REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202507162358
Alane Santos Nunes; Ígor Luiz da Costa Melo; Marijany Costa de Miranda Silva; Amanda Jesabel Costa Mousinho Soares; Mônica da Conceição Ribeiro Freitas; Miléssia Milene de Sá Mousinho; Milena Gomes Portela; Adriel Romário Sousa Alves; Marciela Lima Monteiro
RESUMO
O estudo abordou a relação entre os direitos humanos e o Serviço Social no Brasil, destacando as transformações sociais, políticas e jurídicas que ocorreram principalmente a partir da Constituição Federal de 1988. A pesquisa explorou a evolução dos direitos humanos, com ênfase na universalização e consolidação de direitos essenciais, como saúde, educação e moradia, e sua aplicação no contexto brasileiro. A Constituição de 1988 expandiu os direitos sociais e redefiniu o papel do Estado brasileiro na proteção da cidadania, promovendo avanços significativos na consolidação dos direitos sociais. A Lei Orgânica da Assistência Social como uma regulamentação de grande importância para a profissão visa viabilizar os direitos dos cidadãos que dela necessitam. Além disso, a pesquisa revelou que, embora o Brasil tenha avançado legalmente, persistem desafios significativos em sua implementação, principalmente devido às desigualdades sociais, às crises econômicas e à limitação de políticas públicas eficazes. A análise também evidenciou o papel do Serviço Social, que, ao longo de sua história, buscou integrar os direitos humanos em suas práticas e na promoção da justiça social. A profissão desempenha um papel fundamental na luta contra a exclusão social, agindo tanto na defesa quanto na viabilização desses direitos. Assim, a pesquisa indicou que há uma necessidade contínua de avaliação das políticas públicas para garantir a universalização dos direitos humanos, com ênfase nas populações vulneráveis. Para futuras investigações, sugere-se um aprofundamento na eficácia das ações governamentais e da atuação das organizações civis na promoção desses direitos, além de uma análise crítica das implicações das políticas neoliberais no contexto social brasileiro.
Palavras-chave: Direitos humanos; Serviço social; Cidadania.
1. INTRODUÇÃO
Direitos humanos são os direitos básicos de todos os seres humanos, como por exemplo, civis, políticos, econômicos, sociais, culturais, entre outros. Direitos estes que foram e são adquiridos em virtude do resultado de uma longa história, o que motivou a confecção deste artigo. A trajetória dos direitos humanos revela uma luta contínua pela dignidade humana, a liberdade e a igualdade, que atravessa séculos de opressão, desrespeito e desigualdades. Essa luta não é apenas uma questão teórica ou legal, mas um reflexo da necessidade de garantir condições mínimas de vida para todos os indivíduos, independentemente de sua origem, cor, religião ou status social (Bobbio, 2004).
De acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade. Esse princípio básico, que sustenta toda a fundamentação dos direitos humanos, reforça a necessidade de uma sociedade justa e igualitária, onde o respeito aos direitos fundamentais seja garantido para todos. A Declaração Universal, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948, estabelece um marco histórico no reconhecimento dos direitos humanos, influenciando diversas legislações e tratados internacionais (Martins, 2023).
O texto começa afirmando que os direitos humanos compreendem a uma pluralidade de direitos fundamentais e esse ponto crucial nos remete ao conhecimento de que os direitos humanos não se referem somente a um aspecto como o direito ao voto, por exemplo, de forma isolada, mas a diversos fatores, ou seja, corresponde a um conjunto onde um está relacionado com o outro, pois não se pode dizer que o direito à moradia está sendo respeitado se o direito à alimentação e aos mínimos essenciais para sobrevivência não estiverem sendo atendidos também de forma interligada. E que todos esses direitos que já foram conquistados não vieram com facilidades nem de forma espontânea, mas como resultados de muita luta, resistência e sofrimento ao longo da história.
Ressalvando que essa declaração é de grande importância para o desenvolvimento da nossa sociedade, pois a maioria dos documentos relativos aos direitos humanos tem como base esta declaração, que se tornou uma referência global. No entanto, a implementação prática desses direitos ainda enfrenta desafios em diversas partes do mundo. A realidade de muitas nações revela que, embora os direitos humanos estejam consagrados legalmente, ainda existem obstáculos significativos para garantir sua efetividade, principalmente nas questões econômicas, sociais e culturais (Brasil, 1988).
Infelizmente existe uma dicotomia entre o papel e a prática. Muito já se foi conquistado, está escrito na Declaração Universal dos Direitos Humanos, outros na Constituição Federal de 1988, mas quando chega o momento da implementação surgem as lacunas e as barreiras para a devida efetivação. Uma dessas que mais acontece no dia a dia é a questão econômica que perpassa pela questão de gênero quando existe na sociedade a diferença de salários entre homens e mulheres, sendo também um fator cultural e simbólico, pois não há razão lógica para essa adversidade que se replica e passa de geração em geração. Esse é um exemplo notório de preconceito que fere os princípios da dignidade humana.
Em seu Preâmbulo, a Declaração pronúncia sem que haja dúvida os direitos inerentes de todos os seres humanos: “O desconhecimento e o desprezo dos direitos humanos conduziram a ato de barbárie que revoltam a consciência da Humanidade, e o advento de um mundo em que os seres humanos sejam livres de falar e de crer, libertos do terror e da miséria, foi proclamado com a mais alta inspiração do Homem”. Esse trecho resgata o impacto histórico de uma época em que a falta de respeito aos direitos humanos resultou em atrocidades e violências de grande escala, como as guerras mundiais e o holocausto, situações que evidenciam a urgência da universalização desses direitos (Elpidio, 2022).
A luta pelos direitos humanos, entretanto, não é uma questão apenas do campo político e jurídico. Ela se entrelaça com diversas áreas do conhecimento e da prática social, e o Serviço Social se configura como uma profissão central na defesa e promoção dos direitos humanos. Ao longo da sua história, o Serviço Social no Brasil tem buscado, em suas diversas manifestações, alinhar-se com as causas dos direitos humanos, principalmente no que diz respeito às questões sociais e econômicas. O assistente social, em sua atuação, tem um papel fundamental na concretização dos direitos das populações mais vulneráveis, utilizando-se de mecanismos legais, sociais e políticos para a garantia desses direitos (Martins, 2023).
As lutas sangrentas e catastróficas que marcaram a nossa história deixaram marcas naqueles que viveram e presenciaram momentos humilhantes como a segunda guerra mundial (1939-1945) que além de tudo é um dos maiores exemplos de falta de respeito com o semelhante. Acontecimento esse que foi uma das motivações para a criação da Declaração dos Direitos Humanos (1948), pois tantos episódios torturantes que revoltaram e geraram indignação na sociedade deixaram mazelas e desigualdades sociais (Beevor, 2013). E o Serviço Social surgiu como resposta às questões sociais, que é o seu objeto de trabalho, e contribui de forma significativa para amenizar as desigualdades sociais e viabilização dos direitos constituídos em lei (Netto, 2001).
A discussão sobre direitos humanos na modernidade revela que, apesar de progressos significativos, o cenário atual ainda é marcado por desigualdades sociais e violação de direitos em diversas esferas. A luta por direitos continua sendo uma necessidade urgente, especialmente em contextos onde as vulnerabilidades sociais se intensificam devido a crises econômicas, conflitos armados, e mudanças políticas. Nesse sentido, é imprescindível refletir sobre as conquistas e desafios dos direitos humanos na atualidade, visando sempre ampliar a proteção e a dignidade de todos os indivíduos (Bobbio, 2004).
O Serviço Social, enquanto profissão, tem como uma de suas finalidades centrais a defesa dos direitos humanos. A atuação dos assistentes sociais nas políticas públicas, na educação, na saúde, no trabalho e em diversos outros campos sociais, contribui significativamente para a efetivação dos direitos humanos no Brasil. Ao longo de sua história, o Serviço Social brasileiro tem se aproximado da luta pelos direitos humanos, não apenas como uma área de atuação profissional, mas como um compromisso ético e político com a transformação social (Elpidio, 2022).
A metodologia adotada para esta obra consiste em uma pesquisa bibliográfica, na qual foram consultados livros, artigos acadêmicos, documentos oficiais e fontes especializadas sobre direitos humanos e o Serviço Social no Brasil. O objetivo foi realizar uma análise teórica e reflexiva sobre os direitos humanos na modernidade, contextualizando historicamente o Serviço Social e sua relação com a promoção e defesa desses direitos. A pesquisa buscou, assim, consolidar os conhecimentos disponíveis na literatura para compreender o papel da profissão na garantia dos direitos humanos, além de identificar os desafios e as contribuições dessa área no contexto social atual.
No tocante a este assunto, torna-se essencial a apresentação de um breve histórico do Serviço Social, para que seja possível entender as bases do desenvolvimento de sua genealogia até os dias atuais.
2. BREVE HISTÓRICO DO SERVIÇO SOCIAL BRASILEIRO
O Serviço Social no Brasil tem sua origem no início do século XX, com a institucionalização da profissão nas décadas de 1920 e 1930, influenciado principalmente pelo movimento católico europeu e pelas ideias de Mary Richmond. O foco era a aplicação de princípios de caridade e assistência aos mais necessitados. A partir de então, a profissão passou a se caracterizar como uma especialização do trabalho social, em um contexto de crescente urbanização e industrialização, que expôs as desigualdades sociais (Elpidio, 2022).
Nas décadas de 1940 e 1950, o Serviço Social brasileiro sofreu influência norte americana, incorporando práticas tecnicistas baseadas em teorias psicanalíticas e sociológicas positivistas. A profissão buscava promover o ajustamento psicossocial, enfatizando as abordagens individual e grupal. Nesse período, surgiram os primeiros movimentos organizacionais, como o Serviço Social de Caso, o Serviço Social de Grupo e o Serviço Social da Comunidade. A intervenção, nesse contexto, foi marcada pela neutralidade científica e pela autonomia técnica, conceitos que prevaleceram por um longo período (Andrade, 2024).
A partir da década de 1960, o Serviço Social brasileiro passou por profundas transformações, principalmente devido ao contexto político e social vivido no país. Com o golpe militar de 1964 e o endurecimento das políticas neoliberais, os assistentes sociais começaram a questionar o papel da profissão e a importância de sua prática voltada para a defesa dos direitos dos trabalhadores e da população em situação de vulnerabilidade.
Esse processo de reconfiguração teórica e prática culminou, nos anos 1980, na adoção de uma visão crítica do Serviço Social, que passou a adotar a perspectiva marxista, buscando intervir nas estruturas sociais de forma a combater as desigualdades e as injustiças estruturais. Durante esse período, o Serviço Social consolidou-se como uma profissão com um projeto ético-político voltado à promoção da justiça social e à ampliação dos direitos de cidadania (Elpidio, 2022).
Para Iamamoto (2008) esse último período foi crucial para o Serviço Social, pois se configurou como uma crítica ao tradicionalismo e a pretensão de romper com o conservadorismo na profissão, que até o momento, mesmo com algumas renovações no interior da categoria, estava atrelada às bases da Igreja Católica. Foi uma crítica às tendências psicologizantes, ou seja, uma nova forma de executar o Serviço Social e um novo método de intervir no âmbito da sociedade.
Teve como marco simbólico o Congresso da Virada em 1979 que daria início à interlocução marxista mesmo que de forma inicial. Crítica sistêmica ao desempenho tradicional, o Serviço Social começa a se colocar como categoria política. Outras características que marcaram a época foram: a politização do Serviço social, apoio às vanguardas, polêmicas em torno da profissão, pois a cultura advinda da Igreja Católica já não conseguia mais atender às necessidades demandadas pela sociedade, real oposição ao tradicionalismo e maior aproximação com as camadas trabalhadoras, visto que foi nesse momento que houve o entendimento que o Serviço Social estava para defender os interesses da classe trabalhadora. Foi nesse período que se inicia a compreensão que a profissão surge da contradição capital x trabalho, que a sociedade é regida por um sistema de produção opressor, por um sistema de produção que elimina vidas, que aniquila oportunidades, que nem de longe pode-se falar em igualdades (Iamamoto, 2008).
3. DIREITOS HUMANOS E SERVIÇO SOCIAL
Desde sua gênese, o Serviço Social no Brasil tem se caracterizado como uma profissão histórica, que está em constante processo de adequação e reestruturação. Essas mudanças são influenciadas por alterações bruscas nos contextos sociais, políticos, econômicos e culturais, impactando diretamente as práticas e a atuação do assistente social.
O Serviço Social, ao longo de sua trajetória, foi se moldando para atender às demandas de um país em constante transformação, enfrentando os desafios impostos por um cenário de desigualdade, pobreza e exclusão social. Segundo Iamamoto (2005), a profissão tem como fundamento a “luta pela ampliação da cidadania e pelo acesso aos direitos fundamentais”, buscando sempre promover a dignidade dos indivíduos e grupos vulneráveis. Nesse sentido, a profissão tem sido fundamental na defesa dos direitos humanos, especialmente em um contexto marcado pela marginalização de diversas camadas da sociedade.
No entanto, é importante ressaltar que as constantes transformações sociais, políticas e econômicas no Brasil impediram a consolidação plena dos direitos humanos e da cidadania, o que se reflete nas dificuldades enfrentadas pelos profissionais de Serviço Social ao longo do tempo. As políticas públicas, muitas vezes insuficientes e desiguais, não têm conseguido garantir a efetivação dos direitos fundamentais de todos os cidadãos, sendo que as camadas mais marginalizadas da sociedade são as mais afetadas.
Segundo Bucci (2012), “o Serviço Social no Brasil nasce e se desenvolve com a tarefa de enfrentar a desigualdade e a opressão social”, sempre com a missão de garantir a justiça social e os direitos fundamentais. Dessa forma, o Serviço Social, embora presente em diversas políticas sociais, enfrenta a resistência de uma estrutura que ainda privilegia a desigualdade.
Nos dias atuais, o cenário é ainda mais desafiador, com o avanço das políticas neoliberais que têm promovido um desmonte das políticas sociais e dos direitos conquistados ao longo das últimas décadas. Esse processo tem levado ao agravamento da exclusão social, colocando em risco as conquistas históricas advindas das grandes lutas sociais e da participação popular.
Como afirma Netto (2013), “a ofensiva neoliberal busca desconstruir as políticas sociais, enfraquecendo a estrutura de direitos conquistada por amplos setores da sociedade”. A precarização das políticas públicas e a redução do papel do Estado são aspectos que agravam as condições de vida da população mais vulnerável, dificultando a atuação do assistente social. Assim, o Serviço Social desempenha um papel fundamental na resistência a essas políticas e na luta pela preservação dos direitos humanos, ao lado das camadas mais excluídas da sociedade.
Nesse sentido Netto (2001) corrobora quando afirma que o Serviço Social surgiu como uma profissão a partir da base histórica da filantropia, típica da sociedade burguesa, e, com o tempo, superou as formas iniciais de atuação para se consolidar de maneira mais estruturada e específica. Esse desenvolvimento ocorreu dentro da divisão social e técnica do trabalho, especialmente no contexto da ordem monopolista, refletindo as necessidades de organização social e controle das desigualdades.
A profissão, ao se consolidar, passou a se legitimar justamente por sua atuação prática e empírica nas políticas sociais, buscando uma articulação entre os problemas sociais e as respostas estatais. Desse modo, o Serviço Social se posicionou como uma ferramenta fundamental na gestão das questões sociais, desempenhando um papel central nas estratégias de intervenção e na organização das políticas públicas (Netto, 2001).
Nesse ínterim, pode-se perceber que no Brasil o desenvolvimento de políticas públicas sociais é relativamente recente, pois somente em 1985 com o fim da Ditadura Militar é que se iniciou o processo de formação do Estado Democrático de Direito e a partir de então a atuação profissional do Serviço Social se dá de maneira descentralizada, trabalhando nos diversos segmentos na busca da consolidação dos diversos direitos que compõem os direitos humanos.
Netto (2001) ainda pontua que o Serviço Social trabalha no âmbito das contradições, e é de extrema importância que o profissional se construa de forma a compreender os mecanismos pelos quais a estrutura social se reproduz, o conhecimento dessa dinâmica permite ao profissional desmistificar o senso comum, somente a partir desse ponto é que a intervenção poderá atingir os objetivos previstos no projeto ético político da profissão, que se coloca no âmbito da participação dos sujeitos de direitos, no desenvolvimento das lutas sociais para a garantia dos direitos humanos. Esse pode ser considerado um dos maiores desafios enfrentados pela profissão do Serviço Social.
Como afirma Turck (1998), o Serviço Social é uma profissão que tem sua origem enraizada na contradição, que, embora não fosse inicialmente percebida, sempre foi intrínseca à sua essência. Sua criação e institucionalização no Brasil, na década de 1930, durante o governo Vargas, refletiram uma intenção de ajudar, mas, ao mesmo tempo, camuflar a real estrutura social e econômica que se consolidava no país.
Esse momento histórico foi marcado pela rápida industrialização e pelo fortalecimento do movimento operário, aspectos que o Serviço Social não reconheceu de forma clara, ao se inserir em um contexto de apoio, mas sem questionar ou refletir sobre as relações sociais e a sociedade capitalista em formação. Assim, a profissão surgiu com uma intencionalidade ambígua, que inicialmente ignorava as contradições do próprio sistema capitalista, contribuindo, muitas vezes, para sua manutenção do sistema.
4. A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A VIABILIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
Para uma melhor compreensão do papel do Estado na efetivação dos direitos, é importante distinguir os conceitos de Estado e Governo. O Estado é a estrutura permanente que organiza politicamente a sociedade, sendo composto pelo território, povo, soberania e instituições. Já o Governo representa o conjunto de dirigentes que assumem temporariamente a administração do Estado, geralmente por mandatos periódicos, como no caso do Brasil, onde ocorre a cada quatro anos. Assim, o Governo está inserido dentro do Estado e tem como função principal gerir o aparelho estatal e implementar as políticas públicas necessárias ao cumprimento dos fins estatais. (Bobbio, 1999).
Para que uma política possa existir e se configurar como um direito do cidadão é necessário que esta seja garantida por lei. Com o Serviço Social nem sempre foi assim, pois nos seus primórdios as ações que deveriam ser responsabilidades do Estado eram desenvolvidas por pessoas atreladas à Igreja Católica. Até se configurar como uma Política, a profissão enfrentou muitos desafios para ter o seu Código de Ética, sua Lei de Regulamentação, inaugurar o Movimento de Reconceituação, Projeto Ético Político e outras regulamentações conforme resoluções dos Conselhos Federal e Regional do Serviço Social – CFESS e CRESS.
Para Iamamoto (2008) foram as lutas sociais que desempenharam um papel crucial ao romper com a relação privada entre o capital e o trabalho, trazendo a questão social para o debate público. Esses conflitos exigem que o Estado intervenha, reconhecendo e legalizando os direitos e deveres dos indivíduos envolvidos, o que se reflete na criação de políticas públicas e serviços sociais.
Mesmo com muitas lutas, somente em 1988 com a Promulgação da Constituição Federal que a Assistência Social se tornou política compondo o tripé da Seguridade Social. A lei nº 8.742 de 7 dezembro de 1993 – Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS – afirma em seu Art. 1º que assistência social é um direito fundamental de todos os cidadãos e uma responsabilidade do Estado (Brasil, 1993).
Esta Política integra a seguridade social não contributiva, cujo objetivo é garantir os mínimos sociais. Isso é feito por meio de ações integradas entre o poder público e a sociedade, assegurando que as necessidades básicas da população sejam atendidas. Ratificada pela CF de 88 em seu Art. 203 “A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social” (Brasil, 1988).
Assim a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993 – LOAS – tem como principais objetivos a proteção social, a vigilância socioassistencial e a defesa de direitos, visando atender as necessidades das pessoas em situação de vulnerabilidade social. A proteção social busca garantir a vida, reduzir danos e prevenir riscos. Ela inclui ações como a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice, assegurando direitos fundamentais e proteção contra abusos e negligência. Também envolve o amparo às crianças e aos adolescentes carentes, garantindo acesso a direitos básicos como alimentação, saúde e educação (Brasil, 1993).
Além disso, a proteção social promove a integração ao mercado de trabalho, com programas de qualificação e capacitação, e realiza a habilitação e reabilitação das pessoas com deficiência, promovendo sua inclusão na vida comunitária. Outro aspecto importante da proteção social é a garantia de um salário-mínimo mensal para a pessoa com deficiência e para o idoso que não têm meios de prover sua própria manutenção, assegurando-lhes condições mínimas de vida (Brasil, 1993).
A vigilância socioassistencial, por sua vez, tem o objetivo de analisar a capacidade das famílias em garantir sua própria proteção e identificar territorialmente a ocorrência de vulnerabilidades, ameaças, vitimizações e danos. Esse acompanhamento permite que o Estado ajuste as políticas públicas conforme as necessidades específicas das comunidades, proporcionando um atendimento mais eficaz e direcionado. Já a defesa de direitos busca garantir o pleno acesso aos direitos sociais, principalmente àqueles em situação de vulnerabilidade. Ela envolve o reconhecimento dos direitos dessa população e a criação de mecanismos para que esses direitos sejam efetivamente acessados, promovendo justiça social e igualdade de oportunidades (Brasil, 1993).
Por fim, a Assistência Social deve ser realizada de forma integrada com outras políticas setoriais, como saúde, educação, habitação e emprego, para garantir a universalização dos direitos sociais e o enfrentamento da pobreza de maneira eficaz e contínua. Dessa forma, a assistência social não apenas oferece amparo imediato, mas também contribui para a construção de condições que promovam a inclusão e a cidadania das pessoas em situação de vulnerabilidade.
Portanto, cada objetivo da lei corrobora com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, Constituição Federal e demais legislações que defendem os direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais, direito ao acesso aos mínimos essenciais para sobrevivência proporcionando uma sociedade com mais justiça e equidade social contribuindo para o enfrentamento das desigualdades sociais.
5. DIREITOS HUMANOS NA SOCIEDADE ATUAL
A importância dos direitos humanos é uma questão central nas discussões internacionais contemporâneas, especialmente nas organizações como a Organização das Nações Unidas (ONU) e nos parlamentos nacionais. Desde a sua criação em 1948, com a proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), esses direitos passaram a ser a referência internacional para a conduta dos Estados. A DUDH afirma que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos”, estabelecendo a base para as normas que governam a convivência humana em todas as nações (ONU, 1948).
Além disso, os direitos humanos são constantemente reforçados em tratados internacionais, como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966), que busca assegurar a liberdade e os direitos civis básicos a todos os indivíduos, independentemente de sua nacionalidade (ONU, 1966).
Antes de 1948, a proteção dos direitos humanos não contava com uma legislação internacional universalmente aceita, e as constituições nacionais eram as principais referências para protestos contra abusos cometidos por governos. Nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, por exemplo, os direitos humanos eram resguardados dentro de cada Estado, mas sem uma rede global de proteção.
Somente após a segunda guerra mundial e a criação da ONU, com a implementação da DUDH, foi possível construir um sistema jurídico internacional para lidar com as violações de direitos humanos de forma mais efetiva. A constituição de vários países, como a do Brasil de 1988, incorporou esses direitos, com o artigo 5º da Constituição Federal, que garante aos cidadãos a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (Brasil, 1988).
As normas internacionais de direitos humanos não se limitam à proteção de direitos civis e políticos, mas abrangem também os direitos econômicos, sociais e culturais, conforme previsto no artigo 22 da DUDH. Esse princípio reflete a evolução do conceito de direitos humanos ao longo do tempo, que passou a incluir não apenas a liberdade individual, mas também o direito a uma vida digna, com acesso a serviços de saúde, educação e trabalho (ONU, 1948).
A Constituição Brasileira de 1988 consagra direitos fundamentais e a promoção do bem-estar social, buscando a justiça social e a eliminação da desigualdade, como previsto em seu preâmbulo e nos artigos 6º e 7º, que tratam da educação, saúde, alimentação, trabalho e moradia (Brasil, 1988).
Portanto, o sistema internacional de direitos humanos e as constituições nacionais, como a do Brasil, representam marcos importantes na luta pela justiça e igualdade. No entanto, é necessário destacar que a proteção e promoção dos direitos humanos ainda enfrentam desafios, especialmente em um contexto global onde regimes autoritários e políticas neoliberais podem comprometer a efetividade dessas normas. Ainda assim, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e os tratados internacionais proporcionam uma estrutura fundamental para que indivíduos possam reivindicar seus direitos, e para que os Estados sejam responsabilizados por suas violações (ONU, 1948; Brasil, 1988).
O campo dos Direitos Humanos mundialmente protegidos tem-se ampliado nos últimos anos, incluindo as liberdades civis que constituem em primeiro lugar, nos “espaços livres” que todo o governo deve garantir ao indivíduo sem, no entanto, interferir na sua esfera privada: O direito à vida e segurança, à intimidade, à vida familiar, à propriedade privada; à possibilidade de manifestar livremente a sua opinião, de praticar uma religião e de se reunir pacificamente (Dudenhefer, 2005).
Em segundo lugar, as liberdades civis implicam uma obrigatoriedade por parte do Estado de articular as suas estruturas de forma a garantirem um mínimo de respeito pela pessoa humana, e justiça em casos de abusos: o direito a não ser submetido a medidas arbitrárias por parte das autoridades estatais, de ter acesso à justiça e de ser processado com equidade (Dudenhefer, 2005).
A Comunidade Internacional contempla ainda os direitos políticos – a possibilidade que o indivíduo tem em participar, individualmente ou em grupo, na vida e nas orientações dos órgãos estatais: o direito de associação, de formar partidos, de participar nas eleições, de ser eleito para diversos cargos do Estado, etc. Complementando essa afirmativa:
Os Direitos Humanos são universais no sentido de que aquilo que é considerado um direito humano no Brasil também deverá sê-lo como mesmo nível de exigência, de responsabilidade e de garantia em qualquer país do mundo, porque eles não se referem a um membro de uma sociedade política; a um membro de um Estado; eles se referem à pessoa humana na sua universalidade. Por isso são chamados de direitos naturais, porque dizem respeito à dignidade da natureza humana. São naturais, também, porque existem antes de qualquer lei, e não precisam estar especificados na lei, para serem exigidos, reconhecidos, protegidos e promovidos. (BENEVIDES, 2009, p. 5).
Para além destes direitos, são também reconhecidos a nível internacional os direitos econômico-sociais. Trata-se de requerimentos que os indivíduos ostentam perante o Estado para solucionar desigualdades sociais, desequilíbrios económicos, vantagens originadas pela natureza, pela idade, etc. Requerimentos que – à diferença do que ocorre no campo dos outros direitos – o Estado tem de satisfazer, não no ato, mas gradualmente, e em compatibilidade com os problemas económico-estruturais a que terá de fazer frente: direito ao trabalho, a uma remuneração justa, à segurança social, etc (Brasil, 1966).
Junto aos direitos dos indivíduos, às normas internacionais contemplam os direitos das minorias e dos povos. A estes últimos corresponde, em particular, o direito à autodeterminação, isto é, o direito a escolher livremente o seu estado internacional.
Ora, se certos Estados denunciam diariamente violações cometidas pelos outros países, se as capas de jornais reforçam tais denúncias (ou melhor, chamam a atenção/alertam para atos e acontecimentos frequentemente “escondidos”), deve-se ao facto de existir um amplo conjunto de normas internacionais, que funcionam como uma espécie de “alerta”.
Neste sentido, Alexandre de Moraes afirma que: “Os direitos humanos fundamentais, portanto, colocam-se como uma das previsões absolutamente necessárias a todas as Constituições, no sentido de consagrar o respeito à dignidade humana, garantir a limitação de poder e visar o pleno desenvolvimento da personalidade humana” e concorda com essa relação entre Direitos Humanos e Constitucionalismo, por exemplo, Paulo Gustavo Gonet Branco quando afirma que a compreensão dos direitos fundamentais de primeira geração reclama a percepção histórica do movimento de constitucionalismo, que explica as reivindicações que redundaram na consagração dos direitos fundamentais em exame. (grifo no original).
Além disso a Constituição Federal de 1988 também introduziu novas relações entre a sociedade e o Estado o que deu grande impulso para a ampliação dos direitos da cidadania onde Raichellis (2006) afirma que a promulgação da Constituição de 1988 representa um marco significativo no contexto jurídico brasileiro, representando a promessa de fortalecimento e expansão dos direitos sociais no país.
Esse movimento se deu em sintonia com as profundas transformações sócio políticas vividas no Brasil, especialmente em um cenário de crescente crise social que demandava respostas urgentes e eficazes por parte do Estado. A nova Constituição não apenas reconheceu e garantiu uma série de direitos sociais, mas também consolidou a ideia de um Estado mais ativo na promoção do bem-estar e da justiça social (Raichellis, 2006).
Da mesma forma que o Serviço Social no Brasil, desde o seu surgimento, principalmente no momento em que foi consolidado como Política Pública – mecanismo imprescindível para contribuir com a luta de direitos já existente e viabilização daqueles que mesmo constituídos em lei nem sempre possuem acesso fácil àquele que necessita dos serviços – trouxe diversos benefícios para o país, tanto no contexto de políticas públicas quanto no atendimento individual e coletivo, como por exemplo: promoção da justiça social e da igualdade, proteção aos vulneráveis, inclusão social, entre outros.
Portanto, essa reforma constitucional foi um marco no fortalecimento da democracia no Brasil, buscando garantir direitos fundamentais que incluem a educação, a saúde, a moradia e o trabalho como direitos sociais. Com a promulgação da Carta de 1988, o país comprometeu-se com a justiça social, ampliando o papel do Estado na defesa da dignidade humana e no combate à desigualdade. Essas mudanças refletiram a necessidade de modernizar as relações políticas e sociais, refletindo as demandas por mais equidade e proteção social em um contexto de grandes desafios econômicos e sociais.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa realizada evidenciou a evolução dos direitos humanos no contexto brasileiro, abordando a inserção desses direitos nas transformações sociais, políticas e jurídicas do país, especialmente após a promulgação da Constituição de 1988. A análise do Serviço Social e sua interação com os direitos humanos revelou a importância da profissão no enfrentamento das desigualdades sociais e na busca pela efetivação de direitos fundamentais, como o acesso à saúde, educação e dignidade. A Constituição Federal de 1988, conforme citado por Raichellis (2006), teve um papel fundamental ao expandir os direitos sociais e fortalecer o compromisso do Estado com a justiça social.
Entretanto, a pesquisa também identificou limitações no processo de implementação plena dos direitos humanos no Brasil, principalmente em função das crises econômicas e da falta de efetividade em algumas políticas públicas. A realidade da exclusão social ainda persiste, o que impede a consolidação de direitos essenciais em diversas regiões do país. A pesquisa revelou também que, apesar de avanços legais e constitucionais, o Brasil enfrenta desafios no cumprimento de normas internacionais, especialmente no que tange à desigualdade social e ao acesso universal aos direitos básicos.
Para futuras pesquisas, sugere-se uma investigação mais aprofundada sobre a eficácia das políticas públicas em relação à promoção e proteção dos direitos humanos no Brasil. Seria relevante explorar os impactos de novas abordagens no Serviço Social, considerando o contexto neoliberal e a implementação de direitos em comunidades marginalizadas. Além disso, seria interessante analisar o papel das organizações não governamentais e a sociedade civil na defesa dos direitos humanos, assim como a necessidade de uma maior articulação entre as esferas federal, estadual e municipal para garantir a universalidade dos direitos humanos no Brasil.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, L. G. SERVIÇO SOCIAL E CONSERVADORISMO: Desafios e possibilidades no tempo presente. Anais do Encontro Internacional e Nacional de Política Social, v. 1, n. 1, 2024.
BEEVOR, A. A Segunda Guerra Mundial. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
BENEVIDES, M. V. Cidadania e direitos humanos. IEA, 2009. Disponível em: www.iea.usp.br/artigos. Acesso em: 25 abr. 2010.
BOBBIO, N. A era dos direitos. 15. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
BOBBIO, N. Estado, governo e sociedade: para uma teoria geral da política. 7. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 1999.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçãocompleta.htm.
BRASIL. Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da assistência social. Diário Oficial da União, Brasília, 7 dez. 1993.
BRASIL. Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. ONU, 1966.
BUCCI, A. Serviço Social e a questão social: fundamentos e questões contemporâneas. São Paulo: Cortez, 2012.
CFESS. Código de ética profissional do assistente social. Brasília: CFESS, 1993.
CRESS (Conselho Regional de Serviço Social 6ª Região). Código de ética Profissional dos Assistentes Sociais. In: Coletânea de Leis. Belo Horizonte: CRESS, 2005.
DIREITOS HUMANOS UNIVERSAIS E INTERAMERICANOS. Belo Horizonte: CRESS 6ª Região, Caderno 1, maio de 2009. 11 p.
DUDENHEFER, J. E. Direitos humanos e cidadania. São Paulo: Cortez, 2005.
ELPIDIO, M. H.; DA SILVA VALDO, João Paulo. O Serviço Social na encruzilhada: a questão racial e o projeto de formação profissional. Libertas, v. 22, n. 2, p. 316-333, 2022.
IAMAMOTO, M. V. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 14. ed. – São Paulo: Cortez, 2008.
IAMAMOTO, M. V.; CARVALHO, Raul de. Relações sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 17. ed. São Paulo: Cortez; Lima, Peru: CELATS, 2005.
MARTINS, A. M. G. Direito internacional dos direitos humanos. Leya, 2023.
Netto, J. P. O Serviço Social e a questão social: fundamentos e questões contemporâneas. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2001.
Netto, J. P.. A ofensiva neoliberal e o desmonte do Estado de bem-estar social. Revista de Serviço Social, São Paulo, v. 45, n. 1, p. 13-25, 2013.
ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1948. Disponível em: https://www.un.org/pt/universal-declaration-human-rights/. Acesso em: 8 dez. 2024.
ONU. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. 1966. Disponível em: https://www.ohchr.org/pt/professionalinterest/pages/ccpr.aspx.
ONU. Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Punições Cruéis, Desumanos ou Degradantes. 1984. Disponível em: https://www.ohchr.org/pt/professionalinterest/pages/cat.aspx.
RAICHELLIS, R. O serviço social no Brasil. Disponível em: www.cfess.org.br/pdf/raquel_agenda2006.pdf. Acesso em: 23 mar. 2010.
TÜRCK, M. da G. M. G. O Serviço Social e a Questão Social. 1. ed. São Paulo: Cortez, 1998.