TEXTOS TÉCNICOS NA ESCUTA DA PSICANÁLISE FREUDIANA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8135835


Bianca Moreira Valle1


RESUMO

Este trabalho pretende conduzir uma leitura referente aos meios que propiciaram o surgimento da técnica psicanalítica freudiana. Conferida pela construção da noção de escuta clínica, tendo o conceito de transferência como condição de possibilidade. Portanto, foi realizado um estudo com intuito de contextualizar de forma breve os percursos clínicos e históricos das investigações freudianas que contribuíram para a noção de escuta.

Palavras-chave: Escuta. Transferência. Clínica.

ABSTRACT

The purpose of this paper is to conduct a reading about the methods that facilitated the establishment of Freud’s psychoanalytic technique, which is confirmed by the development of clinical listening notion, and further made possible by the transference concept. Therefore, this study was done with the intention of briefly contextualizing the historical and clinical courses of Freud’s examinations that supported the listening notion.

Key words: Listening. Transference. Clinic.

INTRODUÇÃO

Esse presente trabalho tem por objetivo fornecer a condução para uma leitura, que se refere às consequências que a técnica psicanalítica sofreu, a partir da técnica hipnótica, que pode nos apresentar a análise de singulares processos psíquicos. Porém, o real intuito desse trabalho monográfico é poder conduzir o leitor aos meios que propiciaram à fomentação da técnica psicanalítica freudiana. Que fora conferida pela construção da importância do uso da escuta no espaço da clínica analítica, responsável está, pela a própria técnica em si; que pôde configurar-se por meio da transferência como condição de possibilidade para a escuta.

Portanto, será realizado um estudo de revisão bibliográfica do autor Sigmund Freud e outros autores comentadores, como Quinodoz e Garcia-Roza, com intuito de contextualizar de forma breve, os percursos clínicos e históricos as quais suas investigações foram destinadas. De pronto, destaco algumas dessas possíveis colaborações para sua investigação clínica, ele pôde partir então, da questão da histeria e, fora conduzido para o uso da técnica da hipnose, o uso da ab-reação, da sugestão, do método catártico, para a importância da presença do conteúdo sexual nas histéricas, às fantasias. Ao passo do abandono da técnica da hipnose, para o uso da associação livre, o conhecimento do inconsciente, a noção da sexualidade infantil, até chegar à noção da transferência e suas resistências, sendo a transferência o ponto mais relevante no decorrer deste trabalho.

Conclui-se a relevância conferida pelo autor aos percursos possíveis para elaborar o uso da escuta na psicanálise, onde esta mais tarde tornou-se a própria técnica psicanalítica, por meio da transferência.

1. CAPÍTULO I

1.1. PERCURSOS HISTÓRICOS DA PSICANÁLISE

Para efetuar uma possível compreensão do tema que apresento, elucidar brevemente os caminhos abordados durante a construção da psicanálise. Neste capítulo, recorro à Freud e alguns comentadores em específico Garcia-Roza e Quinodoz, para exposição do tema proposto, de forma resumida, com intuito de familiarizar o leitor ao tema.

Tão logo constataremos em seus textos uma aproximação entre teoria e clínica, com a construção da técnica psicanalítica. Especificamente, remeto inicialmente o leitor à sua publicação referente ao ano de 1893-1895. Trata-se do “Estudos sobre a histeria” (BREUER, J.; FREUD, S. (1893-1895), Estudos sobre a histeria, Edição Standard Brasileira, Vol. II, Rio de Janeiro: Imago, 1996), numa publicação em conjunto com o Doutor Joseph Breuer, que se tornou crucial para um aporte significativo na construção da teoria psicanalítica, onde apresentaram êxitos, referente ao tratamento de “sintomas histéricos”.

Em suas colaborações teóricas e práticas trouxeram sentido aos sintomas apresentados pelos histéricos, já que a histeria, era muito difundida, no fim do século XIV, e não havia estudo ou qualquer conhecimento, quanto sua origem ou compreensão dos sintomas apresentados, onde os considerava como loucos e/ou simuladores.

Transportando o leitor num enfoque clínico, explicarei de forma breve de como foram configuradas as descobertas na atuação clínica de Freud, que delinearam a técnica da escuta.

Portanto, faz-se necessário escrever sobre a técnica psicanalítica para discorrer sobre o tema, repleto de recortes relevantes, em busca de uma contextualização. Em sua aplicabilidade no decorrer da análise, assimilamos de pronto, em não se tratar de apenas ouvir e, sim, de como ouvir.

Em síntese, o capítulo I, foi composto pelos percursos que levaram Freud a abandonar a hipnose, seus estudos clínicos que o levaram a elaborar a análise na clínica. Explicitando a condição de desamparo e de dor psíquica em seus textos e conceitos.

Inaugura-se a abordagem numa qualidade de escuta inserida no campo da técnica psicanalítica. Encontramos na escuta psicanalítica um dos instrumentos fundamentais durante a intervenção em situações de desamparo e dor psíquica. Constata-se na transferência, um campo de acolhimento sendo possível que o excesso, nomeado como dor psíquica, seja simbolizado, remanejando a dor desse sujeito que sofre do terreno mortífero e também irrepresentável.

Será introduzido a forma que Freud foi conduzido a se dar conta das representações do campo da fantasia vivenciado por esse sujeito.

Para contextualizar esse trabalho, iniciarei explicitando como a hipnose funcionava e o momento em que Freud a abandona para aprofundar seus estudos e investir numa nova forma de conduzir os casos por ele trabalhados.

Veremos na hipnose, certo poder de sugestão, devido ao seu efeito causado nos hipnotizados. Esse poder era um instrumento, assim por dizer, referente à influência do hipnotizador para com o hipnotizado. Mas para alcançar o sucesso do uso da técnica hipnótica, dependia do estado físico e psíquico do paciente. Se bem sucedido, tal estado se encontraria então, num poder total depositado no médico/ hipnotizador/ analista. Teria em sua finalidade um domínio do corpo deste paciente, ou seja, tratava-se de uma domesticação dos sintomas, do corpo e da mente, que passaram a ser controladas por quem o hipnotizou.

Dessa forma, não era conferido o poder para as próprias mãos do paciente, onde seria possível ele fazer uso da sugestão para si. No tratamento hipnótico ele não consegue ressignificar seus sintomas, cria-se uma dependência com a figura do médico e, o mais importante, não teria como confrontar a origem do sintoma, logo, o paciente não criava consciência e um manejo para lidar com seus conflitos e tornava-se mais suscetível em recair num mesmo adoecimento.

A partir daí, Freud pôde constatar que a técnica hipnótica possuía falhas. Em sua verificação, ele pode conferir o poder da transferência na aplicação do tratamento analítico, que mantém os sintomas controlados dentro dos limites possíveis.

Uma vez superada tais resistências, a vida mental desse paciente passaria a ser modificada permanentemente. Uma vez consciente dos seus conflitos/ sintomas, o manejo dos mesmos, tornar-se-iam mais fáceis, pois esse paciente poderia ressignificar seus sintomas e não sofreria mais de reminiscência (lembranças com carga afetiva). Em síntese, basicamente, a hipnose faz o uso da sugestão para dizer ao paciente o que ele deve fazer, no que confere o enraizamento dos sintomas e uma dependência da figura médica. De acordo com Freud que diferiu o tratamento analítico do tratamento hipnótico, ele explica que o segundo, “utiliza-se da sugestão, a fim de proibir os sintomas: fortalece as repressões, mas afora isso, deixa inalterado todos os processos que levaram – o paciente – à formação de sintomas. O tratamento analítico faz seu impacto mais retrospectivamente, em direção às raízes, onde estão os conflitos que originaram os sintomas, e utiliza da sugestão a fim de modificar o resultado desses conflitos” (FREUD,1917[1916-17],p.451).

O emprego do tratamento analítico, seria trabalhar na modificação desses conflitos gerados, baixando as resistências para haver uma modificação interna. Além de trabalhar na própria transferência diante da relação com o médico, para que a libido possa ser escoada e não recalcada. Nas palavras de Freud, “esse trabalho de superar as resistências constitui a função essencial do tratamento analítico; o paciente tem de realizá-lo e o médico lhe possibilita fazê-lo com a ajuda da sugestão, operando em um sentido educativo” (FREUD,1917[1916-17],p.452). Mas adiante ele finaliza da seguinte forma: “na psicanálise, agimos sobre a própria transferência sobre a própria transferência; ajustamos nosso o instrumento com o qual desejamos causar nosso impacto. Assim, se nos torna possível auferir uma vantagem inteiramente nova do poder da sugestão; ela passa para nossas mãos. O paciente não sugere a si mesmo o que quer que seja que lhe agrade: guiamos sua sugestão na medida em que ele, de algum modo, é acessível à sua influência” (FREUD,1917[1916-17],p.452).

Encontra-se no processo da transferência, com a relação médico e paciente, um intuito em mostrar de forma velada ao paciente a forma em que ele fazia algo que até então estava na ordem do inconsciente. Mediante a construção desse processo transferencial, proporciona assim, o acesso a esses conteúdos que fugiam da ordem consciente do analisando, onde se torna conferido a ele, no caso o paciente, meios de mudar por si mesmo, em conjunto com o auxílio do médico. Uma vez trazido à consciência o sentido dos seus sintomas e, em poder ter conhecimento de como a libido se distribui, quer seja, através dos sonhos, ou das parapráxias (atos falhos), ou suas associações livres. Dessa forma, dentre algum desses meios de escoamento, torna-se possível o acesso ao que estava no encoberto no inconsciente, recalcado.

A partir desse rompimento teórico, Freud pode iniciar a elaboração da psicanálise. Retomando mais detalhadamente, explicitar alguns dos casos, que o levou a tal feito, referente ao abandono da hipnose.

Freud em conjunto com Breuer, através da publicação dos “Estudos Sobre a Histeria” (Breuer;Freud,(1893-1895),vol. II), encontramos cinco ‘casos clínicos’ em tratamento, com mais de dez anos de trabalhos clínicos, visto em sua obra e cada autor dedica um capítulo teórico às suas hipóteses. Por parte das contribuições de Breuer, Freud pôde traçar um caminho diferente, que foi para além da hipnose. Ele assim deteve, em sua totalidade do corpo do paciente, através do efeito da sugestão, diante de uma “cura” (no sentido de tratamento, de cuidado), por efeito da imaginação.

Confuso. O uso método catártico, criado por Breuer, utilizado entre 1880 e 1895, de acordo com Freud “consistia em focalizar diretamente o momento em que o sintoma se formava, e em esforçar-se persistentemente por reproduzir os processos mentais envolvidos nessa situação, a fim de dirigir-lhes a descarga ao longo do caminho da atividade consciente” (FREUD,1914[1911-1913],p.163). Tratava-se então de uma intervenção psicoterápica, onde os pacientes adoecidos conseguiam com a ajuda médica da hipnose tornar à lembrança os acontecimentos traumáticos cujo, estes, se encontravam no passado. Assim era possível obter acesso ao que se tratava dos primeiros sintomas histéricos. Esses sintomas desapareciam conforme os pacientes conseguiam evocar essa lembrança e, os revive de forma intensa a emoção, denominada originária, ligada ao acontecimento; tal evento fora observado por ambos os autores.

Voltemos ao emprego da hipnose, para depois discorrermos sobre a teoria do trauma e abertura. Charcot teve uma contribuição importante na história da histeria, mas em síntese, iremos ao que nos interessa.

Quando Freud assiste a um curso de Charcot em 1885, em Paris, foram evidenciados por ambos, nas aulas práticas em Salpêtrière, de que a histeria não se tratava de uma simulação e sim, uma doença funcional com um conjunto de sintomas definidos e que a histeria se trata de uma doença encontrada em ambos os sexos e não apenas tipicamente feminina, ao que se refere o termo “histeria”, que deriva da palavra grega hystera, que significa “útero”, como podemos ver no livro do autor Garcia-Roza, “Freud e o inconsciente” (ROZA,1995,p.33).

Charcot, teria como objetivo comprovar que haveria uma sintomatologia regular aos histéricos por meio da hipnose, onde se tratavam de perturbações sem lesões anatômicas presente, no caso das neuroses, seria necessário afastar tais hipóteses de simulação, que estava presente no contexto psiquiátrico do século XIX, em lesões anatômicas ou não em determinados sintomas, por meio de lesões anatomopatológicas, apresentando no corpo, a lesão referente aos distúrbios verificados, com intuito de incluir tais investigações anatomopatológica, por ser um dos únicos meios de incluir a medicina no campo das ciências exatas, através do médico em suas observações clínicas (ROZA,1995).

Logo, Charcot passou a produzir uma regularidade dos sintomas histéricos, a modo de passar a histeria para o poder médico e afastar a possibilidade de um quadro sintomas irregulares, dessa forma ele fazia uso da hipnose, para obter o controle da situação, através da sugestão hipnótica, como resultado teria a apresentação de um conjunto de sintomas histéricos bem definidos e regulares e constata que a histeria tinha a ver com o desejo médico e não com o corpo neurológico. Diante desse impasse, Charcot elaborou a teoria do trauma, que de acordo com Levin, citado no livro “Freud e o Inconsciente”, do autor.

Segundo Levin (1980,p.50 apud GARCIA-ROZA,1995,p.34), no que diz respeito a teoria do trauma, “[…] o sistema nervoso pode ser adotado de uma predisposição hereditária para, em decorrência de um trauma psíquico, produzir um estado hipnótico que torna a pessoa suscetível à sugestão.”

Mediante a tal impasse, Charcot elabora a teoria do trauma, em síntese ele argumenta que é visto no trauma uma ordem permanente, um estado hipnótico também permanente, que poderia ser expresso corporalmente algum tipo de sintoma, como por exemplo, uma cegueira, paralisia, dentre outros. Inaugurou a hipótese de uma “lesão dinâmica” cerebral de origem traumática como causa da histeria. Seria como uma predisposição hereditária que torna a pessoa mais suscetível ao estado hipnótico e à sugestão, ele busca embasamento positivista em suas argumentações, para cientificar suas teorias.

Visto por ele que, no estado hipnótico produzido na clínica pelo médico, era uma ordem de manifestação corporal dos sintomas de ordem traumática, porém temporários o acesso, pois na clínica, o papel da sugestão é semelhante ao acontecimento referente à situação traumática. A diferença seria apenas por não ser permanente tal desvencilhamento do trauma, dado pelo papel da sugestão ao trauma gerado.

Em síntese, Charcot buscava demonstrar que os distúrbios histéricos eram de natureza psíquica e não orgânica, dessa forma ele empregava a sugestão hipnótica para reprodução dos sintomas histéricos e ocasionar o desaparecimento destes, porém ele fazia uso da hipnose mais como forma de demonstração, do que de um tratamento.

Mediante a constatação de que o trauma abordado não é de ordem física e sim psíquica, surge a necessidade de que esse paciente passe a falar sobre sua história pessoal, para que o médico tenha acesso ao momento traumático que desencadeou a histeria. Contudo, Charcot não esperava que nos conteúdos da fala desses pacientes emergisse um componente sexual. Tornou-se evidente a importância do “papel sexual nos histéricos”, porém a presença desse conteúdo fora recusado por Charcot (GARCIA-ROZA,1995).

Freud, então, tomou como ponto de partida para suas investigações, com intuito de aperfeiçoar sua própria técnica. Em 1889, ele pode receber uma contribuição do Bernheim em Nancy, onde este, demonstrou que a hipnose se tratava de uma sugestão que passava antes de tudo pela palavra, e não pelo olhar, mediante a isto, Freud tornou tal abordagem uma técnica psicoterapêutica e passou a fazer uso ao regressar a Viena.

Veremos agora a questão do trauma e ab-reação. Foi de extrema importância à teoria do trauma psíquico nos escritos iniciais de Freud, mas ao mesmo tempo Freud teria de renunciar tal teoria para obtenção do sucesso na elaboração da teoria psicanalítica. Posto que na teoria do trauma, os sintomas neuróticos são dependentes de um acontecimento traumático real onde foram produzidos, o que impede na elaboração da teoria da sexualidade infantil e o Édipo, onde o evento traumático é encontrado mediante das fantasias edipianas da criança (GARCIA-ROZA,1995).

Sob influência dos ensinamentos de Charcot, o artigo que Freud escreve em 1888, para a Enciclopédia Villaret (Handwörterbuch der gesamten Medizin), no caso da neurose histérica, ele recomenda dois tipos de tratamento. Um, que propõem a mudança de ambiente, afastando o paciente do ambiente familiar, pois demanda muita expectativa ansiosa dos familiares, tendo em vista que pode propiciar uma crise, assim, sugere a internação num hospital. Durante a internação, é possível manter uma observação e controle das crises. E outra recomendação ao tratamento, trata-se de remover as causas psíquicas dos sintomas histéricos (GARCIA-ROZA,1995).

De acordo com Freud (ESB, v. I, p. 99 apud GARCIA-ROZA,1995,p.35) no livro de Garcia-Roza ele afirma:

[…] Como essas causas são inconscientes para o paciente, o método para eliminar os sintomas consiste em dar ao paciente, sob hipnose, uma sugestão que remova o distúrbio. Esse procedimento, porém, apenas elimina o sintoma mas não remove a causa. Freud propõe, então, que se empregue um método elaborado por Joseph Breuer e que consiste em fazer o paciente remontar, sob efeito hipnótico, à pré-história psíquica da doença a fim de que possa ser localizado o acontecimento traumático que originou o distúrbio (Freud, ESB, v. I, p. 99 – escritos do autor,ROZA,1995,p.35).

Podemos compreender que a hipnose sob sugestão elimina os sintomas corpóreos, porém, não são removidas suas causas, pois estas, são encontradas inconscientemente. Para acessá-las, o paciente é posto para falar, por meio da hipnose, com intuito de obter acesso ao conteúdo primário que gerou o trauma.

No ano de 1893, Freud está sob maior influência de Breuer. Eles publicaram um artigo em conjunto “Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos: comunicação preliminar”, que passou a compor o primeiro capítulo dos “Estudos sobre a histeria” (BREUER e FREUD(1893-1895)), composto por casos clínicos tratados pelos autores. Falaremos do caso da paciente de Breuer, que originou tal Comunicação preliminar (GARCIA-ROZA,1995).

Breuer dedicou-se ao tratamento da Anna O. Enquanto Freud, no tratamento de Frau Emmy Von N., dentre outras. Todas foram cruciais nos estudos dos autores, para colaboração da descoberta e uso da ab-reação, da utilização do método catártico, o emprego da sugestão hipnótica, associação livre e por noções como defesa (recalcamento), a resistência e conversão, que contribuíram da passagem do método catártico para o método psicanalítico, por Freud. Introduzir de forma breve o caso da Anna O. (Bertha Pappenheim), para que o leitor se familiarize e retorne ao caso, por meio de fragmentos relevantes na composição dessa leitura.

Anna O.1 Ao tratar do seu pai doente, iniciou a apresentação de diversos sintomas histéricos, no decorrer desse período e permaneceram após o falecimento do seu pai. Enquanto ela estava submetida sob efeito da hipnose, Breuer pode constatar o desaparecimento dos seus sintomas histéricos apresentados, como: variações de humor, distúrbios da visão, paralisia do lado direito, distúrbios da linguagem, “ausências” povoadas de alucinações, dentre tantos outros. Sempre que o acontecimento traumático ligado aos sintomas eram reproduzidos sob hipnose eles desapareciam. Ao concluir dois anos de tratamento, os sintomas desapareceram (GARCIA-ROZA,1995).

Nesse momento Freud estava em Paris, num curso realizado por Charcot, ao retornar de Paris anos depois e de ter estabelecido em Viena, uma clínica de doenças nervosas, Freud resolveu utilizar a técnica de Breuer de investigação pela hipnose, numa paciente que recebeu, para tratamento, a Frau Emmy Von N., Breuer denominou seu método de “catártico”, significava uma “purgação”, que ocorria durante o tratamento uma descarga do afeto que remetia à experiência de origem traumática.

Logo, a hipnose tinha uma função, que era por sugestão, conduzir o paciente ao seu passado, para que ele pudesse ir de encontro ao fato traumático de origem, ou seja, levando esse trauma ao conhecimento dele e, então, após esse evento, ocorria uma ab-reação, nada mais que uma “liberação da carga de afeto” (GARCIA-ROZA,1995).

Exponho então, o termo talking cure2 ou na tradução, ‘cura pela fala’, expressada por Anna O. e o termo chimney sweeping3 (limpeza de chaminé), ambos para qualificarem o procedimento de recuperação e a rememoração do que fora ocorrido na aparição dos sintomas, permitindo a abertura.

Como podemos verificar no trecho dos autores Breuer e Freud (1893-1895,p.65):

Ela descrevia de modo apropriado esse método, falando a sério, como uma “talking cure”, ao mesmo tempo em que se referia a ele, em tom de brincadeira, como “chimney-sweeping.¹
¹ |Essas  duas expressões se encontram  em inglês no original alemão.|
|Talking cure – cura pela fala. Chimney-sweeping – limpeza de chaminé (N. do T.)| (BREUER;FREUD,1893-1895,p.65).

Vide esse trecho, nos faz pensar na importância de sermos escutados, de como por meio da produção da fala pode, por vezes, produzir uma ressignificação ao superar as resistências, ir de encontro na origem dos seus conflitos. Freud deparou-se com a mudança de comportamento, quando a paciente começa a reviver seus conflitos originários, que produz um sentido de verdade, ao revivê-los em análise. Em termo, ocorre a ‘catarse’4, refere nada mais do que poder reviver um sentimento, ir de encontro ao conflito/sintoma originário.

Contudo, Freud passou a fazer uso da sugestão como meio terapêutico e com o uso da hipnose, assim como Breuer, para ir de encontro aos fatos traumáticos. Porém no momento que tais traumas eram detectados, Freud recorre ao emprego da sugestão, com intuito de erradicá-los ou ao menos atenuá-los em sua força patogênica. Já Breuer apenas aguardava que a própria paciente fosse de encontro com as suas retenções e produzisse a ab-reação, por si. Notemos ao ler o caso clínico da Anna O., por exemplo, que Breuer não teve ganância em aprofundar o assunto e não avança em seus estudos sobre a histeria.

Posteriormente Freud abandonou a prática da sugestão, que preferiu fazer o uso do método catártico de Breuer, porém com uma característica mais investigativa, uma vez que gerava obstáculos em sua pesquisa, ao permanecer com o uso da sugestão. Com a utilização do ‘método catártico’ (FREUD,1904 [1903]/1987,p.233), que permite uma saída através da fala, ao que se refere dos afetos presos, conferida nos casos clínicos presente no ‘Estudo Sobre a Histeria’ (FREUD,1893-1895), verificou certa eficácia durante o tratamento dos histéricos trabalhado em conjunto com J. Breuer, onde se interessava pelo tratamento da histeria.

Freud fez uso do método catártico pela primeira vez. Verificamos no trecho “O Método Psicanalítico de Freud” que proporcionou de certa forma o caminho para a ‘cura’, no sentido de tratamento e não de reminiscência dos sintomas, vulgo, o desaparecimento.

De acordo com Freud (1904 [1903]/1987,p.234):

O método catártico já havia renunciado à sugestão, e Freud deu o passo seguinte, abandonando também a hipnose. Atualmente, trata seus enfermos da seguinte maneira: sem exercer nenhum outro tipo de influência, convida-os a se deitarem de costas num sofá, comodamente, enquanto ele próprio senta-se numa cadeira por trás deles, fora de seu campo visual. Tampouco exige que fechem os olhos e evite qualquer contato, bem como qualquer outro procedimento que possa fazer lembrar a hipnose. Assim a sessão prossegue como uma conversa entre duas pessoas igualmente despertas (…) (FREUD, 1904 [1903]/1987, p.234).

Nesse texto, Freud afirma ter encontrado “[…] um substituto da hipnose, plenamente satisfatório, nas associações dos enfermos, ou seja, nos pensamentos involuntários – quase sempre sentidos como perturbadores e comumente postos de lado.” (FREUD,1904 [1903]/1987,p.234).

A partir desses pensamentos involuntários que Freud intensifica seus estudos, para investigar a questão referente à natureza e à origem, dos sintomas, que o levou a estudar maneiras de obter acesso a tais respostas. Assim, aos poucos, verificamos os percursos que o levou a elaboração da teoria da psicanálise.

Através de um dos seus primeiros trabalhos, na junção da Comunicação preliminar, em 1893 e nos Estudos sobre a histeria, em 1895, escritos em conjunto com Breuer, é que Freud inaugura com uma noção de defesa, que desempenhou uma importância na elaboração da teoria psicanalítica. Onde ocorre também o afastamento entre os autores. Na publicação das Neuropsicoses de defesa, em 1894, é que Freud passou a produzir de forma mais independente à Breuer, no que se trata do termo “defesa”, que aparece nesse artigo de forma mais aprofundada.

Quando ele tratou da noção da “defesa” (FREUD,1894), ele conheceu em sua íntegra, quando abandonou a hipnose, visto que, permanecendo com esse método estaria suscetível a algo ocultado pelo uso da técnica de hipnose, ou seja, a “defesa”, presente durante o uso deste método, sendo um obstáculo para a concretude do conhecimento dessa nova aparição do mecanismo psíquico, chamado “defesa” (recalcamento). Notou um sentido de proteção efetuada pelo ‘ego’5 frente a alguma representação ameaçadora que não agrada ao ego, a modo de impedir que tais representações patogênicas tivessem acesso ao “ego” (FREUD, 1894).

Nessa “defesa”, surge sob uma forma de censura produzida pelo ego. Geralmente, ao surgir alguma ideia que ameace o bem estar do ego, o mesmo, por meio desse mecanismo psíquico de defesa tinha como objetivo repelir da consciência e lembrança, essas idéias patogênicas que causam insatisfação, através do uso de uma força, denominada censura. Na resistência ele pode encontrar a evidência externa quanto a essa defesa (GARCIA-ROZA,1995).

Freud inaugura a noção de ‘conversão’6, para demonstrar que as histéricas, em suas neuroses, geram sintomas somáticos devido a uma carga de afeto em conjunto às ideias ameaçadoras. Entende-se por conversão, o modo de defesa destinado nos casos de histeria na produção do sintoma histérico. Quando a emoção da lembrança não é eliminada e o paciente não consegue suportar essa carga afetiva perturbadora, passa a converter essa energia psíquica em energia somática tornando agora um sintoma histérico, por um mecanismo de conversão (GARCIA-ROZA,1995).

Ao obter acesso às noções de resistência, defesa e conversão, a forma de conduzir a terapia necessitou de ser repensada e alterada. Foi evidenciado que os afetos precisavam ir para além da abreviação, deveriam tornar à consciência essas idéias patogênicas para propiciar a elaboração. Logo, verifica-se uma mudança do método catártico para o método psicanalítico (GARCIA-ROZA,1995).

Retomando o caso da paciente Emmy Von N., nesse caso Freud utilizou o método catártico pela primeira vez e inaugurou a associação livre7(BREUER; FREUD,1895 d).

Foi durante uma intervenção, no caso da paciente Emmy Von N. (Fanny Moser) fez uso da associação livre para a cura de sua paciente. Uma nova abordagem surgiu ao acaso, percebeu durante as entrevistas, que bastava a paciente falar por vontade própria e evocava as lembranças importantes, para que o efeito catártico surgisse através de uma descarga produzida pela palavra. A paciente pedia a Freud que não a tocasse quando era tomada pelas lembranças ruins e que não a interrogasse, para deixá-la falar tudo o que necessitava dizer. Foi quando Emmy Von N. passou a falar livremente, ‘associação livre’, ele constatou que através da “associação livre” fora permitido à paciente falar o que lhe viesse à mente, onde ocorre uma baixa da ‘resistência’ e permitiu acesso ao ‘inconsciente8, quanto aos conteúdos ‘recalcados9, onde geram o desprazer (QUINODOZ,2007).

Ele percebeu que mesmo sem a hipnose era possível à rememoração, porém, ainda utilizou em alguns momentos a hipnose nessa paciente.

Em seus outros casos clínicos, podemos notar de forma progressiva, o abandono da hipnose, ele notou que alguns pacientes não eram suscetíveis à hipnose, logo inaugura a aplicação do método de associação livre em seus pacientes.

Por isso, Freud e Breuer afirmam no texto “Comunicação preliminar”, publicado em 1893, que “O histérico sofre de reminiscências”, ou seja, sofrem de lembranças com cargas afetivas, sendo necessário reviver a emoção original para trazer a lembrança à tona. Visto na linguagem o caminho na obtenção da lembrança patogênica para a reação de descarga emocional. (BREUER;FREUD,1893).

Assim, Freud passa a considerar o método da associação livre, como mais um dos propulsores da terapia psicanalítica e abandonou a intervenção efetuada pelo uso da hipnose ao tratar dos pacientes histéricos, já que muitos pacientes não eram passíveis à hipnose (FREUD,1893-1895).

Freud abandona a técnica da hipnose, utilizada por Breuer, para ‘tratar’ dos pacientes histéricos, devido Breuer não admitir a questão da presença do fator sexual nos casos das neuroses histéricas. Foi então, que Freud aprofundou no estudo da histeria, conforme podemos verificar ao ler o volume II de sua obra, cinco êxitos do método catártico e uma modificação gradual da técnica catártica, em esboços iniciais, referentes ao que tratou dos caminhos para a teoria psicanalítica, delimitados, nesse texto de 1895, com as noções de inconsciente, resistências, defesas, transferências, dentre outras (FREUD,1893-1895).

Retornaremos ao caso da paciente de Breuer, Anna O., para situar o leitor num detalhe relevante do caso.

O encerramento do caso de Anna O. fora omitido por Breuer, podemos constatar a realidade quando Freud reconstitui o caso, através da confirmação feita pelo próprio Breuer e o autor E. Jones em seu livro sobre a vida de Freud (JONES,1979, p.237 apud GARCIA-ROZA,1995) trata desse assunto.

O tratamento foi encerrado, devido ao Breuer não ter conseguido lidar com o fenômeno da transferência e contratransferência, em sua relação terapêutica. Denotava interesse por parte do Breuer em sua paciente, porém era de caráter clínico e científico. Sua mulher ficou com ciúmes e triste, devido Breuer falar com muita frequência sobre sua paciente (GARCIA-ROZA,1995).

Ele decidiu encerrar o tratamento e comunicou à sua paciente, que no mesmo dia apresentou uma das suas piores crises histéricas e ao chegar à casa da paciente, ela apresentava contrações abdominais, numa crise de parto histérica e dirigiu a palavra ao Breuer: “Agora chega o filho de Breuer”. Ele a hipnotizou e foi dado o fim da crise. Breuer e sua esposa viajaram para Veneza no dia seguinte, de férias. Estava no conteúdo sexual, o segredo velado das neuroses (GARCIA-ROZA,1995).

Foi a partir do caso da Miss Lucy R., em 1892, que Freud passou a aplicar o método de associação livre e constatou um conflito psíquico de ordem sexual. Sua paciente se trata de uma governanta, com a presença de sintomas histéricos que reprimiam uma paixão oculta por seu patrão. Por ela acreditar na impossibilidade desse amor ela o mantinha em segredo, contudo essa paixão, fora descoberta por Freud no decorrer do tratamento e a mesma admitiu esse fato, assim após evocar essas lembranças, seus sintomas histéricos foram eliminados (QUINODOZ,2007,p.24).

Durante o percurso desse caso, houve a constatação da hipótese da conservação de alguma lembrança difícil para o paciente e não o incidente original. Essa lembrança seria referente algum determinado acontecimento esquecido, cujo conteúdo permanecia integralmente preservado na memória, está instaurado na origem do efeito patogênico dos sintomas histéricos. Trata-se de um conflito psíquico, na maioria das vezes de natureza sexual (QUINODOZ,2007,p.25).

Seu efeito patogênico é devido à presença de algum conteúdo que não é aceito pelo ego, por ser penoso manter a lembrança no consciente ou com intuito de querer rejeitar a existência de alguma determinada ideia de prazeres. Ocorre então uma constante repressão do consciente, com intuito de manter essa lembrança fora do acesso do consciente e evitar o desprazer que essa ideia remete ao indivíduo. É dessa forma eliminada a elaboração associativa, com fim de evitar evocar a consciência dessa lembrança e passar a ter conhecimento dela (GARCIA-ROZA,1995).

Por Garcia-Roza (1995, p.40) ele elucida nesse trecho que:

[…] não era qualquer espécie de excitação emocional que se encontrava por detrás dos sintomas neuróticos, mas sobretudo uma excitação de natureza sexual e conflitiva. A importância concedida à sexualidade, tanto para a compreensão da neurose como para a compreensão do indivíduo normal, torna-se cada vez mais central para Freud (…) (ROZA,1995,p.40).

Para concluir o capítulo vigente, Freud ao expor esse ponto de vista da presença do componente sexual nos casos de neurose, especificamente na histeria, ele afirma que a existência do traumatismo original está ligado a experiências sexuais reais, vividas na primeira infância. Poderiam ser por meio de investidas aos atos sexuais (QUINODOZ,2007).

Contudo, Freud passou a duvidar da realidade da existência da cena sexual, começou a cogitar que poderia ser uma produção imaginária, uma fantasia. Logo, constatou a importância da fantasia10 (desejos) e da pulsão11, do que essa realidade da cena sexual, apresentados nos fatores traumáticos determinantes. Em suma, a importância conferida pelo fator traumático depende mais da produção da fantasia e da pulsão de que da realidade da cena sexual (GARCIA-ROZA,1995).

Encerro com um trecho de Michael Foucault que resume o que foi disposto neste capítulo e para introduzir uma continuidade ao próximo capítulo, que será detalhada a questão da sexualidade.

Conforme a observação do autor Foucault (1979 apud GARCIA-ROZA,1995,p.41) referente ao assunto da questão da sexualidade trata-se que:

A grande originalidade de Freud não foi descobrir a sexualidade sob a neurose. A sexualidade estava lá, Charcot já falava dela. Sua originalidade foi tomar isso ao pé da letra e edificar a partir daí a Traumdeutung, que é algo diferente da etiologia sexual das neuroses (…) o forte da psicanálise é ter desembocado em algo totalmente diferente que é a lógica do inconsciente.” (Foucault,1979b,p.261 e 266;escritos pelo autor ROZA,1995, p.41).

2. CAPÍTULO II

2.1. A ESCUTA PSICANALÍTICA

Veremos a contribuição conferida pelos artigos técnicos do autor Freud, para a fomentação das regras fundamentais da psicanálise. Tratam-se de textos técnicos, onde Freud insere ao que ele chama, de regras “que podem ser estabelecidas para o exercício do tratamento psicanalítico” (FREUD,1913,p.139) das quais ele produziu uma condensação, dessas ‘recomendações’, para o uso de psicanalistas, a serem utilizadas no início do tratamento.

Vide em tais regras técnicas, ele ressaltou que tal produção fora efetuada de acordo com suas próprias experiências, “no decurso de muitos anos, após resultados pouco afortunados me haverem levado a abandonar outros métodos” (FREUD,1912,p.125). Os métodos que ele menciona ter abandonado foram alterados lentamente e dirigiram-se de encontro com o processo dessa nova técnica, ao qual denominou de técnica psicanalítica. Veremos em seus artigos técnicos recomendações que ele faz para os novos médicos, descreve também o processo conferido pelo uso da técnica, no decorrer da análise. Em virtude dos seus escritos, terem sido desenvolvidos através de uma contribuição pela sua própria experiência na clínica.

Atentarmos-nos para o processo da transferência, ao qual ele enfatiza em seus artigos técnicos de forma descritiva, confere também, que o assunto da transferência é um tópico quase inesgotável. Apresentarei então, em recortes, as partes mais relevantes de seus artigos técnicos, para o desenvolvimento do tema proposto pelo trabalho.

2.2 RETORNEMOS AO PAPEL DA SEXUALIDADE

Para dar continuidade ao assunto da sexualidade que foi encerrado no capítulo I, faz-se necessário construir uma breve explicação referente ao papel da sexualidade e sua contribuição, para os progressos que Freud objetivou em sua técnica psicanalítica.

Logo, vale a pena ressaltar, a importância fundamental do fator da sexualidade e a histeria para a fundamentação da teoria e da técnica psicanalítica. O capítulo anterior fez uma breve apresentação histórica desde o início da psicanálise e esse capítulo pretende ressaltar a importância da escuta na teoria freudiana.

Para aprofundar a dissertação quanto à questão da sexualidade, nos recordamos, que Freud constatou nos relatos de seus pacientes, uma presença referente à aparição dos primeiros sintomas histéricos, sendo estes interligados a traumas de ordem sexual inseridos em tais relatos. Nesses relatos ele pôde verificar a evidência do fator sexual como ponto de partida de sua sintomatologia. Verificou mais tarde em seus estudos que não se tratava apenas da condição da histeria, permeia também as neuropsicoses em geral, onde foram denominadas de neuroses sexuais. (QUINODOZ,2007,p.27).

Em muitos outros artigos que escreveu na mesma época dos Estudos sobre a histeria, o autor inicialmente afirma uma associação às experiências sexuais realmente vividas na primeira infância, anteriores à adolescência, vinculadas ao traumatismo12 originário. Tratando-se dessas experiências, elas podem ser verificadas pelas “simples investidas aos atos sexuais” (QUINODOZ,2007,p.27).

Conforme Quinodoz disserta, Freud, num curto período de tempo, entre 1895 e 1897, salientou a hipótese de um traumatismo sexual real ocorrido na infância. Porém, nesse momento Freud não tinha construído a referência às pulsões sexuais na criança, no caso a sexualidade infantil. (QUINODOZ, escritos do autor,2007; R. Wollheim,1971,p.39). Em sua “teoria de sedução”, atribui a origem da histeria a uma sedução realmente sofrida por parte de uma pessoa adulta durante os relatos das lembranças vividas por seus pacientes, com cenas reais de sedução que ocorreram na infância, no momento em que aparecem os primeiros sintomas histéricos. Essa teoria foi elaborada por ele em 1893 e assumida até 1897. Porém Freud procurou ampliar sua hipótese, nas neuropsicoses em geral, mas com enfoque na histeria, em explicar o mecanismo de repressão (QUINODOZ,2007,p.32).

Seguindo ainda Quinodoz, – numa carta dirigida a Fliess “O nascimento da psicanálise”, por volta de 1897 e 1904 – durante as análises clínicas realizadas por Freud, ele passou a duvidar da veracidade das cenas de sedução relatadas por seus pacientes. Ele se atém em diversos argumentos para concretizar essa incógnita, que o levaram a mudança de paradigma. Freud duvida que sejam tão recorrentes atos perversos direcionados à criança; após direciona a importância dos sintomas para as fantasias da sedução, determinado o papel mais relevante, impelido à conclusão de que é difícil separar a realidade da fantasia. Ele chegou a essa conclusão ao ouvir os relatos das lembranças e dos sonhos de seus pacientes e na autoanálise dos seus sonhos. Tão obstante, ele pôde evidenciar conteúdos sexuais da ordem da fantasia. Frente à importância da sexualidade infantil na etiologia das neuroses, não descarta que a formulação conferida em cenas de sedução infantis possuía um papel patogênico (QUINODOZ,2007,p.32,33).

Para falar de forma breve sobre a questão da fantasia, encontrada no processo de transferência, exemplifico, fazendo uso do o caso da paciente do Freud, Dora.

Em 1905, ele percebeu que sua paciente abandonou seu tratamento devido a sentimentos amorosos e eróticos, reportados a ele de forma inconsciente. Dessa maneira ele pode verificar que a transferência incluiria um deslocamento de sentimentos, desejos, fantasias ou cenários inteiros, sob forma de reprodução de experiências vivenciadas no passado com pessoas importantes, em particular na infância, direcionado para a pessoa do analista. Freud posteriormente percebeu a importância do papel da transferência no rompimento do tratamento de Dora, que ainda não considerava a transferência como o verdadeiro condutor na dinâmica do processo psicanalítico (QUINODOZ,2007).

Quinodoz, definiu então nas palavras de Freud (1976,p.111   apud QUINODOZ,2007,p.87):

O que são essas transferências? São edições, cópias de tendências e de fantasias que devem ser despertadas e tornadas conscientes pelos progressos da análise, e cujo traço característico é substituir uma pessoa que se conheceu antes pela pessoa do médico. Em outras palavras, um número considerável de estados psíquicos anteriores é revivido não como estados passados, mas como relações atuais com a pessoa do médico.

Veremos em Laplanche e Pontalis uma das muitas noções de fantasia para Freud, onde “Freud opõe ao mundo interior, ele tende para a satisfação pela ilusão, um mundo exterior que impõe progressivamente ao sujeito, por intermédio do sistema perceptivo – realidade – o princípio de realidade” (LAPLANCHE & PONTALIS,2001,p.169). De acordo com Quinodoz na carta em que Freud enviou para Wilhelm Fliess, referente à fantasia nas histéricas, ele evidencia que, mais do que a vivência real do fato, é na fantasia de sedução que desempenha o papel importante, da cenas de sedução que os pacientes do Freud (p.32 apud QUINODOZ, 2007, p.32) relataram, que iria para além: “Há sempre uma solução possível, que é datada pelo fato de que a fantasia sexual gira sempre em torno do tema dos pais.”

Ao constatar o papel da sexualidade infantil na etiologia das pacientes histéricas, Freud pôde comprovar que para as histéricas, era difícil diferenciar as emoções, sensações e pensamentos de conteúdos sexuais, entre a realidade e a fantasia. Foi a partir da descoberta dessas fantasias, contidas na origem do trauma e reverenciadas pelas suas pacientes na clínica, que Freud pôde se empenhar na noção de transferência, ao passo que as resistências emergiram e eram contornadas pelo trabalho de reprodução dos sintomas, pela ab-reação. Ao que se entende por transferência, explicarei adiante.

Por Quinodoz, ele remete que desde os primeiros escritos de Freud sobre a histeria, já tratava de utilizar o termo do fenômeno da transferência, porém com o uso de forma indireta. Inaugura como uma forma de estabelecer uma relação de confiança do paciente para com a figura do analista. Devido o seu procedimento de pressão não surte efeito nos pacientes, ele passa a mencionar explicitamente a noção de transferência, ao se aprofundar nos motivos de resistência cujo paciente salienta.

Ao se deparar diante de três obstáculos à tomada de consciência das resistências, como primeiramente, uma ‘objeção pessoal em relação ao médico’; em conseguinte, o temor do paciente em se ligar demais ao médico e, outro obstáculo, à ‘conscientização das resistências que surgem’ (QUINODOZ,2007,p.28).

Conclui-se que, a análise é um meio de tentar auxiliar esse paciente a conseguir discernir, de forma estabelecida, entre a distinção de o que é a fantasia e o que é a realidade do passado.

2.3 CRONOLOGIA DOS ARTIGOS TÉCNICOS FREUDIANO

Nesse presente capítulo, me atento em apresentar a técnica psicanalítica, por meio da transferência como condição de possibilidade para se trabalhar com a escuta. Dessa forma, inserido em tais demandas inaugurais e com seu senso de pesquisador, Freud foi compelido a aprimorar seus estudos e estruturar sua técnica.

Farei inicialmente uma exposição para a construção e compreensão do leitor acerca do tema, logo remeto seus aspectos mais relevantes em detrimento de sua concretude, utilizo o “Artigos Sobre Técnica” (FREUD,1911-1915 [1914]), “A dinâmica da Transferência” (FREUD,1912), “Recomendações aos Médicos que Exercem a Psicanálise” (FREUD,1912), “Sobre o Início do Tratamento (Novas Recomendações sobre a Técnica da Psicanálise I)” (FREUD,1913), “Recordar, Repetir e Elaborar (Novas Recomendações sobre a Técnica da Psicanálise II)” (FREUD,1914), “Observações Sobre um Amor Transferencial (Novas Recomendações sobre a Técnica da Psicanálise III)” (FREUD,1915[1914]), dentre outras contribuições do autor, mas especificamente com maior foco nessas produções mencionadas.

2.4 EXPOSIÇÕES VISTAS NA INTRODUÇÃO DO EDITOR INGLÊS

Exponho em partes a Introdução do Editor Inglês, com intuito de situar melhor o leitor, para ter acesso ao possível percurso do Freud na elaboração dos “Artigos Sobre a Técnica” (FREUD,1911-1915 [1914]): “Em sua contribuição a Estudos sobre a Histeria (1895d), Freud forneceu um relato muito completo do procedimento psicanalítico que havia desenvolvido com base nas descobertas de Breuer. Este pode ser descrito como a técnica de ‘pressão’ e ainda incluía consideráveis elementos de sugestão, embora estivesse avançado rapidamente no sentido daquele que cedo ele deveria chamar de método ‘psicanalítico’. Um exame da relação dos escritos, técnicos de Freud, publicada adiante (QUINODOZ,2007,p.189), mostrará que, depois desse, a não ser por duas descrições muito superficiais datadas de 1903 e 1904, ele não publicou nenhuma descrição geral de sua técnica por mais de 15 anos” (FREUD,1911-1913,p.93). No momento que o editor inglês se refere à técnica de pressão, ele se refere ao tratamento realizado por Freud em sua paciente “Miss Lucy R.”, pois durante as tentativas de hipnose em vão, desistiu e adotou o método de “associação livre”, efetuando uma leve pressão na testa da paciente quando as lembranças demoraram a surgir, por meio da sugestão: “Você se lembrará sob a pressão das minhas mãos. No momento em que a pressão parar, você verá alguma coisa à sua frente ou passará uma ideia por sua cabeça que é preciso captar, é ela que vamos perseguir. E então, você viu ou pensou?”, referindo ao que foi explicado no capítulo I quanto à sugestão, em síntese por Quinodoz: “Esse tratamento confirmou a hipótese de que a lembrança de um incidente esquecido, mas fielmente conservado na memória, está na origem do efeito patogênico das sintomas histéricos. Trata-se de um conflito psíquico, quase sempre de natureza sexual, cujo efeito patogênico se deve a que uma idéia incompatível é (QUINODOZ,2007,p.25) “reprimida do consciente e exclui a elaboração associativa”” (Études sur L’hystérie, trad. A. Berman, Paris, PUF, 1956, p. 91, cf. Quinodoz, 2007, p. 25).

Dando continuidade, retornemos à introdução do editor inglês, “Freud disse ao Dr. Jones13 que estava planejando ‘um pequeno memorando sobre máximas e normas de técnicas’, que deveria ser distribuído privadamente entre seus mais chegados seguidores.” (FREUD,1911-1913,p.93) Freud havia anunciado que pretendia escrever uma Metodologia Geral da Psicanálise, o mais breve possível, um trabalho sobre a técnica.

O que o editor nos evidencia é que Freud não estava muito entusiasmado em produzir trabalhos sobre a técnica, havia uma relutância em publicar esse tipo de material. Como veremos a seguir, pelo Editor Inglês que Freud:

Antipatizava certamente com a ideia de pacientes futuros vierem a conhecer demais sobre os pormenores de sua técnica, e dava-se conta de que estes escrutinaram avidamente tudo aquilo que escrevesse sobre o assunto (…) ele era altamente cético quanto ao valor, para principiantes, do que se poderia descrever como ‘Manuais para Jovens Analistas’. É somente no terceiro e no quarto artigos desta série que algo semelhante pode ser encontrado. Isto se deveu em parte, como diz no artigo ‘Sobre o Início de Tratamento’, ao fato de os fatores psicológicos envolvidos (inclusive a personalidade do analista) serem complexos e variáveis demais para tornar possíveis regras rígidas e firmes. Tais regras só poderiam ter valor se suas razões fossem apropriadamente compreendidas e digeridas; e, de fato, grande parte destes trabalhos é dedicada a uma exposição do mecanismo da terapia psicanalítica e, na verdade, da psicoterapia em geral. Uma vez apreendido este mecanismo, tornava-se possível explicar as reações do paciente (e do analista) e formar opinião sobre os prováveis efeitos e méritos de qualquer artifício técnico específico. (FREUD,1911-1913,p.94;95)

Nesse trecho o editor inglês, expôs de uma forma clara a procrastinação do Freud em terminar o escrito sobre a técnica, porém ele usa de uma suposta condição para esse fator ter ocorrido.

Dando continuidade, o editor afirma que o autor frisava a importância de dominar de forma apropriada à técnica, se dava “adquirido pela experiência clínica e não pelos livros” (FREUD,1911-1913,p.95), nesse caso é válida a “experiência clínica com pacientes” (FREUD,1911-1913,p.95) e acima de tudo a “experiência clínica oriunda da própria análise do analista.” (FREUD,1911-1913,p.95). Consta presente em um dos seus últimos trabalhos, ‘Análise Terminável e Interminável’ (FREUD,1937), tem por instrução “que todo o analista deveria, periodicamente, talvez, a cada cinco anos, reingressar em análise” (FREUD,1911-1913,p.95). Recomenda-se sobre tais artigos sobre a técnica, uma leitura sob a forma de orientação.

No emprego da técnica, é evidente que o analista será um médico ou doutor, conforme a palavra ‘Arzt’, na publicação dos últimos trabalhos, Freud aborda um “possível surgimento de psicanalistas não-médicos”, “nos dois últimos trabalhos sobre técnica (1937 de 1937 d); é substituída, em toda a parte, por ‘Analytiker’ – ‘analista’” (FREUD,1911-1913,p.96).

Após compreender de forma breve o intuito de Freud, segundo a contribuição da Nota do Editor, inicio a abordagem do seu segundo trabalho sobre a técnica.

2.5 A DINÂMICA DA TRANSFERÊNCIA FREUDIANA

O presente texto, trata-se de uma contribuição do Freud acerca do tema da transferência, ao qual ele trabalha examina de forma teórica o “fenômeno da transferência e da maneira pela qual esta opera no tratamento analítico” (FREUD,1912,p.109), considerado por ele como um tópico quase inesgotável e tratou de explicar “como a transferência é necessariamente ocasionada durante o tratamento psicanalítico, e como vem ela a desempenhar neste seu conhecido papel” (FREUD,1912, p.111).

Nesse texto, Freud inaugura falando dos percursos da vida erótica e seus destinos possíveis, tendo em vista um método específico em conduzir a vida erótica sob a satisfação dos instintos e seus objetivos, justificada pelo aspecto que cada indivíduo tem, frente a uma disposição inata (constitucionais) somadas às influências sofridas nos primeiros anos de sua vida.

Como podemos constatar nesses trechos pelo Freud (1912, p.111;112), onde:

(…) parte daqueles impulsos que determinam o curso da vida erótica passou por todo o processo de desenvolvimento psíquico. Esta parte está dirigida para a realidade, acha-se à disposição da personalidade consciente e das parte dela. Outra parte dos impulsos libidinais foi retida no curso do desenvolvimento; mantiveram-se afastada da personalidade consciente e da realidade, e, ou foi impedida de expansão ulterior, exceto na fantasia, ou permaneceu totalmente no inconsciente14 de maneira que é desconhecida pela consciência da personalidade. Se a necessidade que alguém tem de amar não é inteiramente satisfeita pela realidade, ele está fadado a aproximar-se de cada nova pessoa que encontra com idéias libidinais antecipadas; e é bastante provável que ambas as partes de sua libido, tanto a parte que é capaz de se tornar consciente quanto a inconsciente, tenham sua cota na formação dessa atitude (FREUD,1912, p.111;112).

Ele continua sua explicação quanto ao motivo que conduz o paciente a conferir uma transferência para a figura do médico, utilizando o termo Junguiano ‘imago paterna’ (FREUD,1911,p.164), que aponta uma possibilidade como fator crucial no caso. Se acaso em seu resultado final a catexia libidinal15 de alguém que se vê insatisfeito ou em parte, pode dirigir-se à figura do médico. Onde a tendência dessa catexia de acordo com FREUD (1912,p.112) é devido a nossa hipótese primitiva de recorrer a “protótipos, ligar-se-á a um dos clichês estereótipos que se acham presentes no indivíduo; ou para colocar a situação de outra maneira, a catexia incluirá o médico numa das ‘séries’ psíquicas que o paciente já formou. Voltando à configuração das imagos, a transferência não se direciona exclusivamente à imago paterna, pode ser à imago fraterna ou materna, logo Freud continua “(…) tornam-se inteligíveis se tivermos em mente que essa transferência16 foi precisamente estabelecida não apenas pelas ideias antecipadas conscientes17, mas também por aquelas que foram retidas ou que são inconscientes”, (FREUD,1912,p.112). Ou seja, a transferência que ocorre durante o tratamento é uma ‘figura importante do passado que é projetada no presente na pessoa do psicanalista’, como podemos conferir em exemplo no caso Dora, pelo autor Quinodoz, “dessa maneira, no transcorrer da análise, um acontecimento real recente da vida de Dora – a figura do Herr K., o patrão pelo qual se apaixonou e levou essa paixão- remeteu-a um passado anterior ao incidente, isto é, à fantasia de ter sido seduzida por seu pai, que remonta à infância”, (QUINODOZ,2007,p.83).

Freud problematiza duas questões importantes ao interesse do psicanalista a respeito deste comportamento da transferência. Ele buscou uma investigação em torno do motivo da transferência ser mais intensa nos neuróticos em análise, quanto aos indivíduos neuróticos que não estavam em análise e a outra investigação sobre a transferência surgir como a resistência mais poderosa ao tratamento, aos que se encontram em processo de análise.

De pronto Freud (1912,p.113) respondeu a primeira investigação da seguinte forma:

Não é de fato que a transferência surja com maior intensidade e ausência de coibição durante a psicanálise que fora dela. Nas instituições em que doentes dos nervos são tratados de modo não analítico, podemos observar que a transferência ocorre com a maior intensidade e sob as formas mais indignas, chegando a nada menos que a servidão mental e, ademais, apresentando o mais claro colorido erótico. Gabriele Reuter, com seus agudos poderes de observação, descreveu isso em época na qual não havia ainda uma coisa chamada psicanálise, num livro notável, que revela sob todos os aspectos, a mais clara compreensão interna (insight) da natureza e gênese das neuroses. Essas características da transferência, portanto, não devem ser atribuídas à psicanálise, mas sim à própria neurose (FREUD,1912,p.113).

Logo, tornou-se evidente o conteúdo sexual, dado como típico nas neuroses.

Quanto ao segundo conteúdo indagado, sobre o porquê a transferência surge como resistência18 na psicanálise, Freud continua pelo viés da situação psicológica durante a análise, partindo pela relevância de uma precondição de ‘todo desencadeamento de uma psiconeurose19, conferida por um processo que Jung denominou de ‘introversão’ (FREUD,1910,p.38), nas palavras do Freud (1912,p.113;114):

isso equivale a dizer: a parte da libido que é capaz de se tornar consciente e se acha dirigida para a realidade é diminuída, e a parte que se dirige para longe da realidade e é inconsciente, e que, embora possa ainda alimentar as fantasias do indivíduo, pertence todavia ao inconsciente, é proporcionalmente aumentada (FREUD,1912,p.113;114).

Ele segue explicando o tratamento analítico, que passa a seguir essa libido20 com objetivo final de conduzi-la à consciência e essa libido possa ser útil à realidade. Quando essa libido é desvelada durante o processo da análise, pode surgir um ‘combate’; pois de acordo com Freud (1912,p.114):

todas as forças que fizeram a libido regredir se erguerão como ‘resistências’ ao trabalho da análise, a fim de conservar o novo estado de coisas. Pois se a introversão ou regressão da libido não houvesse sido justificada por uma relação específica entre o indivíduo e o mundo externo – enunciado, em termos mais gerais, pela frustração da satisfação – e se não se tivesse, no momento, tornado mesmo conveniente, não teria absolutamente ocorrido (FREUD,1912,p.114).

Dando continuidade à sua linha de raciocínio, ele ( FREUD,1912,p.114 prossegue:

a libido à disposição da personalidade do indivíduo esteve sempre sob a influência da atração de seus complexos inconscientes (ou mais corretamente, das partes desse complexos pertencentes ao inconsciente), e encontrou um curso regressivo devido ao fato de a atração da realidade haver diminuído. A fim de liberá-la, esta atração do inconsciente tem de ser superada, isto é, a repressão dos instintos inconscientes e de suas produções, que entrementes estabeleceu no indivíduo, deve ser removida (FREUD,1912,p.114).

Ele conclui conferindo que isto é responsável pela maior parte da resistência, que faz a doença persistir ‘mesmo após o afastamento da realidade haver perdido sua justificação temporária’ (FREUD,1912).

Mais adiante Freud fala que a resistência irá acompanhar o tratamento e apresenta outras maneiras da resistência estar em conjunto com a evolução da análise, como uma forma de satisfação à resistência, “quando nos aproximamos de um complexo patogênico, a parte desse complexo capaz de transferência é empurrada em primeiro lugar para a consciência e defendida com maior obstinação” (FREUD,1912,p.115), diante da continuidade, no decorrer do tempo de análise o paciente se dá conta que as ‘deformações do material patogênico, ao contrário de proteger contra a sua revelação’, ela utiliza a deformação como vantagem, por meio de transferência, propiciando o combate de todo o conflito na esfera da transferência.

Prosseguindo a linha de raciocínio de Freud (1912,p.115;116), no tratamento psicanalítico a transferência se configura como a:

arma mais forte da resistência e podemos concluir que a intensidade e persistência da transferência constituem efeito e expressão da resistência (…) o papel que a transferência desempenha no tratamento só pode ser explicado se encontrarmos na consideração de suas relações com as resistências (FREUD,1912,p.115;116).

Mais adiante Freud propôs uma questão, de como a transferência serve de meio de resistência? Sua resposta vai de encontro com a seguinte evidência: se pensar unicamente na transferência como resistência em sua singularidade, não será possível conferir à resposta dada em questão, pois devemos atentar às resistências transferidas em sua particularidade, durante ao tratamento. Foi então que ele passou a distinguir a transferência, como positiva, representada pelos sentimentos afetuosos e a transferência negativa, através dos sentimentos hostis, implementando a importância de tratá-las de forma segregada, para a figura do médico, no caso o psicanalista. Freud divide a transferência positiva, por sentimentos amistosos ou afetuosos, onde a consciência admite e transfere que estão para além desses sentimentos, encontrados no inconsciente, tratando-se de fontes eróticas, vista em análise. Essas relações emocionais de confiança, amizade e afins, são conferidos vínculos à sexualidade, com seu desenvolvimento por competência de desejos sexuais, devido à ‘suavização de seu objetivo sexual, por mais puro e não sensuais que possam parecer à nossa auto percepção consciente’ (FREUD,1912,p.116) Visto na psicanálise que pessoas admiradas por nós, tem a possibilidade de serem objetos sexuais para nosso inconsciente. Em resposta à questão proposta pelo autor, foi concluída da seguinte forma; a transferência como meio de resistência ao tratamento direcionada para a figura do médico/analista, apenas ao se tratarem de um desses dois tipos de transferência, como a ‘negativa’ ou ‘positiva de impulsos eróticos reprimidos’, que são encobertos. Freud confere os resultados da psicanálise baseados na sugestão; segue um cuidado para que o paciente possua uma independência final pelo emprego da sugestão, tendo em seu objetivo no trabalho psíquico uma ‘melhora constante de sua situação psíquica’ (FREUD,1912,p.117).

Mais adiante, o autor declara que é necessária uma investigação mais detalhada para a ‘transferência negativa’, porém não é objetificada neste presente trabalho. Logo, ele apresenta que nas formas curáveis de ‘psiconeurose’, há a presença da transferência negativa e transferência afetuosa, ambas direcionadas simultaneamente para a mesma pessoa. A partir dessa verificação, Freud utiliza o termo de Bleuler, a ‘ambivalência’, para representar esse fenômeno, mas em nota de rodapé, essa ambivalência confere no sentido de ‘descrever a presença simultânea de impulsos ativos e passivos’.

Freud (1912, 118) explicita a ambivalência em seu texto:

A ambivalência nas tendências emocionais dos neuróticos é a melhor explicação para sua habilidade em colocar a transferência a serviço da resistência. Onde a capacidade de transferência tornou-se essencialmente limitada a uma transferência negativa, como é o caso dos paranoicos, deixa de haver qualquer possibilidade de cura (FREUD,1912, 118).

Dando sequência ao texto:

no processo de procurar a libido que fugira do consciente do paciente, penetramos no reino do inconsciente (…) os impulsos inconscientes não desejam ser recordados da maneira pela qual o tratamento quer que o sejam, mas esforçam-se por reproduzir de acordo com a atemporalidade do inconsciente e sua capacidade de alucinação. Tal como acontece aos sonhos, o paciente encara os produtos do despertar de seus impulsos inconscientes como contemporâneos e reais; procura colocar suas paixões e ação sem levar em conta a situação real (FREUD,1912,p.119).

Freud conclui seu texto da seguinte forma, que é travada uma ‘luta entre o paciente e o médico, entre o intelecto e a vida instintual, entre a compreensão e a procura da ação’ (FREUD,1912,p.119), referente praticamente de forma exclusiva, nos fenômenos da transferência, pois é por meio desse campo transferencial que o sucesso será atingido e tendo como vitória a ‘cura permanente da neurose’. Que é graças ao fenômeno da transferência, a oferta de tornar imediatos e manifestos os impulsos eróticos, antes ocultos e esquecidos do paciente.

De acordo com Freud (1912,p.119):

Pois, quando tudo está dito e feito, é impossível destruir alguém in absentia ou in effigie – respectivamente no simbólico ou com imaginário. Significa estar num estado ausente, como podemos observar na clínica o sujeito que nada quer saber de sua neurose. O paciente resiste em recordar a produção inconsciente, mas o faz em transferência (FREUD,1912,p.119).

No texto seguinte, apresentarei a partir da experiência que Freud obteve na clínica, as recomendações que ele propôs aos médicos iniciantes, as advertências e recomendações. Visto que pôde fomentar as regras técnicas de acordo com o que ele se deparava na clínica, como um resultado de anos, em seus insucessos clínicos, onde foi conduzido a rever alguns métodos utilizados e repensar neles (FREUD,1912).

2.6 RECOMENDAÇÕES AOS MÉDICOS QUE EXERCEM A PSICANÁLISE, EM SUA RELEVÂNCIA.

Neste presente texto, Freud escreveu sobre as regras técnicas, de acordo com suas experiências ao longo de anos, onde algumas o levaram ao abandono de determinados métodos. Ele escreveu esse texto com intuito de tornar mais fácil a compreensão das regras técnicas aos médicos que exercem psicanálise e os proteja de algumas advertências. Onde ele deixa claro que tais técnicas são apropriadas à sua pessoa e, respeita a particularidade adotada por cada médico empregando atitudes distintas a seus pacientes. Ele produziu nove recomendações, ao qual apresentarei as que forem mais relevantes para a configuração do tema proposto.

Ele apresenta o primeiro problema, referente ao analista que trata mais de um paciente por dia, na tarefa de gravar as informações e materiais conferidos pelos pacientes e, não confundi-las com de outros pacientes que apresentam dados parecidos. A solução revelada por Freud, é de “não dirigir o reparo para algo específico e manter a mesma ‘atenção uniformemente suspensa’ (como a denominei) em face de tudo o que se escuta”. Tem como resultado não fazer uma seleção diante do material apresentado pelo paciente e negligenciar algo que foi apresentado, para não acabar selecionando um ponto do discurso e, assim, seguir as próprias inclinações, portanto, não se deve selecionar o material a ser apresentado. Como ele destaca, “não se deve esquecer que o que se escuta, na maioria, são coisas cujo significado só é identificado posteriormente” (FREUD,1912a,p.126). Ainda confere que o médico deixe de lado seu juízo de valor, deve escutar sem crítica ou seleção, o que o paciente traz, para que ele possa comunicar tudo que lhe ocorre, como resultado, o paciente irá de acordo com a ‘regra fundamental da psicanálise’, de falar tudo que lhe vem à cabeça. Logo revela uma regra para o médico: ‘Ele deve simplesmente escutar e não se preocupar se está ou não se lembrando de alguma coisa’ (FREUD,1912a,p.126).

Esclarece também que os elementos do material permanecem como um conteúdo consciente ao médico e o restante estaria desconexo, fora de ordem, mas surgem à lembrança quando o paciente trouxer algo de novo, estabelecendo uma relação ao conteúdo que até então se encontrava em desordem. Assinala que se acaso o médico se fixar numa tentativa consciente de recordar o conteúdo apresentado, ele estaria fadado ao fracasso, como ele (1912,p.126) mesmo postula:

Equívocos neste processo de recordação ocorrem apenas em ocasiões e lugares em que nos achamos perturbados por alguma consideração pessoal – isto é, quando se caiu seriamente abaixo do padrão de um analista ideal (FREUD,1912,p.126).

Em sua segunda recomendação, ele condena a utilização de tomadas de notas integrais, dentre outros, durante as sessões, pois pode provocar algum tipo de desconforto no paciente, além do ‘médico’ ficar suscetível a seleção do material, algo considerado prejudicial para a análise, pois preza pelas mesmas considerações realizadas anteriormente referente à atenção, além da ‘interpretação do que se ouviu’. Podemos verificar a importância que Freud denota ao uso da atenção nos relatos. Diz além, que quando é relatado alguma data, eventos específicos, dentre outros, ele não condena o uso de notas, se acaso tiver o intuito para fins científicos, porém nem assim o faz, ele guarda-os em sua memória e se acaso achar relevante algum relato que lhe confere importância ele solicita que o paciente conte novamente, para conseguir fixar em sua mente. Notável a importância que Freud dá ao emprego da ‘atenção flutuante’21 na escuta, para que a análise prossiga bem sucedida.

A quarta recomendação é que não se deve realizar um trabalho científico no caso, enquanto este não se der por encerrado.

Visto em Freud (1912,p.128), em suas palavras:

a conduta correta para um analista reside em oscilar, de acordo com a necessidade, de uma atitude mental para outra, em evitar especulação ou meditação sobre os casos, enquanto eles estão em análise, e em somente submeter o material obtido a um processo sintético de pensamento após a análise ter sido concluída (FREUD,1912,p.128).

Pois segundo Freud o campo do inconsciente e a estrutura das neuroses ainda é desconhecida, para predizer o progresso futuro do caso às exigências científicas.

Na quinta recomendação o autor considera que a ambição terapêutica é um perigoso sentimento para o psicanalista, pois surte uma tentativa de produzir efeitos convincentes sobre outras pessoas. Se acaso tomado por esse sentimento, o psicanalista se tornará ‘impotente contra certas resistências do paciente’, tendo em vista que depende do restabelecimento da ação recíproca de forças no paciente. Ele acredita que seja vantajoso para ambos, manter certo distanciamento emocional do paciente, “para o médico, uma proteção desejável para sua própria vida emocional, e, para o paciente, o maior auxílio que lhe podemos hoje dar” (FREUD,1912,p.129).

Em sua sexta consideração, Freud fala da importância do próprio analista de fazer análise, para ele ter conhecimento dos seus complexos que poderiam interferir de forma prejudicial no que o paciente lhe diz. Uma vez que para exercer a função de psicanalista, o médico deve “voltar seu próprio inconsciente, como um órgão receptor, na direção do inconsciente transmissor do paciente” (FREUD,1912,p.129), a fim de ter acesso ao material inconsciente oculto. Conferindo ao médico o uso do seu inconsciente como instrumento da análise dele próprio, para não ignorar qualquer resistência que surjam nele e que possam se ocultar de sua consciência, ao ponto que foi percebido pelo inconsciente. Considera que ‘toda a repressão não solucionada’ (FREUD,1912,p.130) na pessoa do psicanalista estabelece como um ‘ponto cego’ (STEKEL,1911,p.532), em sua percepção analítica.

Sendo assim Freud (1912,p.130) conclui ao requisito do analista ser um analisando:

todo aquele que possa apreciar o alto valor do autoconhecimento e aumento de autocontrole assim adquiridos continuará, quando ela terminar, o exame analítico de sua personalidade sob a forma de auto análise, e ficará contente em compreender que, tanto dentro de si quanto no mundo externo, deve sempre esperar descobrir algo novo” (FREUD,1912,p.130).

Na sua sétima recomendação, Freud faz uma crítica aos jovens psicanalistas, que tentam que igualarem ao paciente, através da construção de relações íntimas, colocando em evidência a sua individualidade no debate clínico.

Postula que nas relações psicanalíticas, não concedem em favor de uma afetividade íntima, de igualdade, postas pela psicologia da consciência, decorrente à técnica afetiva, que atravanca o verdadeiro objetivo da psicanálise nesse contexto, favorecendo o acesso dos conteúdos do inconsciente para superar as resistências e revelar ao paciente. Atravanca inclusive a resolução da transferência devido à atitude íntima por parte do analista. De pronto, Freud condena essa técnica afetiva e objetiva à postura do analista na seguinte frase “o médico deve ser opaco aos seus pacientes e, como um espelho, não mostrar-lhes nada, exceto o que lhe é mostrado” (FREUD,1912,p.131).

Em sua última recomendação manifesta erros perante a pretensão da cooperação intelectual do analisando em análise. Desaprova a determinação de tarefas designadas ao paciente, rogando que o paciente que incite suas lembranças ou pense sobre algum período em específico, devido os dilemas neuróticos dos pacientes não serem solucionados perante esses desígnios mentais, o sucesso é encontrado em permitir que falem tudo que lhes vem à mente. Depara-se com pacientes que queiram evitar a análise iniciando um debate intelectual durante o tratamento, para evitar qualquer ação fornecedora de melhoria em seu estado ou prejudicar o curso do tratamento. E finaliza com uma opinião “com referência ao tratamento de seus parentes, tenho de confessar-me inteiramente perplexo e, em geral, deposito pouca fé no seu tratamento individual” (FREUD,1912,p.133). Mediante a todas as recomendações feitas por ele, há de se averiguar que seu ponto de vista final faz todo sentido, pois esbarra em várias questões postas nas recomendações.

Postulo a importância que Freud conferia à qualidade da escuta no contexto da prática psicanalítica. Conferida na forma de manter a atenção flutuante ao que o paciente relatava durante as análises, treinando a escuta, como por exemplo, evitar anotar durante o processo analítico, que desprende do analista a interpretação do que se ouviu e não apenas manter a atividade mental presa para o que o paciente fala e, assim selecionar o que se foi dito. Se acaso houvesse alguma informação mais precisa, como datas, por exemplo, ele preferia memorizar tal informação, fazendo com que o paciente repetisse, até fixar os conteúdos em sua mente.

Visto por ele também a relevância dessa escuta, para que o analista possa se colocar em posição de utilizar seu inconsciente ajustando-se com o do paciente, para tornar-se como instrumento da análise e, para atingir essa posição, ele recomenda que o analista deva se colocar em lugar de analisado, em outras palavras, para quem tem o interesse de ser analista, deve antes ser analisado, para ter o autoconhecimento, aumento do autocontrole, através do exame analítico, onde se torna possível manter-se em auto análise que confere uma compreensão dentro de si, quanto no mundo externo. Confere também, que é posta em conhecimento qualquer resistência que surgir, em si próprio e que possa ocultar de sua consciência o que já foi percebido pelo seu inconsciente. Nas palavras do Freud, em recomendação ao analista, “deve-se insistir, antes, que tenha passado por uma purificação psicanalítica e ficado ciente daqueles complexos seus que poderiam interferir na compreensão do que o paciente lhe diz” (FREUD,1912,p.129).

Transcorrer agora, para introduzir o próximo texto do artigo técnico de Freud, um breve recorte da ideia geral do artigo, ao qual ele faz uma alusão ao jogo de xadrez; no que se refere ao desdobramento do processo da prática psicanalítica, dada a sua complexidade. Onde não basta apenas o uso das técnicas, cabe ao psicanalista aplicá-las. Ele basicamente irá se referir à prática psicanalítica dita clássica.

2.7 SOBRE O INÍCIO DO TRATAMENTO (NOVAS RECOMENDAÇÕES SOBRE A TÉCNICA DA PSICANÁLISE I)

Irei expor apenas os pontos importantes para o tema proposto. Confere a esse texto, à prática psicanalítica dita clássica. Quanto ao processo psicanalítico, ele as refere como regras para condução do início do tratamento e as expôs, porém algumas delas. As denominou de forma prudente, como ‘recomendações’, para gerar um mal entendido, pois ele não tem a intenção de exigir qualquer aceitação incondicional para suas regras/recomendações. Devido à diversidade psíquica e a complexidade encontrada, Freud compara o atendimento psicanalítico ao aprendizado de um jogo de xadrez através de livros, onde muita das vezes é possível se deparar com desafios apenas na aplicabilidade da técnica, diante das limitações encontradas durante o tratamento psicanalítico e a sua variedade de desafios inesperados ao longo do tratamento, onde a condução não é pré determinada. Como ele postula “a extraordinária diversidade das constelações psíquicas envolvidas, a plasticidade de todos os processos mentais e a riqueza dos fatores determinantes opõem-se a qualquer mecanização da técnica; e ocasionam que um curso de ação que, via de regra, é justificado possa, às vezes, mostrar-se ineficaz, enquanto outro que habitualmente é errôneo possa, de vez em quando, conduzir ao fim desejado. Estas circunstâncias, contudo, não nos impedem de estabelecer para o médico um procedimento que, em média, é eficaz” (FREUD,1913,p.139).

Freud instruiu os analistas para atender o paciente novo de forma preliminar como uma entrevista, de forma provisória, entre uma ou duas semanas, a fim de conhecer o caso e verificar se há demanda para iniciar um atendimento psicanalítico.

Sendo esta verificação preliminar a única forma de investigação disposta no exame psicanalítico, para Freud (1913,p.140:

Este experimento preliminar, contudo, é ele próprio, o início de uma psicanálise e deve conformar-se às regras desta. Pode-se talvez fazer a distinção de que, nele, se deixa o paciente falar quase todo o tempo e não se explica nada mais do que o absolutamente necessário para fazê-lo prosseguir no que está dizendo (FREUD,1913,p.140).

Razões para haver um período de experiência preliminar é devido surgir em frequência, uma neurose com sintomas histéricos e obsessivos não muito acentuados — tipo de caso que se considera apropriado para tratamento — tem-se de levar em conta a possibilidade de que ela possa ser um estádio preliminar da esquizofrenia e que, mais cedo ou mais tarde, apresentará um quadro bem pronunciado dessa afecção, para não cometer equívoco teórico, pois não cabe ao psicanalista prometer o acesso à cura, em pacientes esquizofrênicos. Por isso deve manter vigilante nos diagnósticos, para evitar a ocasião de erros (FREUD,1913,p.140).

Uma das problemáticas apresentadas no texto freudiano, se refere ao caso de manter debates longos antes de configurar o início do tratamento analítico, também o tratamento prévio de outro método e se estabeleceu antes algum contato mais íntimo entre o paciente que será analisado e o analista, pois permeia consequências desvantajosas para a análise. Uma vez que já foi estabelecida uma configuração transferencial, fora do setting psicanalítico.

Freud adverte que as relações iniciais de confiança ou desconfiança advindas do paciente, não são importantes, nesse início, pois tudo será desconstruído no decorrer da análise, quando as dificuldades começarem a surgir, no momento em que o material do inconsciente, antes recalcado começa a tornar consciente, vide na virtude da transferência, numa das regras do tratamento analítico.

No mais, Freud segue o seu artigo, retratando a importância da questão do dinheiro, na negociação feita no início do tratamento e explora a noção de tempo, que será a parte ao qual irei salientar minimamente.

Diante da relação do tempo, Freud oferta ao menos uma hora do seu dia, incumbida ao paciente, essa uma hora é pertencente ao paciente, logo se torna encarregado do que fará dessa hora, se irá fazer uso ou não, é de sua responsabilidade. Dessa forma, o autor mencionado afirma que diante a explicitação desse acordo com relação ao tempo, não surgem impedimentos acidentais e raramente é apresentado algum quadro de enfermidade que possa intervir no prosseguimento da trajetória analítica. E se acaso, durante a análise, sobreviver alguma doença orgânica comprometedora ao paciente, este será afastado, consequentemente, ocorrerá a interrupção da análise, até que se recupere. Ao se restabelecer, será proposto um novo horário vago, para continuar a análise.

Fazendo uma ponderação com relação ao tempo, se compararmos com os de hoje, temos que pensar que na época em que Freud esboçou a psicanálise, ela era inaugural e, no início do século XX, a rotina das pessoas era outra, as pessoas tinham mais tempo disponível. Atualmente mudou a forma de conduzir esse tempo cronológico, demandando brevidade, por parte dos analisandos, assim adaptou-se à disposição do atendimento, para uma vez na semana, ao invés de todos os dias ou repetindo por mais vezes na semana, como Freud estreou, em súmula, era outro período de tempo comparado ao nosso atual. O período de análise é longo, atualmente a duração da análise exige um maior período de durabilidade, devido o encurtamento dos dias de atendimentos durante a semana, era conferido em seis dias por semana, o que não seria possível no contexto atual do século XXI, logo sofreu uma adaptação e, fora reduzido para um dia na semana. Durante a leitura, deve discernir a questão da diferença temporal, remetendo ao período que Freud escreveu suas recomendações.

Retornemos às recomendações. Freud então, realizava os trabalhos todos os dias, nos seis dias da semana, exceto feriados e domingos. Ele revela que quando ocorre um espaçamento muito longo durante os períodos de trabalho com o paciente, podemos perder o que ele chama de inserção no ritmo de vida daquela pessoa.

O autor solicita que seja informado ao paciente do período de tempo desprendido para que a análise ocorra e das implicações causadas durante o processo de análise. O analisando deve estar ciente de tais informações, pois exige seu total comprometimento, para a desenvoltura do tratamento, pois essa lentidão é gerada de acordo com a realização das ‘mudanças profundas na mente’, devido à ‘atemporalidade de nossos processos inconscientes’. Em suas palavras, o analista “coloca em movimento um processo, o processo de solução das repressões existentes”.

Dando continuidade, ele deixa claro que ao psicanalista cabe respeitar o que ocorrerá no desdobramento da evolução da análise, apenas isso confere ao analista, visto em Freud (1913,p.146) que após o início do processo psicanalítico:

Uma vez começado, segue sua própria rota e não permite que quer a direção que toma quer a ordem em que colhe seus pontos lhe sejam prescritas; também ele coloca em movimento um processo altamente complicado, determinado por eventos no passado remoto, processo que termina pela separação entre a criança e a mãe. Também a neurose22 tem o caráter de um organismo. Suas manifestações não são independentes uma das outras; condicionam-se mutuamente e dão-se apoio recíproco (FREUD,1913,p.146).

Visto que a neurose possui um conjunto de sintomas indissociáveis, não é possível levar o processo psicanalítico num curto período de tempo e ser guiado pelo desejo do paciente de ‘libertá-lo’ ao menos de um de seus sintomas, que lhe conferem mais desprazer, porém o sintoma que parecia isolado e insignificante, tomará o lugar deste que lhe causa desprazer no momento. Por isso demanda tempo e é indispensável que o paciente esteja empenhado no processo psicanalítico, com dedicação e almejando o seu restabelecimento total.

Para Freud (1913,p.146):

o analista que deseja que o tratamento deve seu êxito tão pouco quanto possível a seus elementos de sugestão (isto é, a transferência) fará bem em abster-se de fazer uso até de vestígio de influência seletiva sobre os resultados da terapia que talvez possa lhe ser acessível; os pacientes destinados a serem mais bem acolhidos são aqueles que lhe pedem para dar-lhes saúde completa” (FREUD,1913,p.146).

Com relação ao dinheiro, Freud encontra poderosos fatores sexuais envolvidos no valor, de forma inconsciente, na relação de trocas entre o paciente e o analista. Salienta também a questão dos tratamentos gratuitos, onde eles provocam aumento considerável nas resistências.

Conforme verificamos nessa passagem do seu texto (1913,p.147 e 148):

o tratamento gratuito aumenta enormemente algumas das resistências do neurótico – em moças, por exemplo, a tentação inerente à relação transferencial, e, em moços sua oposição à obrigação de se sentirem gratos, oposição oriunda de seu complexo paterno e que apresenta um dos mais perturbadores obstáculos à aceitação de auxílio médico – e continua – a ausência do efeito regulador oferecido pelo pagamento de honorários ao médico torna-se, ela própria, muito penosamente sentida; todo o relacionamento é afastado do mundo real e o paciente é privado de um forte motivo para esforçar-se por dar fim ao tratamento (FREUD,1913,p.147 e 148).

2.7.1 A configuração do setting psicanalítico e sua proposta

Ao tratar do setting da cura psicanalítica, Freud esboça um ‘cerimonial’ clássico da psicanálise, configurado no início do século XX e atual desde então, no que concerne à prática da ‘cura’ clássica, com o uso da posição “divã/poltrona”, onde o paciente deita no divã e o analista senta atrás dele. Na parte referente a esse assunto encontrado em seu texto, Freud refere-se exclusivamente à prática psicanalítica dita clássica. Tal “cerimonial” possui uma base histórica, como revela Freud “é o remanescente do método hipnótico, a partir do qual a psicanálise se desenvolveu” (FREUD,1913,p.149).

Encontramos no setting psicanalítico condições estabelecidas que fornecem uma ação bem sucedida no processo psicanalítico, tais estabelecimentos são acordadas nas entrevistas preliminares entre paciente e analista. Este “cerimonial” da posição do analista para o paciente é importante, pois o psicanalista está fora do campo de visão do paciente, para permitir que este possa dirigir seu olhar para o mundo interno, impossibilitando o contato visual para a pessoa real do analista. Essa disposição favorece o curso das associações livres, ao seguir a regra fundamental da análise, de aguardar que o paciente possa comunicar tudo que lhe venha à mente e, favorece também as projeções no analista de diversificados papéis, que lhe constam na sua fantasia.

Ele recomenda que sejam evitados contatos pessoais e sociais entre paciente e analista, mesmo fora das sessões. Esse distanciamento real estabelecido na situação psicanalítica entre analisando e analisado, configura um limite ético, além de configurar uma garantia que permite transpor de maneira livre para ambos, esses limites em pensamento e em fantasia. Logo, “o setting configura uma espécie de anteparo que representa no nível simbólico a proibição do incesto” (Quinodoz, 2007,p.130).

Freud relata que nunca se deve esperar uma narrativa sistemática e nada deve ser feito para incentivá-la. “Cada pormenor da história terá de ser repetido mais tarde e é apenas com estas repetições que aparecerá material adicional para suprir as importantes associações que são desconhecidas do paciente.” (FREUD,1913,p.151) Segundo Freud há pacientes que preparam com cuidado o que

irão comunicar, de maneira a se certificar de que estão fazendo o melhor uso do tempo dedicado ao tratamento. Qualquer preparação deste tipo não deve ser recomendada, pois ela é empregada apenas para impedir que pensamentos desagradáveis venham à superfície. Isso é resistência. Existe resistência também quando os pacientes que iniciam o tratamento afirmam que não conseguem pensar em nada para dizer, embora possam escolher todo o campo da história de sua vida e da história de sua doença. A solicitação de que o analista diga sobre o que o paciente deve falar não deve ser atendida. Uma forte resistência adiantou-se, a fim de defender a neurose. Freud (1913,p.152) acrescenta:

Afirmações enérgicas e repetidas ao paciente de que é impossível que não lhe ocorra ideia alguma ao início, e de que o que se acha em pauta é uma resistência contra a análise, cedo o obrigam a efetuar as admissões esperadas ou a revelar uma primeira amostra de seus complexos (FREUD,1913,p.152).

No momento que possivelmente o paciente possa estar pensando no tratamento em si, na aparência da sala de espera, nos objetos do consultório e no fato de se deitar num divã, vai de encontro com uma transferência para o analista, relacionada com a situação atual ao qual se encontra, tendo o caráter de uma primeira resistência. Cabe ao analista desvendar esta transferência, ‘a qual fornece rápido acesso ao material patogênico do paciente’ (FREUD,1913,p.153).

É conferido num dos primeiros objetivos do tratamento de conferir uma ligação do paciente a si e à pessoa do analista. Para endossar tal objetivo, basta conceder-lhe tempo, para que ocorra de forma livre. A psicanálise não tem como objetivo fornecer algum tipo de diagnóstico específico. Cabe ao analista permanecer atento à dinâmica geral que se desenvolve nessa relação entre o analisado e o próprio analista e, de certa forma, conduzir o resultado desta de forma criativa a favor do aprofundamento na análise.

2.7.2 A atividade manifesta no processo da ‘cura’

Freud explica um comportamento dos doentes, para explorar o desenvolvimento da sua conclusão referente ao cumprimento da ‘cura’.

Ele fala de uma paciente que fora flagrada por sua mãe numa cena homossexual, onde a mãe da paciente, informa ao Freud o ocorrido no passado da jovem, acreditando contribuir para as crises da moça. Freud constatou na sessão psicanalítica que, mesmo relatando para sua paciente o tal fato ocorrido em seu passado, ela demonstrou esquecimento total da cena, que reagia com uma crise histérica, até por fim ela fingir imbecilidade e uma total perda de memória, com intuito de criar uma proteção contra o que ele havia relatado. Diante esse ocorrido, fora averiguado a presença de uma forte resistência, mesmo desconhecida pela paciente, demonstra-se pronta para defender esse estado de desconhecimento. Então é constatado perante a conduta do analisado, a existência do inconsciente nesses episódios que combinam um conhecimento consciente com o desconhecido.

Formulou-se explicações, que a comunicação consciente do material reprimido, não é cessada a produção de efeitos no doente. Essa comunicação do material reprimido não consegue manifestar o efeito desejado, que seria aniquilar os sintomas, porém surtirá outras consequências. Irá estimular resistências, mas depois, ao passo que estas forem superadas, “estabelece um processo de pensamento no decorrer do qual a influência esperada da recordação inconsciente acaba por realizar-se” (FREUD,1913,p.157).

Nesse momento do texto, ele fornece uma visão abrangente quanto ao ‘jogo de forças’ que pusemos em ação durante o tratamento. Um do primeiro móvel da terapia é o sofrimento do analisado e seu desejo de conseguir a cura que daí resulta. A imensidão dessa força motriz é reduzida por incontáveis fatores, que são revelados apenas no percurso da análise, como por exemplo, o ganho secundário obtido pela doença, porém provavelmente essa força motriz, deve ser permanece até o fim do tratamento, no entanto, conforme vai adquirindo uma melhoria, reflete na redução dela.

É no tratamento analítico, que se torna possível o fornecimento das ‘magnitudes de afeto requeridas para a superação das resistências’, através da mobilização das energias que são conferidas dispostas à transferência. Em comunicações específicas, é explicitado ao paciente os possíveis caminhos que ele deve conduzir tais energias. A transferência pode com certa frequência, sozinha exterminar os sintomas de sofrimento, porém confere de maneira provisória, ao passo em que ela permanece presente. Seria este, um tratamento sugestivo, e não remetido à psicanálise, lhe confere esse tratamento, somente quando a transferência faz uso da sua intensidade com o intuito de superação das resistências (FREUD,1913,pp.157;158).

O texto a seguir, trata-se de um dos textos técnicos mais importantes, com conceitos inaugurais, como ‘compulsão à repetição’ e ‘elaboração’. Freud introduz o artigo escrevendo uma recordação sobre os percursos técnicos que a psicanálise sofreu, ao qual apresentei no primeiro capítulo deste trabalho. Esse artigo possui uma considerável importância para a compreensão da transferência, que será a delimitação realizada no decorrer da escrita que apresentarei.

2.8 RECORDAR, REPETIR E ELABORAR

Freud revela, que determinados pacientes, não possuem a capacidade de se lembrar do passado e, de conseguir verbalizar de tais lembranças, que aparentemente foram esquecidas. Porém elas retornam por meio de comportamentos e reaparecem em atos na relação com o psicanalista. Para elucidar melhor o que Freud entende por ‘repetir’ ao invés de ‘lembrar’, demonstrarei em exemplo, se acaso o paciente foi uma criança abandonada no período da infância e, porventura não se recorda desse evento e não fale nada referente. E se observa que em sua vida adulta, por ventura, ele sempre se separa das pessoas com quem mantém um envolvimento, seja em suas relações sociais ou pessoais. O paciente, não possui consciência de que determinada atitude sua ou coisa que ele realiza nessa relação provocará um abandono novamente, ele não sabe o porquê isso se repete. Ele não consegue perceber, de forma consciente que, a cena da infância se repete, uma situação vivenciada no passado, que independe de ocorrer à repetição dessa situação.

Freud perguntou o que o paciente “repete/atua (acting out)”, nesse caso? Assim ele (1914,p.167) respondeu, o paciente:

“repete tudo o que já avançou a partir de fontes do reprimido para sua personalidade manifesta – suas inibições, suas atitudes inúteis e seus traços patológicos de caráter. Repete também todos os seus sintomas, no decurso do tratamento” (FREUD,1914,p.167).

Essa “compulsão à repetição”, está relacionada à transferência e à resistência, de um lado, possui relação com a transferência na “medida em que essa repetição de um passado acontece em atos com a pessoa do analista” (Quinodoz,2007,p.134), dessa forma Freud constata que “a própria transferência é; apenas um fragmento da repetição e que a repetição é uma transferência do passado esquecido; para o médico, mas também para todos os outros aspectos da situação atual” (FREUD,1914,p.166);

para Freud (1914,p.166) essa resistência está relacionada à resistência, a modo de que:

quanto maior a resistência, mais extensivamente a atuação (acting out) (repetição) substituirá o recordar, pois o recordar ideal do que foi esquecido, que ocorre na hipnose, corresponde a um estado no qual a resistência foi posta completamente de lado (FREUD,1914,p.166).

Devido esse evento apresentado por Freud, que o analista deve tratar a doença como uma “força atual” (FREUD,1914,p.167) e não como um “acontecimento do passado” (FREUD,1914,p.167) – que o paciente não se lembra- antes de conseguir ligar essa doença ao passado.

Quanto à intensidade da repetição, é equivalente à qualidade afetiva da transferência, verificado por Freud, no sentido da ‘transferência ser positiva’, tendência a uma recordação de mais fácil acesso, ao que concerne esse período de tempo, os “sintomas patológicos acham-se inativos” (FREUD,1914,p.167), porém ao passo que a ‘transferência torna-se negativa’ ou muito intensa, confere o reforço da resistência, logo a tendência à repetição em atos (acting out) torna-se ainda mais atuante, adquire mais força.

Visto em Freud (1914,p.167):

Daí em diante, as resistências determinam a sequência do material que deve ser repetido; o recordar, tal como era induzido pela hipnose, só podia dar a impressão de um experimento realizado em laboratório. O repetir, tal como é induzido no tratamento analítico, implica, por outro lado, evocar um fragmento da vida real (FREUD,1914,p.167).

Freud fala da importância do “manejo da transferência” ao analista, para conseguir “reprimir a compulsão do paciente à repetição e transformá-la num motivo para recordar” (FREUD,1914,p.169) e confere sucesso na análise, no momento em que o paciente esteja condescendente com a técnica, para que possa ressignificar os sintomas da moléstia, através de um ‘novo significado transferencial’ (FREUD,1914,p.169), na medida em que substitui sua neurose por uma ‘neurose de transferência’ (FREUD,1914,p.170),

onde essa de acordo com Freud (1914,p.170):

nova condição assumiu todas as características da doença, mas representa uma doença artificial, que é, de todos os pontos acessível à nossa intervenção; a partir das reações repetitivas exibidas na transferência, somos levados ao longo dos caminhos familiares até o despertar das lembranças, que aparecem sem dificuldade, por assim dizer, após a resistência ter sido superada –mais adiante Freud prossegue – para superar as resistências é dado, como sabemos, pelo fato de o analista revelar a resistência que nunca é reconhecida pelo paciente, e familiarizá-lo com ela (FREUD,1914,p.170).

E finaliza com seu conceito de ‘elaboração’ (FREUD,1914,p.170), ao passo que não basta nominar a resistência ao paciente, deve dar-lhe tempo, para que seja possível ele elaborar esta resistência que fora apresentado, com intuito de familiarizá-lo, para poder superá-la.

Nas palavras de Freud (1914,p.171):

Esta elaboração (inércia psíquica) das resistências pode, na prática, revelar-se uma tarefa árdua para o sujeito da análise e uma prova de paciência para o analista. Todavia, trata-se da parte do trabalho que efetua as maiores mudanças no paciente e que distingue o tratamento analítico de qualquer tipo de tratamento por sugestão. De um ponto de vista teórico, pode relacioná-la com a abreviação das cotas de afeto estranguladas pela repressão – uma abreviação sem a qual o tratamento hipnótico permaneceria ineficaz (FREUD,1914,p.171).

O respeito do analista para com o tempo do paciente, no trabalho de elaboração realizado por si mesmo, define um elemento decisivo do processo psicanalítico.

O texto a seguir, era considerado por Freud, como um dos melhores textos de seus trabalhos técnicos. Será abordado a atitude que o analista se encontra diante de uma transferência amorosa.

2.9 OBSERVAÇÕES SOBRE O AMOR TRANSFERENCIAL

Freud introduz esse texto, escrevendo que a dificuldade real do analista está no “manejo da transferência” (FREUD,1915[1914],p.177). Ele irá discorrer em seu artigo, sobre a situação que o analista se depara ao ocorrer uma transferência amorosa, quando a paciente de forma inequívoca, enamora-se com o analista. E propôs três possíveis desfechos, um raro, que ocorra uma união consensual entre eles; um segundo desfecho, que a relação entre médico e paciente termine e finalize o trabalho, ao passo que o recomendado seria que restabelecessem o trabalho iniciado. E um terceiro desfecho, que seria a referente ao início de um relacionamento amoroso ilícito e que não seria uma duração temporária.

Freud trouxe a explicação da segunda situação, pois se ocorrer o abandono da análise, o paciente irá procurar outro analista e a mesma situação se reproduz o que resultará mais uma vez no abandono do caso, ou seja, a situação de enamoramento com o médico é decorrente do próprio processo psicanalítico. Trata-se de um fenômeno constante, logo, de acordo com a teoria psicanalítica. No ponto de vista do médico, o fenômeno significa um esclarecimento valioso e uma advertência útil contra qualquer tendência a uma contratransferência que pode estar presente em sua própria mente. Ele deve reconhecer que o enamoramento da paciente é induzido pela situação analítica (…) de maneira que não tem nenhum motivo para orgulhar-se de tal ‘conquista’, como seria chamada fora da análise” (FREUD,1915[1914],p.178). Ao passo que para o paciente, cabe duas alternativas: ou ele abandona a análise, ou ele permanece em dar continuidade ao tratamento e aceitar a situação de enamoramento, vista de forma inevitável. (FREUD,1915[1914],p.178).

Por ser inevitável evitar essa situação, é de suma importância que essa situação seja levada a análise para poder restabelecer a paciente, na medida em que possa progredir o tratamento, e não fazer com que esse amor permaneça velado. Freud fala que essa transferência erótica, quanto aos seus desejos, deve manter-se em abstinência, que seja negado o que a paciente deseja para atingir uma satisfação amorosa. O que foi proposto por Freud é que sejam apaziguadas as forças por meios substitutos, pois “a condição da paciente é tal que, até suas repressões sejam removidas, ela é incapaz de alcançar satisfação real” (FREUD,1915[1914],p.182).

Freud diz que não se deve afastar do amor transferencial, nem desprezar ou fazer com que se torne agradável ao paciente, ele deve recusar qualquer retribuição, para manter um domínio firme, para tratá-lo de forma fictícia. Sabendo que se trata de uma situação que atravessa a análise e propicia que as origens do inconsciente sejam reconfiguradas, a modo de trazer tudo que estava oculto na vida erótica do paciente para sua consciência e, assim torná-los sob seu controle.

Para concluir, Freud fala que esse amor remete ao amor infantil, as raízes infantis desse amor que é a reprodução do amor que experimentava por seus pais quando criança. Onde o perigo está se acaso o psicanalista retribuir essas investida, no caso, se o paciente encontra eco nessa relação com o analista, em outras palavras, contratransferência em atos, reproduzir na vida real, aquilo que deveria ser mantido na recordação. Para praticar a abstinência no tratamento, ao passo que deixe “substituir no paciente necessidades e desejos que são as “forças motrizes” que favorecem a mudança” (QUINODOZ,2007,p.134).

Ao amor do analisando por seu terapeuta, nada mais é do que a presença de uma resistência que procura se opor à evolução da transferência, visto que é necessário direcioná-las às suas origens inconscientes. “Segundo Freud, esse estado amoroso nada mais é do que uma reedição de certas situações passadas e de reações infantis que determinam seu caráter compulsivo e patogênico, e fazem dele uma fonte de resistências que é preciso analisar” (QUINODOZ,2007,p.86).

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscou-se no decorrer desse trabalho, expor as modificações realizadas durante o percurso das alterações teóricas freudiana, desde seu primórdio, que consequentemente suscitou ao que conhecemos, como a técnica psicanalítica. Para isso, houve um recorte cronológico de alguns dos conceitos teóricos freudianos, importantes para compreensão do tema proposto. Logo, esse recorte cronológico, apresentado no capítulo I deste trabalho, à medida que foi sendo exposto, trouxe teorias relevantes para a configuração da psicanálise, que pôde ser fundamental para a escuta clínica, escuta esta, que se tornou a própria técnica e é fundamental para que ocorra o trabalho analítico.

Esta escuta foi construída com métodos fundamentados, desde o abandono da hipnose até chegar à elaboração da técnica psicanalítica. No processo clínico, a aplicação da escuta clínica é constituída pela relação entre o médico e paciente. Diante dessa relação, para que haja a existência da noção de escuta no espaço clínico, tornou-se necessário o emprego do método da transferência como condição de possibilidade para a escuta.

No entanto é perceptível o quanto o tratamento psicanalítico, trouxe consigo a importância do método psicanalítico e sua técnica vide a transferência. Encontramos na função da ‘transferência’, obstáculos que se opõem à rememoração do ‘material recalcado’, vide ela como uma forma de ‘resistência’, mais também se aproxima do ‘conflito inconsciente’. Desde a origem da função do tratamento, pela transferência, sua contradição própria, o que ocasionou em divergências na formulação da sua função; a ‘transferência’ é de forma relativa à “rememoração verbalizada” (LAPLANCHE & PONTALIS,2001,p.518).

A “resistência de transferência”, à medida que é constituída para o analista e analisando, possibilita apreender visto em Laplanche e Pontalis (2001,p.518):

os elementos do conflito infantil – ao passo que- ela é o terreno em que se representa, em sua atualidade irrecusável, a problemática singular do paciente, em que este se encontra confrontado com a existência, com a permanência, com a força dos seus desejos e fantasias inconscientes (LAPLANCHE & PONTALIS,2001,p.518);

cabe ao analista domar os fenômenos de transferência, pois está contido nesse fenômeno o “serviço de tornar imediatos e manifestos os impulsos eróticos ocultos e esquecidos do paciente”. Pois, quando tudo está dito e feito, é impossível destruir alguém in absentia ou in effigie” (FREUD,1912,p.119).

Freud considera a transferência positiva e negativa importantes, ao passo que estas entram a serviço da resistência; a transferência, em posse do analista, configura-se o mais poderoso dos instrumentos terapêuticos, sendo considerado supervalorizado o processo na dinâmica da ‘cura’ (LAPLANCHE & PONTALIS,2001,p.518).

Pudemos nos familiarizar e constatar durante o decorrer desse trabalho, a valia que possui a análise de alguns conceitos fundamentais, que esbarramos durante o processo analítico. Como a presença, das fantasias do sujeito, do conteúdo sexual, das resistências, da associação livre, do inconsciente, da transferência positiva e negativa, da ambivalência, da compulsão à repetição, da transferência amorosa, do manejo da transferência, da elaboração das resistências, dentre muitos outros conceitos, apresentados no capítulo I e II.

Para finalizar, vide por Laplanche e Pontalis (2001, p.514) o significado da palavra transferência, que:

designa em psicanálise o processo pelo qual os desejos inconscientes se atualizam sobre determinados objetos no quadro de certo tipo de relação estabelecida com eles e, eminentemente, no quadro da relação analítica. Trata-se aqui de uma repetição de propósitos infantis vivida com um sentimento de atualidade acentuada; a transferência é classicamente reconhecida como o terreno em que se dá a problemática de um tratamento psicanalítico, pois é a sua instalação, as suas modalidades, a sua interpretação e a sua resolução que caracterizam este (LAPLANCHE & PONTALIS,2001, p.514).

Assim se pôde concluir, a importância que a transferência assumiu aos olhos de Freud. Visto que, para retomar a saúde psíquica do sujeito, que se encontra adoecida, é de suma importância, o conhecimento e emprego das técnicas psicanalíticas no setting psicanalítico e que, o paciente esteja a par do processo psicanalítico; pois se trata de um trabalho conjunto, o analista também está implicado no papel transferencial (com sua ‘contratransferência’ e ‘auto análise’), assim como o paciente. Essas técnicas, foram contextualizadas por Freud, em seu processo investigativo ao longo dos anos e, contribuíram para que haja uma escuta eficiente e uma transferência eficaz no percurso do processo analítico.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BREUER, J.; FREUD, S. (1893-1895), Estudos sobre a histeria. In: Casos clínicos. Edição Standard Brasileira. v. II, Rio de Janeiro: Imago, 1996.

FREUD, Sigmund. O Caso Schreber, artigos sobre técnica e outros trabalhos (1911 – 1913). Volume XII. Editora Imago. Rio de Janeiro, 1996.

FREUD, S. (1916-1917), Conferências introdutórias sobre psicanálise (parte III). Edição Standard Brasileira. v. XVI, Rio de Janeiro: Imago, 1996.

FREUD, S. Artigos sobre a técnica (1912-1915). In:. Edição Standard Brasileira. v. XII. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

FREUD, S. Artigos sobre a técnica (1912). In: A dinâmica da transferência. Edição Standard Brasileira. v. XII. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

FREUD, S. Artigos sobre a técnica (1912). In: Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise. Edição Standard Brasileira. V. XII. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

FREUD, S. Artigos sobre a técnica (1913). In: Sobre o início do tratamento (Novas recomendações sobre a técnica da psicanálise I). Edição Standard Brasileira. v. XII. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

FREUD, S. Artigos sobre a técnica (1914). In: Recordar, repetir e elaborar (Novas recomendações sobre a técnica da psicanálise II). Edição Standard Brasileira. v. XII. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

FREUD, S. Artigos sobre a técnica (1914). In: Observações sobre o amor transferencial (Novas recomendações sobre a técnica da psicanálise III). Edição Standard Brasileira. v. XII. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

GARCIA-ROZA, L. A. (1984). Freud e o inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.

LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J-B. Vocabulário da Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

QUINODOZ, J.-M. Ler Freud: guia de leitura da obra de S. Freud. São Paulo: Artmed, 2007.


1Para ter acesso completo ao caso, solicito que o leitor recorra à leitura do primeiro caso clínico, no Estudos Sobre A Histeria de Josef Breuer e Sigmund Freud (1895), Edição Standard Brasileira, Imago, 1969.
2Vide tais termos em Estudos Sobre A Histeria, na obra de Freud, volume II, nos casos clínicos I, da Anna O., na página 65, realizado por Breuer.
3 Idem a nota acima.
4Freud utiliza o termo de catarse, na mesma publicação citada nas notas acima, porém a encontraremos na p. 44.
5Visto em Laplanche e Pontalis, “a teoria psicanalítica procura explicar a gênese do ego em dois registros relativamente heterogêneos, quer vendo nele um aparelho adaptativo, diferenciado a partir do id em contato com a realidade exterior, quer definindo-o como o produto de identificações que levam à formação no seio da pessoa de um objeto de amor investido pelo id. Relativamente à primeira teoria do aparelho psíquico, o ego é mais vasto do que o sistema pré-consciente-consciente, na medida em que as suas operações defensivas são em grande parte inconscientes…” (LAPLANCHE & PONTALIS,2001,p.125).
6Em Laplanche e Pontalis, trata-se do mecanismo de formação de sintomas que opera na histeria e mais especificamente na histeria de conversão – forma de histeria que se caracteriza pela predominância de sintomas de conversão – . Consiste numa transposição de um conflito psíquico e numa tentativa de resolvê-lo em termos de sintomas somáticos, motores (paralisias, por exemplo) ou sensitivos (anestesias ou dores localizadas, por exemplo). O termo “conversão” é, para Freud, correlativo de uma concepção econômica; a libido desligada de representação recalcada é transformada em energia de inervação. Mas o que especifica os sintomas de conversão é a sua significação simbólica: eles exprimem, pelo corpo, representações recalcadas” (LAPLANCHE & PONTALIS,2001,p.103 e 213).
7De acordo com Quinodoz, foi verificada uma imprecisão referente à data da descoberta da associação livre, diz-se que foi de forma progressiva entre 1892 e 1898 (QUINODOZ,2007,p.91).
8“(A) O adjetivo inconsciente é por vezes usado para exprimir o conjunto dos conteúdos não presentes no campo efetivo da consciência ((…) B) No sentido “tópico”, inconsciente designa um dos sistemas definidos por Freud no quadro da sua primeira teoria do aparelho psíquico. É constituído por conteúdos recalcados aos quais foi recusado o acesso ao sistema pré-consciente-consciente* pela ação do recalque*(…)” (Laplanche & Pontalis,2001,p.201).
9Ao que confere no Laplanche e Pontalis, “(A) No sentido próprio. Operação pela qual o sujeito procura repelir ou manter no inconsciente representações (pensamentos, imagens, recordações) ligadas a uma pulsão (…). O recalque é especialmente patente na histeria, mas desempenha também um papel primordial nas outras afecções mentais, assim como, psicologia normal. Pode ser considerado um processo psíquico universal, na medida em que estaria na origem da constituição do inconsciente como campo separado do resto do psiquismo” (LAPLANCHE & PONTALIS,2001,p.430).
10A fantasia seria um “roteiro imaginário em que o sujeito está presente e que representa, de modo mais ou menos deformado pelos processos defensivos, a realização de um desejo e, em última análise, de um desejo inconsciente” (LAPLANCHE & PONTALIS,2001, p. 169).
11“Processo dinâmico que consiste numa pressão ou força (carga energética, fator de motricidade) que faz o organismo tender para um objetivo. Segundo Freud, uma pulsão tem a sua fonte numa excitação corporal (estado de tensão); o seu objetivo ou meta é suprimir o estado de tensão que reina na fonte pulsional; é no objeto ou graças a ele que a pulsão pode atingir a sua meta” (LAPLANCHE & PONTALIS,2001,p. 394).
12Segundo Laplanche, ‘trauma’ é transposto para o plano psíquico. Seria um “acontecimento de vida do sujeito que se define pela sua intensidade, pela incapacidade em que se encontra o sujeito de reagir a ele de forma adequada, pelo transtorno e pelos efeitos patogênicos duradouros que provoca na organização psíquica.” E do ponto de vista econômico, “o traumatismo caracteriza-se por um afluxo de excitações que é excessivo em relação à tolerância do sujeito e à sua capacidade de dominar e de elaborar psiquicamente estas excitações.” (LAPLANCHE & PONTALIS, 2001,p.522)
13 Trata-se do Dr. Ernest Jones, que recebeu a informação do Freud que possuía a vontade de escrever uma Exposição Geral da Técnica Psicanalítica. (ver p. 93).
14No inconsciente estão as pulsões, que são duas forças complementares, pulsão de vida e de morte. As pulsões são forças que estimulam o corpo a liberar energia mental, Freud os dividiu em duas categorias: os instintos de vida que se referem à autopreservação, esta forma de energia manifesta é chamada de libido; e instinto de morte que é uma força destrutiva, e pode ser dirigida para dentro.
15De acordo com Laplanche e Pontalis, trata-se da “cena de relação sexual entre os pais, observada ou suposta segundo determinados índices e fantasiada pela criança, que é geralmente interpretada por ela como um ato de violência por parte do pai”, (LAPLANCHE & PONTALIS,2001,p. 62).
16De acordo com Laplanche e Pontalis, transferência designa em psicanálise o processo pelo qual os desejos inconscientes se atualizam sobre determinados objetos no quadro de certo tipo de relação estabelecida com eles e, eminentemente, no quadro da relação analítica. Trata-se aqui de uma repetição de protótipos infantis vivida com um sentimento de atualidade acentuada” (LAPLANCHE & PONTALIS,2001,p.514).
17O consciente é a parte da mente que estamos cientes. O nível consciente refere-se às experiências que a pessoa percebe, incluindo lembranças e ações intencionais. A consciência funciona de modo realista, de acordo com as regras do tempo e do espaço.
18Em Laplanche e Pontalis, podemos verificar a seguinte explicação: “chama-se resistência a tudo o que nos atos e palavras do analisando, durante o tratamento psicanalítico, se opõem ao acesso deste ao seu inconsciente. Por extensão, Freud falou de resistência à psicanálise para designar uma atitude de oposição às suas descobertas na medida em que elas revelavam os desejos inconscientes e infligiram ao homem um “vexame psicológico” (ideia que surge e, 1896: “A hostilidade que me testemunham o meu isolamento bom poderiam levar a supor que descobri as maiores verdades.”)” (Laplanche & Pontalis,2001, p.458).
19De acordo com Laplanche e Pontalis, psiconeurose é um “termo usado por Freud para caracterizar, na sua oposição às neuroses atuais, as afecções psíquicas em que os sintomas são expressão simbólica dos conflitos infantis, isto é, as neuroses de transferência – ‘a libido ser sempre deslocada para objetos reais ou imaginários’ – e as neuroses narcísicas – ‘retirada da libido sobre o ego. Opõe-se às neuroses de transferência’ – ” (LAPLANCHE & PONTALIS,2001,p.389).
20Freud explica a libido como uma pulsão sexual instintiva existente desde o nascimento, e esta é a força motivadora do comportamento.
21Em Laplanche e Pontalis, podemos encontrar a seguinte explicação: “ Segundo Freud, o modo como o analista deve escutar o analisando: não deve privilegiar a priori qualquer elemento do discurso dele, o que implica que deixe de funcionar o mais livremente possível a sua própria atividade inconsciente e suspenda as motivações que dirigem habitualmente a atenção. Essa recomendação técnica constitui o correspondente da regra da associação livre proposta ao analisando” (LAPLANCHE & PONTALIS,2001,p.40).
22Conforme Laplanche e Pontalis é uma “afecção psicogênica – relacionado a doenças causadas por transtornos psíquicos – em que os sintomas são a expressão simbólica de um conflito psíquico que tem raízes na história infantil do sujeito e constitui compromissos entre o desejo e a defesa” (LAPLANCHE & PONTALIS,2001,p.296).


1PSICÓLOGA – CRPRJ:50537