SEMANA LIXO ZERO EM UM PEQUENO MUNICÍPIO: IMPACTOS E APRENDIZADOS

ZERO WASTE WEEK IN A SMALL MUNICIPALITY: IMPACTS AND LESSONS LEARNED

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202502270800


Vanessa Pacheco da Rosa
Mariana Barrozo Rodrigues


Resumo:

A Semana Lixo Zero em Jaguaruna foi um marco na mobilização comunitária para a sustentabilidade. Com atividades como palestras, coleta de recicláveis e eletrônicos, feira de sustentabilidade e desafios para escolas e empresas, o evento engajou mais de 100 pessoas e resultou na coleta de mais de 1.400 kg de resíduos. A iniciativa demonstrou o impacto positivo da educação ambiental e da economia circular em pequenos municípios, incentivando práticas mais sustentáveis entre moradores e empresas.

Summary:

The Zero Waste Week in Jaguaruna was a milestone in community mobilization for sustainability. With activities such as lectures, collection of recyclables and electronics, a sustainability fair, and challenges for schools and businesses, the event engaged over 100 people and resulted in the collection of more than 1,400 kg of waste. The initiative demonstrated the positive impact of environmental education and the circular economy in small municipalities, encouraging more sustainable practices among residents and businesses.

Palavras-chave:

Evento Sustentável, Lixo Zero, Reciclagem, Mobilização Comunitária, Consciência Ambiental.

Introdução

A Semana Lixo Zero é um movimento que busca transformar a relação das pessoas com o descarte e o reaproveitamento de materiais, promovendo um modelo de vida mais consciente e sustentável. Baseado no conceito apresentado pelo Instituto Lixo Zero Brasil (ILZB, 2019), o “Lixo Zero” se refere ao máximo aproveitamento dos resíduos recicláveis e orgânicos, reduzindo ou eliminando o envio de materiais para aterros sanitários e incineração. Nesse contexto, os resíduos são considerados recursos valiosos, e apenas os rejeitos, aqueles que não podem ser reciclados ou compostados, devem ser descartados.

Em um pequeno município de aproximadamente 20 mil habitantes, onde os desafios de gestão de resíduos são mais evidentes devido à limitada infraestrutura e recursos, a realização de uma Semana Lixo Zero torna-se um marco importante para a mudança cultural e ambiental. A diferença entre “lixo” e “resíduo” é essencial nesse conceito. Enquanto o “lixo” se refere a materiais descartados como inservíveis, os “resíduos” mantêm valor social, econômico e ambiental, podendo ser reaproveitados de diversas formas.

Como apontado por Logarezzi (2006), o avanço das tecnologias pode transformar resíduos hoje não recicláveis em recursos reaproveitáveis no futuro. Mais da metade dos resíduos gerados são orgânicos, como restos de alimentos, que, ao invés de serem enviados para aterros, podem ser utilizados para compostagem, criando adubo para hortas e promovendo um ciclo sustentável próximo ao local onde foram gerados.

A Semana Lixo Zero se destaca também pela sua capacidade de mobilizar diversos setores da sociedade, estimulando a colaboração entre escolas, famílias, empresas e poder público na construção de soluções sustentáveis. Realizar uma Semana Lixo Zero em uma cidade é mais do que educar, é criar um espaço de reflexão e ação para engajar diferentes setores da sociedade. Por meio dos princípios dos “R’s” do Lixo Zero — Repensar, Reutilizar, Reduzir e Reciclar —, a iniciativa promove uma mudança cultural, mostrando que é possível adotar práticas sustentáveis no dia a dia. Esse esforço, além de reduzir impactos ambientais, contribui para fortalecer uma economia circular e estimular comportamentos mais responsáveis, beneficiando tanto a comunidade quanto o meio ambiente.

Este artigo busca analisar as práticas e os desafios envolvidos na realização da Semana Lixo Zero, destacando o impacto dessas ações na gestão de resíduos e no engajamento da comunidade.

Planejamento e Execução

A organização da Semana Lixo Zero envolveu um mês de planejamento, com uma abordagem colaborativa realizada por 5 voluntários do coletivo lixo zero de Jaguaruna. Organizamos uma reunião de alinhamento em conjunto com a Câmara Técnica de Turismo e Sustentabilidade na sede da Associação de Comércio e Indústria de Jaguaruna (ACIRJ). Considerando o tempo limitado e a ausência de recursos financeiros significativos, a ideia inicial foi realizar  visitas escolares com palestras sobre reciclagem e educação ambiental. No entanto, a ideia ganhou proporções maiores e, com o apoio da rádio local, passou-se a planejar um evento mais amplo.

O ponto central do evento era coletar resíduos recicláveis (papel, plástico, vidro, alumínio e óleo de cozinha usado) e resíduos eletrônicos (baterias velhas, eletrônicos quebrados); que de outra forma seriam descartados em lixeiras convencionais e encaminhadas para o aterro.

O principal desafio inicial foi estabelecer parcerias e buscar colaboradores. Para isso, os organizadores entraram em contato com empresas locais, apresentando a proposta do evento e solicitando apoio. Durante a semana de evento, foram realizadas algumas atividades:  Palestras: Abordando temas como separação de resíduos, compostagem e economia circular e clima;  Feira de Sustentabilidade: Onde empresas locais apresentaram produtos e serviços eco-friendly; Desafios para Escolas e Empresas: Competições amigáveis para estimular a redução de resíduos e a separação correta, promovendo a conscientização de forma prática e lúdica. E finalmente, um dia de evento aberto presencial com a moeda verde.

Esse esforço foi fundamental para a viabilização do projeto, possibilitando a obtenção de um local adequado para a realização das atividades e parte da estrutura física necessária e recursos para a organização de um evento físico.

Simultaneamente, outros membros da equipe passaram a planejar as atrações e atividades do dia do evento, com destaque para a coleta de resíduos recicláveis e baterias. Foi também idealizado um bazar de troca de itens doados por resíduos recicláveis. Nesse contexto, foi criada a “moeda verde”, confeccionada manualmente a partir de materiais reciclados, utilizada como forma de troca no bazar onde visitantes entregaram os resíduos e receberam uma moeda verde para trocar por brindes no bazar.

As escolas locais foram convidadas a participar do evento, levando turmas para atividades educativas no local. Entre as principais atrações, destacaram-se: exposições sobre a importância da preservação ambiental, demonstrações práticas de um biodigestor desenvolvido por estudantes, atividades lúdicas como jogos de tabuleiro e oficinas de reciclagem, e doações de mudas de árvores.

Diversos colaboradores contribuíram com atividades específicas, como demonstrações sobre a importância das abelhas para o ecossistema, exposição de brinquedos reciclados confeccionados por alunos, e áreas de recreação infantil. Houve ainda sorteios de brindes doados por parceiros, incluindo estadia em pousada, rodízios de pizza e visita a sítio locais.

A promoção do evento foi realizada paralelamente à busca por colaboradores, utilizando principalmente anúncios na rádio local e redes sociais. Nos dias que antecederam o evento, a equipe organizadora se dedicou à montagem da infraestrutura, contando com o apoio de voluntários e expositores.

O evento aconteceu no dia 25 de outubro de 2024, das 9h às 16h, em um local de fácil acesso, próximo a uma avenida movimentada. A localização estratégica atraiu curiosos e facilitou a participação da comunidade.

Ao final do evento, foram contabilizadas 11 atrações e aproximadamente 120 visitantes. Foram registradas 41 entregas de resíduos, resultando na coleta de aproximadamente 35 kilos de materiais como plástico, papel, vidro e 4 litros de óleo de cozinha, 1.368 kg de resíduos eletrônicos e 7 kilos de tampinhas de garrafa e lacres de latinha.

Foto 1:  Entrega de tampinhas de lacre no dia do evento;

Foto 2:  Presença de escolas no dia do evento;

Foto 3: Presença de Mascotes das empresas parceiras do evento;

Foto 4: Comunidade entregando os resíduos nos Pontos.

Impactos

O impacto do evento foi significativo. Algumas empresas, que antes não tinham preocupações ambientais claras, passaram a adotar práticas sustentáveis como separação de resíduos e redução do uso de plásticos descartáveis. A participação da comunidade também foi expressiva, especialmente levando os resíduos em massa para serem descartados no dia de forma correta.

Nas escolas, percebemos uma maior conscientização entre os alunos, que levaram para casa os aprendizados sobre separação de resíduos e compostagem. Famílias foram mobilizadas a partir das atividades realizadas pelos filhos, criando um efeito multiplicador.

Lições Aprendidas

Respeitar as fases do evento, como pré-evento, planejamento, execução e pós evento também são de crucial importância para o sucesso de um evento de qualquer escala, e existem diversos modelos de planejamento online por diversos autores.

Durante a organização do evento, identificaram-se diversos desafios e oportunidades de melhoria que podem ser incorporados em futuras edições. Foram identificados três problemas de comunicação do evento. O primeiro problema foi a dificuldade de comunicação entre os organizadores e colaboradores, o que gerou atrasos, conflitos e falta de alinhamento. Alguns participantes demoraram a responder, enquanto outros alteraram planos sem informar todos os envolvidos, comprometendo o planejamento geral. A comunicação nos eventos, têm um forte impacto. A comunicação interna é de extrema importância para uma organização e o sucesso de um evento para a passagem de informações entre os membros da organização, e esta parte está inclusa em diversos modelos de evento. Como forma de comunicação de culturas e interesses em uma sociedade os eventos também servem como uma grande ferramenta. Em casos de eventos de ecologia, ou movimentos sociais, pode gerar um grande impacto no comportamento social e conhecimento do público sobre o assunto do evento. Gomes de Moraes e Soares (2014) afirmam que os eventos sociais têm o objetivo de “expressar a vontade coletiva” e que ajudam a tornar as lutas dos movimentos sociais mais visíveis e legitimadas. Para evitar esses problemas, é necessário aprimorar os canais de comunicação e implementar ferramentas mais eficazes, como grupos organizados, e-mails e documentos compartilhados. Outro problema foi a necessidade de definir responsabilidades de forma objetiva durante o planejamento e a execução. No evento, muitos envolvidos desempenharam múltiplas funções ao mesmo tempo, de forma descoordenada, resultando em mudanças mal comunicadas. Uma estrutura de tarefas e papéis bem definida é crucial para evitar problemas dessa natureza. A terceira área de comunicação que foi identificada por precisar de melhorias foi a qualidade de informação para os visitantes, por exemplo, uma turma escolar, que não foi avisada sobre a necessidade de levar materiais recicláveis para trocar no bazar. Isso gerou desconforto entre os organizadores e as crianças, apontando a importância de garantir que todos os participantes estejam devidamente informados e preparados.

Além disso, o curto prazo entre a decisão de realizar o evento presencial e a data programada comprometeu a promoção do evento, resultando em baixa adesão de visitantes. Planejar e iniciar a divulgação com maior antecedência é essencial para garantir um público mais amplo. Para avaliar o impacto do evento, é importante medir a quantidade de resíduos coletados, o que forneceria dados concretos sobre os resultados obtidos. Também seria importante estabelecer metas claras antes do evento, permitindo comparações e análises futuras. A aplicação de pesquisas de satisfação para os participantes, expositores e visitantes pode contribuir para a coleta de feedback, facilitando o planejamento de edições futuras.

Questões práticas também precisam ser aprimoradas. Não havia brindes específicos para as crianças, o que gerou situações desconfortáveis para aquelas que não levaram materiais recicláveis. Garantir a disponibilidade de brindes apropriados seria uma solução. Além disso, a falta de planejamento para a oferta de água aos visitantes foi compensada pela doação de copos de água por uma empresa, mas essa solução gerou resíduos adicionais. Planejar opções mais sustentáveis para atender a essa necessidade deve ser uma prioridade. A logística do evento, incluindo infraestrutura, recepção e coffee break, também deve ser planejada com mais cuidado.

A estrutura do evento também pode ser otimizada. A realização em um único dia e em horário comercial limitou a participação de visitantes, especialmente daqueles que estudam ou trabalham. Estender o evento para três dias, com uma programação organizada, pode aumentar a adesão.

Por fim, a utilização de uma matriz SWOT no planejamento do evento poderia ajudar a identificar forças, fraquezas, oportunidades e ameaças, permitindo à organização estar melhor preparada para lidar com imprevistos, como o ciclone que ocorreu na véspera do evento e impactou a participação de diversos convidados previamente confirmados.

Essas recomendações têm o potencial de melhorar significativamente a organização e os resultados de futuros eventos, promovendo maior impacto e engajamento da comunidade.

1. Educação Ambiental é a Base: Trabalhar com escolas é essencial para engajar a comunidade.

2. Parcerias São Fundamentais: Contar com o apoio de diferentes setores aumentou o alcance e a eficiência do evento.

3. Simplicidade Atrai Participação: Atividades simples, como o projeto de moeda verde e atrações de públicos diversos como FIESC e SENAI, foram as que mais engajaram as pessoas a irem no dia.

4. Empresas São Aliadas Poderosas: Ao se engajarem na causa, as empresas se tornam multiplicadoras da mensagem, podendo dar continuidade.

5. Planejamento: Um dos aprendizados mais importantes foi a necessidade de um planejamento minucioso e bem estruturado. Embora o evento tenha sido realizado com sucesso, um planejamento detalhado, que envolvesse todos os envolvidos desde o início, foi essencial para evitar contratempos e garantir que cada parte da programação fosse executada de forma eficiente. Definir claramente as metas e objetivos desde o início permitiu que todos os parceiros e colaboradores soubessem exatamente qual era sua responsabilidade e o que era esperado deles.

6. Recursos Financeiros: Um dos principais desafios enfrentados foi a limitação de recursos financeiros para viabilizar a realização do evento. Embora as parcerias e colaborações tenham sido essenciais para o sucesso da Semana Lixo Zero, a falta de um caixa específico para cobrir custos imprevistos e garantir a execução de todas as atividades planejadas foi um obstáculo. Para futuros eventos, é fundamental estabelecer uma meta clara de arrecadação e buscar recursos financeiros mais consistentes, seja por meio de patrocínios, doações ou parcerias comerciais. Ter um fundo dedicado ajudará a garantir maior autonomia e flexibilidade na execução das ações, sem depender exclusivamente de recursos de última hora ou de contribuições esporádicas.

Conclusão

A análise da Semana Lixo Zero revelou desafios e oportunidades de melhoria que são essenciais para aprimorar a organização de futuras edições do evento. A comunicação entre os organizadores, a definição clara de responsabilidades e a qualidade da informação para os participantes foram pontos-chave que impactaram diretamente o sucesso do evento. A implementação de ferramentas de comunicação mais eficazes, o planejamento adequado de tarefas e a garantia de que todos os envolvidos sejam devidamente informados podem contribuir significativamente para a redução de contratempos e o aumento da eficácia nas próximas edições.

A sustentabilidade, como princípio norteador do evento, demonstrou-se fundamental tanto no manejo dos resíduos quanto no engajamento da comunidade e das escolas. A educação ambiental desempenhou um papel crucial na conscientização dos participantes e no incentivo à prática de comportamentos sustentáveis, o que reforça a importância de integrar ações educativas em eventos dessa natureza. O fortalecimento de parcerias, tanto com empresas quanto com a comunidade, foi essencial para o sucesso da iniciativa e deve ser ampliado em futuras edições, com o objetivo de garantir maior impacto e continuidade das ações.

Ademais, o planejamento antecipado e a definição de metas claras são fundamentais para a boa execução de eventos sustentáveis. A escassez de recursos financeiros e o curto prazo para a organização da Semana Lixo Zero demonstram a necessidade de uma estrutura mais robusta e de um fundo dedicado, que permita maior autonomia e capacidade de resposta a imprevistos.

Por fim, a aplicação de uma matriz SWOT e o acompanhamento constante das métricas de sucesso, como a quantidade de resíduos coletados e a satisfação dos participantes, são ferramentas indispensáveis para avaliar o impacto do evento e identificar áreas para melhorias contínuas. A experiência adquirida ao longo da realização desse evento oferece valiosas lições que, se aplicadas de maneira estratégica, podem potencializar a eficácia de futuros eventos e ampliar o engajamento da comunidade em causas ambientais.

Referências

ILZB – Instituto Lixo Zero Brasil. (2019). Conceito de Lixo Zero. Disponível em: http://ilzb.org/conceito-lixo-zero/. Acesso em: 12/01/2025

LOGAREZZI, A. (2006). Contribuições conceituais para o gerenciamento de resíduos sólidos e ações de educação ambiental. In: Leal, A.C.et.al. Resíduos sólidos no Pontal do Paranapanema. Presidente Prudente: Antonio Thomaz Jr./Fehidro/Viena.

MORAES, E. (2025) Papel dos eventos em movimentos sociais: um estudo de caso sobre a Parada da Diversidade de Bauru. Razón y Palabra, 2014. Disponível em: https://www.razonypalabra.org.mx/. Acesso em: 22 jan. 2025.

UN-HABITAT. (2010). State of the World’s Cities 2010/2011: Bridging the Urban Divide. Disponível em: https://unhabitat.org. Acesso em: [inserir data de ace