SMARTPHONES AND SUSTAINABILITY: AN ANALYSIS OF ESG PRACTICES IN BRAZILIAN INDUSTRY
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102412261612
Renan de Azevedo Ruffo
Resumo
O artigo intitulado examina a crescente preocupação com a sustentabilidade na indústria de smartphones no Brasil, abordando as práticas ESG (Ambiental, Social e Governança) adotadas pelas principais empresas do setor. Embora haja uma crescente adoção de estratégias sustentáveis, como a Economia Circular, o estudo revela que as práticas ainda são incipientes e apresentam métricas divergentes, dificultando a cooperação entre as empresas. Além disso, o artigo destaca desafios como a transparência na cadeia de suprimentos e a responsabilidade social, enfatizando a necessidade de alinhar as expectativas dos consumidores com as práticas de fabricação, promovendo inovações tecnológicas e mudanças culturais que possibilitem uma transformação mais sustentável do setor.
Palavras-chave: Sustentabilidade; smartphones; ESG; Economia circular.
1 INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, a indústria de smartphones tem enfrentado um crescente escrutínio sobre como aborda questões socioambientais e planeja suas estratégias e práticas de governança. Esse aumento de interesse tem levado órgãos reguladores e do mercado a focar em práticas sustentáveis, que podem ser resumidamente categorizadas sob a sigla “ESG” (FIRJAN, 2021).
Esses dispositivos consomem muita energia e recursos para serem fabricados, gerando mais de 146 milhões de toneladas de dióxido de carbono ou emissões equivalentes, de acordo com estimativas do grupo de consultoria financeira Deloitte em 2022. Na verdade, é uma fração muito pequena frente as 36,8 giga toneladas de emissões produzidas globalmente em 2022. De acordo com as estimativas de 2022 do grupo, cerca de 83% das emissões de CO2 vem da fabricação, transporte e uso no primeiro ano de novos smartphones, enquanto cerca de 11% vem do uso de celulares existentes, 4% vem da renovação de celulares antigos e mais 1% é proveniente dos processos de reciclagem (DELOITE, 2022).
Nesse contexto, as iniciativas ESG partem da premissa de que a conscientização e a ação em relação a cada uma das três dimensões não apenas ajudam a reduzir os impactos socioambientais adversos da produção de smartphones, mas também oferecem informações relevantes para os consumidores, que estão cada vez mais preocupados com a sustentabilidade dos produtos que adquirem. Segundo Henisz, Koller & Nuttall (2019), uma estratégia ESG bem definida pode ajudar as empresas de smartphones a explorar novos mercados e expandir sua presença nos já existentes, já que a confiança do consumidor e a regulamentação governamental podem abrir portas para novos benefícios e oportunidades de crescimento. Além disso, ações nas dimensões ESG podem resultar em significativa redução de custos e no combate ao aumento das despesas operacionais, como energia, água e gestão de resíduos eletrônicos.
Uma abordagem ESG sólida pode aumentar o retorno sobre os investimentos ao direcionar capital para inovações mais sustentáveis, como tecnologias de reciclagem e design de produtos que favorecem a durabilidade. Isso também ajuda a mitigar perdas em investimentos que poderiam não se compensar devido a questões ambientais de longo prazo (HENISZ; KOLLER & NUTTALL, 2019).
Nos últimos anos, a Economia Circular tem se fortalecido na indústria, impulsionada por iniciativas como a Agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. A Fundação Ellen MacArthur, uma das principais entidades promovendo a Economia Circular, afirma que “manter os materiais dentro da cadeia produtiva pelo maior tempo possível ajuda a conter a extração de recursos finitos e a promover a regeneração de ecossistemas” (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2013).
Dada a relevância da adoção de iniciativas ESG que melhorem os indicadores de sustentabilidade das empresas de smartphones, é essencial que essas iniciativas sejam sinergicamente associadas a métodos e processos já utilizados no setor. Com a crescente preocupação com a sustentabilidade em todas as suas dimensões, observa-se um renovado empenho em pesquisa e desenvolvimento de novos materiais, processos e produtos, visando a transição completa de uma economia linear para uma economia circular na indústria de smartphones, onde o desperdício é minimizado e os recursos são continuamente reaproveitados (OHDE et al., 2018).
Mesmo diante desse aumento na demanda por informações relevantes a impacto socioambiental por parte dos stakeholders, principalmente dos consumidores, ainda são incipientes as chamadas práticas setoriais, que agregam de forma direcionada um esforço comum da indústria de smartphones em definir processos, KPIs e métricas para a gestão ESG. Ainda que a maioria das produtoras já contemplem estratégias voltadas para ESG em seus relatórios de sustentabilidade, seja de maneira integrada através de matrizes e suas subsidiárias ou diretamente por indústrias exclusivas no segmento, elas ainda são responsáveis muitas vezes pela criação dessas métricas, sem base de referência para boas práticas e projetos setoriais como por exemplo na temática de logística reversa, onde muitos atores podem se beneficiar de uma única operação logística, como observado nos acordos setoriais existentes no Brasil atualmente.
Através da análise de relatórios de sustentabilidade das cinco principais empresas do segmento no mercado brasileiro, de acordo com levantamento realizado pela empresa global Statcounter entre janeiro e junho de 2024, é possível observar que as métricas (KPIs) propostas para gestão divergem em muitos aspectos, sendo personalizadas de acordo com os temas materiais relevantes para aquela indústria. Isso corresponde às expectativas de mercado quanto a gestão ESG, porém torna divergente os esforços comuns da indústria e diminui o espaço para cooperação dentro de um sistema de economia circular, que oferece a vantagem de redução de incertezas e complexidade nas cadeias de valor (PIERONI, MCALOONE, PIGOSSO, 2021).
Junto desse cenário, acumulam-se também uma acirrada competição para desenvolvimento de novos materiais sustentáveis e neutralização das pegadas de carbono atreladas a produção e distribuição de smartphones. Ainda que seja natural do ambiente industrial que exista esse tipo de competição, é desejável que cada vez mais possa existir uma cooperação a nível local para soluções sustentáveis, fomento de novas cadeias de produção e de matérias-primas e sistemas de coleta e processamento/reciclagem de resíduos eletroeletrônicos.
O presente artigo tem como objetivo trazer o estado da arte para a análise e discussão das principais práticas, métricas e resultados em ESG divulgados por indústrias do segmento de smartphones, assim como apresentar uma análise de caso com recorte local para ações e realizações em território brasileiro de uma grande participante do mercado.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA OU REVISÃO DA LITERATURA
2.1 ESG
O termo ESG, sigla em inglês que significa “Environment” (meio ambiente), “Social” e “Governance” (governança), originou-se no contexto financeiro e se popularizou através do relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) intitulado “Who Cares Wins: connecting financial markets to a changing world”. Nesse documento, o então Secretário Geral da ONU, Kofi Annan, propôs uma colaboração entre instituições financeiras para estabelecer diretrizes sobre a integração das questões ambientais, sociais e de governança na sustentabilidade das empresas (UNITED NATIONS, 2004).
A dimensão ambiental (E) no setor de smartphones foca em como as empresas podem reduzir os impactos negativos associados à produção e descarte de dispositivos. Isso inclui ações como a diminuição das emissões de gases de efeito estufa (GEE) durante a fabricação, a implementação de práticas de gerenciamento de resíduos eletrônicos e uso de matérias primas renováveis, além da busca por maior eficiência energética em seus produtos.
A dimensão social (S) aborda questões relevantes, como os direitos humanos nas cadeias de suprimento de materiais utilizados na fabricação de smartphones, o respeito às leis trabalhistas, o apoio a comunidades afetadas pela extração de minerais e a promoção da diversidade de gênero e raça nas equipes de desenvolvimento e produção.
A dimensão de governança (G) refere-se à conformidade das empresas com normas e legislações que definem direitos e responsabilidades entre os diversos stakeholders, além das interações com órgãos reguladores e instituições do mercado. Esse aspecto é crucial para garantir práticas éticas e transparentes na operação das empresas (PEREIRA et al., 2020).
A gestão executiva das empresas não mais se preocupa apenas com a proteção do valor e reputação de suas operações e passa a avaliar e aplicar ações para criação de valor compartilhado na cadeia, a partir de inovações e criação de novos mercados, atrelados a técnicas e processos produtivos mais sustentáveis, como exemplificado na imagem a seguir.
Figura 1 – Ilustração gráfica representando ações de mercado e produção que contribuem para geração de valor comercial. Adaptado de IDTechEx Research (AL-DHAHIR, I, 2012)
As iniciativas ESG na indústria de smartphones são vistas como práticas de sustentabilidade que incorporam métricas sob a forma de indicadores de desempenho (Key Performance Indicator – KPI), refletindo tanto a situação atual das empresas quanto seus planos futuros para mitigar os impactos socioambientais negativos.
Existem atualmente algumas organizações que avaliam e classificam companhias de acordo com suas ações e riscos relacionados à ESG, como por exemplo a S&P Global, no seu “ESG Score” e a Sustainalytics, através do “ESG Risk Rating”. As avaliações e posicionamentos no ranking vão depender não só da consistência e resultados das ações empregadas mas também da transparência com a qual essas informações estão disponíveis aos stakeholders.
2.2 Indicadores ESG e Sustentabilidade no Setor Tecnológico
A medição e monitoramento de práticas ESG exigem a definição de indicadores que mensurem de forma clara e objetiva os impactos ambientais e sociais dessas ações. Indicadores ESG bem estruturados são fundamentais para que as empresas identifiquem pontos críticos em suas operações e aprimorem sua gestão ambiental e social. No contexto da indústria de smartphones, os principais indicadores encontrados na literatura incluem a intensidade energética do produto, a escolha de materiais recicláveis ou renováveis, as emissões de gases de efeito estufa (GEE) durante a produção, o uso e a gestão de resíduos ao final da vida útil do aparelho.
Além dos dados quantitativos, a literatura recente destaca a importância das práticas de governança que garantem a transparência nas informações divulgadas pelas empresas. Relatórios de sustentabilidade, auditorias e certificações externas são exemplos de como as empresas podem demonstrar seu compromisso com as práticas ESG.
Os indicadores ESG são essenciais para medir e comunicar as práticas de sustentabilidade das empresas. O setor de tecnologia, em particular, enfrenta desafios únicos na implementação desses indicadores, devido à complexidade de sua cadeia produtiva. Essa complexidade é evidenciada pela variedade de materiais, processos de fabricação e distribuição em diferentes regiões do país, envolvidos na produção de smartphones, o que pode dificultar a padronização dos indicadores.
Apesar da adoção crescente de modelos quantitativos por tomadores de decisão, é notável a heterogeneidade em índices e rankings que consolidam iniciativas ESG. Existem mais de 150 provedores de pesquisas, classificações, rankings e índices ESG que monitoram mais de 50.000 empresas (GISR, 2016). Exemplos de provedores de dados ESG incluem Covalence, Ethos, Inrate e Sustainalytics, além de empresas de dados de mercado, como Bloomberg L.P., MSCI e Thomson Reuters, que também incorporam informações ESG em seus estudos. Ferramentas com a avaliação de ciclo de vida se mostram eficientes no processo de eco-inovação (MOTTA, ISSBENER & PRADO, 2018)
Os indicadores relacionados à temática ambiental frequentemente são categorizados em tópicos específicos, como uso de recursos naturais (água, energia), emissões de efluentes e gases atmosféricos, e uso de materiais sustentáveis. Dentro das estratégias de ESG de cada companhia, os indicadores estão alinhados aos temas materiais que a empresa considera relevantes para seu negócio. Essa flexibilidade permite que cada cadeia produtiva identifique suas urgências, conforme preconiza o pensamento de ciclo de vida. No entanto, essa mesma liberdade pode reduzir a capacidade de regulação e a comparabilidade entre indicadores e resultados de diferentes empresas.
Do lado do consumidor, é crescente a demanda por produtos e serviços mais conscientes e sustentáveis, um maior foco no atendimento ao cliente e na extensão do ciclo de vida dos produtos, após o boom de consumo vivido no início dos anos 2000 com o aumento da globalização. É possível aproximar um perfil desses consumidores através de entrevista realizada com consumidores suecos, por Janis Gedusevs, envolvendo 80 pessoas sobre sustentabilidade e ética em produtos eletrônicos. 74% dos respondentes estão inclinados a comprar e pagar mais por eletrônicos sustentáveis e eticamente produzidos. Encontrou que mais da metade dos respondentes – 53% – têm interesse em comprar eletrônicos de comércio justo e menos da metade – 46% – pelo menos considera comprar eletrônicos de comércio justo. Os resultados mostram que a maioria dos consumidores está disposta a pagar de 10 a 20% a mais por eletrônicos sustentáveis, sendo que 36% dos consumidores estão dispostos a pagar 10% a mais e 31% dispostos a pagar 20% a mais por eletrônicos sustentáveis (GEDUSEVS, 2017).
A indústria eletrônica requer uma reformulação das abordagens de fabricação tradicionais que contribuem para o aquecimento global. A transição para produtos químicos e processos de baixa toxicidade e baixas emissões é um desafio chave a ser abordado no futuro próximo, à medida que mais empresas se comprometem a atingir metas de emissões líquidas zero. Além disso, é importante estar à frente da curva, já que os preços do carbono podem subir, tornando a energia renovável a fonte de energia mais confiável a ser utilizada. Reduzir a pegada de carbono da indústria eletrônica é uma tarefa desafiadora, particularmente para fabricantes bem estabelecidos que são relutantes em se desviar dos métodos tradicionais.
3 METODOLOGIA
Para alcançar os objetivos deste estudo sobre “SMARTPHONES E SUSTENTABILIDADE: UMA ANÁLISE DAS PRÁTICAS ESG NA INDÚSTRIA BRASILEIRA”, foi utilizada uma abordagem metodológica abrangente e multissetorial que considera diferentes tipos de pesquisa. A pesquisa exploratória será o principal método, com ênfase na análise de conteúdo de literatura relevante, relatórios de sustentabilidade e dados de agências de classificação ESG. Abaixo, detalha-se a metodologia para cada um dos subcapítulos dos resultados.
É importante ressaltar que, devido às limitações específicas do ambiente industrial em questão, este estudo não se propõe a realizar análises quantitativas comparativas diretas entre diferentes modelos de smartphones, como a avaliação detalhada do ciclo de vida de aparelhos distintos ou a quantificação dos fluxos de massa ou energia envolvidos em sua produção. Em vez disso, o foco será na identificação e análise das melhores práticas ESG relacionadas a aspectos críticos, como escolha de materiais, intensidade energética no uso dos produtos, emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) e gestão de resíduos.
Foram realizadas pesquisas estruturadas em bases de dados acadêmicas, como Elsevier, JSTOR e SciHub, utilizando palavras-chave específicas que abranjam as dimensões da temática ESG e o ciclo de vida dos produtos eletroeletrônicos. A literatura buscada será publicada nos últimos dez anos, sem prejuízo na atualização e relevância dos dados coletados.
3.1 Análise do Mercado de Smartphones e Estudo de Caso
A metodologia para a análise do mercado de smartphones incluiu a coleta e análise de dados tanto quantitativos quanto qualitativos sobre a produção e o impacto ambiental de smartphones. Ela envolveu a revisão de estudos de caso e relatórios de consultorias relevantes na temática (como Deloitte e McKinsey), bem como dados de agências reguladoras que documentam as emissões de carbono e o uso de recursos ao longo do ciclo de vida dos smartphones.
Além disso, foi realizado um estudo de caso focado em uma indústria específica de smartphones que opera no Brasil, escolhida com base em sua relevância e impacto no mercado local. A metodologia incluiu a análise de documentos internos relacionados a práticas de sustentabilidade e relatórios ESG. O objetivo foi entender como essa empresa implementa suas estratégias ESG, os desafios que enfrenta e as oportunidades que surgem a partir de sua atuação. Foram analisadas métricas específicas, como as emissões de GEE e uso de materiais recicláveis, além de dados secundários de relatórios de mercado e publicações acadêmicas.
3.2 Análise dos Relatórios de Sustentabilidade
Para a análise dos relatórios de sustentabilidade das indústrias de smartphones, foi realizada uma revisão sistemática dos documentos das cinco principais empresas do segmento no mercado brasileiro, de acordo com levantamento realizado pela empresa global Statcounter entre janeiro e junho de 2024. Esta análise abordou as métricas ESG apresentadas pelas empresas, avaliando a transparência e a consistência das informações, utilizando uma tabela de critérios que inclui indicadores como a porcentagem de materiais reciclados, metas de redução de emissões e investimentos em energia renovável. Também foram examinadas as práticas de circularidade como remanufatura de produtos, programas de logística reversa e eficiência energética de aparelhos smartphone.
3.3 Avaliação de Risco e Pontuação em ESG
A metodologia para a avaliação de risco e pontuação em ESG foi conduzida por meio da análise das classificações das agências S&P Global, Sustainalytics, LSEG e MSCI. A pesquisa abordou as metodologias usadas por essas agências, destacando os principais critérios de avaliação. Também foi realizada uma comparação das notas obtidas pelas empresas analisadas, identificando diferenças nas avaliações e suas possíveis causas.
O objetivo final do artigo é explorar a magnitude dos impactos associados à produção de smartphones no contexto brasileiro, oferecendo uma análise detalhada e fundamentada sobre as práticas ESG que influenciam essa cadeia produtiva. A combinação de análises quantitativas e qualitativas permitirá uma compreensão mais profunda dos desafios e oportunidades que a indústria enfrenta em sua jornada rumo à sustentabilidade.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Conforme levantamento preliminar na plataforma Elsevier, por meio da base de dados ScienceDirect, foi possível identificar uma lacuna de artigos relacionados à indicadores ESG atrelados à cadeia de celulares smartphone. Nessa pesquisa preliminar, foi utilizada uma sequência de palavras chaves de modo a considerar tanto artigos na língua inglesa quanto na língua portuguesa e, considerando o período dos últimos 5 anos, foi retornado somente 8 resultados, sendo que em 3 artigos, o termo Mobile está associado à automóveis e distribuição de rede, dos demais trabalhos, nenhum é voltado para indicadores ESG de celulares no Brasil.
4.1 Análise geral do mercado de smartphones e estudo de caso
A fabricação representa quase toda a pegada de carbono de um smartphone em seu primeiro ano de uso, com 83% das emissões de carbono provenientes de processos de fabricação, incluindo a extração de matérias-primas e o transporte. Assim, mudar o cenário das emissões — tanto para cima quanto para baixo na cadeia de valor — é certamente alcançável se os fabricantes de smartphones investirem progressivamente em:
- Uso de materiais reciclados. Reutilizar materiais significa uma menor dependência da mineração — uma atividade extremamente intensiva em carbono. O estanho pode ser reutilizado para placas de circuito, o cobalto para baterias e o alumínio para invólucros. A tecnologia agora permite até mesmo a reutilização de elementos terras raras, que, até alguns anos atrás, não eram considerados comercialmente viáveis devido ao seu tamanho reduzido.
- Tornando as instalações energeticamente eficientes. Os fabricantes de smartphones precisam prestar atenção ao uso de energia ao longo de suas cadeias de valor, o que pode fazer a diferença nas emissões gerais dos smartphones. Por exemplo, na produção dos circuitos integrados utilizados nos smartphones, até 30% dos custos operacionais de uma fábrica de semicondutores vêm da energia necessária para manter a temperatura e a umidade constantes.
- Incentivando energia renovável. Isso se relaciona tanto às instalações próprias quanto a terceiros para os quais os fornecedores terceirizam a fabricação. Os fornecedores podem precisar convencer e ajudar sua cadeia de suprimentos terceirizada a migrar para fontes de energia renováveis, como eólica, solar e hidrelétrica.
Além dessas medidas, relacionadas estritamente a recursos ambientais e a interação com materiais, foi possível levantar também inovações tecnológicas em processos que geram redução de impacto ambiental. Por exemplo, a mudança para processos de manufatura aditiva de placas de circuito impresso (PCB, sigla em inglês) diminui o consumo de água em até 95%, assim como o alto nível de digitalização dos processos de manufatura, que promove redução de uso de energia e gasto em material (AL-DHAHIR, 2022).
Iniciativas setoriais como a “Sustainable Semiconductor Technologies and Systems (SSTS)”, criada pelo instituto de pesquisa belga imec, já contam com importantes participantes como Apple, Microsoft e Amazon, focando na redução de impacto em três principais áreas da produção de semicondutores: uso de energia, emissões de GEE e consumo de água.
Um dos principais obstáculos identificados é a transparência na cadeia de suprimentos, onde a origem dos materiais pode ser difícil de rastrear. Isso se torna um problema especialmente relevante em relação a minerais que são frequentemente extraídos em condições de trabalho precárias e com alto impacto ambiental. Além disso, a indústria enfrenta a pressão crescente para mitigar as emissões de carbono e adotar práticas de design sustentável, que muitas vezes não são compatíveis com as demandas de produção em massa.
A Apple, por exemplo, tem se esforçado para incentivar a reciclagem de seus dispositivos através de seu programa de devolução, que busca reduzir o desperdício eletrônico e recuperar materiais valiosos. No entanto, a eficácia desse programa depende da conscientização e da participação dos consumidores. Da mesma forma, a Fairphone se destaca por seu compromisso com a sustentabilidade e a ética, promovendo a transparência na cadeia de suprimentos e incentivando a reparabilidade de seus produtos, mas ainda enfrenta desafios na escalabilidade de suas práticas em um mercado dominado por grandes fabricantes.
Um dos maiores produtores de smartphones do mundo, tem avançado na adoção de práticas sustentáveis. Para reduzir desperdícios, a empresa lançou o programa Eco-package, que utiliza materiais ecológicos e designs de embalagem criativos. No entanto, críticos como Yamaoka et al. (2022) argumentam que, apesar dessas iniciativas, os esforços gerais de sustentabilidade da marca são prejudicados por sua dependência de uma estratégia de fabricação linear e pouca atenção à extensão da vida útil do produto e à reparabilidade.
O estudo de caso realizado analisou as ações ESG no âmbito ambiental, através de um diagnóstico baseado em dados primários internos e revela um conjunto de iniciativas voltadas para a redução de impactos ecológicos, com ênfase na economia circular e na gestão de resíduos. Entre os dados quantitativos apresentados, destaca-se a coleta de 280 toneladas de resíduos eletroeletrônicos até 2017, além da recuperação mensal de 6 milhões de litros de água através de sistemas de reuso de água para resfriamento, o que indica um esforço significativo para mitigar a pressão sobre os recursos hídricos.
A empresa publicou seu inventário de GEE para o ano base de 2023, sendo garantido o selo ouro pelo programa GHG Protocol, já que aborda os três escopos de emissões e foi verificado por terceira parte. Apesar do grande desafio para mapear as emissões de Escopo 3 (indiretas), a empresa foi capaz de declarar emissões em 9 das 15 categorias sugeridas pelo programa GHG Protocol. Observa-se que 99% das emissões declaradas são no Escopo 3 devido a terceirização dos processos industriais de compra, montagem e transporte de produtos finalizados. As emissões de escopo 1 e 2 refletiram apenas as atividades administrativas da companhia e tem emissões na ordem 785,62 tCO2e para o escopo 1, de 400,02 tCO2e para o escopo 2. O gráfico da Figura 2 abaixo traz uma comparação das emissões de Escopo 1 declaradas no programa GHG Protocol por empresas do setor, para o ano de 2023.
Figura 2 – Gráfico comparativo de emissões de Escopo 1 declaradas por indústrias de smartphones no Brasil, ano-base 2023. Fonte: Registro Público de Emissões FGV GHG Protocol Brasil
As emissões de escopo 3 da empresa analisada consideraram 5 categorias de atividades, sendo elas: bens e serviços comprados, resíduos gerados nas operações, viagens a negócios, emissões casa-trabalho e uso de bens e serviços. A soma das emissões nessas categorias totalizou 572.081,48 tCO2e para o ano de 2023, mostrando o forte potencial de atuação na cadeia de fornecimento para redução das emissões principalmente no escopo 3, onde a escala das emissões se mostra muito maior que as emissões diretas.
A empresa mostrou uma redução de 40% em nove categorias de emissões nos três escopos, em comparação com o ano base de 2022, refletindo uma abordagem sistemática para a diminuição de sua pegada ecológica. A principal dificuldade observada no processo de inventário de GEE foi a captação de dados primários referentes a processos operacionais, especialmente de dados indiretos relacionados a fornecedores (escopo 3). Observa-se como boa prática de mercado a adoção de sistemas de gerenciamento de dados de atividade como uso de energia, captação de água e lançamento de efluentes, possibilitando não só a captação de dados em tempo real mas também um gerenciamento ativo baseado em informações tempestivas.
Outro aspecto relevante observado nos projetos de atuação da empresa é a economia de matérias-primas. A substituição de componentes plásticos de uso único que acompanham os periféricos (carregador, cartão SD, fones de ouvido) e a mudança no material de composição das caixas de acondicionamento dos componentes são exemplos de como a empresa busca otimizar seus processos produtivos do ponto de vista ambiental. Apenas essas substituições nas embalagens interna e externa do produto final tem o potencial de redução em até 30% na pegada de carbono, hídrica e energética de cada produto.
A implementação de práticas de reutilização e reciclagem, como a redução do descarte de embalagens pelo segundo uso oferecido a peças, também contribui para a diminuição de resíduos enviados a aterros sanitários. Além disso, a empresa se comprometeu a neutralizar o impacto relacionado à geração de energia local, embora os dados específicos sobre a quantidade de emissões de CO2 reduzidas não sejam ainda detalhados.
A inserção de biomateriais e materiais reciclados no ciclo produtivo de carregadores, embalagens e até nos próprios smartphones, representa uma tentativa de diversificar as fontes de materiais utilizados, mas a eficácia e a escala dessas iniciativas permanecem indefinidas sem métricas claras. A falta de dados quantitativos robustos em algumas áreas limita a capacidade de análise crítica sobre a efetividade das ações ambientais da empresa, evidenciando a necessidade de maior transparência e rigor na apresentação de resultados.
Esses desafios ressaltam a necessidade de uma abordagem mais colaborativa e integrada na indústria eletrônica, onde fabricantes, consumidores e reguladores precisam trabalhar juntos para promover a sustentabilidade e reduzir o impacto ambiental. A transformação efetiva requer não apenas inovação tecnológica, mas também mudanças culturais e comportamentais nas empresas e entre os consumidores. Todas essas etapas oferecem possibilidades e dificuldades para a adoção de práticas sustentáveis. Muitas empresas tentaram incorporar práticas ambientalmente amigáveis em suas operações diárias, mas há uma ampla variação na abrangência e eficácia dessas iniciativas (Dao, 2022).
4.2 Análise dos relatórios de sustentabilidade de indústrias de smartphones
Com fins de aprofundar o estado da arte da temática, foram analisados os relatórios de sustentabilidade das principais empresas que atuam no mercado brasileiro, com exceção da marca Fairphone, que apesar de não ter expressiva participação no Brasil, se mostrou uma fabricante com grande apelo pela circularidade e sustentabilidade ambiental, agregando para o caráter de estado da arte analisado por esse artigo. Os principais pontos que vão de encontro aos desafios e invocações comentadas são extraídos abaixo para cada uma das montadoras.
Apple
A Apple é vista globalmente como líder em soluções sustentáveis em seus produtos, contando com uma forte estratégia de marketing para apoiar seus lançamentos. A última forte declaração da produtora aconteceu em 2023, quando lançaram uma esquete onde seu CEO Tim Cook e outros colaboradores reais da empresa se reúnem com a personificada Mãe Natureza, interpretada pela atriz Octavia Spencer. No vídeo, podemos ver a Apple tentando convence-la de seus progressos em sustentabilidade ambiental.
Independentemente do método e nível de apelação, podem ser extraídos resultados palpáveis da esquete, em categorias que são relevantes para a indústria. O último aparelho lançado pela marca, o iPhone 15 Pro, emite 66kg de CO2eq. A empresa declara que as emissões atreladas seriam 26kg maiores se não fossem por suas medidas em materiais reciclados e uso de energias renováveis. Em comparação com o último modelo, o iPhone 14 Pro, se observa um aumento de 1kg de CO2eq, mostrando um aumento frente a poucas modificações relevantes em dimensões e componentes.
Um movimento relevante para a circularidade de produtos foi tomado ao atualizarem a porta de carregamento para o modelo USB-C, compatibilizando o produto com o resto das produtoras do mercado, diminuindo a geração de resíduos eletrônicos. A companhia estima uma redução de 11 mil toneladas de resíduos anualmente devido a alteração. Argumenta-se que a empresa só tomou essa decisão devido a pressão do mercado europeu que obriga o padrão USB-C para carregadores.
Xiaomi
A produtora chinesa também traz em suas ações recentes novos anúncios frente a sustentabilidade de seus produtos. Através de sua chamada “filosofia zero-carbono”, a empresa vem realizando diferentes fases de seu programa rumo a um produto mais ecológico.
A primeira fase, que começou em 2021, envolvia um foco na redução de emissões de carbono em sua sede produtora, visando diminuir em 4,5% até 2026 as emissões medidas em 2020. Entretanto, em apenas dois anos a empresa chegou na marca de 21,12% de redução, quando comparado as emissões do ano de 2021.
Outro ponto bastante trabalhado pela empresa é na eficiência energética de seus aparelhos. No último ano, foi anunciada uma tecnologia mais eficiente de transmissão de sinal e 5G que reduz o consumo de energia dos aparelhos em até 30% quando comparada com modelos anteriores. Foi anunciada também uma inovação no display, com reduções de até 70% no consumo de bateria a depender da aplicação.
Na temática da economia circular, a empresa anunciou que no ano de 2023 ela remanufaturou em torno de 94 mil smartphones e os colocou para circulação novamente como produtos remanufaturados certificados. Outras iniciativas verdes incluem o uso de materiais cerâmicos resistentes ao desgaste e silicone sintético em smartphones, a adoção de embalagens ecológicas com menos papel e plástico, e o desenvolvimento de um sistema de reciclagem que encontra novas utilidades para o lixo eletrônico.
Samsung
Em 2023 a Samsung lançou seus aparelhos “mais sustentáveis” até então. A produtora sul-coreana afirma que o modelo S23 é certificado pela UL ECOLOGO, dado seus impactos reduzidos na saúde e meio ambiente. A certificação ECOLOGO é voluntária, baseada em múltiplos atributos e no ciclo de vida, que indicam que um produto passou por testes científicos rigorosos e auditorias exaustivas para comprovar sua conformidade com padrões ambientais rigorosos de terceiros, em temáticas como materiais, energia, operações e performance de produto.
A empresa destaca que o modelo Galaxy S23 Ultra contém até 12 componentes de material reciclado, maior que o prévio modelo S22 que havia apenas 6. Essa medida ganha cada vez mais aderência pelas empresas, onde se garante que novos produtos contribuem para a redução da poluição já existente.
Outra medida de destaque pela empresa é a garantia de oferecer no mínimo quatro gerações de sistemas operacionais e cinco anos de atualizações de segurança para a série S23. Isso garante que consumidores vão poder manter esses aparelhos por mais tempo, reduzindo a obsolescência.
A companhia também atualizou suas conquistas frente a sua “Nova Estratégia Ambiental”, que tem como objetivo atingir o net-zero até 2030 na sua divisão de smartphones e aplicações domésticas. Nessa linha, a empresa declara ter aumentado em 65% o uso de energias renováveis em 2023, alcançando a métrica de 8,704 GWh. Para atingir essa métrica, a empresa transacionou todas suas plantas produtivas em países como Vietnã, India e Brasil para 100% alimentadas por energia renovável.
Huawei
A marca tem sua estratégia “Tech for a better planet” que tem como mote “avançar na conservação de energia e redução de emissões, promovendo energia renovável e contribuindo para uma economia circular”. A empresa afirma que a eficiência energética média de seus principais produtos em 2022 aumentou 2,1 vezes quando comparado com o último levantamento em 2019.
O relatório traz uma inovação nos sistemas de monitoramento energético nas fábricas da marca, o que gerou uma redução de cerca de 20 GWh gastos em 2022 (equivalente a 11,2 toneladas de CO2eq). Assim como as outras marcas, inovações nas embalagens como redução de volume, minimização de uso de plástico e promoção do reuso de materiais, são destacadas no relatório.
Assim como a Samsung, a marca também traz um forte foco em aumentar o ciclo de vida de seus aparelhos e prometeu facilitar atualizações do seus sistema operacional Harmony para conseguir reativar até modelos de celular mais antigos como o seu Mate 9, lançado em 2016.
Fairphone
Por mais que a marca tenha pouca ou nenhuma penetração no mercado brasileira, a companhia holandesa tem em a sustentabilidade ambiental em seu DNA e oferece hoje no mercado, os aparelhos celulares mais circulares. O último modelo Fairphone 4 conta com um design modular, que permite consumidores fazer reparos ou prolongar o ciclo de vida do aparelho do conforto de suas casas, com peças e baterias substituíveis.
A empresa também conta com importantes compromissos como uso de metais de origem certificada, assim como uso de materiais reciclados, como plástico retirado do oceano. A marca também se comprometeu a reciclar um volume equivalente a quantidade de aparelhos vendidos. Assim como outras concorrentes, a Fairphone dá destaque para seu resultados de reciclagem e remanufatura de aparelhos antigos, trazendo a marca de 600 mil aparelhos remanufaturados vendidos.
4.3 Avaliação de risco e pontuação em ESG – Scores e Ratings
Metodologias de Rating são estruturas sistemáticas desenvolvidas por agências de classificação e outras instituições para avaliar os riscos ESG. Essas metodologias são projetadas para fornecer uma avaliação objetiva da firma (MOODY’S, 2022). O risco ESG refere-se ao risco financeiro associado a fatores Ambientais, Sociais e Governanças que podem afetar o desempenho financeiro de uma empresa.
De acordo com Vieira (2023), as chamadas agências de Rating de ESG desempenham um papel importante na análise do desempenho de empresas em relação a critérios ESG. Através da aplicação de diferentes metodologias, elas proveem uma visão panorâmica a investidores, instituições financeiras e partes interessadas, ajudando a compreender o impacto e a sustentabilidade das práticas empresariais.
Foram analisados os Ratings e Scores das empresas selecionadas nas quatro das principais agências globais de Rating, que são: Standard&Poor’s Global (S&P Global), Sustainalytics, London Stock Exchange – LSEG (através da adquirida Refinitiv) e MSCI. Sintetiza-se nos parágrafos seguintes um breve contexto das agências:
- S&P: Sediada em Nova York, a S&P é uma empresa globalmente reconhecida por criar índices financeiros utilizados como referências de investimento. A S&P avalia a exposição e o desempenho das empresas em relação aos principais riscos ESG, analisando cerca de 16.700 empresas listadas em bolsa. Em 2020, adquiriu o negócio de classificação ESG da RobecoSAM, incluindo o questionário de Avaliação de Sustentabilidade Corporativa (CSA), uma metodologia avançada com 20 anos de experiência na análise do impacto da sustentabilidade.
- Sustainalytics: Com sede nos Países Baixos, a Sustainalytics está no mercado há aproximadamente 25 anos e, desde 2021, fornece pesquisas e classificações ESG para mais de 20 mil empresas. Adquirida pela Morningstar em 2020, a Sustainalytics é líder em pesquisa e análise ESG, apoiando investidores na criação de estratégias de investimento. Utiliza o ESG Risk Ratings para medir a exposição econômica das empresas aos temas ESG, avaliando 155 critérios.
- LSEG (Refinitiv): Sediada no Canadá, a Refinitiv fornece classificações de ESG desde 2002, cobrindo aproximadamente 11.800 empresas. Em 2021, foi adquirida pelo London Stock Exchange Group. A Refinitiv possui um dos bancos de dados ESG mais abrangentes do setor, cobrindo mais de 85% do valor de mercado global e oferecendo mais de 630 métricas ESG diferentes.
- MSCI: Originalmente conhecida como Morgan Stanley Capital International, a MSCI se destacou na indústria de classificação ESG após várias aquisições, incluindo a Risk Metrics em 2010. A MSCI fornece classificações ESG para mais de 400 mil títulos de ações e renda fixa, abrangendo mercados Small Cap e Large Caps. Com a aquisição da GMI Ratings e da Carbon Delta, a MSCI expandiu sua capacidade de análise ESG, publicando classificações para cerca de 8.500 empresas em todo o mundo.
As classificações de risco ESG da Sustainalytics, por exemplo, medem a exposição de uma empresa a riscos ESG materiais específicos da indústria e quão bem uma empresa está gerenciando esses riscos. Exposição refere-se à extensão em que uma empresa está exposta a diferentes questões ESG materiais. Essa pontuação de exposição leva em consideração fatores específicos da subindústria e da empresa, como seu modelo de negócios. Gestão refere-se a quão bem uma empresa está gerenciando suas questões ESG relevantes. A pontuação de gestão avalia a robustez dos programas, práticas e políticas ESG de uma empresa.
Extraiu-se a tabela abaixo do estudo de Vieira (2023) para apoiar na diferenciação das estruturas metodológicas de ratings dessas agências.
Tabela 1 – Estrutura Ratings agências. Extraído integralmente de VIEIRA (2023).
Estrutura de Rating ESG | |||
S&P | 3 Dimensões (ESG) | 30 Critérios | 120 Questões (CSA) + Controvérsia |
LSEG (Refinitv) | 4 Pilares (ESGC) | 10 Categorias | 23 Temas (controvérsias) |
Sustainalytics | 2 Blocos (Governança, Questões MEI e Questões Idiossincráticas) | 6 Questões Materiais de Governança + 29 Questões MEI | Bloco Idiossincrático (controvérsias) |
MSCI | 3 Pilares (ESG) | 10 Temas | 35 Questões (Problemas Chave) + Controvérsia |
A tabela abaixo traz os ratings de cada agência para as empresas foco deste estudo.
Tabela 2 – ESG Risk Rating da Sustainalytics (resultados atualizados entre maio e setembro de 2024)
Empresa | ESG Risk Rating – Sustainalytics | ESG Rating – MSCI | ESG Score – S&P Global | ESG Score – LSEG | Número de colaboradores |
Apple Inc. | 16,8 | BBB | 45 | 78 | 164.000 |
Samsung Electronics Co. | 13,3 | AA | 52 | 76 | 128.169 |
Xiaomi Corporation | 21,3 | BBB | 56 | 50 | 42.057 |
LG Electronics Inc. | 20,5 | A | 79 | 85 | 35.764 |
Fairphone | N/A | N/A | N/A | N/A | N/A |
Huawei | N/A | N/A | N/A | N/A | N/A |
Analisando os resultados da tabela, pode-se perceber a heterogeneidade nas metodologias de avaliação das quatro consultorias, dado a disparidade de resultados para as mesmas empresas. Enquanto a Apple apresenta uma exposição a risco baixa no índice da Sustainalytics, as métricas da MSCI e S&P Global trazem notas baixas para os resultados de ESG da montadora.
Essa diferença pode ser explicada pela significativa diferença nos fatores avaliados em cada metodologia, o que infere na acurácia, consistência e confiabilidade. Uma possível distinção entre as metodologias é posta pela Clarity AI, consultoria em sustentabilidade reconhecida, em seu artigo de 2023, “ESG Scores vs ESG Ratings: How Are They Different?”. Enquanto os ESG scores são frequentemente baseados em dados quantitativos e podem ser mais objetivos, os ESG ratings envolvem a análise de analistas humanos que consideram fatores qualitativos, o que introduz um elemento de subjetividade. Essa diferença nas abordagens implica que os ESG ratings podem ser mais suscetíveis a variações e vieses, enquanto os ESG scores tendem a proporcionar uma avaliação mais consistente e objetiva.
De acordo com a Moody’s (2022), as metodologias de Rating ESG geralmente incluem uma combinação de análises quantitativas e qualitativas. Os aspectos quantitativos envolvem a análise de dados de ESG seja proveniente da firma ou de outras fontes. Já os aspectos qualitativos podem levar em consideração fatores como notícias sobre a empresa, possíveis multas recebidas por infrações entre outros.
5 CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta metodológica do artigo foi estruturada para abordar de forma abrangente as práticas ESG na indústria de smartphones no Brasil. A metodologia utilizou uma abordagem exploratória com análise de conteúdo, focando em relatórios de sustentabilidade e dados de agências de classificação ESG. Essa escolha foi pertinente, considerando a complexidade do setor e a necessidade de entender como diferentes empresas estão gerenciando suas práticas sustentáveis. Além disso, a análise de um estudo de caso de uma grande empresa no Brasil permitiu uma visão prática das iniciativas adotadas em relação à sustentabilidade, conforme mencionado na introdução.
Os resultados obtidos na pesquisa revelaram que, apesar do crescente interesse e da adoção de práticas sustentáveis, as iniciativas ESG na indústria de smartphones ainda são incipientes e carecem de padronização. O levantamento de dados quantitativos e qualitativos indicou a divergência nas métricas e KPIs entre as principais empresas do setor, o que dificulta a comparação e a colaboração. Essa constatação está alinhada com a introdução, que já previa a necessidade de alinhar as expectativas dos consumidores com as práticas de fabricação. Assim, o estudo cumpriu seu objetivo de identificar e discutir as principais práticas e métricas ESG, ao mesmo tempo em que destacou as lacunas que ainda precisam ser preenchidas.
A análise das iniciativas de ESG revelou a importância da transparência na cadeia de suprimentos e da responsabilidade social, que foram temas abordados na introdução. O artigo também destacou a relevância da Economia Circular como um caminho para a sustentabilidade, discutindo como as práticas atuais ainda não são suficientes para uma transformação efetiva do setor. Essa análise foi enriquecida pela comparação das práticas de diferentes empresas e suas respectivas pontuações em rankings ESG, permitindo uma avaliação crítica do comprometimento das empresas com a sustentabilidade.
A incapacidade de estabelecer programas de certificação uniformes e procedimentos de auditoria para práticas sustentáveis torna ainda mais difícil garantir a responsabilidade social e ambiental em toda a cadeia de suprimentos. Além disso, a adoção de práticas sustentáveis pela indústria de smartphones é fortemente influenciada, ou está em desacordo, com o comportamento dos consumidores. A pesquisa de Lutz et al. (2017) enfatiza a contradição entre o desejo dos consumidores por tecnologia de ponta e produtos ecologicamente responsáveis. As tentativas dos fabricantes de encontrar um equilíbrio entre sustentabilidade e inovação são prejudicadas por essa demanda concorrente, que muitas vezes os força a escolher entre atender às expectativas dos clientes e reduzir seus impactos ambientais.
Entretanto, algumas perguntas permanecem em aberto. Por exemplo, como as empresas podem padronizar suas métricas ESG para facilitar a comparação e a cooperação dentro da indústria? Além disso, quais são as melhores práticas que poderiam ser adotadas para aumentar a transparência na cadeia de suprimentos, especialmente em relação aos materiais utilizados? Também é importante investigar como os consumidores podem ser incentivados a participar ativamente da economia circular, contribuindo para a redução de resíduos eletrônicos e promovendo a reparabilidade dos produtos.
REFERÊNCIAS
Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). (2018). ABNT PR 2030 – Diretrizes para Avaliação da Sustentabilidade de Produtos e Embalagens.
HENISZ, W.; KOLLER, T.; NUTTALL, R. Five ways that ESG creates value Mckinsey. [s.l.] McKinsey Quarterly, nov. 2019. Disponível em: <https://www.mckinsey.com/~/media/McKinsey/Business%20Functions/Strategy%20and%20Corporate%20Finance/Our%20Insights/Five%20ways%20that%20ESG%20creates%20value/Five-ways-that-ESG-creates-value.ashx>.
GISR. Corporate Sustainability (ESG) Rating Products. 2016. Disponível em: http://ratesustainability.org/hub/index.php/search/reportYinYgraph.
HAUSCHILD, M. Z.; ROSENBAUM, R. K.; STIG IRVING OLSEN. Life cycle assessment : theory and practice. Cham: Springer International Publishing, 2018.
OHDE, Carlos et al. Economia Circular: Um modelo que dá impulso à economia, gera empregos e protege o meio ambiente. Edição nº1. Editora Netpress Books, 2018.
PAN, Jiaye. Behind the screen: smartphone makers’ ESG metrics. MioTech Research, 2023. Disponível em: https://www.miotech.com/en-US/article/205 . Acessado em 17 de outubro de 2024.
PEREIRA, A. F. A.; STOCKER, F.; MASCENA, K. M. C. D.; BOAVENTURA, J. M. G. Desempenho Social e Desempenho Financeiro em Empresas Brasileiras: Análise da Influência do Disclosure. BBR. Brazilian Business Review, v. 17, n. 5, p. 540-558, 2020.
PIERONI, Marina PP, Tim C. McAloone, and Daniela CA Pigosso. “Circular economy business model innovation: Sectorial patterns within manufacturing companies.” Journal of cleaner production 286 (2021): 124921.
Elkington, J. (1997). Cannibals with Forks: The Triple Bottom Line of 21st Century Business. Capstone.
Kotsantonis, S., Pinney, C., & Serafeim, G. (2016). ESG Integration in Investment Management: Myths and Realities. Journal of Applied Corporate Finance, 28(2), 10-16.
Sullivan, R., & Mackenzie, C. (2017). Responsible Investment: Guide to ESG Data and Research. Routledge.
Hemetsberger, M. Sustainability initiatives and practices in the Smartphone industry. Johannes Kepler Universität Linz, Institute of Strategic Management, 2020. Disponível em: https://epub.jku.at/download/pdf/5653705.pdf. Acessado em 13/11/2024.
Eccles, R. G., & Klimenko, S. (2019). The Investor Revolution. Harvard Business Review, 97(3), 106-116.
ISO. ISO 14044 (2006). Environmental management – Life cycle assessment – Requirements and guidelines.
___. ISO 14040 (2006). Environmental management – Life cycle assessment – Principles and framework.
ELLEN MACARTHUR FOUNDATION. Towards the circular economy Vol. 1: an economic and business rationale for an accelerated transition, 2013. Disponível em: https://www.ellenmacarthurfoundation.org/towards-the-circular-economy-vol-1-an-economic-and-business-rationale-for-an . Acessado em 17 de outubro de 2024.
UNITED NATIONS. Who Cares Wins: Connecting Financial Markets to a Changing World. Recommendations by the financial industry to better integrate environmental, social and governance issues in analysis, asset management and securities brokerage. The Global Compact, 2004. Disponível em: https://documents1.worldbank.org/curated/pt/280911488968799581/pdf/113237-WP-WhoCaresWins-2004.pdf . Acessado em 27 de setembro de 2024.
MOTTA, W. H., ISSBENER, L, PRADO, P. Life cycle assessment and eco-innovations: What kind of convergence is possible?, Journal of Cleaner Production, Volume 187, 2018, Pages 1103-1114, ISSN 0959-6526, https://doi.org/10.1016/j.jclepro.2018.03.221.(https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0959652618308989)
AL-DHAHIR, I. The future of Sustainable Manufacturing. IDTechEx Research Articles. Dec, 2012. https://www.idtechex.com/en/research-article/the-future-of-sustainable-electronics-manufacturing/28357
WASEEM, M. Engaging the relevant stakeholders toward eco-friendly innovations in smartphones. 2024. Lappeenranta–Lahti University of Technology LUT. Master’s thesis. https://lutpub.lut.fi/bitstream/handle/10024/167041/mastersthesis_waseem_mansoor.pdf?sequence=1&isAllowed=y
DAO, T. (2022) Enhancing Product Repairability Through Sustainable Business Models. An Assessment of the’Consumer Repair Journey’, Business Management and Future Legislation. Nottingham Trent University (United Kingdom). Disponível em: https://search.proquest.com/openview/3f5424bdd127462e3eb30544569fd46f/1?pqorigsite=gscholar&cbl=2026366&diss=y
LUTZ, N., RIEDER, M. and Schönle, K. ‘Sustainability 4.0 and Impact Readiness’.2017. Disponível em: https://www.msdconsult.ch/wpcontent/uploads/2017/08/Practical_Project_in_Development_Cooperation.pdf
MOODY’S. ESG Scores Explained: Quantifying the degree of credit impact. March 2022. https://ma.moodys.com/rs/961-KCJ-308/images/Presentation%20Deck.pdf
VIEIRA, Renata Corrêa As metodologias de rating ESG e suas divergências / Renata Corrêa Vieira. – 2023. 111 f. Dissertação (mestrado) – Escola Brasileira de Economia e Finanças. https://hdl.handle.net/10438/34904
STATCOUNTER. Mobile Vendor Market Share Brazil. https://gs.statcounter.com/vendor-market-share/mobile/brazil/#monthly-202401-202406
CLARITY AI. ESG Scores vs ESG Ratings: How Are They Different?. Insights. Agosto, 2023. https://clarity.ai/research-and-insights/esg-risk/esg-scores-vs-esg-ratings-how-are-they-different/