REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202510312158
Adalmy Brito Santos1
Fernanda Silva Santos2
Neuraci Da Silva Sousa3
Andreia Ayres Gabardo4
RESUMO
A Síndrome de Burnout configura-se como um grave problema de saúde ocupacional entre policiais militares, profissão singularmente exposta a fatores de estresse crônico e com índices alarmantes de adoecimento mental, incluindo afastamentos e suicídio. Este artigo tem como objetivo analisar de que maneira a psicoeducação pode atuar como estratégia de prevenção e enfrentamento dessa síndrome nesse contexto. Trata-se de uma pesquisa teórica, de natureza exploratória e descritiva, que adotou o método de revisão integrativa da literatura. A busca por artigos publicados entre 2020 e 2025, em bases como SciELO e Google Acadêmico, foi conduzida em dois eixos: fatores de risco e impactos do Burnout em policiais; e fundamentos e eficácia da psicoeducação em saúde mental. Os resultados demonstram que a vulnerabilidade dos policiais ao esgotamento é multifatorial, envolvendo aspectos ocupacionais, organizacionais e individuais. Evidências indiretas, como a aplicação bem-sucedida da psicoeducação em professores, indicam sua eficácia na redução de sintomas e afastamentos. Paralelamente, a psicoeducação se mostra uma ferramenta versátil e eficaz, que atua por meio de três eixos interligados: promover autoconhecimento (prevenção), desenvolver habilidades de enfrentamento (enfrentamento) e fomentar apoio social por meio de seu formato grupal (transformação cultural). Conclui-se que a psicoeducação é uma estratégia aplicável e promissora para este público, atuando na desestigmatização da saúde mental e no empoderamento do indivíduo, sendo fundamental sua integração a políticas institucionais mais amplas de cuidado psicológico para resultados sustentáveis.
Palavras-chave: Burnout; Estratégia; Policiais; Psicoeducação; Saúde.
1. INTRODUÇÃO
A Síndrome de Burnout representa um desafio crítico para a saúde ocupacional, especialmente em profissões de alta demanda e estresse, como a polícia militar. Caracterizada pelo esgotamento emocional, despersonalização e reduzida realização profissional, essa síndrome mina não apenas o bem-estar dos indivíduos, mas também a eficácia e a segurança das instituições às quais servem. Policiais militares operam em um contexto singularmente hostil, marcado pela exposição à violência, pressão hierárquica, longas jornadas e uma cultura organizacional que frequentemente desencoraja a busca por ajuda psicológica (Faria; Oliveira, 2024; Viana; Vieira, 2024).
Esses fatores criam um terreno fértil para o desenvolvimento do Burnout, com repercussões que vão desde o adoecimento individual até prejuízos operacionais que impactam a segurança pública (Faria; Oliveira, 2024; Viana; Vieira, 2024). Os alarmantes dados estatísticos, como os mais de 3.500 afastamentos por saúde mental na PM-SP e a prevalência de 70% de exaustão extrema entre policiais do ES, evidenciam a magnitude endêmica do problema.
Embora a literatura científica reconheça a gravidade da Síndrome de Burnout entre profissionais da segurança pública, observa-se uma carência de estudos voltados especificamente à aplicação da psicoeducação nesse contexto. Esta lacuna é significativa, pois deixa sem explorar o potencial de uma estratégia que pode atuar justamente na raiz do problema: a falta de informação e a cultura organizacional negativa. Por isso, a presente pesquisa aborda a psicoeducação em sua forma mais ampla, enquanto estratégia preventiva e promotora de saúde mental e, a partir dessa base conceitual, propõe-se a discutir sua relevância e aplicabilidade para a realidade dos policiais militares.
Dessa forma, o objetivo central deste estudo é analisar como a psicoeducação, enquanto ferramenta de intervenção psicológica, pode contribuir para a prevenção e redução dos sintomas do Burnout em profissionais submetidos a situações de elevado estresse ocupacional, com ênfase nos policiais militares. A questão-problema que orienta este trabalho é: De que maneira a psicoeducação pode atuar como estratégia de prevenção e enfrentamento do Burnout em contextos de alta pressão, como o policial militar?
Para responder a essa questão e atingir o objetivo geral, estabeleceram-se os seguintes objetivos específicos: compreender a Síndrome de Burnout e seus principais fatores de risco; conceituar a psicoeducação e suas aplicações no campo da saúde mental; e relacionar as possibilidades de intervenção psicoeducativa à realidade dos policiais militares.
A justificativa para esta proposta assenta-se na urgência de se transpor o conhecimento acadêmico para ações práticas que mitiguem um problema real e grave. Enquanto a produção científica consistentemente aponta a alta prevalência de Burnout entre esses profissionais, há uma lacuna perceptível entre o diagnóstico e a implementação de soluções efetivas. A psicoeducação, por sua natureza informativa e formativa, emerge como uma estratégia promissora para capacitar indivíduos e instituições na promoção da saúde mental, fortalecendo o autoconhecimento, a resiliência e o manejo de fatores estressores. Sua aplicação visa, portanto, preencher esta lacuna, oferecendo um caminho baseado em evidências para a construção de ambientes de trabalho mais saudáveis e resilientes.
Metodologicamente, este estudo caracteriza-se como uma pesquisa teórica de natureza exploratória e descritiva. O percurso metodológico envolveu uma revisão integrativa da literatura, realizada de modo sistemático, que serviu como alicerce para a construção da discussão proposta. A busca por artigos científicos publicados nos últimos cinco anos (2020 a 2025), em bases de dados como Scientific Electronic Library Online – SciELO, Google Scholar e Portal de Periódicos da CAPES permitiu consolidar o estado da arte sobre o tema, identificando tanto os fundamentos teóricos da psicoeducação quanto os achados mais recentes sobre Burnout em policiais militares. Essa análise crítica da literatura fundamenta diretamente as reflexões apresentadas neste trabalho.
Estruturalmente, o artigo apresenta, após esta introdução, uma fundamentação teórica detalhada sobre a psicoeducação e a Síndrome de Burnout, seguida pela descrição da metodologia utilizada na revisão de literatura. A discussão central articula os princípios psicoeducativos às especificidades da atividade policial, propondo reflexões sobre como programas de caráter educativo podem fortalecer a saúde mental desses profissionais.
As considerações finais sintetizam as principais conclusões e discutem a relevância da psicoeducação como ferramenta de prevenção e promoção do bem estar psicológico, reafirmando sua aplicabilidade em contextos institucionais de alta demanda emocional, como o da polícia militar. Espera-se que este estudo contribua para ampliar o debate sobre a importância de políticas psicoeducativas no campo da Psicologia da Saúde Ocupacional, fortalecendo a integração entre teoria e prática profissional.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A Síndrome de Burnout (SB) é definida como um estado de esgotamento físico, emocional e mental resultante da exposição prolongada a condições laborais estressantes e emocionalmente desgastantes (Urbiña-Villarraga et al., 2021). Conforme destacam Penedo et al. (2022), o termo burnout remete à ideia de um esgotamento energético extremo, emergindo como uma resposta ao estresse crônico no trabalho, especialmente em profissões que demandam alto envolvimento interpessoal e exposição a situações de risco. Essa condição foi inicialmente descrita por Freudenberger (1974) e posteriormente sistematizada por Maslach; Jackson (1981), que estabeleceu um modelo tridimensional amplamente utilizado na literatura científica.
De acordo com Faria; Oliveira (2024), as três dimensões centrais da SB, avaliadas pelo Maslach Burnout Inventory (MBI), incluem a exaustão emocional, caracterizada pela sensação de desgaste afetivo e incapacidade de restabelecer os recursos emocionais; a despersonalização, marcada por atitudes de indiferença e cinismo em relação às pessoas atendidas no trabalho; e a baixa realização profissional, que se manifesta por sentimentos de incompetência e insatisfação com o próprio desempenho. Ribeiro et al. (2024) complementam que a exaustão emocional é frequentemente o primeiro estágio da síndrome, levando o indivíduo a sentir-se esgotado e sem energia para cumprir suas funções, enquanto a despersonalização surge como um mecanismo de defesa, resultando em um distanciamento afetivo que prejudica as relações interpessoais. Já a baixa realização profissional está associada a uma autopercepção negativa, na qual o trabalhador passa a questionar sua competência e o significado de seu trabalho.
Os impactos da SB transcendem o ambiente laboral, afetando profundamente a saúde física e mental dos indivíduos. Penedo et al. (2022) destacam que os policiais militares, devido à natureza de sua profissão, desenvolvem sintomas como fadiga crônica, distúrbios do sono, cefaleias, irritabilidade, dores musculares e quadros de ansiedade e depressão. Esses sintomas são exacerbados pela exposição constante a situações de perigo, pressão hierárquica e falta de recursos adequados para o exercício da função (Ribeiro et al., 2024). Além disso, Santos (2025) ressalta que o contexto hostil em que esses profissionais atuam, marcado por violência, conflitos e submissão a estruturas rígidas, contribui significativamente para o desenvolvimento da síndrome.
A SB também possui repercussões organizacionais e sociais. Peçanha et al. (2025) apontam que fatores como carga horária excessiva, falta de apoio institucional e ausência de políticas de proteção laboral intensificam o desgaste profissional, levando a um aumento no absenteísmo, na rotatividade e na diminuição da eficácia no trabalho. Urbiña-Villarraga et al. (2021) acrescentam que, em casos mais graves, a SB pode resultar em erros operacionais, comprometendo não apenas a saúde do trabalhador, mas também a segurança pública.
Diante desse cenário, a Psicologia assume um papel fundamental na identificação e intervenção precoce da SB, oferecendo estratégias para mitigar seus efeitos (Viana; Vieira, 2024). A compreensão das dimensões e impactos da SB é essencial para a elaboração de políticas de saúde ocupacional que visem à promoção do bem-estar e à prevenção de agravos entre policiais militares, grupo especialmente vulnerável devido às particularidades de sua atuação profissional.
2.1 FATORES DE RISCO E VULNERABILIDADE DO BURNOUT EM POLICIAIS
A profissão policial militar é reconhecidamente uma das mais suscetíveis ao desenvolvimento da Síndrome de Burnout (SB), devido à combinação de fatores intrínsecos à atividade laboral e características organizacionais que exacerbam o estresse crônico. Entre os principais elementos de risco, destacam-se as jornadas exaustivas e turnos irregulares, especialmente os noturnos, que desregulam o ciclo circadiano e estão associados a um maior risco de doenças cardiovasculares, distúrbios metabólicos e agravos à saúde mental, como o estresse pós-traumático e a própria SB (Faria; Oliveira, 2024). Ribeiro et al. (2024) complementam que a exposição prolongada a situações de alto risco, como: confrontos violentos, ameaças à integridade física e pressão hierárquica, cria um ambiente laboral perpetuamente hostil, que mina a resiliência psicológica desses profissionais.
Além das demandas operacionais, fatores organizacionais desempenham um papel crítico no desencadeamento da SB. Chaves (2024) classifica os estressores em quatro categorias: riscos inerentes às atividades policiais (ex.: confrontos armados); disfunções institucionais (ex.: falta de recursos, burocracia excessiva); pressões externas (ex.: expectativas sociais, críticas midiáticas); e conflitos internos (ex.: cobranças por resultados, falta de reconhecimento). Peçanha et al. (2025) reforçam que a falta de autonomia, exigências psicológicas desproporcionais e ambiguidade de papéis, como: a dissonância entre a missão institucional e as limitações práticas, são preditores significativos de exaustão emocional e despersonalização.
Variáveis sociodemográficas e traços de personalidade também influenciam a vulnerabilidade ao Burnout. Os policiais com elevado neuroticismo, com tendência a experimentar emoções negativas como ansiedade e irritabilidade, são mais propensos ao esgotamento, enquanto aqueles com traços de amabilidade e consciência demonstram maior capacidade de adaptação e resiliência (Peçanha et al., 2025). Fatores como idade avançada, sexo masculino (devido à maior exposição a situações de risco em algumas especialidades) e tempo de serviço prolongado estão correlacionados com níveis mais altos de SB, assim como a ausência de suporte social e familiar (Peçanha et al., 2025). Penedo et al. (2022) observam que os primeiros anos de carreira são especialmente críticos, pois os policiais ainda não desenvolveram estratégias eficazes de coping, tornando-os mais vulneráveis a quadros de ansiedade, depressão e até ao abuso de substâncias como álcool e drogas, usadas como mecanismos de escape.
A ausência de políticas institucionais de proteção à saúde mental agrava esse cenário. Fagundes; Freitas (2024) destacam que a falta de valorização do bem-estar psicológico, somada à cultura organizacional que estigmatiza a busca por ajuda, impede muitos policiais de acessarem suporte adequado. Ribeiro et al. (2024) ressaltam que, embora a SB tenha sido recentemente incluída na CID-11 (QD85) como uma condição relacionada ao emprego, seu reconhecimento no ambiente policial ainda é incipiente, dificultando a implementação de medidas preventivas.
Por outro lado, fatores protetivos, como a prática regular de atividade física, redes de apoio social e familiar, estratégias de coping adaptativas (ex.: mindfulness, terapia cognitivo-comportamental) e envolvimento em práticas religiosas ou espirituais, demonstraram reduzir significativamente os níveis de Burnout (Peçanha et al., 2025; Faria; Oliveira, 2024). A promoção desses elementos, aliada a mudanças estruturais nas instituições policiais, como a adoção de jornadas mais humanizadas, programas de saúde ocupacional e capacitação em inteligência emocional, é essencial para mitigar os impactos da SB nessa população (Chaves, 2024).
A vulnerabilidade dos policiais militares ao Burnout é multifatorial, resultante da intersecção entre riscos ocupacionais, fragilidades organizacionais e características individuais. A compreensão desses fatores é fundamental para orientar políticas públicas e intervenções psicossociais que visem não apenas ao tratamento, mas à prevenção primária dessa síndrome em um grupo profissional cuja saúde mental é diretamente vinculada à segurança coletiva (Chaves, 2024; Faria; Oliveira, 2024; Peçanha et al., 2025).
2.2 PSICOEDUCAÇÃO E SUAS APLICAÇÕES NO CAMPO DA SAÚDE MENTAL
A psicoeducação configura-se como uma estratégia interventiva que integra instrumentos psicológicos e pedagógicos com o objetivo de ensinar o indivíduo sobre ações preventivas ou terapêuticas, fornecendo informações sistemáticas e didáticas sobre a etiologia, sintomas, curso e tratamento de uma condição de saúde. Caracteriza-se por ser uma intervenção breve, estruturada, semidireta e focada no presente e na resolução de problemas, indo além da mera transmissão de informações para auxiliar o paciente a compreender e dar sentido às próprias vivências e instrumentalizá-lo para o manejo dos efeitos psicossociais do adoecimento (Ravaioli; Borges, 2022).
Partindo do pressuposto de que as cognições influenciam emoções e comportamentos, a psicoeducação visa, por meio do fornecimento de conhecimentos relevantes, promover a corresponsabilização do indivíduo pela prevenção ou tratamento, reduzir seus níveis de ansiedade e desenvolver pensamentos e comportamentos mais adaptativos. Esta ferramenta de aprendizagem, que pode ser aplicada de modo individual ou grupal, tem como objetivo primordial tornar o sujeito um colaborador ativo e um aliado no seu processo de cuidado, favorecendo o autocuidado, a autonomia e a adoção de alternativas mais racionais de enfrentamento durante a crise e o tratamento (Galdino et al., 2022; Ravaioli; Borges, 2022).
A psicoeducação tem se consolidado como uma estratégia relevante no campo da saúde mental, sendo reconhecida por seu caráter informativo, preventivo e terapêutico. As intervenções psicoeducativas constituem práticas voltadas à promoção da saúde mental e demonstram resultados positivos tanto na compreensão do adoecimento quanto na melhora da qualidade de vida dos sujeitos e de seus familiares (Alves et al., 2024).
Em sua revisão sistemática, Alves et al., (2024) identificaram diferentes aplicações da psicoeducação em contextos de transtornos mentais como esquizofrenia, ansiedade, depressão e transtorno bipolar, ressaltando que tais intervenções, realizadas de forma individual ou grupal, favoreceram a adesão ao tratamento e o bem-estar dos participantes. Dessa forma, a psicoeducação não se restringe a um método terapêutico, mas abrange um processo educativo que permite ao indivíduo compreender e lidar melhor com sua condição psíquica.
De modo complementar, Alves, Macuch e Grossi-Milani (2025) destacam que a psicoeducação, ao ser aplicada como estratégia de intervenção em adultos com Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA), promoveu avanços significativos no autoconhecimento, na conscientização sobre os sintomas e na autonomia dos sujeitos em relação ao próprio tratamento. Os resultados apontados pelos autores evidenciam que, além de reduzir sintomas e favorecer o controle comportamental, a psicoeducação amplia a motivação e o engajamento do indivíduo no processo terapêutico. As autoras enfatizam ainda que essa prática pode ser potencializada por meio do uso de recursos tecnológicos, como plataformas digitais, que facilitam a transmissão de conteúdos psicoeducacionais e o alcance de diferentes públicos.
A literatura demonstra que a psicoeducação está fortemente associada a abordagens cognitivo-comportamentais, sendo uma das principais estratégias utilizadas na Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC). Silva, Vilela e Antão (2024) explicam que a TCC adota a psicoeducação como ferramenta essencial para modificar crenças e comportamentos disfuncionais, auxiliando o paciente a reconhecer pensamentos automáticos negativos e desenvolver habilidades de enfrentamento diante de situações estressantes.
Landim e Martuscelllo Neto (2021) ressaltam que a psicoeducação atua na prevenção da Síndrome de Burnout, pois contribui para o desenvolvimento de hábitos saudáveis e para o fortalecimento da resiliência emocional. Os autores observam que programas psicoeducativos baseados na TCC podem ser aplicados em diferentes contextos, como oficinas, grupos de discussão e palestras, de modo a promover o autoconhecimento e o bem-estar psicológico.
A relação entre psicoeducação e práticas terapêuticas voltadas à prevenção do Burnout também é discutida por Okereke et al. (2023), que descreve sua integração ao processo de tratamento na TCC. Os autores relatam que, ao associar o processo psicoeducativo à terapia cognitivo-comportamental, o paciente aprende habilidades de comunicação, gerenciamento de tempo e resolução de conflitos, o que contribui para a redução dos sintomas emocionais e para o aprimoramento do funcionamento psicológico. Nesse sentido, a psicoeducação se consolida como uma ferramenta que não apenas transmite conhecimento, mas também promove a aquisição de competências práticas para lidar com o estresse e a sobrecarga emocional. No campo organizacional, Melo, Ribeiro e Bicalho (2024) analisaram práticas terapêuticas voltadas à redução do Burnout em professores e identificaram a psicoeducação como uma das estratégias mais eficazes. Os resultados demonstraram melhora na saúde mental e no retorno ao ambiente de trabalho, com redução dos afastamentos por incapacidade. Os autores afirmam que, quando utilizada em grupo, a psicoeducação favorece o compartilhamento de experiências e o fortalecimento do apoio social, o que reforça sua importância como instrumento de prevenção e intervenção no ambiente laboral.
Rocha e Sanches (2025) também evidenciam o potencial da psicoeducação como estratégia de enfrentamento psicológico. Em seus estudos sobre sofrimento psíquico e Burnout, as autoras destacam que essa prática ensina os indivíduos a cuidar uns dos outros e a reconhecer seus próprios limites emocionais, contribuindo para o desenvolvimento da inteligência emocional e para a melhoria da qualidade de vida em ambientes acadêmicos e profissionais.
Conforme afirmam, “estratégias como a psicoeducação se mostraram promissoras, visto que por meio dela, ensina-se muito mais do que uma estratégia, mas ensina os próprios estudantes a cuidarem um dos outros” (Rocha; Sanches, 2025, p. 10). Esse aspecto demonstra que a psicoeducação pode atuar não apenas na dimensão individual, mas também na construção de vínculos e redes de apoio coletivo.
Estudos recentes reforçam que a aplicação da psicoeducação não se limita a contextos clínicos, mas pode ser implementada em ambientes de trabalho, contribuindo para a mitigação de fatores de risco e para a promoção da saúde psicológica. Silva et al. (2024), ao investigarem profissionais psicólogos expostos a situações de esgotamento, observaram que a psicoeducação proporcionou conscientização sobre o Burnout, autoconhecimento e fortalecimento das estratégias de enfrentamento. A pesquisa mostrou que dinâmicas psicoeducativas, como rodas de conversa e compartilhamento de experiências, estimulam a reflexão sobre as condições laborais e incentivam a criação de espaços de apoio mútuo entre colegas, favorecendo um ambiente emocionalmente mais equilibrado.
De forma convergente, o Ministério Público do Estado do Piauí (2020) destaca que a psicoeducação constitui o primeiro passo do tratamento do Burnout, pois permite conhecer a síndrome, reconhecer seus sintomas e identificar os fatores que a originam e mantêm. Essa concepção reforça o caráter didático e informativo da psicoeducação, cuja função é capacitar o indivíduo para compreender seu estado emocional e adotar medidas de prevenção e autocuidado. Dessa forma, a prática psicoeducativa se torna um recurso essencial na gestão de sintomas e na promoção de uma postura ativa frente ao sofrimento psíquico.
Observa-se que a psicoeducação assume papel central no cuidado integral em saúde mental, ao combinar aspectos educativos e terapêuticos para fortalecer o protagonismo do sujeito em seu processo de recuperação e prevenção. Conforme sintetizado por Alves et al. (2024), os benefícios dessa estratégia são evidentes na ampliação da compreensão sobre os transtornos mentais, na adesão aos tratamentos e na melhoria da qualidade de vida dos indivíduos e suas famílias. Assim, a psicoeducação consolida-se como um instrumento eficaz, de base científica e aplicável em múltiplos contextos, reafirmando sua relevância na promoção da saúde mental e na mitigação dos efeitos do estresse ocupacional.
3. METODOLOGIA
Este estudo caracteriza-se como uma pesquisa teórica de natureza exploratória e descritiva, que adotou o método da revisão integrativa da literatura. Este método permite sintetizar estudos empíricos e teóricos sobre um determinado tema, buscando analisar e integrar os resultados de diversas pesquisas para obter uma compreensão abrangente do fenômeno estudado (Frainer, 2020).
O percurso metodológico envolveu etapas sistemáticas, incluindo a formulação da questão de pesquisa, busca na literatura, avaliação crítica dos estudos, análise dos dados e apresentação dos resultados, o que garante um processo metodológico estruturado e confiável. Ao contrário de outras tipologias de revisão, a revisão integrativa possibilita incluir estudos com diferentes desenhos metodológicos, sendo particularmente útil para identificar lacunas no conhecimento e propor novas direções para pesquisas futuras (Mattos, 2020).
Para a busca na literatura, estabeleceram-se critérios de elegibilidade claros. Foram incluídos artigos científicos originais e completos, publicados no período de 2020 a 2025, nos idiomas português e inglês. A opção por esse recorte temporal visa captar as produções mais recentes e relevantes sobre o tema. Os critérios de inclusão foram divididos em dois eixos temáticos para atender ao objetivo do estudo: Eixo 1) estudos que abordassem a Síndrome de Burnout, seus fatores de risco, impactos e estratégias de intervenção em policiais militares; e Eixo 2) estudos que conceituaram, descrevessem ou avaliassem a eficácia de intervenções psicoeducativas no campo da saúde mental e do trabalho, incluindo outras populações profissionais, para fundamentar a discussão sobre a aplicabilidade da técnica.
A estratégia de busca foi implementada nas bases de dados Scientific Electronic Library Online (SciELO), Google Acadêmico e Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Foram realizadas duas buscas principais com os seguintes descritores, combinados por meio do operador booleano AND: Busca 1 (Foco no Burnout Policial): (“Burnout” OR “Esgotamento Profissional”) AND (“Polícia Militar” OR “Forças de Segurança” OR “Military Police”). Busca 2 (Foco na Psicoeducação): (“Psicoeducação” OR “Psychoeducation” OR “Intervenção Psicoeducativa”) AND (“Saúde Mental” OR “Saúde Ocupacional” OR “Mental Health” OR “Occupational Health”).
Os estudos recuperados foram organizados e selecionados com base na leitura de títulos, resumos e, posteriormente, do texto completo, assegurando sua aderência aos critérios de inclusão. A análise de conteúdo dos artigos selecionados permitiu a síntese dos principais fatores de risco e impactos do Burnout em policiais militares, bem como a consolidação dos princípios, aplicações e evidências de eficácia da psicoeducação. Essa síntese foi organizada de forma narrativa e complementada com quadros sinóticos para apresentar os dados de maneira clara e objetiva. Essa análise crítica e integrativa da literatura serviu como alicerce para a discussão central do trabalho, que articula os dois eixos temáticos para fundamentar a proposta de aplicabilidade da psicoeducação ao contexto policial militar.
4. RESULTADOS
Os resultados obtidos por meio da revisão integrativa da literatura, organizada em dois eixos centrais. O primeiro refere-se às evidências sobre a Síndrome de Burnout e os fatores de risco específicos para policiais militares.
A análise dos estudos reunidos até o capítulo 2.1 evidenciou um conjunto expressivo de fatores de risco e impactos associados ao desenvolvimento da Síndrome de Burnout entre policiais militares.
O quadro abaixo detalha os fatores de risco que tornam os policiais militares vulneráveis à Síndrome de Burnout:
Quadro 1 – Fatores de risco da Síndrome de Burnout em policiais militares

Em relação à questão-problema, os resultados do Quadro 1 demonstram que o contexto policial militar é permeado por estressores crônicos e multifatoriais. Para além dos fatores de risco, a literatura revisada evidencia as sérias consequências da Síndrome de Burnout, que se manifestam tanto na esfera individual quanto organizacional. O Quadro 2 sintetiza os principais impactos identificados, destacando a abrangência do problema.
Quadro 2 – Impactos da Síndrome de Burnout em policiais militares

A análise dos impactos apresentados no Quadro 2 reforça a urgência de intervenções efetivas. Os prejuízos à saúde do policial e à segurança pública mostram que o Burnout transcende o sofrimento individual, constituindo-se em um problema de ordem institucional e social.
A análise conjunta desses resultados visa fornecer o embasamento necessário para discutir a aplicabilidade da psicoeducação como estratégia de enfrentamento neste contexto. Embora a literatura específica sobre psicoeducação para Burnout em policiais militares ainda seja incipiente, evidências robustas de sua aplicação em outras categorias profissionais com altos níveis de estresse ocupacional demonstram resultados promissores, que podem ser perfeitamente transpostos para o contexto policial.
Conforme demonstrado por Melo; Ribeiro; Bicalho (2024), a aplicação de práticas psicoeducativas em professores, uma outra profissão com alta prevalência da síndrome, resultou em melhora significativa na saúde mental e no retorno ao ambiente de trabalho, com redução dos afastamentos por incapacidade. Esse resultado está alinhado com a capacidade da psicoeducação, descrita por Silva et al. (2024), de promover conscientização sobre o Burnout, autoconhecimento e fortalecimento das estratégias de enfrentamento (coping).
Ao fornecer conhecimentos sobre a síndrome, a psicoeducação permite que o indivíduo identifique precocemente seus próprios sinais de exaustão emocional e despersonalização (dimensões centrais do Burnout), conforme definido por Maslach; Jackson (1981).
Paralelamente, ao desenvolver habilidades práticas de gestão do estresse, comunicação assertiva e resolução de conflitos, frequentemente associadas à Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), da qual a psicoeducação é parte integrante (Okereke et al., 2023; Silva; Vilela; Antão, 2024), o profissional se torna mais resiliente e menos vulnerável aos estressores ocupacionais e organizacionais detalhados no Quadro 1, que identifica jornadas exaustivas, pressão hierárquica, falta de autonomia e ambiguidade de papéis como fatores críticos, o desenvolvimento dessas habilidades pela psicoeducação torna-se ainda mais crucial. A capacidade de gerenciar o estresse ajuda o policial a lidar com as jornadas exaustivas e turnos irregulares; a comunicação assertiva permite enfrentar melhor as pressões hierárquicas e conflitos internos; e as técnicas de resolução de conflitos oferecem ferramentas para navegar na ambiguidade de papéis e disfunções institucionais.
A vulnerabilidade dos policiais militares ao Burnout não é apenas qualitativa, mas também quantitativamente alarmante, como evidenciam dados estatísticos recentes de diversas corporações pelo país, conforme o Quadro 3 apresentado a seguir:
Quadro 3 – Estatísticas da Incidência da Saúde Mental e Burnout em Policiais Militares no Brasil

Na Paraíba, por exemplo, houve um aumento de 187% nas licenças por transtornos psicológicos entre 2021 e 2022 (PORTAL T5, 2023). Em São Paulo, a PM registrou cerca de 3.500 afastamentos por questões de saúde mental desde 2020, com mais da metade dos casos envolvendo depressão e ansiedade (O Globo, 2025).
Uma pesquisa abrangente no Espírito Santo apontou que 85% dos PMs estavam estressados e cerca de 70% de todos os agentes de segurança pesquisados apresentavam exaustão extrema com indicativo de Burnout (G1, 2023).
A gravidade do cenário é coroada por dados nacionais que apontam o suicídio como a segunda maior causa de morte entre policiais, com uma taxa entre os militares que chega a ser quatro vezes superior à da população geral (Fórum Brasileiro De Segurança Pública, 2024; Agência Gov, 2024). Esses números consolidam o Burnout como uma endemia ocupacional na categoria, demandando intervenções urgentes e efetivas.
Os dados apresentados, somados à análise dos fatores de risco, somados aos dados indiretos da psicoeducação na redução do Burnout, sustentam que ela é uma ferramenta eficaz para a prevenção e o enfrentamento do Burnout. Sua aplicação no contexto policial, preferencialmente em formato grupal, tem o potencial de não apenas reduzir os sintomas individuais, mas também de fomentar o apoio social e transformar a cultura organizacional, atacando o problema em múltiplas frentes (Rocha; Sanches, 2025; Melo; Ribeiro; Bicalho, 2024).
5. DISCUSSÃO
A análise dos resultados evidencia que os policiais militares constituem um grupo profissional particularmente vulnerável ao desenvolvimento da Síndrome de Burnout (SB), não por uma mera conjunção de fatores, mas por uma sinergia perversa entre fatores ocupacionais e organizacionais que intensificam o estresse crônico (Faria; Oliveira, 2024; Ribeiro et al., 2024). Os dados quantitativos compilados (Quadro 3) não apenas corroboram, mas dimensionam a gravidade desta vulnerabilidade, transformando-a em um problema de saúde pública e segurança nacional.
As condições de trabalho extenuantes, aliadas à pressão hierárquica e à exposição constante à violência, criam um ambiente que favorece o esgotamento emocional e o distanciamento afetivo, componentes centrais da síndrome conforme descrito por Maslach; Jackson (1981). Nesse contexto, a psicoeducação surge como uma estratégia promissora de enfrentamento e prevenção, não por acaso; mas por sua natureza fundamentalmente educativa e empoderadora, uma vez que promove o autoconhecimento e a conscientização sobre os fatores desencadeantes do adoecimento mental (Alves et al., 2024; Landim; Martuscelllo Neto, 2021).
Autores como Melo; Ribeiro; Bicalho (2024) apontam que as intervenções psicoeducativas, quando aplicadas em ambientes laborais, contribuem para o fortalecimento das redes de apoio e a melhoria do clima organizacional, reduzindo o absenteísmo e o impacto dos sintomas do Burnout. Essa constatação é particularmente relevante no contexto policial, em que a cultura institucional tende a desvalorizar manifestações de vulnerabilidade emocional (Fagundes; Freitas, 2024). Para esses autores, a psicoeducação rompe com o estigma da busca por ajuda psicológica ao oferecer um espaço coletivo de aprendizagem sobre o autocuidado e o manejo do estresse, o que facilita a adesão dos profissionais às práticas de promoção da saúde mental. Ela atua, portanto, na raiz de um dos principais obstáculos ao cuidado: a cultura do silêncio.
A aplicabilidade da psicoeducação no ambiente policial pode ser observada a partir de sua capacidade de integrar dimensões educativas e terapêuticas. Silva; Vilela; Antão (2024) ressaltam que, dentro da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), a psicoeducação atua no replanejamento cognitivo e na modificação de crenças disfuncionais relacionadas ao desempenho profissional. Esse enfoque é essencial entre policiais, que frequentemente internalizam padrões de rigidez emocional e autocobrança extrema (Peçanha et al., 2025). Assim, a psicoeducação pode auxiliar esses profissionais a identificar pensamentos automáticos negativos, como os sentimentos de incapacidade ou desvalorização frente às pressões por resultados (Chaves, 2024), e substituí-los por percepções mais adaptativas, reduzindo o risco de esgotamento emocional.
De modo convergente, Rocha; Sanches (2025) destacam que as dinâmicas psicoeducativas em grupo estimulam o desenvolvimento da empatia e do apoio mútuo, promovendo uma rede de solidariedade entre os participantes. Essa característica é de grande relevância no contexto militar, onde a coesão da equipe é um elemento estruturante da atuação profissional.
Alves; Macuch; Grossi-Milani (2025) reforçam que, ao favorecer o autoconhecimento e a autonomia emocional, a psicoeducação possibilita que o indivíduo assume papel ativo no enfrentamento dos fatores estressores, ampliando sua resiliência psicológica e seu engajamento no trabalho. Essa interação entre aprendizado coletivo e fortalecimento individual constitui uma via eficaz para a prevenção do Burnout entre os policiais militares. O formato grupal, portanto, não é apenas uma opção logística, mas uma estratégia terapêutica que resgata o sentido de corpo e missão compartilhada, convertendo-o em suporte psicossocial. Embora haja consenso na literatura sobre os benefícios da psicoeducação como estratégia de enfrentamento, alguns autores apontam limitações quanto à sua eficácia isolada. Okereke et al. (2023) argumentam que, embora a psicoeducação reduza sintomas emocionais e melhore o funcionamento psicológico, seus efeitos são potencializados quando combinados a outras intervenções, como acompanhamento psicoterápico contínuo e políticas institucionais de saúde mental. Trata-se de um entendimento crucial: a psicoeducação é uma alavanca para a mudança, mas não substitui a necessidade de reparar a estrutura.
A visão de Okereke et al. (2023) é compartilhada por Peçanha et al. (2025), que destacam que a ausência de mudanças estruturais na organização do trabalho, como a persistência de jornadas exaustivas e a falta de recursos, pode comprometer os resultados obtidos pelas ações educativas. Assim, a psicoeducação deve ser compreendida não como solução única, mas como parte integrante de uma política de cuidado institucional mais ampla. Sua função é capacitar o indivíduo a navegar em um ambiente adverso, ao mesmo tempo em que se clama por uma transformação desse próprio ambiente.
A integração de programas psicoeducativos às instituições policiais exige, portanto, uma abordagem multissetorial. Faria; Oliveira (2024) enfatizam que a efetividade das estratégias preventivas depende de um compromisso institucional que envolva tanto o suporte psicológico individual quanto a transformação das condições organizacionais.
Nesse sentido, Melo; Ribeiro; Bicalho (2024) sugerem que oficinas psicoeducativas, palestras e rodas de conversa podem ser implementadas de forma contínua, abordando temas como gestão do estresse, inteligência emocional e equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Tais práticas não apenas fortalecem o bem-estar psicológico dos policiais, mas também promovem maior eficiência no desempenho das funções e redução de erros operacionais, conforme apontado por Urbiña-Villarraga et al. (2021). Dessa forma, investir na saúde mental do policial deixa de ser um custo para se tornar um investimento em eficiência e segurança pública.
O Ministério Público do Estado do Piauí (2020) reconhece a psicoeducação como etapa inicial no enfrentamento do Burnout, pois possibilita a compreensão dos sintomas e a identificação precoce de fatores de risco. Essa concepção reforça a importância da psicoeducação como instrumento de alfabetização emocional, capacitando o profissional para reconhecer sinais de esgotamento e adotar medidas preventivas antes que o quadro se agrave. Em consonância, Landim; Martuscelllo Neto (2021) afirma que programas psicoeducativos fundamentados na TCC, ao desenvolverem hábitos saudáveis e habilidades de enfrentamento, reduzem significativamente o impacto do estresse ocupacional.
Cabe destacar que a psicoeducação, ao ser adaptada à realidade institucional da Polícia Militar, pode contribuir não apenas para a mitigação dos sintomas de Burnout, mas também para a transformação cultural da corporação, promovendo uma visão mais humanizada sobre o cuidado psicológico. Rocha; Sanches (2025) e Silva et al. (2024) defendem que tais práticas fortalecem o senso de comunidade e incentivam o cuidado coletivo, o que representa um avanço na construção de ambientes mais saudáveis e colaborativos. Ela planta a semente de uma nova cultura organizacional, onde a força não reside na negação do sofrimento, mas na coragem de enfrentá-lo coletivamente.
Dessa forma, a psicoeducação se apresenta como uma ferramenta estratégica, aplicável e eficaz para a prevenção e o enfrentamento do Burnout em contextos de alta pressão, como o da polícia militar, alinhando-se diretamente ao objetivo deste estudo e aos princípios contemporâneos da Psicologia da Saúde Ocupacional. Sua grande virtude é atacar o problema em suas múltiplas dimensões: informando o indivíduo, fortalecendo o grupo e demandando mudanças da instituição.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo teve como objetivo central analisar de que maneira a psicoeducação pode atuar como estratégia de prevenção e enfrentamento da Síndrome de Burnout em policiais militares. A partir de uma revisão integrativa da literatura, foi possível concluir que a psicoeducação se configura como uma abordagem estratégica, aplicável e promissora para este contexto, posicionando-se como uma ferramenta de interface entre o indivíduo e a organização. Sua aplicabilidade alinha-se diretamente aos fatores de risco e às necessidades específicas identificadas nessa população profissional.
A análise realizada permitiu não apenas atingir os objetivos específicos traçados, mas também consolidar um entendimento sobre a dinâmica do Burnout no contexto policial e os mecanismos de ação da psicoeducação. Conforme demonstrado por Alves et al. (2024) e Landim; Martuscelllo Neto (2021), a psicoeducação atua de forma preventiva ao promover a compreensão dos sintomas e fatores de risco do Burnout, o que é fundamental em um ambiente onde o reconhecimento precoce do esgotamento é frequentemente dificultado pela cultura organizacional. Esse aspecto educativo é reforçado pelo Ministério Público do Estado do Piauí (2020), que define a psicoeducação como etapa inicial e essencial no enfrentamento da síndrome.
A gravidade do cenário, quantificada pelos dados estatísticos apresentados (Quadro 3), como os mais de 3.500 afastamentos por saúde mental na PM-SP e a prevalência de 70% de exaustão extrema no ES, corrobora a urgência de intervenções educativas que rompam o ciclo de adoecimento.
No que se refere ao desenvolvimento de habilidades de enfrentamento, os resultados indicam que a psicoeducação, particularmente quando associada à Terapia Cognitivo-Comportamental, oferece ferramentas práticas para o manejo do estresse ocupacional. Okereke et al. (2023) e Silva; Vilela; Antão (2024) destacam que essa abordagem capacita os indivíduos no gerenciamento de tempo, na comunicação assertiva e na resolução de conflitos, competências diretamente relacionadas aos estressores organizacionais; como a falta de autonomia e as exigências psicológicas desproporcionais, apontados por Chaves (2024) e Peçanha et al. (2025). Dessa forma, a psicoeducação transcende a esfera da informação, equipando o policial com recursos concretos para lidar com os desafios cotidianos que alimentam o Burnout.
Um dos achados mais significativos diz respeito ao potencial da psicoeducação em formato grupal para transformar a cultura organizacional. Melo; Ribeiro; Bicalho (2024) e Silva et al. (2024) evidenciam que intervenções coletivas favorecem o compartilhamento de experiências e o fortalecimento do apoio social, criando um ambiente propício para a desconstrução do estigma associado à saúde mental, um dos principais obstáculos apontados por Fagundes; Freitas (2024).
Rocha; Sanches (2025) complementam que essa dinâmica coletiva ensina os profissionais a cuidarem uns dos outros, fortalecendo a coesão da equipe. Este aspecto é crucial, pois ataca um dos núcleos do problema: a cultura organizacional que desencoraja a manifestação de vulnerabilidade. Ao fomentar um espaço de diálogo e apoio mútuo, a psicoeducação em grupo pode ressignificar valores institucionais, promovendo uma visão de que cuidar da saúde mental é um ato de responsabilidade profissional e coletiva.
Contudo, é importante ressaltar, conforme alertado por Okereke et al. (2023) e Peçanha et al. (2025), que a psicoeducação não deve ser compreendida como uma solução isolada ou panaceia. Sua efetividade máxima é alcançada quando integrada a uma política institucional mais ampla de saúde ocupacional, que seja capaz de enfrentar também as causas estruturais do problema. Isto inclui mudanças efetivas nas condições de trabalho, tais como a revisão de jornadas exaustivas e a valorização do profissional, e o acesso a acompanhamento psicológico contínuo. A psicoeducação prepara o terreno e empodera o indivíduo, mas a mudança duradoura exige um comprometimento institucional com a transformação do ambiente de trabalho.
Ao longo do desenvolvimento desta pesquisa, algumas limitações e dificuldades foram identificadas. A principal delas reside na escassez de estudos científicos que abordem diretamente a aplicação de programas psicoeducativos para a prevenção da Síndrome de Burnout especificamente no contexto da polícia militar, o que demandou uma análise indireta a partir de evidências sobre a psicoeducação em saúde mental de um modo mais amplo e sua posterior contextualização para a realidade castrense. Ademais, a natureza teórica deste estudo, baseado em uma revisão integrativa da literatura, embora fundamental para a sistematização do conhecimento, não permitiu a geração de dados empíricos originais que pudessem mensurar a eficácia prática de uma intervenção psicoeducativa implementada nesse ambiente laboral específico.
Apesar das dificuldades, esta pesquisa conseguiu demonstrar que a psicoeducação apresenta uma aplicabilidade concreta e multifacetada na prevenção e no enfrentamento do Burnout entre policiais militares. Em resposta à questão problema que orientou este trabalho, a pesquisa demonstra que a psicoeducação atua no contexto policial militar através de três eixos interligados e complementares:
1) prevenção e alfabetização emocional: ao fornecer conhecimento que permite o reconhecimento precoce dos sintomas de Burnout (Alves et al., 2024; Brasil, 2020);
2) empoderamento e enfrentamento prático: ao desenvolver habilidades práticas de gestão do estresse e comunicação, direcionadas aos estressores organizacionais específicos da profissão (Okereke et al., 2023; Silva; Vilela; Antão, 2024);
3) transformação cultural e coesão grupal: ao utilizar o formato grupal para fomentar apoio social e desestigmatizar a saúde mental, aproveitando a coesão de equipe inerente à instituição para promover um ambiente de trabalho mais saudável (Melo; Ribeiro; Bicalho, 2024; Rocha; Sanches, 2025).
Sua capacidade de combinar educação em saúde, desenvolvimento de habilidades práticas e promoção de suporte social a torna uma ferramenta estratégica e versátil para a promoção de ambientes de trabalho mais saudáveis nesta categoria profissional, cujo bem-estar é intrinsecamente ligado à segurança pública. Portanto, este estudo não se encerra aqui, mas sinaliza um caminho promissor a ser seguido.
Para pesquisas futuras, recomenda-se fortemente a investigação empírica da implementação de programas psicoeducativos específicos em corporações militares, preferencialmente estudos de intervenção com delineamentos metodológicos robustos (pré e pós-teste, grupos de controle), a fim de avaliar seus resultados práticos e impactos de longo prazo na saúde mental e na eficácia operacional desses profissionais. A transposição do conhecimento teórico para a ação concreta é o próximo passo essencial para enfrentar a endemia de Burnout que assola as forças de segurança.
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1Graduando em Psicologia
2Graduanda em Psicologia
3Graduanda em Psicologia
4Docente em Psicologia
