REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8007838
Orlando Carvalho De Sá Rodrigues Filho;
Orientador: Marcello Schmidt Silveira.
RESUMO
O suicídio é um comportamento caracterizado pelo pensamento ou ato de se matar. É considerado um problema de saúde pública no Brasil e no mundo, tendo uma taxa maior do que a média da população geral entre os estudantes de medicina. Essa realidade é explicada devido à grande demanda de estudos, horas de trabalhos em estágios e autocobrança comum entre os futuros médicos. Nesse sentido, o objetivo deste trabalho é analisar estudos que tenham como objeto de pesquisa o comportamento suicida entre os estudantes do curso de medicina. Para isso, foi realizada uma busca de alta sensibilidade em bases de dados Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Pubmed e Web of Science utilizando descritores de “estudantes de medicina’’ e “suicídio”. Foram incluídos 13 estudos de nove países com uma amostra total de 11.473 participantes. Identificou-se que o suicídio é comum em pessoas com transtornos mentais, em especial entre depressivos. Somado a isso, percebeu-se que a rotina pesada da graduação, a longa duração do curso e a dificuldade de atrelar estudo e trabalho são fatores de risco para ideação, pensamento e prática suicida.
Palavras- chave: Estudantes de medicina; Suicídio; Saúde mental.
O suicídio é um comportamento caracterizado pela ideação e pelo ato de se matar, não sendo considerado um diagnóstico de transtorno mental. Por trás de uma atitude suicida tem-se diversos fatores – biológicos, psicossociais e culturais – que são individuais. Assim, o suicídio pode ser considerado a consequência final da interação desses fatores, sendo consumado a partir de pensamentos de morte que podem ser elaboras ou não e que nem sempre acontecem de forma imediata (PORTO; DELZIOVO; QUEIROZ, 2019).
O comportamento da auto aniquilação pode ser dividido de três formas: ideação suicida, tentativa de suicídio e o ato suicida consumado. Nesse sentido, o indivíduo, portador de transtornos mentais, utiliza de diferentes instrumentos que podem variar de autoagressão, envenenamento ou uso de medicamentos em dosagens tóxicas por exemplo. Logo, fica evidente que o investimento e prática clínica adequada de prevenção e tratamento de doenças mentais são fundamentais no combate ao suicídio, como também apontam Porto, Delziovo e Queiroz (2019).
Diante desse cenário, a Organização Mundial de Saúde (2021) alerta que mais de 700 mil pessoas morrem por suicídio anualmente. Somado a isso, apesar da taxa de suicídio ter tido uma queda no mundo, o número vem crescendo no continente americano. De acordo com o Conselho Federal de Medicina (2019), os casos de suicídio em território nacional cresceram quase que 50% na última década, de forma que, em média, 38 pessoas chegam a se suicidar diariamente no Brasil.
Dentro dos grupos com fatores de risco para suicídio, percebeu-se que estudantes de medicina possuem um comportamento suicida maior quando comparado a outros estudantes da mesma faixa etária. Tal realidade pode ser explicada porque os futuros médicos também possuem taxas de depressão maiores. Além disso, o curso possui um grande volume de informações e matérias que precisam ser assimiladas em pouco tempo, induzindo os alunos a realizarem longas jornadas de estudos, estágios e de privação de sono (RODRÍGUEZ et al, 2017). Por isso, o objetivo deste trabalho é criar uma revisão bibliográfica para compreender qual o perfil e quais os fatores de risco dos estudantes de medicina que possuem atitudes suicidas.
Este estudo trata-se de uma revisão bibliográfica integrativa de literatura, tendo em vista que busca reunir os principais conhecimentos já publicados sobre uma determinada temática. Para criação desde trabalho, inicialmente foi criada uma estratégia de busca cruzando os descritores “estudantes de medicina” e “suicídio”. A partir disto, foram realizadas pesquisas de busca avançada nas bases de dados de saúde Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Pubmed e Web of Science em busca de artigos publicados entre os anos de 2018 a 2023.Não houve restrição de idiomas.
Os critérios de seleção dos artigos foram terem sido publicados a partir do ano de 2018 e serem estudos transversais – os quais realizam a análise de uma população em um momento específico – realizados com estudantes de medicina acima de 18 anos. Dessa forma, publicações como carta de editor, comentários de revistas, relatos de caso e revisões foram excluídos. Somado a isso, foram descartados estudos que não foram encontrados na íntegra.
Os artigos encontrados nas buscas de dados foram exportados para a plataforma Rayyan® – desenvolvida para auxiliar na seleção de artigos que irão construir revisões (JOHNSON; PHILLIPS, 2018) – que foi utilizada do dia 04 de fevereiro a 28 de março de 2023. Inicialmente, realizou-se as primeiras triagens, de seleção por título e resumo. Em seguida, os artigos selecionados foram lidos na íntegra para que fossem selecionados a partir dos critérios de inclusão. Com relação à extração de dados, foi utilizada planilha no programa Microsoft Excel® para registrar o seguinte: dados do estudo (autores, país e ano de publicação) e informações metodológicas (desenho, tamanho da amostra e instrumentos utilizados para avaliá-los).
A pesquisa inicial resultou em 778 artigos encontrados nas bases de dados. Destes, 408 eram duplicadas que foram removidas, restando uma amostra de 370 estudos. Após a triagem por título e resumo, 300 trabalhos foram removidos. Assim, os artigos restantes foram triados lidos na íntegra e selecionados a partir dos critérios de inclusão, de forma que 13 estudos foram incluídos para amostra final.
Os 13 estudos selecionados eram dois da China, dois do Brasil, dois do Peru, dois da Itália, um da Índia, um do Paquistão, um de Bangladesh, um do Chile e um da França. Juntos estudos tiveram uma amostra de 11.473 pessoas estudadas, das quais 4.889 eram do sexo masculino. Todos os participantes dos estudos tinham acima de 18 anos. A tabela 1 apresenta as características dos estudos incluídos.
Tabela 1 – Informações dos estudos selecionados.
AUTOR | ANO | PAÍS | AMOSTRA | IDADE MÉDIA | INSTRUMENTO UTILIZADO |
Han, et al. | 2022 | China | 2.020 | 21,4 | SBQ-Ra |
Gui; Sun; Zhou | 2022 | China | 2.646 | 20,1 | Questionário |
Garg, et al. | 2022 | Índia | 531 | 21,6 | SBQ-Ra |
Sol, et al. | 2020 | Brasil | 296 | Não informada | SUPRE-MISSb |
Aguilar-Sigueñas & Villarreal-Zegarra | 2022 | Peru | 480 | Não informada | SSI-Wc |
Neres; Aquino; Pedroso | 2021 | Brasil | 376 | 22,8 | BSISd |
Leombruni, et al. | 2021 | Itália | 2.457 | 22 | Questionário |
Kobus; Calletti. Santander | 2020 | Chile | 559 | Não informado | Questionário |
Dar; Hasan; Dar | 2022 | Paquistão | 100 | Não informado | C-SSRSe |
Hasan, et al. | 2020 | Bangladesh | 221 | 22,1 | Questionário |
Carrasco-Farfan, et al. | 2019 | Peru | 433 | 25 | PSRSf |
Solano, et al. | 2019 | Itália | 522 | 23.6 | SOQg |
Pelissier, et al. | 2021 | França | 832 | 21 | Questionário |
Os achados desta revisão demonstram que o suicídio é um problema de saúde preocupante entre os acadêmicos de medicina, em especial no que diz respeito a ideação suicida. Todos os 13 estudos obtiveram uma amostra que continha estudantes com comportamento suicida, percebendo que esta população tem um risco maior de cometer suicídio quando comparada com a população geral. Somado a isso, observou-se que a maioria dos estudantes com este tipo de comportamento também possuíam humor depressivo e pouca comunicação efetiva com familiares.
Percebeu-se que acadêmicos com transtornos mentais, principalmente com sintomas depressivos são os que mais possuem risco de comportamento suicida. Leombruni et al. (2021) aponta que 36% dos estudantes com ideação suicida de sua amostra eram depressivos, indo ao encontro com os achados de Han et al. (2022), Garg et al. (2022) e Sol et al. (2020). Salienta-se que a presença de outros transtornos psiquiátricos são fatores de risco para a ideação suicida, segundo sugere Aguilar-Sigueñas & Villarreal-Zegarra (2022), que perceberam em sua amostra uma correlação positiva de acadêmicos ansiosos com o pensamento de suicídio.
Outro fator de risco para ideação suicida observado por alguns autores foi com relação ao sono. Alunos com ideação suicida tendem a possuir uma qualidade de sono menor. Isso porque o sistema nervoso central pode estar em um estado maior de hiperexcitabilidade, com dificuldade de sair da vigília (GUI; SUN; ZHOU, 2022). Tal associação também foi encontrada por Carrasco-Farfan, et al. (2019), que observou em sua amostra a privação de sono como fator de risco para ideação suicida.
Somado a isso, a demanda acadêmica do curso de medicina é uma forte queixa entre os alunos com maior risco de cometerem suicídio. Percebeu-se que a preocupação com o desempenho acadêmico, a alta carga horária de aulas e estágios como uma queixa comum com forte associação ao pensamento suicida, vista que isso gera um sentimento de insuficiência entre os estudantes (GARG et al, 2022), (NERES; AQUINI; PEDROSO, 2021). É válido apontar que este regime intenso de estudo tanto na faculdade, quanto em casa, leva os estudantes a realizarem menos atividade física, a terem uma menor socialização e praticarem menos hobbies, fatores que são todos riscos para o desenvolvimento de um humor deprimido (LEOMBRUNI et al, 2021) (NERES; AQUINI; PEDROSO, 2021) (KOBUS; CALLETTI; SANTANDER, 2020) (DAR; HASAN; DAR, 2022).
Dentro deste contexto, é perceptível que a falta de tempo dos estudantes de medicina faz com que estes demorem a adquirir independência financeira. Por isso, preocupações com dinheiro também são bem geram um forte sofrimento que leva ao pensamento suicida (LEOMBRUNI et al, 2021) (DAR; HASAN; DAR, 2022) (PELISSIER et al. 2021). Inclusive, Hasan et al (2020) perceberam em mais de 50% de sua amostra um comportamento de auto culpa que varia de moderado a muito alto entre os estudantes de medicina, visto que estes muitas vezes não podem trabalhar e geram gastos financeiros para família.
Em se tratando da análise com relação ao período do curso que os estudantes estão, os estudos divergiram entre si. Leombruni et al (2021) encontraram em sua amostra um risco de suicídio maior entre os estudantes do sexto ano, os quais além de estarem em regime de internato, também são mais velhos e possuem a preocupação da inserção adequada no mercado de trabalho. Hasan et al (2020), por sua vez, perceberam uma tendencia suicida maior entre os acadêmicos dos três primeiros anos de curso, em especial do primeiro ano, os quais os pensamentos e tentativas suicidas foram de mais de 31,1%. Aguilar-Sigueñas & Villarreal-Zegarra (2022), percebeu a tendencia suicida maior entre os internos, os quais constantemente são vítimas de maus tratos no ambiente de estágio e se sentem insuficientes profissionalmente.
Outra divergência encontrada nos estudos foi com relação ao sexo dos estudantes. Leombruni et al. (2021) e Kobus, Calletti & Santander (2020) não encontraram associação estatística do sexo do acadêmico com a ideação suicida. Na amostra de Solano et al. (2019), o sexo masculino correspondeu a 58,0% e 37,6% de pensamento e comportamento suicida grave. Pelissier et al (2021), por outro lado, encontrou que a ideação suicida foi mais prevalente entre as futuras médicas, as quais se sentiram ainda mais sobrecarregada que os homens no contexto da pandemia da COVID-19.
Dentro desse cenário, de forma preocupante, ocorreram também relatos de tentativa de suicídio entre alguns acadêmicos. Na amostra de Garg et al. (2022), 101 dos participantes já haviam tentado suicídio e 48 não excluem a possibilidade de tentativa suicida no futuro. Sol et al (2020) perceberam a tentativa de suicídio como algo comum em quase 6% de sua amostra, sendo que 12,5% dos acadêmicos estudados por estes autores afirmaram possuir plano suicida. Os achados de Hasan et al (2020) foram ainda mais alarmantes, visto que mais de 17% da sua amostra afirmou possuir plano ou já terem tentado suicídio, enquanto 40% de seus entrevistados concordaram sentir que “a vida não vale a pena viver”.
No que diz respeito a fatores de proteção contra o suicídio, os achados de estudos selecionados foram diferentes. Aguilar-Sigueñas & Villarreal-Zegarra (2022) apontam que boas relações familiares ou o simples fato de não morar sozinho e distante dos familiares foram associados a uma redução de intenção suicida. Kobus, Calletti & Santander (2020) não encontraram associação estatística significativa com o suporte familiar como fator de proteção ao suicídio. Hasan et al (2020) já encontrou em sua amostra que acadêmicos com relacionamento familiar mais harmônico foram os que mais tiveram comportamentos suicidas.
Diante do exposto, percebeu-se que o comportamento suicida é um problema de saúde entre os acadêmicos de Medicina. Isto porque foi observada uma alta prevalência da intenção de cometer suicídio. Sendo assim, evidencia-se a necessidade de intervenções de saúde mental nas graduações de Medicina, de forma que as coordenações dos cursos intensifiquem a disponibilidade de auxílio psicológico nas universidades, além de aumentar a oferta de bolsas de pesquisa científica, monitorias e afins para auxiliar os alunos financeiramente.
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