UNCONSTITUTIONAL JUDGMENT COVERED BY RES JUDICATA: THE DILEMMA BETWEEN LEGAL CERTAINTY AND CONSTITUTIONAL SUPREMACY
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8010243
Jorge Augusto Gonçalves de Camargo1
Francisco Lopes Fernandes Netto2
RESUMO
O presente artigo científico aborda o desafiador dilema entre a segurança jurídica, consagrada pela coisa julgada, e a supremacia constitucional diante de uma sentença inconstitucional. A coisa julgada confere estabilidade às decisões judiciais, enquanto a supremacia constitucional estabelece a primazia da Constituição sobre as demais normas. Quando uma decisão judicial, devidamente transitada em julgado, é posteriormente considerada inconstitucional, surge a tensão entre a necessidade de respeitar a coisa julgada e a obrigação de salvaguardar a supremacia da Constituição. Neste contexto, são examinados os princípios e argumentos que sustentam ambas as perspectivas, bem como propostas para solucionar esse dilema, mantendo o equilíbrio entre segurança jurídica e a observância dos valores constitucionais.
Palavras-chave: Sentença inconstitucional. Coisa julgada. Segurança jurídica, Supremacia constitucional. Sistema jurídico.
ABSTRACT
The present scientific article addresses the challenging dilemma between legal certainty, upheld by res judicata, and constitutional supremacy in the face of an unconstitutional judgment. Res judicata grants stability to judicial decisions, while constitutional supremacy establishes the primacy of the Constitution over other norms. When a judicial decision, duly finalized, is subsequently deemed unconstitutional, a tension arises between the need to respect res judicata and the obligation to safeguard the supremacy of the Constitution. In this context, the principles and arguments supporting both perspectives are examined, as well as proposals to resolve this dilemma while maintaining a balance between legal certainty and the observance of constitutional values.
Keywords: Unconstitutional judgment. Res judicata. Legal certainty, Constitutional supremacy. Legal system.
1 INTRODUÇÃO
A escolha do tema desta pesquisa está atrelada à recente decisão do Superior Tribunal Federal (STF), de 20 de novembro de 2021, onde foi julgada a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5766, ajuizada pela Procuradoria Geral da República (PGR), contra dispositivos que alteram a gratuidade da justiça dos trabalhadores que comprovem insuficiência de recursos.
E por 06 votos a 04 os membros do STF votaram pela inconstitucionalidade destes dispositivos, trazidos pela Reforma Trabalhista de 2017, que fazia com que litigantes, que fossem parte vencida no processo, pagassem honorários periciais e advocatícios sucumbenciais.
Tal decisão abriu discussão acerca do alcance desta inconstitucionalidade e seus efeitos (ex tunk ou ex nunc) contra decisões já consolidadas.
A questão que se discute é o seguinte confronto, entre segurança jurídica x coisa julgada declarada inconstitucional.
Desta forma, objetiva-se analisar a imutabilidade da coisa julgada, e se teria o condão de alcançar inclusive decisões fundadas em normas declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal.
No que tange a material e métodos, o presente estudo foi elaborado por meio de pesquisa bibliográfica, para o desenvolvimento de ideias de forma conceitual, obtido pelo método dedutivo, através da interpretação dos dados encontrados por meio de pesquisas bibliográficas, doutrinas, artigos, códigos e informativos.
2 DA IMPORTÂNCIA DA SEGURANÇA JURÍDICA
O princípio da segurança jurídica é um dos pilares fundamentais do ordenamento jurídico, essencial para a estabilidade e previsibilidade das relações jurídicas. Ele assegura que os cidadãos possam confiar nas normas e decisões judiciais, garantindo a proteção de seus direitos e interesses legítimos.
O conceito de segurança jurídica pode ser compreendido como a certeza e a estabilidade proporcionadas pelo sistema jurídico, tanto na criação e interpretação das leis, como na aplicação e nas decisões judiciais.
Reale (1986, p. 60) conceitua princípios como “enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, a aplicação e integração ou mesmo para a elaboração de novas normas”. Nesse sentido, o princípio da segurança jurídica é uma verdade fundamental que estabelece diretrizes para a atuação dos órgãos judiciários, dos legisladores e dos indivíduos.
Os fundamentos do princípio da segurança jurídica derivam de princípios morais, sociais e políticos, que visam proteger a confiança depositada na ordem jurídica. Didier Jr, Braga e Oliveira (2016, p. 483) destacam que ele “assegura o respeito não apenas a situações consolidadas no passado, mas também às legítimas expectativas surgidas e às condutas adotadas a partir de um comportamento presente”. Portanto, é essencial para a manutenção da estabilidade das relações sociais e econômicas, incentivando investimentos, promovendo o desenvolvimento sustentável e fortalecendo o Estado Democrático de Direito.
A relevância do princípio da segurança jurídica pode ser compreendida pela sua ligação intrínseca com outros valores constitucionais, como a justiça, a igualdade e a proteção dos direitos fundamentais. A segurança jurídica implica a previsibilidade das normas e decisões, permitindo que os indivíduos conheçam os limites de sua atuação e possam agir de acordo com as regras estabelecidas. Essa previsibilidade é crucial para evitar arbitrariedades, incertezas e conflitos, contribuindo para a pacificação social e a confiança no sistema de justiça.
Marinoni, Sarlete e Mitidiero (2017, p. 917) ressaltam que a segurança jurídica impõe o respeito aos precedentes judiciais, pois a obrigação do Poder Judiciário de seguir precedentes é oriunda da natureza interpretativa do direito e da própria Constituição. Dessa forma, o princípio da segurança jurídica está relacionado à necessidade de coerência e uniformidade das decisões judiciais, promovendo a igualdade de tratamento aos jurisdicionados e evitando a insegurança decorrente de entendimentos divergentes.
3 DA SUPREMACIA CONSTITUCIONAL
A supremacia constitucional é um princípio fundamental que garante a primazia da Constituição em relação a outras leis e atos normativos. Autores como Konrad Hesse, José Joaquim Gomes Canotilho e Luís Roberto Barroso defendem que a Constituição é a norma suprema de um sistema jurídico e deve ser respeitada por todos os poderes estatais.
A supremacia constitucional implica que todas as demais normas devem estar em conformidade com a Constituição, e que os poderes públicos, incluindo o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, devem respeitar e aplicar os preceitos constitucionais, garantindo a proteção dos direitos e liberdades individuais, a limitação do poder estatal e a preservação dos valores e princípios fundamentais do Estado democrático de direito.
No contexto desta pesquisa, onde há uma tensão entre a segurança jurídica proporcionada pela coisa julgada e a necessidade de preservar a supremacia constitucional, autores como Barroso argumentam que a coisa julgada inconstitucional deve ser mitigada em casos excepcionais nos quais a decisão judicial está claramente em desacordo com a Constituição e há um interesse público relevante em corrigir a inconstitucionalidade. Nesses casos, a necessidade de preservar a supremacia constitucional pode justificar a revisão da coisa julgada para evitar a perpetuação de uma violação constitucional.
4 DA COISA JULGADA
A coisa julgada contribui significativamente para assegurar a preservação do Estado Democrático de Direito. É a qualidade conferida à sentença judicial da qual não cabem mais recursos (§3º, art. 6º da LIDNB), tornando-a imutável e indiscutível (art. 502º do CPC).
É um instituto fundamental no sistema jurídico, garantindo a estabilidade e a segurança jurídica das decisões judiciais. Trata-se da imutabilidade da norma jurídica individualizada contida na parte dispositiva de uma decisão judicial, não cabendo mais recursos contra ela (Didier Júnior, 2017, p. 552).
A importância da coisa julgada reside na segurança jurídica, princípio fundamental em um Estado Democrático de Direito. Ela assegura que as lides levadas a juízo sejam solucionadas de forma definitiva, evitando a perpetuação dos litígios (Nucci, 2020, p. 349).
Para que uma decisão se torne coisa julgada, é necessário que tenha passado por todas as instâncias do sistema judiciário e que não haja mais possibilidade de recurso. Além disso, a decisão precisa ter sido proferida por um órgão competente, dentro dos limites de sua jurisdição e em conformidade com o devido processo legal.
Uma vez que uma decisão se torna coisa julgada, ela produz efeitos vinculantes e irrecorríveis. Isso significa que as partes não podem mais questionar os pontos decididos nem apresentar novas provas ou argumentos para modificá-la.
Portanto, a coisa julgada cria uma espécie de certeza jurídica, proporcionando estabilidade e finalidade aos litígios.
4.1 Hipóteses de relativização
As hipóteses de relativização da coisa julgada tem sido objeto de intensos debates entre doutrinadores e especialistas em direito processual.
A doutrina relativista entende que a flexibilização da coisa julgada obviamente traria alguns prejuízos à segurança jurídica, no entanto, se apoia em duas teses principais.
A primeira é de que a decisão judicial em desconformidade com a Constituição é o maior vício que pode existir, não devendo prevalecer em um Estado de Direito. [3]
Segundo Ada Pellegrini Grinover, renomada jurista brasileira, a coisa julgada não pode servir como uma barreira absoluta à busca da justiça e da efetivação dos direitos protegidos pela Constituição (GRINOVER, 2002).
Pois de que forma poderia se admitir que atos contrários à Constituição gerassem efeitos válidos e defendidos pelo próprio Estado?
Neste sentido, embora o instituto da coisa julgada torna indiscutível o mérito, o sistema jurídico não coaduna com a permanência de decisões que possam gerar incompatibilidade com a Constituição.
E sendo a coisa julgada norma infraconstitucional que é, abaixo da Constituição, à contrariando, e em respeito ao Princípio da Supremacia da Constituição, deve a mesma ser desconstituída.
Não havendo inclusive sequer justificativa para a não incidência do controle de constitucionalidade sobre a coisa julgada, vez que a igualdade entre os poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) inibe o poder judiciário, na figura da coisa julgada, de acobertar decisões infraconstitucionais eivadas do vício da inconstitucionalidade, como se possuísse prerrogativa sobre os demais, do contrário, estaria desrespeitando o próprio princípio da separação de poderes. [4]
A segunda tese é com relação à ideia de “justiça”. Fredie Didier Jr., renomado processualista brasileiro, que discute a relativização da coisa julgada em casos de decisões judiciais manifestamente contrárias à ordem constitucional (DIDIER JR., 2017), ressalta a importância de que a coisa julgada esteja em conformidade com os princípios e os direitos fundamentais previstos na Constituição, sob pena de perpetuar situações de injustiça e violação de direitos.
Mas afinal, o que seria o “justo”?
Segundo a corrente relativista, nada mais do que aquilo que está em conformidade com a Constituição.
Até mesmo porque, de que forma prevalece o Estado de Direito se fundado em injustiças? Como poderia uma decisão que infringir princípios como os da moralidade/legalidade perpetuar de forma definitiva, ainda que sob o pretexto de não se eternizar litígios? [5]
Não pode a coisa julgada acobertar injustiças, nem prevalecer sobre princípios hierarquicamente superiores.
Nas palavras do ex-ministro do STJ, José Augusto Delgado, “a segurança jurídica deve ser imposta, contudo, essa segurança jurídica cede quando princípios de maior hierarquia são violados”. [6]
Portanto, apesar de reconhecida a importância da coisa julgada na estabilidade das relações jurídicas, não detém valor absoluto, uma vez que deve estar atrelada a princípios e valores imprescindíveis para o direito justo, este sim de valor absoluto.
Conclui-se que, da mesma forma que a lei, a coisa julgada não detém imunidade contra vícios de inconstitucionalidade, do contrário estaria atingindo status superior a lei máxima, que é a Constituição. Desta forma, independente da discussão entre segurança jurídica e justiça, a decisão deve estar em conformidade com a Constituição.
4.2 Da não relativização da coisa julgada
A corrente doutrinária crítica da flexibilização da coisa julgada, ou da talvez equivocadamente chamada “coisa julgada inconstitucional”, defende que sua relativização traria graves prejuízos. Primeiro porque, consoante entendimento do ex-ministro do STF, Celso de Mello, o trânsito em julgado da decisão não impediria o indivíduo de argumentar qualquer mínima ofensa a Constituição, renovando-se o litígio, indo, portanto, de encontro ao propósito da coisa julgada, que é o de evitar a perpetuação de lides e conferir segurança jurídica às decisões judiciais. 7
Até mesmo porque, de que forma se alcançaria a segurança jurídica ante a fragilidade pela qual a mesma poderia ser desconstituída?
Ao se analisar o texto constitucional, em seu art. 5º, inciso XXXVI, onde diz “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” (BRASIL, 1988), o legislador atribui caráter soberano à coisa julgada.
Relativiza-la, seja corrompendo-a ou limitando-a, ainda que sob hipotética afronta a preceito constitucional, seria o caso de se fazer ruir o próprio princípio do Estado Democrático de Direito, afinal, usando o velho jargão: “Onde a Constituição não impõe limites, não cabe ao intérprete o fazê lo”. 8
Bem como, tendo o constituinte vedado expressamente que a lei possa prejudicar seus efeitos, se faz perceber que a decisão de inconstitucionalidade faz referência apenas ao controle de constitucionalidade das leis, e não das decisões judiciais. 9
Assim, sendo a decisão judicial ato jurídico perfeito, acabado por excelência, pois emanado do poder judiciário, na figura do juiz competente, que exerce o controle de constitucionalidade difuso no caso concreto, legitimado pela própria Constituição, não poderia simplesmente ser determinada inválida, como se apenas declarasse a lei.
Pois bem, outro argumento contrário à relativização é de que a mesma é pautada em um elemento subjetivo, do que seria “justo”, o que é extremamente relativo, pois o que garante que a decisão revista seria mais justa que a primeira? O justo para uns, pode não ser para outros, é algo interpretativo, logo, quais os critérios para se avaliar a justiça da decisão?
E mesmo que houvesse a possibilidade de se rever decisões, haveria de contar com alguns requisitos, de modo a não prosperar mera alegação de inconstitucionalidade ou injustiça, bem como assegurar o direito adquirido, e há, na forma da ação rescisória, apenas.
Portanto, a declaração de inconstitucionalidade proferida pelo STF, objeto deste estudo, faz referência à lei, e não a decisão judicial em si, afastando a incidência de determinada lei apenas para lhe conferir a interpretação mais adequada à Constituição, sendo cabível para sua impugnação apenas a ação rescisória, e no prazo máximo de 02 anos.
5 DA REANÁLISE DA MATÉRIA DECLARADA INCONSTITUCIONAL
A declaração de inconstitucionalidade ocorre quando um tribunal considera que uma norma legal ou uma decisão específica está em desacordo com a Constituição. Essa declaração tem como objetivo garantir a supremacia da constituição e a proteção dos direitos fundamentais.
No entanto, surge o questionamento sobre a possibilidade de reanálise da matéria declarada inconstitucional ou não pelo tribunal. E neste contexto, segundo o entendimento de Marinoni (2008), a declaração de inconstitucionalidade faz referência a lei, e apenas para lhe conferir interpretação mais adequada à Constituição. [10]
Logo, nada impede que se venha a impugnar, em controle por via principal, abstrato e concentrado, validade de norma declarada ou não anteriormente inconstitucional, ante a ocorrência de mudanças em nosso ordenamento constitucional. [11]
Pois diante da alteração da realidade normativa ou da própria percepção do direito, pode o STF voltar a se manifestar sobre a matéria, caso assim julguem necessário.
6 DA MODULAÇÃO DOS EFEITOS
O controle de constitucionalidade é um mecanismo fundamental para assegurar a supremacia da Constituição em um Estado Democrático de Direito. Ele consiste na verificação da conformidade das leis e dos atos normativos em relação à Constituição, garantindo que nenhuma norma contrarie os princípios fundamentais e as disposições constitucionais (BARROSO, 2012).
Uma das questões relevantes no controle de constitucionalidade é a modulação dos efeitos das sentenças declaradas inconstitucionais. Isso significa que o tribunal responsável por declarar a inconstitucionalidade pode estabelecer limitações temporais ou exceções em relação aos efeitos da declaração, a fim de evitar consequências indesejáveis ou injustas.
Esta modulação de efeitos é adotada com base em critérios como a segurança jurídica, a proteção da confiança legítima das partes envolvidas e o interesse público. Tendo como objetivo equilibrar a correção da inconstitucionalidade com a estabilidade das relações jurídicas já estabelecidas.
Mas antes, apenas a título de conhecimento, acredito ser necessário uma breve síntese acerca dos dois grandes sistemas de controle de constitucionalidade, os chamados sistemas americano e austríaco, adotados pela CF/88. [12]
No sistema americano ou concreto, o controle de constitucionalidade se estende a qualquer órgão do poder judiciário, que ao verificar vício de inconstitucionalidade, adotando a teoria da nulidade, se torna nulo o ato normativo em questão desde a sua origem, alcançando acontecimentos anteriores a sua criação (efeito ex tunk).
Já no sistema austríaco ou concentrado, o controle de constitucionalidade está concentrado em um único órgão jurisdicional, que ao verificar o vício de inconstitucionalidade, adotando a teoria da anulabilidade, se anula o ato normativo, contudo, permanecendo válida e eficaz a norma até a publicação da referida decisão, não retroagindo sobre decisões anteriores (efeito ex nunc).
Em nosso ordenamento, há uma clara preponderância do controle concreto sobre o concentrado, consequentemente, o incidente de inconstitucionalidade repercute sobre os atos desde a sua criação. Portanto, todos os atos praticados com base naquela norma declarada inconstitucional são considerados inválidos desde a sua origem.
Mas a cada dia, a modulação dos efeitos das sentenças inconstitucionais é objeto de debate entre os doutrinadores e especialistas em direito constitucional. Dentre eles, destaca-se Gilmar Mendes, jurista e ministro do STF, que discute a possibilidade de o tribunal modular os efeitos para garantir a segurança jurídica e proteger situações consolidadas (MENDES, 2011).
Mendes argumenta que, em alguns casos, a retroatividade total da declaração de inconstitucionalidade pode causar instabilidade nas relações jurídicas estabelecidas de boa-fé.
Outro doutrinador importante é Luís Roberto Barroso, também ministro do STF. Barroso defende que a modulação dos efeitos é uma ferramenta legítima para equilibrar a segurança jurídica com a efetivação dos direitos constitucionais (BARROSO, 2018).
Ressalta a importância de evitar a anulação de situações consolidadas ou que possam gerar prejuízos graves, principalmente quando há uma mudança abrupta na jurisprudência.
No entanto, é importante mencionar que a modulação dos efeitos das sentenças inconstitucionais não é uma prática consensual. Há juristas, como José Afonso da Silva, que defendem a aplicação retroativa irrestrita da declaração de inconstitucionalidade. Silva acredita que a segurança jurídica não pode ser usada como um argumento para preservar normas inconstitucionais (SILVA, 2007).
O STF, visando proteger a segurança jurídica, bem como outros valores tutelados pela Constituição, vinha adotando a modulação dos efeitos das decisões, estabelecendo limitações temporais ou exceções para garantir a segurança jurídica ou a proteção de situações consolidadas. [13]
O que com o advento da Lei nº 9.868/99, que trata das ações diretas de inconstitucionalidade (ADI’s), foi enfim positivado, dando ao STF a possibilidade de, ao declarar a inconstitucionalidade de uma norma, restringir os efeitos retroativos daquela decisão à data do julgamento, ou seja, podendo declarar sua inconstitucionalidade a partir do trânsito em julgado da decisão, ou até mesmo suspender os efeitos desta inconstitucionalidade, sempre por razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social, conforme art. 27 da Lei nº 9.868/99.
Vale ressaltar, no entanto, que esta modulação de efeitos não é uma medida automática e precisa ser fundamentada em cada caso específico, considerando as circunstâncias, os impactos e os princípios envolvidos.
7 DA EXTENSÃO DOS EFEITOS
Em nosso país adotamos o “civil law”, onde a fonte do direito é a lei, e não julgados (como no sistema austríaco), portanto, em regra o incidente de inconstitucionalidade não gera efeito vinculante das decisões, tendo eficácia “inter partes” (entre as partes).
Desta forma, não há uma automática reforma ou rescisão das decisões anteriores, sendo imprescindível para tal, o ajuizamento da ação rescisória.
Contudo, o STF passou a acolher recentemente a teoria da abstrativização do controle difuso, dando nova interpretação ao art. 52, X, da CF/88, e neste sentido, passou a conferir eficácia erga omnes e vinculante às declarações de constitucionalidade ou inconstitucionalidade. [14]
Assim, segundo o ex-ministro do STF, Celso de Mello, em informativo constante no site do Supremo Tribunal Federal, o STF em uma verdadeira mutação constitucional, e com o objetivo de expandir seus próprios poderes, definiu como papel do Senado no controle de constitucionalidade simplesmente o de dar publicidade às suas decisões, sendo a eficácia vinculante emanada da própria Corte. [15]
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo desta pesquisa foi possível compreender a importância do princípio da coisa julgada na manutenção da segurança jurídica e da estabilidade das decisões judiciais, ao mesmo tempo em que nos confrontamos com a necessidade de preservar a supremacia da Constituição e a proteção dos direitos fundamentais.
Analisamos doutrinas, códigos e jurisprudências, e ficou evidente que o conflito entre segurança jurídica e supremacia constitucional é um dilema enfrentado pelo sistema jurídico.
Se por um lado a segurança jurídica busca assegurar a confiança no sistema jurídico, evitando mudanças abruptas e imprevisíveis nas normas que regem suas condutas. Protegendo assim direitos adquiridos e estabelecendo uma base sólida para as relações jurídicas, permitindo que as pessoas planejem suas ações de acordo com as normas vigentes.
Por outro, a supremacia constitucional implica que a Constituição é a norma fundamental e hierarquicamente superior a todas as demais leis e atos normativos. Sendo assim, quando é declarada a inconstitucionalidade de uma norma, esta não está mais em conformidade com os preceitos constitucionais e, portanto, não possui validade jurídica.
Nesse contexto, o problema surge quando uma norma é declarada inconstitucional e os efeitos dessa declaração precisam ser determinados. Por um lado, a retroatividade da declaração de inconstitucionalidade poderia gerar instabilidade, incerteza e prejudicar as expectativas legítimas das partes que agiram de acordo com a norma anterior. Por outro, a validade e a coerência do ordenamento jurídico exigem que a inconstitucionalidade seja reconhecida e os efeitos danosos da norma sejam corrigidos.
Diversas abordagens doutrinárias têm sido propostas para lidar com esse dilema. Alguns defendem a modulação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, limitando sua retroatividade e preservando a segurança jurídica em certos casos. Outras sustentam a aplicação imediata e retroativa da decisão, argumentando que a supremacia constitucional deve prevalecer mesmo em detrimento da segurança jurídica.
É importante que os órgãos competentes, como tribunais constitucionais, ponderem cuidadosamente esses aspectos ao definirem os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, buscando preservar a estabilidade do sistema jurídico sem comprometer os valores constitucionais essenciais.
Concluímos, portanto, que a proteção da coisa julgada é essencial para a estabilidade do sistema jurídico, mas não pode ser um obstáculo intransponível quando a Constituição é violada. Cabe aos legisladores, juristas e operadores do direito continuarem a explorar alternativas, aprimorar as soluções existentes e encontrar um equilíbrio que preserve tanto a segurança jurídica quanto a supremacia da Constituição, promovendo a justiça e a garantia dos direitos.
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[6] MEDINA, José Miguel Garcia. Julgamento de adi ou adc não impede nova análise de lei. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2014-mai-12/processo-julgamento-adi-ou-adc-naoimpede-analise-lei>. Acesso em: 14 fev. 2023.
[7] DE ARAUJO, Mauro La-Salette Costa Lima. Os dois grandes sistemas de controle de constitucionalidade. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/18833/os-dois-grandessistemas-de-controle-de-constitucionalidade>. Acesso em: 10 fev. 2023.
[8] Higídio, José. STF tem maioria para validar modulação de efeitos de decisões que anulam leis. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2023-mar-27/supremo-modularefeitos-decisoes-favoraveis-adis>. Acesso em: 22 mar. 2023.
[9] 14 ORTEGA, Flavia Teixeira. STF passa a acolher a teoria da abstrativização do controle difuso. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/noticias/stf-passa-a-acolher-a-teoria-daabstrativizacao-do-controle-difuso/533957115>. Acesso em: 22 abr. 2023.
[10] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo 886. Relatora: Ministra Rosa Weber. julgamento em 29.11.2017. Disponível em:
12 DE ARAUJO, Mauro La-Salette Costa Lima. Os dois grandes sistemas de controle de constitucionalidade. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18833/os-dois-grandessistemas-de-controle-de-constitucionalidade. Acesso em: 10 fev. 2023.
13 Higídio, José. STF tem maioria para validar modulação de efeitos de decisões que anulam leis. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-mar-27/supremo-modularefeitos-decisoes-favoraveis-adis. Acesso em: 22 mar. 2023.
14 ORTEGA, Flavia Teixeira. STF passa a acolher a teoria da abstrativização do controle difuso. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/stf-passa-a-acolher-a-teoria-daabstrativizacao-do-controle-difuso/533957115. Acesso em: 22 abr. 2023.
15 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo 886. Relatora: Ministra Rosa Weber. julgamento em 29.11.2017. Disponível em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Informativos%20dos%20Tribunais/53333/informativo886-do-stf-2017. Acesso em: 24 abr. 2023. <https://conteudojuridico.com.br/consulta/Informativos%20dos%20Tribunais/53333/informativo886-do-stf-2017>. Acesso em: 24 abr. 2023.
1Acadêmico de Direito. E-mail: jorgecamargopvh2@hotmail.com. Artigo apresentado a Faculdade Uniron, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO, 2023.
2Professor Orientador. Professor do curso de Direito. E-mail: frlopes.netto@gmail.com.