TEORIA DO FRUTO DA ÁRVORE ENVENENADA: ANÁLISE COMPARATIVA DOS SISTEMAS JURÍDICOS AMERICANO E INGLÊS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202409182020


Micheline Ramalho Serejo da Silva


RESUMO 

Este artigo aborda a aplicação da teoria do “fruto da árvore envenenada” nos sistemas jurídicos dos Estados Unidos e do Reino Unido, analisando como cada jurisdição trata a exclusão de provas obtidas de forma ilícita. O objeto da pesquisa é a comparação entre o rigor da exclusão automática de provas nos EUA, com base na Quarta Emenda, e a abordagem mais flexível no Reino Unido, conforme o Police and Criminal Evidence Act (PACE) de 1984. A metodologia utilizada foi uma análise bibliográfica e documental, focando em decisões judiciais emblemáticas. Os resultados indicam que o sistema norte-americano protege de forma mais rígida os direitos constitucionais, ao excluir provas derivadas de condutas ilícitas, mas pode limitar o acesso à verdade material. Em contrapartida, o sistema inglês prioriza a justiça material, permitindo maior discricionariedade ao juiz na admissão de provas ilícitas, desde que não comprometa a justiça do processo. A análise revela que as diferentes abordagens refletem as prioridades de cada sistema, equilibrando a busca pela verdade e a proteção dos direitos fundamentais de maneiras distintas.

Palavras-chave: regra de exclusão; provas ilícitas; sistemas de justiça criminal; direito comparado.

ABSTRACT

This article addresses the application of the “fruit of the poisonous tree” doctrine in the legal systems of the United States and the United Kingdom, analyzing how each jurisdiction handles the exclusion of evidence obtained illegally. The research focuses on comparing the strict automatic exclusion of evidence in the U.S., based on the Fourth Amendment, with the more flexible approach in the U.K., as outlined in the Police and Criminal Evidence Act (PACE) of 1984. The methodology employed involved a bibliographic and documentary analysis, focusing on landmark judicial decisions. The results indicate that the U.S. system offers more rigid protection of constitutional rights by excluding evidence derived from illegal actions, although this may limit access to the material truth. In contrast, the U.K. system prioritizes material justice, granting judges greater discretion in admitting illegal evidence, provided it does not compromise the fairness of the trial. The analysis reveals that these differing approaches reflect each system’s priorities, balancing the pursuit of truth and the protection of fundamental rights in distinct ways.

Keywords: exclusionary rule; illegal evidence; criminal justice systems; comparative law.

INTRODUÇÃO

A teoria do “fruto da árvore envenenada” é uma doutrina central na jurisprudência penal de diversos países, especialmente nos Estados Unidos, onde foi estabelecida pela Suprema Corte para excluir provas obtidas de forma ilegal, bem como todas aquelas derivadas dessas provas. No entanto, a aplicação dessa teoria varia significativamente entre diferentes sistemas jurídicos. 

Nesse sentido, este estudo tem como objetivo central realizar uma análise comparativa entre o direito norte-americano e o inglês, examinando como cada jurisdição lida com a admissibilidade de provas ilícitas. Ao abordar essa questão, o artigo busca analisar como esses sistemas equacionam a proteção dos direitos fundamentais com a necessidade de efetivar a justiça penal.

A justificativa para este estudo reside na importância crescente da proteção dos direitos fundamentais no contexto da obtenção de provas no processo penal. Enquanto os Estados Unidos possuem uma abordagem mais rígida, com a exclusão automática de provas ilícitas, o Reino Unido adota um enfoque mais flexível, onde os tribunais possuem discricionariedade para decidir se as provas obtidas ilegalmente podem ser admitidas com base em critérios de justiça e proporcionalidade. A comparação entre esses dois sistemas se torna relevante para compreender como diferentes contextos jurídicos e culturais influenciam a forma como as garantias processuais são implementadas.

A metodologia aplicada baseia-se na pesquisa bibliográfica e documental, com análise de casos jurisprudenciais emblemáticos, como Mapp v. Ohio (1961) nos EUA, e a interpretação da Seção 78 do Police and Criminal Evidence Act (PACE) de 1984 no Reino Unido. A partir dessas fontes, será possível observar como cada sistema articula as questões de justiça processual e proteção de direitos. Assim, este estudo adotará uma abordagem comparativa, destacando as principais distinções entre os dois ordenamentos no que se refere à aplicação da teoria do fruto da árvore envenenada.

Do ponto de vista teórico, o artigo será fundamentado em doutrinas clássicas sobre provas ilícitas e direitos fundamentais. Nos Estados Unidos, o foco será a interpretação da Quarta Emenda da Constituição, que protege contra buscas e apreensões ilegais. No Reino Unido, a análise será guiada pelos princípios de justiça e proporcionalidade que permitem aos juízes admitir provas obtidas de maneira irregular, desde que sua inclusão não prejudique a integridade do processo judicial. Esses aspectos teóricos serão complementados por discussões sobre a legitimidade e as consequências da exclusão ou inclusão de tais provas nos julgamentos penais.

Inicialmente, pode-se observar que, enquanto o sistema norte-americano está focado na proteção dos direitos constitucionais dos indivíduos, o direito inglês permite maior flexibilidade na busca pela verdade material, desde que não comprometa os direitos fundamentais. A comparação entre os dois sistemas revelará as vantagens e desvantagens de cada abordagem, além de oferecer insights sobre a evolução das garantias processuais em diferentes contextos jurídicos.

1 A TEORIA DO FRUTO DA ÁRVORE ENVENENADA NOS ESTADOS UNIDOS

A teoria do “fruto da árvore envenenada” tem suas raízes no sistema jurídico norte-americano e é uma extensão direta da regra de exclusão de provas ilícitas. Essa regra, derivada da Quarta Emenda da Constituição dos Estados Unidos, visa proteger os cidadãos contra buscas e apreensões não razoáveis, ou seja, conduzidas sem um mandado judicial ou sem justificativas legais adequadas. O princípio que sustenta a teoria é que qualquer prova obtida ilegalmente, ou qualquer evidência derivada dessa ilegalidade, deve ser excluída do processo judicial para garantir que o Estado não se beneficie de suas próprias infrações legais (Gomes Filho, 2020).

A doutrina foi consolidada no caso Silverthorne Lumber Co. v. United States (1920), quando a Suprema Corte dos Estados Unidos considerou que o uso de documentos obtidos ilegalmente, ou quaisquer provas secundárias deles derivadas, violava a Quarta Emenda. O juiz Oliver Wendell Holmes, ao decidir o caso, estabeleceu a base para essa doutrina ao afirmar que permitir o uso de provas ilícitas incentivaria práticas ilegais por parte das autoridades. Como apontado por Capez (2021), a exclusão dessas provas tem como objetivo dissuadir comportamentos abusivos por parte do Estado, reforçando a integridade do processo judicial.

Um dos casos mais significativos na aplicação da teoria do “fruto da árvore envenenada” foi Mapp v. Ohio (1961), que expandiu a regra de exclusão para os estados, exigindo que eles também respeitassem as garantias da Quarta Emenda. Antes dessa decisão, a regra de exclusão era aplicada principalmente nos tribunais federais. No entanto, com a decisão do caso Mapp, a Suprema Corte estabeleceu que as provas obtidas de maneira ilícita por autoridades estaduais também deveriam ser excluídas. Segundo Tourinho Filho (2019), essa decisão foi fundamental para a proteção dos direitos civis e para garantir que o devido processo legal fosse observado em todos os níveis do sistema judicial americano.

1.1 Impacto e Controvérsias

A teoria do “fruto da árvore envenenada” continua a gerar debates nos Estados Unidos, especialmente em relação ao impacto que sua aplicação pode ter sobre a efetividade da justiça penal. Enquanto seus defensores argumentam que a exclusão de provas obtidas ilegalmente é essencial para proteger os direitos constitucionais e para desencorajar condutas abusivas por parte das autoridades, críticos sustentam que essa doutrina pode permitir que criminosos evitem a punição, especialmente em casos em que as provas ilícitas são essenciais para a condenação (Tourinho Filho, 2019).

Os críticos também apontam que a exclusão de provas pode, em certos casos, prejudicar a busca pela verdade material, tornando o processo penal excessivamente formalista. Por outro lado, seus defensores, como Gomes Filho (2020), ressaltam que a aplicação rigorosa da teoria é necessária para preservar a integridade do processo judicial e garantir que o Estado respeite os direitos constitucionais dos indivíduos.

Dessa forma, a doutrina do “fruto da árvore envenenada” no sistema jurídico americano busca equilibrar a proteção dos direitos constitucionais com a necessidade de uma persecução penal eficaz. Embora as exceções à regra de exclusão permitam alguma flexibilidade, a doutrina continua sendo um dos pilares fundamentais da jurisprudência americana sobre provas ilícitas.

2 A ABORDAGEM INGLESA

No sistema jurídico inglês, a teoria do “fruto da árvore envenenada” é abordada de forma menos rígida do que nos Estados Unidos. Ao invés de uma regra automática de exclusão de provas obtidas ilegalmente, a abordagem inglesa é marcada pela análise de cada caso com base nos princípios de justiça e proporcionalidade. O Police and Criminal Evidence Act (PACE) de 1984 é a legislação central que regula a admissibilidade de provas no Reino Unido. A Seção 78 do PACE confere aos tribunais o poder discricionário de excluir provas se a sua admissão comprometer a justiça do processo, avaliando, principalmente, se a forma como as provas foram obtidas coloca em risco a integridade do julgamento (Capez, 2021).

A principal diferença entre o direito inglês e o norte-americano está no grau de flexibilidade oferecido aos tribunais na admissão de provas ilícitas. Nos Estados Unidos, a exclusão é rígida e automática na maioria dos casos, conforme a teoria do “fruto da árvore envenenada”, enquanto no Reino Unido, os juízes têm mais liberdade para decidir se a inclusão da prova é aceitável. A exclusão das provas no Reino Unido não se baseia apenas no fato de terem sido obtidas ilegalmente, mas sim na avaliação de se sua admissão comprometeria a equidade do julgamento. Isso reflete uma postura mais equilibrada entre a proteção dos direitos individuais e a necessidade de garantir que o sistema de justiça penal funcione de maneira eficiente (Oliveira, 2016).

O caso R v. Sang (1980) ilustra bem essa abordagem. Nesse caso, o tribunal decidiu que a exclusão de provas obtidas ilegalmente não é mandatória, deixando ao juiz a discricionariedade de decidir se a admissão da prova prejudicaria a justiça do processo. O tribunal deve, portanto, avaliar o impacto que a ilegalidade teria sobre o julgamento, dando peso tanto à gravidade da violação quanto à necessidade de preservar a integridade do processo (Silva, 2017).

Um dos fatores mais importantes na abordagem inglesa é a proporcionalidade. Os tribunais consideram se a violação dos direitos do acusado foi suficientemente grave para justificar a exclusão da prova, ou se, ao contrário, a exclusão das provas prejudicaria de maneira desproporcional o interesse público em obter um julgamento justo e verdadeiro. Como Capez (2021) observa, essa análise de proporcionalidade é essencial para evitar que uma interpretação rígida da regra de exclusão de provas conduza a injustiças, como a impunidade de réus cujas provas de culpabilidade foram obtidas de maneira tecnicamente incorreta, mas substancialmente justificada.

A jurisprudência inglesa demonstra uma tendência a equilibrar o respeito aos direitos processuais dos acusados com a busca pela verdade material. Ao aplicar a Seção 78 do PACE, os tribunais são orientados a considerar o efeito que a exclusão das provas terá sobre o processo como um todo, em vez de seguir uma abordagem automatizada, como no sistema norte-americano. Isso significa que, em casos onde as provas são cruciais para o resultado do julgamento e a violação não é considerada grave, elas podem ser admitidas. Por outro lado, em casos de violação substancial, especialmente quando há abuso de poder por parte das autoridades, a exclusão das provas é mais provável (Gomes Filho, 2020).

Por fim, a abordagem inglesa coloca grande ênfase na integridade do processo judicial. O tribunal considera não apenas a justiça para o acusado, mas também a percepção pública de que o sistema judicial deve operar de forma justa e equilibrada. Se a admissão de provas obtidas de maneira ilícita comprometesse a confiança pública no sistema de justiça, isso pesaria fortemente na decisão de excluí-las. Isso reflete a prioridade do direito inglês em garantir que o processo judicial permaneça íntegro e confiável, mesmo que isso signifique admitir provas obtidas de maneira irregular (Tourinho Filho, 2019).

3 COMPARAÇÃO ENTRE OS DOIS SISTEMAS

A aplicação da teoria do “fruto da árvore envenenada” reflete abordagens distintas nos sistemas jurídicos dos Estados Unidos e do Reino Unido, destacando as diferenças fundamentais na forma como cada jurisdição equilibra a proteção dos direitos individuais e a busca pela verdade material no processo penal. Enquanto o sistema americano prioriza uma rigidez na exclusão de provas obtidas de maneira ilícita, seguindo um padrão quase automático de inadmissibilidade, o Reino Unido oferece uma maior flexibilidade, permitindo que os juízes analisem caso a caso se a inclusão de tais provas comprometeria a justiça do processo. Essas divergências evidenciam não apenas diferentes interpretações jurídicas, mas também distintas concepções sobre a importância da integridade do processo judicial versus a eficácia na obtenção da verdade.

A seguir, a comparação entre esses dois sistemas será analisada em três aspectos principais: o grau de rigidez ou flexibilidade na aplicação da regra de exclusão, o foco na proteção de direitos versus a busca pela verdade, e as exceções que atenuam a aplicação dessas normas.

3.1 Rigidez x Flexibilidade

A aplicação da teoria do “fruto da árvore envenenada” no sistema jurídico dos Estados Unidos é conhecida por sua rigidez. A exclusão de provas obtidas ilegalmente é praticamente automática e raramente permite exceções. O objetivo é garantir a proteção dos direitos constitucionais, especialmente os direitos previstos na Quarta Emenda, como a proteção contra buscas e apreensões ilegais. Essa rigidez é essencial para impedir que o Estado se beneficie de suas próprias infrações legais, reforçando a ideia de que o processo judicial deve respeitar rigorosamente os direitos do acusado (Gomes Filho, 2020; Capez, 2021).

Em contrapartida, o sistema jurídico do Reino Unido adota uma abordagem mais flexível e centrada na proporcionalidade e na justiça do caso. De acordo com o Police and Criminal Evidence Act (PACE) de 1984, a Seção 78 permite que os tribunais excluam provas quando sua admissão comprometeria a justiça do processo. Aqui, a questão central não é apenas a legalidade da obtenção da prova, mas também a integridade do processo e a confiança pública no sistema judicial (Oliveira, 2016; Silva, 2017). Essa flexibilidade permite que os juízes considerem o impacto que a exclusão de uma prova essencial poderia ter no julgamento, equilibrando a busca pela verdade com a proteção de direitos.

Enquanto o sistema americano prioriza a exclusão para reforçar a proteção constitucional e prevenir abusos de poder, o sistema inglês busca garantir que a verdade material seja descoberta, permitindo uma avaliação mais contextual da admissibilidade de provas ilícitas. Essa distinção fundamental reflete diferentes concepções sobre como equilibrar a justiça e a legalidade no processo penal.

3.2 Proteção de direitos x busca da verdade

Nos Estados Unidos, a regra de exclusão é vista como um mecanismo essencial para garantir que os direitos constitucionais dos indivíduos não sejam violados. A Quarta Emenda é um pilar fundamental nesse sentido, protegendo os cidadãos contra ações abusivas por parte das autoridades, especialmente em termos de invasão de privacidade e buscas sem mandado. A lógica subjacente é que o Estado não pode ser recompensado por condutas ilegais, e a exclusão de provas ilícitas serve como uma ferramenta dissuasória para práticas investigativas abusivas. O foco, portanto, é mais na proteção dos direitos do acusado do que na descoberta da verdade a qualquer custo (Tourinho Filho, 2019; Gomes Filho, 2020).

No Reino Unido, por outro lado, há um equilíbrio mais evidente entre a proteção de direitos e a busca pela verdade. Embora o sistema jurídico inglês também valorize os direitos dos acusados, a exclusão automática de provas não é considerada sempre necessária. A prioridade é garantir que a verdade material seja obtida, desde que a inclusão das provas não comprometa a equidade do processo. Assim, os tribunais têm maior discricionariedade para avaliar se a inclusão de uma prova obtida ilegalmente seria mais prejudicial ou benéfica para a integridade do julgamento. Em casos onde a violação dos direitos processuais não seja grave, a prova pode ser admitida, desde que sua inclusão não afete a justiça material (Oliveira, 2016).

Essa diferença de abordagem reflete a forma como cada sistema valoriza o equilíbrio entre a proteção de direitos e a busca pela verdade. Nos EUA, a proteção dos direitos é prioritária, enquanto no Reino Unido, há uma maior tolerância quanto à inclusão de provas, desde que a justiça do caso não seja prejudicada.

3.3 Exceções

Nos Estados Unidos, apesar da rigidez da regra de exclusão, foram desenvolvidas exceções que suavizam sua aplicação em alguns casos. A doutrina da “descoberta inevitável”, consolidada no caso Nix v. Williams (1984), permite que provas obtidas ilegalmente sejam admitidas se, de qualquer forma, elas seriam inevitavelmente descobertas por meios legais. Essa exceção visa equilibrar a proteção dos direitos constitucionais com a necessidade de evitar a impunidade em situações onde as provas são cruciais para o caso (Silva, 2017).

Outra exceção importante é a doutrina da “fonte independente”, estabelecida no caso Murray v. United States (1988). Aqui, se as provas puderem ser obtidas de forma independente e legal, mesmo que uma busca inicial tenha sido ilegal, elas ainda podem ser admitidas no tribunal. Essas exceções são formas de evitar que a rigidez da exclusão de provas prejudique a justiça material, permitindo que o processo judicial continue com base em provas que tenham sido obtidas de forma legítima (Gomes Filho, 2020).

No Reino Unido, as exceções à regra de exclusão não são formalmente categorizadas como no sistema americano. Em vez disso, a análise é conduzida caso a caso, baseada na proporcionalidade e na justiça do processo. A Seção 78 do PACE permite que os juízes avaliem a gravidade da violação que resultou na obtenção da prova e decidam se a inclusão dessa prova seria prejudicial à equidade do julgamento. A flexibilidade do sistema inglês permite que a justiça processual seja equilibrada com a necessidade de garantir que a verdade seja descoberta, dando aos tribunais mais liberdade para ajustar suas decisões às circunstâncias de cada caso (Tourinho Filho, 2019).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O direito comparado entre os sistemas jurídicos dos Estados Unidos e do Reino Unido na aplicação da teoria do “fruto da árvore envenenada” revela abordagens contrastantes, moldadas por tradições jurídicas e contextos culturais únicos. Nos Estados Unidos, a aplicação rígida da regra de exclusão reflete a forte ênfase na proteção dos direitos constitucionais, em particular a Quarta Emenda, que assegura aos cidadãos proteção contra buscas e apreensões ilegais. 

A exclusão automática de provas obtidas de maneira ilícita visa inibir abusos do poder estatal, garantindo que o processo judicial respeite os direitos fundamentais. No entanto, essa abordagem pode limitar a busca pela verdade material, uma vez que provas essenciais para o esclarecimento do caso podem ser excluídas do processo judicial, independentemente de sua relevância (Capez, 2021; Gomes Filho, 2020).

Por outro lado, o Reino Unido adota uma abordagem mais pragmática e flexível, permitindo que os juízes avaliem cada caso individualmente, conforme estabelecido na Seção 78 do Police and Criminal Evidence Act (PACE) de 1984. Ao contrário dos EUA, o sistema britânico dá aos tribunais a discricionariedade de admitir ou excluir provas ilícitas com base na proporcionalidade e na justiça do processo, priorizando a busca pela verdade material sem comprometer a integridade do julgamento. Essa flexibilidade permite uma ponderação mais equilibrada entre a preservação dos direitos individuais e a necessidade de assegurar que a verdade seja revelada no processo penal (Oliveira, 2016; Silva, 2017).

A análise de direito comparado evidencia a tensão entre rigidez e flexibilidade na aplicação da regra de exclusão. Nos Estados Unidos, a aplicação rigorosa da doutrina do “fruto da árvore envenenada” reforça a proteção dos direitos constitucionais, mas pode, em certos casos, impedir que o tribunal tenha acesso a provas cruciais. No Reino Unido, a flexibilidade do sistema permite uma análise mais adaptada às circunstâncias de cada caso, promovendo a justiça material ao mesmo tempo em que mantém a integridade processual (Tourinho Filho, 2019).

Assim, a comparação entre os dois sistemas revela que ambos buscam proteger os direitos fundamentais e assegurar a justiça, mas o fazem por caminhos distintos. O sistema norte-americano, com sua postura rígida, coloca uma barreira sólida contra abusos estatais, enquanto o sistema britânico, ao permitir maior flexibilidade, prioriza a efetividade do processo penal e a busca pela verdade. Ambos os modelos oferecem lições importantes para o campo do direito penal, mostrando que o equilíbrio entre a proteção de direitos e a justiça material é complexo e multifacetado.

REFERÊNCIAS

CAPEZ, F. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2021.

DENNIS, I. Law of Evidence. Oxford: Oxford University Press, 2007.

DWORKIN, R. Sovereign Virtue: The Theory and Practice of Equality. Cambridge: Harvard University Press, 2000.

GOMES FILHO, A. C. Direito Processual Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2020.

JACKSON, J.; SUMMERS, S. The Internationalisation of Criminal Evidence: Beyond the Common Law and Civil Law Traditions. Cambridge: Cambridge University Press, 2013.

OLIVEIRA, E. Provas no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016.

ROBERTS, P.; ZUCKERMAN, A. Criminal Evidence. Oxford: Oxford University Press, 2010.

SCHULHOFER, S. J. A Reconsideration of the Fruit of the Poisonous Tree Doctrine. University of Chicago Law Review, v. 49, n. 2, p. 671-717, 1982.

SILVA, M. R. Provas Ilícitas e Suas Exceções. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2017.

TOURINHO FILHO, F. Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2019.

WACKS, R. Philosophy of Law: A Very Short Introduction. Oxford: Oxford University Press, 2008.