TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7981828


Monaliza Vieira Mendonça


RESUMO

A teoria da cegueira deliberada é um conceito jurídico que se refere à situação em que uma pessoa decide ignorar ou fechar os olhos para informações ou evidências que poderiam revelar a existência de uma atividade ilegal ou prejudicial. Essa teoria argumenta que, ao agir dessa forma, a pessoa pode ser considerada tão culpada quanto aqueles que realmente cometeram o ato ilegal. A teoria da cegueira deliberada é frequentemente aplicada em casos de lavagem de dinheiro, corrupção, fraude financeira e outras atividades criminosas complexas em que os réus alegam não ter conhecimento das ações ilegais.

Palavras-chave: Teoria da cegueira deliberada, ignorância deliberada, ignorância consciente, responsabilidade criminal, conhecimento do crime.

ABSTRACT

The theory of willful blindness, also known as deliberate ignorance, is a legal concept that refers to the situation in which a person chooses to ignore or turn a blind eye to information or evidence that could reveal the existence of illegal or harmful activity. This theory argues that by acting in this way, the person can be considered as culpable as those who actually committed the illegal act. The theory of willful blindness is often applied in cases of money laundering, corruption, financial fraud, and other complex criminal activities where defendants claim to have had no knowledge of the illegal actions.

Keywords: Theory of willful blindness, deliberate ignorance, conscious ignorance, criminal responsibility, knowledge of the crime.

1 INTRODUÇÃO

A teoria da cegueira deliberada é um tema que tem despertado grande interesse no direito, em especial, no âmbito do direito penal, principalmente no contexto dos crimes econômicos e de colarinho branco. Destarte, essa teoria pode ser aplicada em casos em que o sujeito se coloca em situação de ignorância e, como brilhante pensamento de Monteiro (2009, online), atua como um avestruz, que enfia sua cabeça em um buraco na terra a qualquer sinal de perigo, para não ter ciência da natureza ou daquilo que tenha feito e assim, não receber más notícias.

A cegueira deliberada equipara-se àquele que finge o desconhecimento da origem de possíveis bens ou serviços, para que dessa forma venha auferir vantagens e se sair impune por tais atos. É considerada também uma forma de dolo eventual, ou seja, o agente não tem a intenção direta de produzir o resultado danoso, mas assume o risco de produzi-lo ao escolher ignorar informações relevantes, conduta comum em casos de crimes econômicos, em que os agentes envolvidos buscam esconder suas atividades ilícitas por meio de complexas estruturas financeiras e contábeis, tráfico de entorpecentes, lavagem de capitais, receptação, corrupção, dentre outros.

Apesar de ser uma conduta bastante presente no mundo dos negócios e das finanças, a teoria da cegueira deliberada não é exclusiva dos crimes econômicos. Ela pode ser aplicada em qualquer contexto em que o agente escolha ignorar informações relevantes sobre sua conduta criminosa, manifestando a mera probabilidade de assumir o risco de sua conduta.

A teoria da cegueira deliberada é um tema controverso no âmbito do direito penal. Algumas críticas apontam que a aplicação da teoria pode levar à punição de pessoas que não têm um envolvimento direto na conduta criminosa, mas que escolhem se abster dos conhecimentos que podem causar seu comportamento. Por outro lado, defensores da teoria afirmam que ela é uma forma de responsabilizar pessoas que, mesmo sem terem agido diretamente, contribuíram para a produção do resultado danoso.

Além disso, há questões éticas e morais envolvidas na aplicação da teoria da cegueira deliberada. A responsabilidade individual e a noção de dever são fundamentais nesse contexto, uma vez que a cegueira deliberada pode ser influenciada por questões pessoais, culturais e políticas.

Dessa forma, a teoria da cegueira deliberada é um tema complexo e que envolve diversas questões jurídicas e sociais. A sua aplicação pode ser uma ferramenta importante para enfrentar diversos crimes, mas é fundamental que ela seja aplicada com cautela e com base em critérios claros e objetivos. A presente pesquisa foi realizada através de pesquisas, entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, tratando de explorar o tema, sem intenção alguma de esgotá-lo.

2. HISTÓRICO DA TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA

A teoria da cegueira deliberada, como já mencionada, é conhecida como teoria do conhecimento proibido e surgiu a partir de estudos sobre a tomada de decisão e os processos cognitivos humanos. A ideia central dessa teoria é que as pessoas podem deliberadamente escolher não buscar ou não adquirir informações que possam ter consequências negativas para si mesmas ou para os outros.

A título de esclarecimento, podemos citar o exemplo de uma pessoa que compra um celular de última geração por um preço muito abaixo do mercado, e mesmo que, percebendo que há algo de errado, podendo ser fruto de roubo ou desvio de carga, alega desconhecimento da procedência do bem, até porque pensa que não acarretaria nenhum problema. Dessa forma, se coloca em situação de ignorância, por ser mais oneroso e até mesmo não se prejudicar.

Em relação a teoria da cegueira deliberada, mantêm-se uma série de inconformidade a respeito de seus primórdios. Além de se valer de diversas nomenclaturas, existem ainda divergências em relação ao local de seu surgimento.

Um dos primeiros autores a discutir a teoria da cegueira deliberada foi o filósofo Søren Kierkegaard, no século XIX. Em seu livro “O Conceito de Angústia” (1844), Kierkegaard aborda a ideia de que a ignorância pode ser uma escolha deliberada e que a busca pelo conhecimento pode ser vista como uma forma de angústia. Segundo ele, “a ignorância pode ser uma escolha livre e consciente, e a busca pelo conhecimento pode levar a uma angústia ainda maior” (KIERKEGAARD, 1844, p. 20).

Outro autor importante na discussão da teoria da cegueira deliberada é o filósofo Walter Sinnott-Armstrong. Em seu livro “Moral Psychology” (2008), Sinnott-Armstrong argumenta que a cegueira deliberada pode ser uma estratégia racional para reduzir a ansiedade e manter a estabilidade psicológica. Ele sugere que as pessoas podem escolher não buscar informações que possam ameaçar suas crenças ou valores, a fim de evitar a ansiedade ou a incerteza. Segundo Sinnott-Armstrong, “a cegueira deliberada pode ser uma estratégia racional para proteger a estabilidade psicológica” (SINNOTT-ARMSTRONG, 2008, p. 174).

Mais recentemente, a teoria da cegueira deliberada tem sido estudada em diversos campos, incluindo a economia comportamental, a psicologia e a sociologia. O economista George Akerlof e a psicóloga Rachel Kranton, por exemplo, discutem a cegueira deliberada como uma forma de manter as normas sociais e evitar conflitos em seu artigo “Identity and the Economics of Organizations” (2005). Segundo eles, “a cegueira deliberada pode ser uma forma de proteger a identidade social e evitar conflitos com os outros” (AKERLOF e KRANTON, 2005, p. 37).

Essa teoria sugere que as pessoas podem escolher não buscar ou não adquirir informações que possam ter consequências negativas para si mesmas ou para os outros. A cegueira deliberada pode ser vista como uma estratégia racional para reduzir a ansiedade, proteger a estabilidade psicológica, manter as normas sociais ou evitar conflitos com os outros.

O sociólogo Jessé Souza, por exemplo, discute a cegueira deliberada como uma forma de manter as desigualdades sociais e a injustiça em sua obra “A Elite do Atraso” (2017). Segundo Souza, “a cegueira deliberada é uma estratégia da elite brasileira para manter seu poder e privilégios, evitando a mudança social e a igualdade” (SOUZA, 2017, p. 40).

Além disso, a teoria da cegueira deliberada tem sido aplicada em casos de corrupção e crime organizado no Brasil. Em seu livro “A Clínica e o Crime” (2019), o psicanalista e escritor Contardo Calligaris discute a cegueira deliberada como uma estratégia dos criminosos para evitar a responsabilização pelos seus atos. Segundo Calligaris, “a cegueira deliberada é uma tática utilizada pelos criminosos para evitar a responsabilização pelos seus atos, fingindo ignorância ou escolhendo não saber” (CALLIGARIS, 2019, p. 67).

No Brasil, a teoria tem sido aplicada, incluindo a política, a justiça e o crime organizado. Essa teoria pode ajudar a compreender por que as pessoas escolhem não buscar ou não adquirir informações que possam ter consequências negativas, bem como as estratégias utilizadas por indivíduos e grupos para manter o poder e evitar a responsabilização por seus atos.

A cegueira deliberada é um fenômeno que pode ocorrer em diversas áreas do conhecimento, incluindo o direito penal. No contexto jurídico, a cegueira deliberada pode ser definida como a escolha consciente de não investigar ou não saber informações que possam implicar em responsabilidade criminal. Esse comportamento pode ocorrer tanto por parte dos acusados quanto dos agentes estatais envolvidos na investigação e julgamento de crimes.

Um exemplo de cegueira deliberada no contexto jurídico é a chamada “ignorância deliberada” ou “cegueira voluntária”, que ocorre quando um acusado escolhe não investigar ou questionar a origem de informações ou bens que lhe foram entregues por terceiros. Nesse caso, o acusado pode alegar que não tinha conhecimento da origem criminosa dos bens ou informações, apesar de ter indícios ou suspeitas de que algo estava errado.

No entanto, a alegação de ignorância deliberada não é suficiente para eximir o acusado de responsabilidade criminal. Como argumenta a doutrina jurídica, a ignorância deliberada pode ser considerada uma forma de dolo eventual, ou seja, a aceitação consciente do risco de que uma conduta possa ser criminosa (Bitencourt, 2020).

Ademais, a cegueira deliberada também pode ocorrer por parte dos agentes estatais envolvidos na investigação e julgamento de crimes. Um exemplo é a escolha de não investigar informações ou evidências que possam comprometer a tese acusatória, ou a escolha de ignorar indícios de que um acusado é inocente. Nesse caso, a cegueira deliberada pode ser considerada uma forma de má-fé processual, que viola os princípios do devido processo legal e da imparcialidade.

É importante destacar que a cegueira deliberada no contexto jurídico pode ter consequências graves em termos de justiça e efetividade do sistema penal. Como argumenta a doutrina, a cegueira deliberada pode levar à condenação injusta de pessoas inocentes, ou à impunidade de criminosos perigosos (Gomes, 2018).

Por isso, é fundamental que os agentes estatais envolvidos na investigação e julgamento de crimes atuem de forma imparcial e diligente, investigando todas as informações relevantes, independentemente de sua implicação na tese acusatória. Além disso, é importante que os acusados sejam responsabilizados por sua escolha consciente de não investigar ou questionar informações ou bens de origem duvidosa.

3. TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA

A teoria da imputação objetiva é uma teoria do direito penal que se preocupa com a atribuição de responsabilidade pelo resultado de uma ação criminosa. Em outras palavras, a teoria da imputação objetiva busca responder à pergunta: quem é responsável pelo resultado de uma ação criminosa?

A origem da teoria da imputação objetiva remonta ao final do século XIX, quando a teoria da causalidade naturalista dominava o pensamento jurídico. Segundo essa teoria, o autor de um crime era aquele que causava o resultado diretamente, sem a interferência de terceiros. No entanto, essa abordagem não levava em conta as complexidades da vida real, onde muitas vezes várias pessoas podem contribuir para um resultado criminoso. (MIRABETE, 2014)

Foi então que surgiram as primeiras críticas à teoria da causalidade naturalista, dando origem a teoria da imputação objetiva. Essa teoria argumenta que a atribuição de responsabilidade pelo resultado de um crime não deve se basear apenas na causalidade física, mas também em critérios objetivos que levem em conta a relação entre a conduta do agente e o resultado produzido. (MIRABETE, 2014)

De acordo com a teoria da imputação objetiva, um resultado só pode ser atribuído a um agente se ele tiver criado um risco juridicamente relevante de produzi-lo. Em outras palavras, o agente só será responsável pelo resultado se ele tiver agido de forma imprudente, negligente ou dolosa, criando um risco proibido que efetivamente produziu o resultado. (MIRABETE, 2014)

A teoria da imputação objetiva tem sido amplamente utilizada em países como a Alemanha e a Suíça, onde é considerada uma das principais teorias do direito penal. No entanto, sua aplicação ainda é objeto de controvérsia em outras jurisdições, onde outras teorias, como a teoria da causalidade adequada, continuam a ser predominantes. (MIRABETE, 2014)

A teoria da imputação objetiva da cegueira deliberada é um tema do direito penal que trata da responsabilidade penal de pessoas que agem com uma espécie de “cegueira voluntária” em relação aos seus atos. A ideia central da teoria é que uma pessoa pode ser considerada culpada de um crime mesmo que não tenha agido com intenção direta de cometê-lo, mas sim tenha optado por ignorar informações que indicavam a possibilidade de um resultado criminoso. (MIRABETE, 2014)

Essa teoria tem sido objeto de debate entre os estudiosos do direito penal, e há diferentes posições sobre sua validade e aplicação. No entanto, uma das obras mais conhecidas sobre o assunto é o livro “Strafrechtliche Handlungstypen” (Tipos de Ação em Direito Penal), escrito pelo jurista alemão Günther Jakobs (2013).

Jakobs (2013) argumenta que a cegueira deliberada deve ser equiparada ao conhecimento efetivo da ilicitude, uma vez que o agente, ao optar por não buscar informações sobre as consequências de suas ações, assume o risco de produzir um resultado ilícito. Dessa forma, a teoria da imputação objetiva da cegueira deliberada permite responsabilizar o agente mesmo quando não há prova de que ele tinha conhecimento efetivo da ilicitude.

Outro autor que trata da teoria da cegueira deliberada é o jurista norte-americano Larry Alexander (2001), em seu artigo “Criminal Responsibility and Moral Luck” (Responsabilidade Criminal e Sorte Moral). Alexander argumenta que a cegueira deliberada é um tipo de “sorte moral”, uma vez que o agente pode ser considerado responsável pelo resultado do seu comportamento mesmo que ele não tivesse a intenção de produzi-lo.

A origem da teoria da cegueira deliberada remonta ao direito anglo-saxão, onde é conhecida como “willful blindness doctrine“. A ideia foi importada para o direito penal europeu por Claus Roxin (2008), um jurista alemão que desenvolveu a teoria da imputação objetiva.

De acordo com a teoria da imputação objetiva, a responsabilidade penal deve ser baseada na relação causal entre a conduta do agente e o resultado do crime. Ou seja, para que alguém possa ser considerado culpado de um crime, é necessário que sua conduta tenha sido a causa efetiva do resultado criminoso.

No caso da cegueira deliberada, o agente age com a intenção de não saber se sua conduta poderia levar a um resultado criminoso. Essa ignorância voluntária não é suficiente para eximir o agente de responsabilidade penal, uma vez que ele deveria ter conhecido as possíveis consequências de suas ações.

Segundo Roxin (2008), para que se possa aplicar a teoria da imputação objetiva da cegueira deliberada, é necessário que se verifiquem três elementos: a) a existência de uma situação objetivamente perigosa; b) a suspeita do agente quanto ao resultado criminoso; e c) a vontade do agente de permanecer ignorante em relação ao resultado.

Essa teoria tem sido objeto de debates e críticas na doutrina jurídica, especialmente em relação aos limites da imputação objetiva e à necessidade de que a suspeita do agente seja avaliada de forma objetiva. (BITENCOURT, 2013)

Por fim, cabe mencionar que a teoria da imputação objetiva da cegueira deliberada tem sido aplicada em algumas jurisdições, como na Alemanha e nos Estados Unidos, mas sua aceitação ainda é controversa em outros países.

4. A TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA E SUA APLICABILIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

A teoria da cegueira deliberada, também conhecida como “willful blindness” em inglês, é um conceito que tem sido cada vez mais discutido no ordenamento jurídico brasileiro. Essa doutrina se refere à situação em que uma pessoa se recusa a reconhecer uma informação ou situação que poderia indicar a existência de uma atividade ilegal ou imoral, mesmo que essa informação seja facilmente acessível e disponível (Mirabete, 2018).

No Brasil, a cegueira deliberada tem sido reconhecida como uma forma de dolo, ou seja, uma intenção consciente de cometer um crime. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), a cegueira deliberada pode ser estabelecida quando uma pessoa “fechar os olhos” para uma informação ou situação que deveria ter conhecimento, com o objetivo de evitar responsabilidade criminal ou civil (Brasil, 2018).

Um exemplo de cegueira deliberada pode ser observado em casos de corrupção, em que um funcionário público pode se recusar a investigar ou denunciar uma atividade ilegal realizada por um colega, mesmo que haja indícios claros de que a atividade é ilegal. Nesses casos, a pessoa pode ser considerada culpada por cegueira deliberada, pois ela tinha a obrigação de agir de acordo com a lei e se recusou a fazê-lo (Rocha, 2019).

No entanto, é importante destacar que a aplicação da teoria da cegueira deliberada no ordenamento jurídico brasileiro ainda é um tema controverso. Alguns juristas argumentam que a teoria é incompatível com o princípio da culpabilidade, pois exige que a pessoa tenha conhecimento de algo que ela não sabe (Silva, 2020). Além disso, há a questão da prova, já que é difícil comprovar que uma pessoa tinha conhecimento de algo que ela se recusou a reconhecer.

Apesar dessas controvérsias, a teoria da cegueira deliberada tem sido cada vez mais discutida e aplicada no ordenamento jurídico brasileiro. Em decisão recente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a cegueira deliberada como forma de dolo eventual em um caso de tráfico de drogas (STJ, 2021).

A teoria da cegueira deliberada tem sido reconhecida no ordenamento jurídico brasileiro como uma forma de dolo, em que a pessoa se recusa a reconhecer uma informação ou situação que poderia indicar a existência de uma atividade ilegal ou imoral. Apesar de ainda haver controvérsias sobre a aplicação da teoria, ela tem sido cada vez mais discutida e aplicada pela jurisprudência.

Segundo o Supremo Tribunal Federal (STF), a cegueira deliberada pode ser equiparada ao dolo eventual, ou seja, o agente assume o risco de praticar o delito mesmo sem ter a intenção direta de cometê-lo. Isso ocorre quando o agente, apesar de ter conhecimento da possibilidade de estar cometendo um ilícito, prefere agir como se nada estivesse acontecendo, deixando de tomar as providências necessárias para evitar a prática do delito (BRASIL, 2019).

Em julgamentos como esses, a cegueira deliberada tem sido reconhecida como uma importante ferramenta no combate à impunidade e à corrupção. De acordo com o entendimento jurisprudencial, para que seja caracterizada a cegueira deliberada, é necessário que o agente tenha conhecimento da situação ilícita, ainda que não tenha a intenção direta de praticar o delito. Além disso, é necessário que o agente tenha se recusado a enxergar a situação ilícita, agindo de forma negligente ao evitar a descoberta dos fatos que lhe permitiriam evitar a consumação do delito (CAPEZ, 2016).

A cegueira deliberada pode ocorrer em duas situações: a primeira é quando o agente tem ciência da ilicitude de sua conduta, mas prefere agir como se nada estivesse acontecendo; a segunda é quando o agente tem a suspeita de que algo errado está ocorrendo, mas prefere não investigar para não ter conhecimento da ilicitude (CAPEZ, 2016).

No entanto, o reconhecimento da cegueira deliberada como uma figura jurídica é controverso e tem gerado debates acalorados no meio jurídico. Alguns críticos argumentam que o uso da cegueira deliberada pode levar a condenações injustas, já que é difícil distinguir a cegueira deliberada da mera imprudência ou negligência. Por outro lado, defensores da figura argumentam que ela é uma importante ferramenta no combate à impunidade e à corrupção (BITTENCOURT, 2016).

Em todo caso, cabe ressaltar que a aplicação da cegueira deliberada exige uma análise cuidadosa de cada caso concreto. É importante que sejam avaliadas todas as circunstâncias do caso, a fim de se verificar se o agente agiu de forma deliberada ou se simplesmente foi negligente ou imprudente. O reconhecimento da cegueira deliberada deve ser utilizado de forma criteriosa, a fim de evitar condenações injustas e preservar o princípio da presunção de inocência.

Em suma, o entendimento jurisprudencial da cegueira deliberada no Brasil tem sido objeto de intensas discussões e debates no meio jurídico. Embora existam críticas quanto ao seu uso, a figura é reconhecida como uma importante ferramenta no combate à impunidade e à corrupção. No entanto, é necessário que sejam realizadas análises criteriosas em cada caso concreto, a fim de se evitar condenações injustas e preservar o princípio da presunção de inocência.

Cumpre dispor que a teoria da cegueira deliberada é aplicável a diversos tipos de crimes, especialmente aqueles que envolvem corrupção, lavagem de dinheiro e outras formas de atividades ilícitas.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por ser uma teoria recente, a mesma deve ser aplicada com cautela, a fim de que não seja imputado fato criminoso advindo de práticas delituosas, ou para que não seja o agente culpabilizado, sendo este inculpado.

É de grande valia salientar que, na insuficiência de provas para a acusação, utiliza-se o in dubio pro réu (na dúvida, a favor do réu). Este princípio, também conhecido como princípio do favor rei é uma garantia de que em casos de dúvidas sobre a culpabilidade, interpreta-se em favor do acusado.

Isso porque, de acordo com alguns doutrinadores, a aplicação da teoria da cegueira deliberada pode levar à punição de pessoas que não têm um envolvimento direto na conduta criminosa, mas que escolhem ignorar informações relevantes sobre ela. Por outro lado, outros doutrinadores defendem que a teoria da cegueira deliberada é uma forma de responsabilizar pessoas que, mesmo sem terem agido diretamente, contribuíram para a produção do resultado danoso.

Independentemente das controvérsias envolvendo a teoria da cegueira deliberada, é importante reconhecer que a sua aplicação pode ser uma ferramenta importante para enfrentar crimes econômicos e de colarinho branco, que muitas vezes envolvem ações complexas e difíceis de serem comprovadas.

No entanto, é fundamental que a aplicação da teoria da cegueira deliberada seja feita com cautela e com base em critérios claros e objetivos, para que não haja abusos e excessos na punição dos agentes envolvidos. Além disso, é preciso investir em políticas públicas de prevenção e combate aos crimes econômicos e de colarinho branco, que promovam a transparência e a responsabilidade dos agentes econômicos e financeiros.

Mesmo que ainda haja divergências na aplicação da teoria, é importante observar que seu surgimento foi exatamente para coibir práticas criminosas das quais se utilizavam da ignorância para escusar-se a responsabilidade. Entretanto, deve sempre haver a presença do contraditório e da ampla defesa, sendo um direito assegurado a todos.

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