REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7992292
Rávilla Soares Mendes Braz1
Luciano do Valle2
RESUMO
O atual estudo tem como objetivo analisar as principais violações dos direitos humanos ocorridas no sistema penitenciário brasileiro e as medidas necessárias que o Estado deve adotar para assegurar a eficácia desses direitos, para promover um ambiente prisional mais justo e respeitoso aos direitos fundamentais dos detentos. O sistema penitenciário brasileiro enfrenta desafios em relação à violação dos direitos humanos dos detentos. Para assegurar a eficácia dos direitos humanos no sistema penitenciário brasileiro, é necessário combater a superlotação, melhorar as condições de vida, garantir a segurança, oferecer acesso adequado à saúde e fortalecer a supervisão e monitoramento do sistema penitenciário. Essas medidas são essenciais para assegurar a preservação da integridade dos indivíduos privados de liberdade. A metodologia empregada nesta pesquisa foi a de compilação, juntamente com a técnica dedutiva. Conclui-se que a construção de um sistema penitenciário mais justo e respeitoso aos direitos humanos é um desafio complexo, porém indispensável para a promoção de uma sociedade inclusiva e solidária. A colaboração entre diferentes atores, incluindo o Estado, a sociedade civil e os próprios detentos, é fundamental para promover mudanças.
Palavras-chave: Detentos. Direitos humanos. Sistema prisional.
ABSTRACT
The current study aims to analyze the main violations of human rights that occurred in the Brazilian penitentiary system and the necessary measures that the State must adopt to ensure the effectiveness of these rights, to promote a fairer prison environment that respects the fundamental rights of detainees. The Brazilian penitentiary system faces challenges in relation to the violation of the human rights of detainees. To ensure the effectiveness of human rights in the Brazilian penitentiary system, it is necessary to combat overcrowding, improve living conditions, guarantee security, provide adequate access to health care, and strengthen supervision and monitoring of the penitentiary system. These measures are essential to ensure the preservation of the integrity of individuals deprived of liberty. The methodology used in this research was compilation, together with the deductive technique. It is concluded that building a penitentiary system that is fairer and more respectful of human rights is a complex challenge, but essential for the promotion of an inclusive and supportive society. Collaboration between different actors, including the State, civil society and detainees themselves, is key to promoting change.
Keywords: Detainees. Human rights. Prison system.
1 INTRODUÇÃO
O presente estudo tem como finalidade apresentar o tema “Sistema penitenciário brasileiro: violação dos direitos humanos”. O sistema penitenciário brasileiro é um tema de grande conversação e preocupação, sendo marcado por uma série de problemas que resultam na violação dos direitos humanos. Com uma população carcerária imensa e em constante crescimento, o sistema enfrenta dificuldades que vão desde a superlotação até a falta de infraestrutura adequada e condições de higiene precárias.
É fundamental reconhecer que a violação dos direitos humanos no sistema penitenciário brasileiro não afeta apenas os presos, mas também tem efeitos negativos na sociedade como um todo. Dessa forma, este estudo busca abordar a problemática de pesquisa, levantando a seguinte indagação: Quais as principais violações dos direitos humanos ocorridos no sistema penitenciário brasileiro e como o Estado deve agir para garantir a eficácia desses direitos?
Este estudo teve como objetivo geral analisar as principais violações dos direitos humanos ocorridas no sistema penitenciário brasileiro e as medidas necessárias que o Estado deve adotar para assegurar a eficácia desses direitos, para promover um ambiente prisional mais justo e respeitoso aos direitos fundamentais dos detentos. Os objetivos específicos foram contextualizar o sistema penitenciário brasileiro; analisar as consequências da violação dos direitos humanos quanto a reintegração dos detentos e avaliar a reinserção social do detento após a liberdade, preconceitos, obstáculos e realizar a análise jurisprudencial no contexto brasileiro.
Por conseguinte, este tema se justifica pelo fato que a violação dos direitos humanos no sistema penitenciário é uma afronta aos princípios constitucionais e à Declaração Universal dos Direitos Humanos, afetando não apenas os detentos, mas também seus familiares. A legislação determina que os reeducandos sejam tratados com atenção, respeito e não sejam submetidos à tortura ou tratamentos cruéis e essa conduta de violação de direitos provoca incredulidade na recuperação dos preso.
A metodologia empregada nesta pesquisa foi a de compilação, juntamente com a técnica dedutiva. Foi realizada uma revisão sistemática do material proveniente de livros, revistas, publicações avulsas, artigos e outras fontes relevantes.
2 CONTEXTUALIZAÇÃO: SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO
A Lei de Execução de Penas (LEP) é um dispositivo que, além de atender às condições da pena (direitos, obrigações, assistência, sanções), reúne as diversas etapas do processo de execução da pena. O Código Penal de 1830 foi o primeiro passo no estabelecimento de normas relacionadas ao direito à prisão, pois estabeleceu a forma como os presos poderiam cumprir suas penas. Portanto, em 1933, o jurista Cândido Mendes de Almeida, convocou uma comissão para elaborar o primeiro Código de Execução do Código Penal, que previa um sistema diferenciado, isto é, cada tipo de crime praticado teria uma cela diferente, a individualização das celas, no entanto acabou ficando no papel, nem ao menos chegou a votação (ARAÚJO, 2021).
Assim, as execuções criminais no Brasil são regidas pela Lei Federal n. 7.210/1984, cuja função é dar cumprimento às exigências punitivas do Estado. A execução penal por meio da atividade judiciária é uma consequência inevitável do Estado de Direito, ainda que o processo judicial varie em sua forma (COSTA, 2021). Por conseguinte, a ideia principal da LEP, segundo Machado (2021) é proporcionar qualidades adequadas ao apenado, de forma que este possa cumprir a pena de maneira humanizada e utilizar os meios imprescindíveis para a ressocialização do condenado.
De acordo com o que prega a doutrina, a Execução Penal é regulada pelos princípios da isonomia, dignidade da pessoa humana, legalidade, individualização da pena e jurisdicionalidade. O princípio da isonomia encontra-se na Constituição da República, que constitui em seu art. 5º, que os presos não devem ser diferenciados (COSTA, 2021). O princípio da dignidade da pessoa humana implica o princípio da humanidade das penas, que declara que qualquer pena contrária à dignidade do condenado deve ser retirada do ordenamento jurídico brasileiro. O valor de uma pessoa deve prevalecer sobre a punição aplicada, quer o ato praticado esteja coberto por crueldade ou não. O princípio da legalidade estabelece que os direitos do condenado não podem ser prejudicados, exceto quando previstos em lei, incluindo as regras administrativas da execução da pena (LOPES; PIRES, 2014).
Na perspectiva de Oliveira (2018) a individualização da pena é crucial para alcançar os objetivos da política criminal, ou seja, aplicar uma punição adequada ao criminoso e seu comportamento. O princípio da jurisdicionalidade, presente na LEP e na Constituição Federal, determina que “ninguém pode ser preso sem ordem escrita de autoridade judiciária competente, exceto em casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, conforme determinado em lei” (TOURINHO FILHO, 2014, p. 2018).
Andrade e Ferreira (2015) ressaltam que o sistema prisional brasileiro apresentou grande deterioração, seu desenvolvimento ao longo dos anos, e hoje chegou a um ponto precário onde a quantidade de encarcerados supera em muito o número de vagas, o país não tem uma unidade prisional pública com menos presos do que vagas, ou mesmo um presídio onde o número de presos é igual a vagas: todas as instalações estão superlotadas.
Portanto, Gomes Filho (2018) aponta que o sistema não conseguiu atingir seu objetivo, ou seja, a recuperação e reintegração do preso na sociedade, a taxa de reincidência está entre as mais altas do mundo. O sistema prisional precisa de uma reestruturação. Os métodos arcaicos de ressocialização devem ser mudados, as penas alternativas devem passar da ideia à prática. O modelo social em que estamos vivendo atualmente não valoriza a condição humana e, portanto, torna-se fonte de violência.
2.1 Direitos humanos fundamentais
De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), os direitos humanos são garantias legais gerais que protegem pessoas e grupos contra atos ou omissões de governos que violam a dignidade humana. Exemplos de direitos humanos são o direito à vida, o direito à integridade física, o direito à dignidade humana, entre outros. Os direitos fundamentais são definidos pela Constituição de 1988 e se justapõem apenas às pessoas físicas e aos casos por ela regulados, e se distinguem dos direitos humanos por sua aplicação universal, que não depende da soberania. Segundo Falcão (2013), os direitos fundamentais limitam as áreas onde o poder estatal não deve interceder e simultaneamente constituem os fundamentos da comunidade. São a expressão e garantia da liberdade política e pessoal.
Segundo Queiroz (2015) os Direitos Fundamentais são elencados com a Constituição Federal, e atendem à mesma finalidade dos direitos humanos. A diferença está em seu fundamento, se os direitos são declarados, as garantias fundamentais são garantidas. O Brasil possui muitas leis que protegem os direitos humanos e, portanto, direitos e garantias fundamentais para proteger a dignidade humana. O homem já tem dignidade humana porque faz parte da humanidade.
Entende-se que os direitos humanos possuem um status bidimensional porque, por um lado, devem atingir o ideal de conciliar os direitos do indivíduo e da sociedade, e, por outro lado, garantir um campo verdadeiro para a democracia. Os direitos fundamentais, ou Liberdades Públicas e Direitos Humanos são determinados como um conjunto de direitos e garantias humanos institucionalizados, no qual seu desígnio principal é respeitar a dignidade humana, proteger o poder estatal e garantir condições mínimas de vida e desenvolvimento de uma pessoa.
3 CONSEQUÊNCIAS DA VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS QUANTO A REINTEGRAÇÃO DOS DETENTOS
A Responsabilidade Civil do Estado em relação aos detentos é uma questão importante e complexa, que envolve diversos aspectos jurídicos e sociais, uma vez que a privação da liberdade é uma das mais graves impostas pelo Estado. Por conseguinte, Reis (2016) menciona que o Estado tem a obrigação de garantir a integridade física e psicológica dos detentos sob sua custódia e deve responder por eventuais danos causados por violações de direitos humanos, falta de segurança, falta de assistência médica e social, entre outros. A falta desses serviços pode gerar responsabilidade civil do Estado.
No entanto, o sistema penitenciário não tem condições físicas suficientes de habitação. Assim, aumentam as ocorrências de atrito e agressões em meio aos detentos, as rebeliões e as fugas em massa. Na maioria das vezes, a condição sujeita as pessoas a praticar revezamento até mesmo para dormir, alguns permanecendo encolhidos ou agachados, enquanto outros esperam em pé, submetidos ao domínio dos mais fortes ou dos mais antigos no local (SILVA, 2020). Quando os direitos humanos são violados, a confiança nas instituições de justiça criminal diminui e a possibilidade de reabilitação dos presos é comprometida. Campos (2020, p. 23) cita alguns exemplos de violação dos direitos humanos dos presos que incluem:
Condições desumanas de encarceramento: Muitos presos são preparados em celas superlotadas e sujas, sem acesso adequado a alimentos, vestuário, água potável, higiene pessoal e atendimento médico adequado. Isso pode levar a condições insalubres, falta de igualdade na alocação de período para trabalho, descanso e doenças contagiosas.
Tortura e maus-tratos: Presos são muitas vezes admitidos a tratamentos brutais, incluindo espancamentos, choques elétricos, privação de sono e outras formas de tortura. Esses tratamentos são ilegais e inaceitáveis em qualquer circunstância.
Discriminação: Os presos muitas vezes são discriminados por raça, gênero, orientação sexual, religião ou outra característica pessoal. Eles podem receber tratamento desigual em relação aos outros presos ou ser alvo de abuso por parte dos guardas ou outros detentos.
Falta de acesso à justiça: Muitos presos não têm acesso a advogados ou assistência jurídica adequada, o que pode prejudicar seus direitos legais e impedir que haja um julgamento justo.
Falta de oportunidades de reabilitação: Os presos muitas vezes têm poucas oportunidades de reabilitação ou educação, o que pode limitar suas perspectivas futuras e dificultar a reintegração à sociedade após a libertação.
Observa-se que para prevenir e regular os direitos humanos dos presos, é necessário garantir que as instituições penitenciárias tenham procedimentos e normas adequados para garantir a segurança e a integridade dos detentos (SILVA, 2020). Além disso, os guardas e outros funcionários das instituições penitenciárias devem ser treinados para tratar os presos com respeito e dignidade.
Para Araújo e Araújo (2020) uma consequência da sujeição do detento a essa experiência é a absorção da cultura carcerária por meio de um processo mencionado como prisão ou institucionalização. Esse acontecimento tem sido estudado por sociólogos, psicólogos, psiquiatras e outros para com a intenção que seja revelado como os presos são ajustados e transformados pelo ambiente institucional os quais vivem.
Veríssimo (2019) ressalta que a intensidade do prisionalização varia e depende de muitos fatores, incluindo a duração da pena e a aceitação incondicional do dogma e dos princípios da sociedade presidiária, que muitas vezes não cumpre com tais direitos que os detentos possuem, causando assim várias consequências no sistema prisional. Algumas dessas consequências incluem, danos físicos e psicológicos, incluindo lesões, doenças, transtornos psíquicos e estresse pós-traumático. Pode levar a um aumento da violência e dos conflitos dentro das prisões.
3.1 Desafios da reintegração social do preso
A reintegração de ex-detentos à sociedade acontece quando existe o retorno da pessoa que cumpriu pena de reclusão ao convívio social, ou seja, o retorno às atividades laborais, círculo familiar e laços afetivos, de forma mais natural possível. Em primeiro lugar, é importante entender que a prisão, por si só, não é suficiente para promover a reintegração social do preso. Na verdade, muitas vezes a prisão pode ter o efeito contrário, reforçando comportamentos criminosos e marginalizando ainda mais o indivíduo (CARVALHO FILHO, 2017).
Conforme Memento (2017) para promover a reintegração social do preso, é preciso adotar uma abordagem mais ampla, é um problema que envolve vários fatores, como a falta de acesso à educação, ao mercado de trabalho, promoção da saúde e do bem-estar, moradia, tratamento de vícios e transtornos ansiosos, a ressocialização familiar, entre outros, além da estigmatização social que muitas vezes acompanha quem já cumpriu pena. De acordo com Pereira (2021), uma das principais estratégias para enfrentar esse desafio é investir em políticas de ressocialização, que busquem preparar a prisão para retornar à sociedade de forma produtiva e com condições de se manter longe da criminalidade.
4 REINSERÇÃO SOCIAL DO DETENTO APÓS A LIBERDADE: PRECONCEITOS, OBSTÁCULOS E ANÁLISE JURISPRUDENCIAL NO CONTEXTO BRASILEIRO
Após o cumprimento da pena, muitos ex-detentos enfrentam diversas barreiras legais e sociais que dificultam sua reintegração na sociedade. Entre as principais barreiras estão o preconceito, a falta de qualificação profissional e a dificuldade de acesso à moradia e saúde (FERREIRA et al, 2019). Segundo um estudo realizado pela organização não governamental Conectas Direitos Humanos (2021) sobre as dificuldades enfrentadas pelos ex-detentos no processo de reinserção social no Brasil, informaram que a falta de qualificação profissional é uma das principais barreiras enfrentadas pelos ex-detentos na busca por emprego e reintegração na sociedade.
Além disso, o estudo da Conectas Direitos Humanos aponta outras barreiras legais e sociais que impedem a reintegração dos ex-detentos, como o preconceito, a falta de acesso à moradia e à saúde, entre outras. Portanto, Oliveira (2022) acredita que para lidar com essas barreiras, são necessárias políticas públicas que garantam a reintegração social dos ex-detentos. O acesso à educação e à qualificação profissional deve ser ampliado, para que possam adquirir as habilidades necessárias para o mercado de trabalho.
Assim, como a Organização da Sociedade Civil (OSC) uma entidade privada sem fins lucrativos que tem como objetivo prestar serviços com finalidade social e algumas outras organizações, se dedicam à reintegração de ex-detentos e à luta contra o preconceito e a discriminação, como a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC), e a Pastoral Carcerária. Essas organizações oferecem programas e serviços para ajudar os ex-detentos a reconstruírem suas vidas e superarem as barreiras que enfrentam após a libertação (NASCIMENTO; MONTEIRO, 2020).
A reintegração social de ex-detentos é uma questão complexa e países como o Canadá adotaram programas bem-sucedidos para ajudar na reintegração. O programa canadense oferece assistência social, saúde, educação, apoio psicológico e treinamento profissional, atenção como chances de reincidência. Da mesma forma, a Noruega adotou um sistema penal centrado na reabilitação, onde os presos têm acesso à educação, trabalho e suporte de saúde mental, resultando em baixas taxas de reincidência (GRECO, 2019). Após a libertação, os ex-detentos recebem ajuda para se reintegrar na sociedade, recebendo suporte para encontrar moradia e emprego. A Holanda também prioriza a reabilitação e reintegração, proporcionando educação, treinamento profissional e tratamento médico e psicológico.
A taxa de reincidência de ex-detentos na penitenciária norueguesa é a mais baixa da Europa, ficando em 20% em dois anos. Em comparação, no Reino Unido, a taxa chega a 46% e nos Estados Unidos, 76% das pessoas que saem da prisão voltam a cometer crimes nos cinco anos seguintes. O Brasil também possui uma das maiores taxas de reincidência criminal do mundo, com uma taxa média de cerca de 70%, ou seja, 7 em cada 10 criminosos voltam a cometer crimes após saírem da prisão (BBC NEWS BRASIL, 2018).
Contudo, ressalta-se que as iniciativas bem-sucedidas de reintegração social de ex-detentos em outros países não podem ser aplicadas diretamente ao Brasil sem considerar suas diferenças culturais, sociais e políticas. No entanto, o Brasil possui exemplos de sucesso, como o projeto “Começar de Novo”, que promove a reinserção no mercado de trabalho por meio de parcerias com empresas e entidades governamentais. As organizações da sociedade civil também desempenham um papel crucial na reintegração e no combate ao preconceito e discriminação (FERREIRA et al, 2019).
De acordo com Gomes (2017), a diferença entre a Noruega e o Brasil é notável, já que na Noruega os ex-detentos o serem liberados, raramente cometem novos crimes e respeitam a população, ficando assim com baixas taxas de reincidência, enquanto no Brasil ao contrário, voltam reincidir em crimes violentos. Essas diferenças podem ser atribuídas, em parte, à cultura de violência perpetrada nas prisões brasileiras.
Por conseguinte, destaca-se que o impacto da pandemia de COVID-19 na reintegração social de ex-detentos no Brasil tem sido um tema de grande preocupação entre especialistas e organizações envolvidas na área de justiça criminal. Segundo relatórios recentes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a pandemia dificultou ainda mais a reintegração dessas pessoas na sociedade, uma vez que muitas empresas reduziram ou interromperam suas atividades, diminuindo as oportunidades de emprego para ex-detentos (CNJ, 2021). No entanto, as organizações da sociedade civil têm se mobilizado para oferecer suporte e buscar soluções alternativas para essa população vulnerável.
4.1 Superação dos preconceitos e obstáculos dos empregadores e sociedade na reintegração de ex-detentos
O preconceito e os obstáculos enfrentados pelos ex-detentos representam um dos principais desafios na sua reintegração à sociedade. Muitos empregadores e membros da sociedade os veem como pessoas perigosas e incapazes de se reintegrarem, dificultando sua busca por emprego e moradia (FREIRE et al, 2019). Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2020, a taxa de desemprego entre os ex-detentos no Brasil era de 53,2%, mais que o dobro da taxa geral de desemprego. O preconceito causa prejuízos tanto para os ex-detentos quanto para a sociedade, impedindo a ressocialização e levando ao retorno ao crime.
Greco (2019) afirma que a sociedade, em geral, mostra-se contra a contratação desses indivíduos, o que assusta as organizações que consideram contratá-los, revelando um estigma que dificulta sua reintegração social. Entretanto, além disso, Cunha e Galvão (2020) proferem que têm alguns ex-detentos que trabalham sem remuneração em firmas e instituições governamentais, exploram esse trabalho fora da lei e usam esse trabalho para reduzir gastos. Além do mais, umas empresas aproveitam a mão de obra mais barata fazendo pagamentos mais baixos do que a lei exige para ex- egressos porque necessitam de uma segunda chance para entrar e fazer ofertas que são literalmente antiéticas.
De acordo com Martins et al (2020), a ausência de possibilidades no mercado de trabalho estabelece que diversos ex-presidiários retornem ao mundo do crime, o que dificulta a redução da reincidência. São raras as pessoas que conseguem ingressar no mercado após saírem do sistema prisional, onde se pode argumentar que a prática da responsabilidade social empresarial está fora do âmbito da maior parte das organizações.
4.2 Análise jurisprudencial
Esses casos jurisprudenciais são de extrema importância, uma vez que trata da garantia de direitos fundamentais das pessoas que se encontram em situação de privação de liberdade No sistema prisional brasileiro, uma séria violação aos direitos humanos é cometida contra os presos provisórios, que muitas vezes ultrapassam o prazo legal de prisão preventiva. Esses indivíduos são mantidos na prisão ilegalmente, sem o devido processo legal, aguardando julgamento por períodos que podem variar de três a quinze anos. Essa violação compromete o direito fundamental à liberdade dessas pessoas. Branco (2018, p. 01) apresenta o recurso conforme o posicionamento do Supremo Tribunal Federal em relação a essa questão:
EMENTA: HABEAS CORPUS. EXCESSO DE PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA. CARACTERIZAÇÃO. SITUAÇÃO INCOMPTÍVEL COM O PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO (CF, ART. 5º, LXXVIII). CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. ORDEM CONCEDIDA. 1. A jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal estabelece que a demora na conclusão da instrução criminal só pode ser considerada como motivo de constrangimento ilegal em casos excepcionais, nos quais essa demora resulta de (a) negligência evidente do órgão judicial, (b) ação exclusiva da parte acusadora, ou (c) outra situação incompatível com o princípio da duração razoável do processo, que é previsto no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal de 1988. Há precedentes nesse sentido. 2. No caso em questão, já se passaram mais de quatro anos sem que o réu tenha sido levado a júri, é de se concluir que a manutenção da segregação cautelar configura essa uma situação de constrangimento ilegal. 3. Portanto, é concedida a ordem para que o réu seja libertado, a menos que haja outro motivo para sua detenção.
O Acórdão do Habeas Corpus 108929/PE estabelece que a prisão preventiva com excesso de prazo viola os direitos humanos da prisão provisória. O Tribunal reformou uma decisão do Superior Tribunal de Justiça, que recusou a ordem com justificativa na periculosidade do acusado. No caso em questão, o acusado esperou por mais de quatro anos pela sentença de pronúncia definitiva, sendo que o processo ficou paralisado por mais de um ano e seis meses (ANDRADE, 2020).
O Relator, Ministro Teori Zavascki, afirmou que a demora é culpa exclusiva do Estado e que a manutenção da prisão cautelar configura constrangimento ilegal e viola a Convenção Americana de Direitos Humanos. A demora no julgamento não apenas viola os direitos do preso em questão, no entanto também indiretamente na violação dos direitos humanos dos demais detentos, confiante para a superlotação das prisões (CRUZ et al, 2019).
Outro caso apresentado é o do Massacre na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (PAMC) ocorreu em janeiro de 2017, no estado de Roraima. Tornou-se em um dos maiores massacres em prisões do Brasil. Andrade (2020) esse o caso que aconteceu em face da crise no sistema prisional local anterior à intervenção federal na referente Penitenciária. Não obstante à superlotação da PAMC, operando no dobro de sua capacidade, tais rebeliões são decorrentes do surgimento de facções criminosas rivais dentro dos presídios, motivando os encarcerados a praticarem vários crimes:
O recurso jurídico sobre o massacre ocorrido na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Roraima, em janeiro de 2017, refere-se ao processo que está em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Em dezembro de 2020, a Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou denúncia contra 17 agentes penitenciários acusados de homicídio qualificado, tortura e omissão de socorro durante o massacre, que resultou na morte de 33 detentos. Em fevereiro de 2021, a defesa dos acusados entrou com um pedido de habeas corpus no STF, alegando que a denúncia apresentada pela PGR seria inepta. O processo ainda está em andamento e aguarda decisão do STF.
Esse é um caso recente que ainda está em andamento de violação dos direitos humanos praticada por servidores do sistema penitenciário brasileiro em Roraima, em janeiro de 2017. Os presos foram mortos em uma rebelião que durou cerca de 14 horas e foi liderada pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), uma das principais facções criminosas do país. Como já mencionado o episódio resultou na morte de 33 detentos, sendo que a maioria foram decapitados e esquartejados. Além disso, houve relatos de que os detentos teriam sido queimados e jogados em uma vala comum.
O massacre ocorrido na prisão em Roraima evidenciou a negligência dos servidores penitenciários na segurança dos presos e a ocorrência de tortura e maustratos. O caso destacou os problemas do sistema penitenciário brasileiro, como superlotação, falta de recursos e corrupção, além da influência de facções criminosas. As autoridades foram criticadas pela falta de medidas preventivas e pela demora em intervir. O episódio gerou um debate sobre a necessidade de reformas no sistema prisional e o combate às facções criminosas. A investigação e o julgamento do caso ainda estão em andamento. É fundamental combater a violação dos direitos humanos nos presídios, responsabilizar os servidores envolvidos e investir na capacitação e nas condições de trabalho dos agentes penitenciários para garantir a segurança dos detentos.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através deste estudo, foi possível compreender a gravidade das violações dos direitos humanos no sistema penitenciário brasileiro e a necessidade urgente de medidas para garantir a efetivação desses direitos. Assim, relacionado ao contexto do sistema penitenciário brasileiro, constatou-se que as violações dos direitos humanos têm repercussão na reintegração dos detentos. No entanto, a reinserção social do detento após a liberdade enfrenta diversos obstáculos e preconceitos, pois barreiras legais e sociais dificultam a reintegração dos ex-detentos na sociedade, tornando o processo ainda mais desafiador.
A análise de jurisprudência demonstrou a importância de uma abordagem mais abrangente e inclusiva, levando em consideração as estratégias bem-sucedidas adotadas em outros países. A garantia dos direitos fundamentais dos detentores é essencial para uma sociedade mais justa e humanizada. É fundamental que sejam integradas mudanças incorporadas e políticas públicas efetivas para garantir que esses indivíduos tenham oportunidades reais de reinserção na sociedade e superação dos estigmas associados ao seu passado carcerário.
Por fim, conclui-se este estudo, reforçando a necessidade de medidas concretas e comprometidas para alcançar um sistema penitenciário que realize efetivamente seus objetivos de sancionar condutas delituosas, reeducar os presos e promover sua reintegração na sociedade. A colaboração entre diferentes atores, incluindo o Estado, a sociedade civil e os próprios detentos, é fundamental para promover mudanças. Somente por meio dessas ações conjuntas e comprometidas será possível avançar em direção a um sistema penitenciário mais humano, justo e que respeite plenamente os direitos humanos dos detentos.
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1Graduanda no Curso de Direito pela Universidade Evangélica de Goiás – Campus Ceres-GO. Email:ravillamendes@gmail.com
2Docente e Ms. do Curso de Direito pela Universidade Evangélica de Goiás – Campus Ceres-GO E-mail: luciano_valle@hotmail.com.