandes chances de hemorragias, rupturas uterinas e peritonites (Prestes; Alvarenga, 2006). O prognóstico para a vaca e o bezerro dependerá do grau da torção, bem como  do tempo de evolução do quadro (Sickinger, 2020). 

RELATO DE CASO 

No dia 30 de julho de 2023, em uma propriedade rural no município de Rondinha/RS, foi atendida  uma vaca da raça holandesa, de aproximadamente cinco anos de idade, que apresentava distocia. Segundo  o produtor, ela já estava em trabalho de parto há mais de doze horas e essa seria sua terceira cria. Por meio  do exame clínico, a paciente evidenciou hipotonia ruminal. Os demais parâmetros não apresentavam  alterações. 

A partir da palpação transretal e, posterior, transvaginal, confirmou-se que a causa da distocia era  de origem materna e tratava-se de uma torção uterina de 180º, no sentido anti-horário, em que o corno  gravídico era o direito e este estava para o lado esquerdo. Por essa razão, optou-se pelo método de  rolamento para tentativa de correção da torção uterina. O animal foi contido e derramado, de maneira  cuidadosa, para o lado oposto à torção uterina. Com a manobra, a torção foi corrigida e foi possível realizar  o parto com auxílio de correntes obstétricas. 

Após o parto, no qual vaca e bezerro sobreviveram, foi instituído um tratamento de suporte para a  vaca. Administrou-se 500ml de cálcio pela via endovenosa, 50ml de Mercepton® via endovenosa, além de  20 ml de dipirona(16 mg/kg) via intramuscular e 12ml de Cef50® (1mg/kg), vía intramuscular, este último  com recomendação para mais dois dias. 

Dois dias depois, em uma segunda consulta, foi relatado pelo produtor que o animal apresentava  perda de apetite e diminuição na sua produção de leite. Durante o exame clínico, a temperatura retal (TR) e as frequências cardíaca (FC) e respiratória (FR) encontravam-se dentro dos padrões normais para a  espécie. Contudo, percebeu-se a enoftalmia e um quadro de metrite. Além disso, a partir da auscultação e  percussão ruminal, a partir do oitavo espaço intercostal esquerdo, notou-se som timpânico-metálico de  “ping”. Ainda, com auxílio do aparelho ketovet®, a paciente apresentou cetose clínica, com o corpo cetônico  β-hidroxibutirato dosado em 2.3 na circulação sanguínea. A coleta do sangue para a testagem foi realizada  na extremidade da cauda do animal, com agulha 25×7. 

Considerando a situação em que a vaca se encontrava, optou-se por realizar a técnica de  omentopexia para correção do deslocamento de abomaso. Com o animal em estação, foi realizada tricotomia  ampla na região paralombar direita e, em seguida, antissepsia prévia com álcool – iodo – álcool. Em seguida,  realizou-se a anestesia local com lidocaína e bloqueio em linha e a antissepsia definitiva foi empregada, com  uso do álcool. Após a incisão da cavidade peritoneal, foi possível confirmar o deslocamento à esquerda,  através da palpação do órgão distendido. 

Em seguida, levou-se, com cuidado, uma agulha até a parte mais dorsal do abomaso deslocado. Ao  inserir a agulha, o gás foi liberado com auxílio de uma bomba de sucção. Posteriormente, a agulha foi  retirada, tendo cautela para impedir a contaminação. Após retirar o gás, o abomaso retornou a sua posição  normal. O momento, por sua vez, foi tracionado para fora da incisão. Na direção dorsal, localiza se a dobra  do omento – uma região mais espessa, adjacente ao piloro – que pode ser suspendida enquanto as suturas  são ancoradas nela. 

O peritônio e o músculo abdominal transverso foram suturados com padrão contínuo simples, com  fio categute cromado de número 2 e o omento foi ancorado à musculatura da cavidade com fio nylon número  4.0. Os músculos abdominais externo e interno e a fáscia subcutânea foram suturados em uma segunda  camada, com sutura contínua simples e fio categute número 3. A dermografia foi feita com padrão de sutura  Reverdin e fio nylon 4.0.  

Como tratamento no pós operatório, administrou-se 25 ml de PencivetPlus® (1ml/25kg) via  intramuscular, enrofloxacino na dose de 60 ml via intramuscular (6000 mg/kg), Maxicam® na dose de 15ml  (0,5 mg/kg), glicose (50%) na dose de 500 ml via endovenosa, além de drench e propilenoglicol 350 ml via  oral. Este último, recomendou-se a administração de 270ml e 240ml por mais dois dias sucessivamente.  Além disso, administrou-se Sorbus® na dose de 100ml (833 mg/kg) via endovenosa e Mercepton® 50 ml pela via endovenosa. Ainda, recomendou-se o uso de spray repelente no intuito de evitar miíases. Quanto à antibioticoterapia, recomendou-se a aplicação da enrofloxacino por mais três dias e o uso da penicilina de  forma intercalada, até três aplicações. E, quanto ao meloxicam, indicou-se a administração por mais dois  dias. 

Doze horas após o procedimento cirúrgico, realizou-se uma revisão da paciente, já que a queixa  principal do produtor era a formação de gás no subcutâneo da região lombar e anorexia. Através do exame clínico, confirmou-se a atonia ruminal e hipertermia de 40,1ºC, além do enfisema subcutâneo na região  dorsal e lombar, especialmente na região da incisão. Portanto, administrou-se glicose 50% (500 ml) pela  via endovenosa, cálcio (500 ml) pela via endovenosa, Sorbus® na dose de 100ml (833 mg/Kg) via  endovenosa, 20 ml de dipirona (16 mg/kg) e recomendou-se dar continuidade na antibioticoterapia  instituída e no uso do meloxicam. Logo após o tratamento de suporte, o animal voltou a comer.  

Três semanas depois, realizou-se uma revisão na paciente, pois a queixa principal seria o odor fétido  no local da incisão. Quanto ao enfisema subcutâneo, este estava reduzido se comparado ao dia do  procedimento e delimita-se apenas no local da incisão. Somado a isso, houve deiscência de alguns pontos  e miíase. Por essa razão, os pontos foram retirados e realizou-se a limpeza da ferida com solução de  hipoclorito 10%. Recomendou-se a lavagem diária da ferida até a sua cicatrização. 

Após 90 dias, o produtor relatou melhora significativa, produção de leite e apetite normais, além da  confirmação de uma nova gestação. 

DISCUSSÃO 

Aqui relatamos um interessante caso, no qual a paciente envolvida apresentou diversas afecções,  como: distocia, torção uterina, metrite, cetose e deslocamento de abomaso à esquerda. A torção uterina, que  desencadeou o quadro de distocia, foi corrigida a partir da manobra de rolamento. No segundo dia após o  parto, a paciente apresentou deslocamento de abomaso à esquerda, solucionado pela técnica cirúrgica de  omentopexia. Ainda, a mesma apresentou metrite e cetose, afecções solucionadas pelos tratamentos  instituídos com anti-inflamatório, antibióticos, além de glicose e propilenoglicol, sucessivamente.  

A torção uterina, classificada como uma causa materna de distocia, além de dificultar a expulsão do  feto para fora do útero, predispõe a infecções uterinas. Isso porque, em quadros de torção uterina, são  realizadas avaliações transvaginais, além de rolamentos e manipulações obstétricas na tentativa de  correção, resultando em estresse excessivo e favorecendo a entrada de patógenos (PRESTES; ALVARENGA,  2006). Nesse sentido, a metrite, caracterizada pela inflamação das camadas do útero, é desencadeada,  principalmente, por infecções uterinas que acontecem pela abertura da vagina e cérvix e manipulações  durante o parto (GONZALEZ; CORRÊA; SILVA, 2014). 

Além disso, fatores como o crescimento final do feto, produção de colostro, pico da lactação e  diminuição da ingestão de matéria seca podem resultar em um balanço energético negativo. Logo, por  reduzir a sua capacidade de ingestão de matéria seca, o organismo compensa a demanda de energia  mobilizando suas reservas energéticas, por rotas catabólicas, a partir da oxidação dos ácidos graxos,  resultando na produção de corpos cetônicos (SOUZA A. N. M., 2003). 

Nesse contexto, o balanço energético negativo está ligeiramente interligado ao  deslocamento de abomaso. Isso porque, com uma diminuição no consumo de matéria seca, há uma redução  do preenchimento ruminal e, consequentemente, resulta em uma diminuição da motilidade dos pré estômagos e do abomaso, contribuindo para que ocorra o deslocamento. Portanto, a cetose comumente  pode estar associada ao deslocamento de abomaso ou, ainda, pode ser secundária a ele. Além disso, quadros  de hipocalcemia podem desencadear o deslocamento, já que o cálcio influencia diretamente na motilidade  do abomaso. Somando-se a isso, endotoxinas e mediadores de inflamação, que são altamente liberados em  quadros de metrite e mastite, por exemplo, atuam diretamente sobre a motilidade abomasal. E, fatores  estressantes, como é o caso de altas temperaturas ou até mesmo o momento do parto, podem comprometer  o consumo de matéria seca e resultar no deslocamento de abomaso (GONZALEZ; CORRÊA; SILVA, 2014). 

O deslocamento de abomaso, portanto, pode ser considerado um reposicionamento do órgão com  relação a linha ventral. Ele pode sair de sua posição normal devido a uma dilatação por gás ou líquido, e com  maior frequência pode ocorrer para o lado esquerdo (GONZALEZ, SILVA, 2017). Na maioria das vezes,  ocorre no período pós-parto e, de maneira comum, acomete bovinos leiteiros, principalmente pela sua  profundidade corporal, dietas mais concentradas e o movimento restrito desses animais (RADOSTITS et al.,  2007). 

Dessa forma, por se tratarem de doenças multifatoriais, é importante identificar os fatores  predisponentes e preveni-los. De maneira significativa, é crucial controlar o manejo nutricional do rebanho.  É importante evitar animais obesos no estágio final da gestação, evitar também animais em balanço  energético negativo, garantindo uma fonte de fibra para que o rúmen esteja preenchido e se torne uma  barreira para o deslocamento de abomaso. Consequentemente, sem um balanço energético negativo, é  possível evitar a cetose e o deslocamento de abomaso. Além disso, é importante que haja, sempre que  possível, um cuidado especial no momento do parto para evitar infecções uterinas posteriores e, além disso,  optar por animais mais jovens no momento da cobertura, visto que um número elevado de parições  favorece a frouxidão dos ligamentos e músculos e, consequentemente, contribui para a torção uterina. 

CONCLUSÃO 

As afecções apresentadas pela paciente – distocia, torção uterina, deslocamento de abomaso,  metrite e cetose – foram solucionadas pelos tratamentos instituídos de maneira eficiente. A vaca sobreviveu  e está reintegrada ao rebanho em lactação da propriedade, seguindo sua vida produtiva. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

Andolfato, G. M., Delfiol, D. J. Z. Principais causas de distocia em vacas e técnicas para correção: revisão da  literatura. Revista Científica de Medicina Veterinária, v. XII, n. 22, p. 16, 2014. 

Aoyama, Igor Hideo Andrade et al. Torção uterina em vaca nelore: Relato de caso. Pubvet, v. 13, p. 170,  2018. 

IBGE. Rebanho de Bovinos (Bois e Vacas). Disponível em: https://www.ibge.gov.br/ explica/producao agropecuaria/bovinos/br. Acesso em: 30 out. 2023. 

Prestes, N. C., Alvarenga, F. C. L. Obstetrícia Veterinária. 1. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006. 

Radostitis, O. M. et al. Veterinary medicine: a textbook of the diseases of cattle, horses, sheep, pigs, and  goats. 10. ed. Philadelphia: Saunders, 2007. 

Sickinger, M., Erteld, E. M & Wehrend, A. Fertility following uterine torsion in dairy cows: a cross-sectional  study. Vet World. 2020 Jan;13(1):92-95. doi: 10.14202/vetworld.2020.92-95. Epub 2020 Jan 11. PMID:  32158156; PMCID: PMC7020130.


1Médica Veterinária pela Universidade de Passo Fundo.
2Docente do Curso de Medicina Veterinária da Universidade de Passo Fundo.
3Médica Veterinária pela Universidade de Passo Fundo.