SISTEMA PREVIDENCIÁRIO: IMPACTOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 132/2023

PENSION SYSTEM: IMPACTS OF CONSTITUTIONAL AMENDMENT NO. 132/2023

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202510230718


Jessyca Bernardes Batista Diniz1


Resumo

A Reforma Tributária, consagrada pela Emenda Constitucional nº 132/2023, introduz mudanças estruturais no sistema de arrecadação brasileiro, com impactos diretos sobre o financiamento da Seguridade Social. Este artigo analisa os desafios e perspectivas decorrentes da substituição de tributos sobre a folha de pagamento e do novo modelo de tributação sobre o consumo, examinando a compatibilidade dessas mudanças com os princípios da solidariedade, equidade e sustentabilidade financeira do sistema previdenciário. Busca-se compreender de que forma o novo arranjo fiscal pode contribuir, ou comprometer, a manutenção do pacto constitucional de 1988 e o equilíbrio atuarial da Previdência Social.

Palavras-chave: Reforma Tributária; Previdência Social; Seguridade Social; Financiamento; Sustentabilidade Fiscal.

1 INTRODUÇÃO

A Reforma Tributária brasileira, materializada pela Emenda Constitucional nº 132/2023, inaugura um novo paradigma na estrutura fiscal e na dinâmica de arrecadação do Estado. Sob o argumento de simplificação, eficiência e justiça fiscal, a reformulação do sistema tributário nacional propõe a unificação de tributos sobre o consumo e a reconfiguração das competências arrecadatórias entre União, Estados e Municípios (AFONSO; CASTRO, 2023). Contudo, tais transformações suscitam relevantes questionamentos quanto aos impactos sobre o financiamento da Seguridade Social, especialmente no tocante à sustentabilidade do sistema previdenciário, responsável por garantir direitos fundamentais como aposentadorias, pensões e benefícios assistenciais (GIAMBIAGI, 2020).

O financiamento da Previdência Social, historicamente baseado em contribuições incidentes sobre a folha de salários e sobre a receita das empresas, enfrenta desafios crescentes diante das mudanças demográficas, do aumento da informalidade e da transição para uma economia digital (CARVALHO, 2024). Nesse contexto, a Reforma Tributária traz à tona o debate sobre a necessidade de repensar as bases de custeio da Seguridade Social, de forma a assegurar sua solvência e efetividade sem comprometer os princípios constitucionais da solidariedade e da universalidade da cobertura (SILVA; PAIM, 2022).

Além disso, a redistribuição de competências tributárias e a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) geram incertezas sobre a manutenção das receitas vinculadas à seguridade, exigindo um exame cuidadoso da relação entre arrecadação, destinação e justiça distributiva (AFONSO; CASTRO, 2023;). A sustentabilidade do sistema previdenciário, portanto, depende não apenas de ajustes fiscais, mas também de uma arquitetura tributária que promova equidade, progressividade e inclusão social (GIAMBIAGI, 2022).

Diante desse cenário, o presente artigo tem por objetivo analisar os desafios e perspectivas da Reforma Tributária na manutenção e sustentabilidade do financiamento da Seguridade Social brasileira, com ênfase no sistema previdenciário. Busca-se compreender de que forma as novas diretrizes tributárias podem afetar o equilíbrio financeiro e atuarial da previdência, bem como identificar alternativas e instrumentos jurídicos que garantam a efetividade dos direitos sociais frente às transformações do modelo tributário nacional (AFONSO; CASTRO, 2023; CARVALHO, 2024).

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 

A Seguridade Social brasileira, prevista no artigo 194 da Constituição Federal de 1988, constitui um sistema integrado de ações destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social, com base no princípio da solidariedade e na diversidade de fontes de financiamento. Entretanto, o modelo atual enfrenta desafios estruturais decorrentes do envelhecimento populacional, da informalidade do mercado de trabalho e da redução da arrecadação contributiva (GIAMBIAGI, 2020; SILVA; PAIM, 2022).

A Emenda Constitucional nº 132, de 2023, responsável pela Reforma Tributária, tem como objetivo simplificar o sistema tributário nacional e aumentar a eficiência arrecadatória. Contudo, a substituição de contribuições incidentes sobre a folha de salários por tributos sobre o consumo pode impactar negativamente o financiamento da Previdência Social, exigindo a criação de mecanismos compensatórios para manter o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema (CARVALHO, 2024).

De acordo com Martins (2021), qualquer modificação nas fontes de custeio da Seguridade Social deve observar os princípios constitucionais da solidariedade, da universalidade da cobertura e do equilíbrio financeiro e atuarial, conforme o artigo 195 da Constituição Federal. Assim, a Reforma Tributária deve ser compatível com o desenho jurídico da Seguridade, preservando os direitos sociais assegurados pela Constituição de 1988.

No campo econômico, Afonso e Castro (2023) defendem que uma reforma tributária sustentável deve promover eficiência arrecadatória sem comprometer a justiça distributiva e a sustentabilidade da Seguridade Social. Além disso, o uso de tecnologias digitais e de inteligência fiscal tem se mostrado fundamental para o aprimoramento da arrecadação e o combate à evasão de contribuições (COSTA, 2022).

Dessa forma, o debate em torno da Reforma Tributária e do financiamento previdenciário deve buscar o equilíbrio entre eficiência econômica e justiça social, garantindo a manutenção da sustentabilidade do Sistema de Seguridade Social brasileiro no longo prazo.

3 METODOLOGIA 

A pesquisa adota uma abordagem qualitativa, de natureza exploratória e descritiva, voltada à compreensão dos impactos da Reforma Tributária (Emenda Constitucional nº 132/2023) sobre o financiamento da Previdência Social e a sustentabilidade do Sistema de Seguridade Social Brasileiro.

3.1 Tipo e abordagem da pesquisa

O estudo é jurídico-teórico e documental, com base na análise de fontes primárias e secundárias. A abordagem qualitativa permite compreender o fenômeno a partir da interpretação de normas, princípios constitucionais e políticas públicas, considerando seus efeitos sociais e econômicos.

3.2 Procedimentos metodológicos

– Pesquisa bibliográfica, por meio de livros, artigos científicos e dissertações que tratam da relação entre tributação, previdência e sustentabilidade social;

– Pesquisa documental, mediante análise da Emenda Constitucional nº 132/2023, legislações complementares, pareceres técnicos, relatórios governamentais e decisões do Supremo Tribunal Federal (STF);

– Análise jurisprudencial, voltada à interpretação de decisões do STF sobre o financiamento da Seguridade Social e a repartição de receitas tributárias;

– Análise crítica e comparativa, a fim de identificar convergências e contradições entre a nova estrutura tributária e os objetivos constitucionais de manutenção da Seguridade Social.

3.3 Técnicas de coleta e análise de dados

A análise será realizada de forma interpretativa e crítica, buscando articular os aspectos jurídicos, econômicos e sociais do financiamento previdenciário frente à reforma tributária, observando princípios como equidade, solidariedade e justiça fiscal.

3.4 Delimitação e recorte temporal

O estudo terá como marco principal a Emenda Constitucional nº 132/2023, examinando seus efeitos previstos para os anos seguintes à sua implementação (2024 em diante). O recorte temporal busca compreender as mudanças estruturais no modelo de custeio da Seguridade Social em um cenário de transição tributária.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES 

Em primeiro lugar, observa-se que a substituição de diversos tributos como PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) gera uma mudança substancial na lógica de arrecadação. Antes, parte expressiva das contribuições incidentes sobre a folha de salários possuía destinação direta à Seguridade Social. Com o novo modelo, há o risco de descolamento entre a base arrecadatória e o financiamento previdenciário, o que pode comprometer a autonomia financeira do sistema.

Outro resultado relevante refere-se ao impacto sobre a formalização do trabalho. A possível desoneração da folha de pagamento, aliada à ampliação da base tributária sobre o consumo, tende a estimular a formalização de micro e pequenas empresas, mas pode gerar efeitos regressivos sobre os contribuintes de menor renda. Assim, há uma tensão entre eficiência econômica e justiça distributiva, que demanda políticas compensatórias no âmbito previdenciário.

Além disso, a análise das decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) relacionadas ao custeio da Seguridade Social indica um movimento de fortalecimento da constitucionalidade do financiamento solidário. A Corte tem reafirmado a importância do princípio da solidariedade intergeracional e da universalidade da cobertura, princípios que devem orientar a implementação da Reforma Tributária para evitar a fragmentação do sistema.

Os resultados também sugerem que a transição federativa prevista na Emenda Constitucional nº 132/2023, com a criação de fundos de compensação e partilha, pode afetar o repasse de recursos previdenciários aos entes subnacionais, sobretudo municípios com baixa capacidade contributiva. Nesse contexto, a sustentabilidade do sistema dependerá da eficiência administrativa e da transparência na destinação das receitas vinculadas à seguridade.

Por fim, a discussão evidencia que a tecnologia e a digitalização da administração tributária, especialmente com o uso de big data, inteligência artificial e blockchain, poderão desempenhar papel essencial na fiscalização e no controle das contribuições sociais, contribuindo para reduzir a evasão e garantir maior justiça fiscal.

Em síntese, os resultados demonstram que a Reforma Tributária representa tanto um desafio quanto uma oportunidade: se bem regulamentada, poderá modernizar o financiamento da Seguridade Social; caso contrário, poderá ampliar desigualdades e comprometer o equilíbrio atuarial da Previdência. Assim, a sustentabilidade do sistema dependerá de políticas de transição fiscal bem estruturadas e do comprometimento do Estado com os princípios constitucionais da seguridade social.

4.1 Evolução da Arrecadação Previdenciária (2015–2024)

O Gráfico 1 demonstra a trajetória da arrecadação das contribuições sociais no período de 2015 a 2024. Observa-se um crescimento nominal, mas sem correspondência no aumento real, em razão da desaceleração econômica e da informalidade do mercado de trabalho.

Gráfico 1 – Arrecadação Previdenciária (em bilhões de R$)

AnoArrecadação (R$ bilhões)
2015360
2016372
2017385
2018410
2019435
2020420
2021455
2022480
2023510
2024540
(Fonte: Receita Federal, 2024)

Nota-se que a arrecadação previdenciária cresce de forma moderada, mas o ritmo é inferior ao aumento das despesas com benefícios, indicando um desequilíbrio estrutural crescente.

4.2 Déficit do Regime Geral de Previdência Social (RGPS)

O Gráfico 2 apresenta a evolução do déficit do RGPS, considerando a diferença entre arrecadação e despesas com benefícios.

Gráfico 2 – Déficit Previdenciário (2015–2024)

AnoDéficit (R$ bilhões)
201585
2016149
2017182
2018195
2019213
2020260
2021243
2022234
2023251
2024265
(Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional, 2024)

O déficit previdenciário aumentou em mais de 200% no período analisado, o que reforça a necessidade de reformas estruturais de financiamento. A Reforma Tributária, embora não altere diretamente o regime previdenciário, impacta as fontes de custeio e pode agravar ou amenizar esse déficit, conforme a forma de regulamentação.

4.3 Projeção de Impacto da Reforma Tributária no Financiamento da Seguridade (2025– 2030)

O Gráfico 3 ilustra uma projeção hipotética de arrecadação previdenciária considerando dois cenários:

– Cenário 1: manutenção do modelo atual;

– Cenário 2: aplicação plena da Reforma Tributária com redirecionamento parcial da CBS à Seguridade Social.

Gráfico 3 – Projeção de Arrecadação Previdenciária (2025–2030)

Ano Cenário 1 (R$ bilhões)Cenário 2 (R$ bilhões)
2025560565
2026575600
2027590640
2028610685
2029630730
2030650780
(Fonte: projeção com base em dados do Tesouro Nacional e PEC 45/2019)

Caso a CBS seja parcialmente vinculada à Seguridade, o sistema pode recuperar capacidade de financiamento e sustentabilidade até 2030. No entanto, sem tal vinculação, há risco de desvinculação das receitas previdenciárias, comprometendo o equilíbrio atuarial.

4.4 Discussão Geral

Os resultados indicam que a Reforma Tributária é uma variável decisiva na sustentabilidade da Seguridade Social. A centralização tributária e a substituição de contribuições sobre a folha por tributos sobre consumo podem:

– Reduzir a dependência do emprego formal como base de custeio;

– Aumentar a neutralidade tributária, mas com potencial efeito regressivo;

– Exigir mecanismos compensatórios para garantir o financiamento da Previdência.

Assim, a sustentabilidade futura dependerá de uma gestão eficiente do novo modelo arrecadatório, da manutenção de vínculos constitucionais das receitas e da inovação tecnológica na fiscalização tributária.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Reforma Tributária promovida pela Emenda Constitucional nº 132/2023 representa uma mudança profunda na estrutura de financiamento da Seguridade Social. A substituição de tributos como PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS pelo IBS e pela CBS traz ganhos potenciais de simplificação e eficiência, mas também riscos de desvinculação entre a arrecadação e as fontes de custeio da Previdência.

Os dados demonstram que o déficit previdenciário tem crescido de forma consistente, o que reforça a importância de assegurar novas fontes de financiamento. Caso parte da CBS seja direcionada à Seguridade, há perspectiva de recuperação da sustentabilidade fiscal até 2030; do contrário, o desequilíbrio poderá se agravar.

O Supremo Tribunal Federal tem reafirmado a centralidade dos princípios da solidariedade e da universalidade da cobertura, que devem orientar a implementação da Reforma. Além disso, o uso de tecnologias como inteligência artificial, big data e blockchain pode fortalecer a fiscalização e garantir maior justiça fiscal.

Em suma, a Reforma Tributária representa tanto um desafio quanto uma oportunidade: seu sucesso dependerá da preservação das receitas vinculadas, da gestão eficiente do novo modelo e do compromisso do Estado com os princípios constitucionais da Seguridade Social.

REFERÊNCIAS

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1Bacharela em Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Advogada. E-mail: jessyca.j031@gmail.com.