SÍNDROME UVEODERMATOLÓGICA EM CÃO DA RAÇA CHOW-CHOW: RELATO DE CASO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10206116


Prof° Dr°Anderson Amaro Melo dos Santos (Primeiro autor);
Esp. Daniela Ataide Bussacarini;
Me. Miriam Zibordi;
Prof° Dr° Eduardo Gorzoni Fioratti (ORIENTADOR).


RESUMO

Estudos sugerem que em cães com síndrome uveodermatológica as lesões dermatológicas são mediadas por células T (TH-1) e macrófagos enquanto as lesões oculares são mediadas por células B (TH-2) e macrófagos, cujos processos autoimunes ocorrem contra componentes antigênicos presentes nos melanócito, assim, a SUD é caracterizada por panuveíte granulomatosa bilateral associada a poliose e vitiligo.Os sinais oftálmicos mais comuns incluem flare, anormalidades na íris, descolamento de retina e despigmentação da coróide, de modo que não é incomum o paciente ser apresentado a primeira consulta com quadro de glaucoma ou cegueira, de tal forma que quando necessário ao conforto do paciente, há indicação de enucleação com posterior avaliação histopatológica do olho afetado para confirmação. Um cão da raça CHOW-CHOW foi encaminhado ao serviço especializado de oftalmologia veterinária apresentando lesão ocular bilateral com diagnóstico conclusivo de síndrome uveodermatológica e enucleação bilateral.

INTRODUÇÃO

A síndrome uveodermatológica (SUD) é uma afecção autoimune, hereditária e rara caracterizada por afetar simultaneamente os olhos e a pele em cães (KANG; LIM; PARK, 2014). A manifestação da síndrome cursa com inflamação do trato uveal e despigmentação cutânea de maneira semelhante ao observado na síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada em humanos (THAM; LINDER; OLIVRY, 2019). De acordo com Horikawa e colaboradores (2013), não foram identificados genes ou proteínas imunogênicas que caracterizem a hereditariedade da síndrome nos cães, contudo, como sugerido por FONSECA-ALVES e colaboradores (2014) o maior envolvimento de cães da raça Akita sugere o envolvimento de fatores genéticos ou hereditários.

Estudos sugerem que em cães com síndrome uveodermatológica as lesões dermatológicas são mediadas por células T (TH-1) e macrófagos enquanto as lesões oculares são mediadas por células B (TH-2) e macrófagos, cujos processos autoimunes ocorrem contra componentes antigênicos presentes nos melanócito, assim, a SUD é caracterizada por panuveíte granulomatosa bilateral associada a poliose e vitiligo (HORIKAWA et al., 2014).

Para obtenção do diagnóstico adequado é necessário que sejam realizadas uma avaliação clínica apurada e a realização de exames específicos oculares e dermatológicos que incluem testes de função ocular e exame histopatológico cutâneo (FONSECA-ALVES et al., 2014). Os sinais dermatológicos mais comuns de SUD incluem leucodermia com leucotriquia associadas a eritema, ulcerações e crostas frequentemente visíveis nas pálpebras e plano nasal doa animais afetados (KERN et al., 1985). Os sinais oftálmicos mais comuns incluem flare, anormalidades na íris, descolamento de retina e despigmentação da coróide, de modo que não é incomum o paciente ser apresentado a primeira consulta com quadro de glaucoma ou cegueira, de tal forma que quando necessário ao conforto do paciente, há indicação de enucleação com posterior avaliação histopatológica do olho afetado para confirmação diagnóstica (ZARFOSS et al., 2018).

RELATO DE CASO

Um cão, não castrado, com três anos de idade, pesando 21,6 kg, da raça Chow-Chow foi atendido no dia 09 de maios de 2022 no serviço veterinário público do HOVET-ANCLIVEPA com queixa de buftalmia em olho esquerdo há um ano e meio e esbranquiçamento desde 2019. O tutor informou que paciente teve acompanhamento veterinário desde o início dos sinais de doença ocular que cursavam com irritação e secreção purulenta bilateral de início repentino no qual suspeitou-se inicialmente de uveíte.

Ao exame clínico evidenciou-se buftalmia em OE, luxação da lente, sensibilidade dolorosa à palpação ocular e em OD opacificação e vascularização da lente e entrópio. Assim, foi solicitado ultrassom ocular e foi instituído tratamento com tramadol 50mg, um comprimido, três vezes ao dia durante cinco; dipirona 500mg, um comprimido, três vezes ao dia durante cinco dias; hyabak com instilação em ambos os olhos quatro vezes ao dia; predfort duas vezes ao dia durante cinco dias e ocupress no OE duas vezes ao dia. Foi solicitado retorno com a especialidade de oftalmologia veterinária.

Paciente retornou em 22 de novembro de 2021 com relato, pelo tutor, de progressão de doença ocular com aumento da buftalmia, despigmentação cutânea e edema de córnea. Ao exame ocular foi evidenciado:

OD: resposta de ameaça negativo, reflexo pupilar a luz direto e consensual negativos, pressão intraocular de 40mmHg, teste de Schirmer resultando em zero, teste de Jones negativo, despigmentação e rarefação pilosa associada a hiperemia palpebral, opacidade e neovascularização difusa da córnea e luxação anterior da lente.

OE: resposta de ameaça negativo, reflexo pupilar a luz direto e consensual negativos, pressão intraocular de 43mmHg, teste de Schirmer resultando em zero, teste de Jones positivo, miose e sinequia posterior, despigmentação e rarefação pilosa associada a hiperemia palpebral, opacidade difusa, estrias de Habbs e neovascularizacao difusa da córnea e luxação anterior da lente com opacidade total.

Com base nos achados do exame clínico foi possível diagnosticar os quadros de glaucoma e luxação anterior da lente bilateral. Tutor foi orientado sobre a suspeita de síndrome uveodermatológica e o prognóstico desfavorável com indicação de enucleação bilateral. Assim, foram solicitados exames de função renal, função hepática, hemograma, eletrocardiograma e ecocardiograma para fins pré-cirúrgicos. Na ocasião foi instituído tratamento oftálmico com Ocupress ambos os olhos, três vezes ao dia, Visa lágrima, ambos os olhos, quatro vezes ao dia e Ster colírio, ambos os olhos, quatro vezes ao dia.

Procedimento de enucleação do OE realizado no dia quatorze de abril de 2022 e de OD realizado em nove de maio de 2022: Miorrafia em padrão Sultan e p.s.s. com fio nylon 2-0. Padrão p.s.s. de sutura de subcutâneo nylon 2-0. Dermorrafia em padrão de sutura Wolf com fio nylon 3-0.

Após recuperação cirúrgica foi instituído tratamento com prednisolona em doses de 1,5 mg/kg durante 30 dias e posteriormente ajuste da dose para 1 mg/kg.

Ambos os olhos foram analisados microscopicamente com vistas a corroborar os achados diagnósticos das alterações oculares. A análise histopatológica do OE revelou ausência da fenda ciliar e ângulo de drenagem obstruído por extensa sinéquia anterior periférica. Observou-se  ainda sinequia posterior com liquefação de córtex lenticular e calcificação no interior da lente. Retina delgada e depleção de camadas, diminuição melanocitica em coróide e discreto infiltrado inflamatório linfoplasmocítico no tecido uveal. Os achados histopatológicos revelaram glaucoma secundário à uveíte anterior com sugestão etiológica de síndrome uveodermatológica.

A análise histopatológica do OD revelou ausência da fenda ciliar por extensa sinéquia anterior. A lente apresentou deslocamento anterior ocupando toda câmara anterior e calcificação associada a glóbulos morganianos corticais. Cavidade vítrea preenchida por hemácias e substância amorfa eosinofílica. Observou-se ainda extensa fibrose retrolenticular associada a pigmentos de hemossiderina. Infiltrado histiocitico apresentando melanina citoplasmática encontravam-se presentes no corpo ciliar. Os achados histopatológicos revelaram glaucoma crônico secundário à uveíte e phthisis bulbi, sugestivo de síndrome uveodermatológica.

A análise microscópica do fragmento cutâneo de região de plano nasal revelou quadro morfológico compatível com Dermatose erosiva, ulcerativa, hiperplásica e hiperqueratótica, multifocal acentuada.

DISCUSSÃO

As manifestações clínicas de SUD podem ser confundidas com diversas afecções. Dessa forma, o diagnóstico adequado depende da exclusão com afecções que mimetizam os sinais de SUD como vitiligo, lúpus eritematoso discoide, pênfigo foliáceo e eritematoso, bem como leishmaniose (GELATT; PLUMMER, 2017; ZAPPELLA, 2023).

O tempo decorrente do início dos sintomas até o diagnóstico e tratamento de SUD é essencial visto que a afecção é progressivamente deletéria a visão, assim, por se tratar de uma doença autoimune, o controle da SUD deve ser realizado para o resto da vida do animal (BARTOLO, 2019).

O paciente citado nesse relato de caso teve oportunidade de obter um diagnóstico no início da afecção, mas infelizmente naquele momento não foi efetuado o diagnóstico correto para devido controle, de forma que uma cascata de afecções secundárias comprometeu irreversivelmente ambos os olhos do paciente e culminaram com enucleação bilateral.

O prognóstico da SUD quando não diagnosticado e tratado de forma rápida é ruim, evidenciando a necessidade de uma boa anamnese e rápido diagnóstico por médico veterinário, preferencialmente, especializado.

Referências

BARTOLO, A. DE O. DE. Síndrome uveodermatológica em um cão da raça akita: relato de caso. dspace.uniceplac.edu.br, 10 set. 2019. 

FONSECA-ALVES, C. E. et al. SINDROME UVEODERMATOLÓGICA CANINA: REVISÃO DE LITERATURA. Revista de Ciência Veterinária e Saúde Pública, v. 1, n. 2, p. 125–134, 2014.

GELATT, K. N.; PLUMMER, C. E. Canine Conjunctiva and Nictitating Membrane (Nictitans). p. 97–110, 3 fev. 2017.

HORIKAWA, T.;  VAUGHAN, R.K.; SARGENT, S.J.;  TOOPS,  E.E.;  LOCKE,  E.P.  Pathology  in practice. Uveodermatologic syndrome.  Journal of the  American  Veterinary  Medical  Association, v.242, n.6, p.759-61, 2013

KANG, M.-H.; LIM, C.-Y.; PARK, H.-M. Uveodermatologic syndrome concurrent with keratoconjunctivitis sicca in a miniature poodle dog. The Canadian veterinary journal = La revue veterinaire canadienne, v. 55, n. 6, p. 585–8, 2014.

THAM, H. L.; LINDER, K. E.; OLIVRY, T. Autoimmune diseases affecting skin melanocytes in dogs, cats and horses: vitiligo and the uveodermatological syndrome: a comprehensive review. BMC Veterinary Research, v. 15, n. 1, 19 jul. 2019.

ZAPPELLA, M.C.L.B; MELO, M.I.V; TEIXEIRA, T.T.G. Síndrome uveodermatológica: Relato de caso. Revista Sinapse Múltipla, v.12, n.1, p.186-188, jan. 2023.

ZARFOSS, M. K. et al. Clinical findings and outcomes for dogs with uveodermatologic syndrome. Journal of the American Veterinary Medical Association, v. 252, n. 10, p. 1263–1271, 15 maio 2018.