SEMANA DE REFLEXÃO DA PRESENÇA QUILOMBOLA EM RONDÔNIA: COMUNIDADE QUILOMBOLA SANTA FÉ

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7393805


Calebe Brito da Costa
Andreza Pereira Mendonça
Lediane Fani Felzke


RESUMO

Trata-se de um artigo de uma experiência realizada entre as disciplinas de Manejo de Unidades de Conservação  e Ética Profissional, Direitos Humanos e Relações Étnicos-Raciais no contexto de um projeto de curricularização da extensão denominado “Presença de comunidades quilombolas em Rondônia”. O presente artigo tem por objetivo descrever sobre a “Semana de reflexão da presença quilombola em Rondônia”. Esta atividade foi elaborada a partir de levantamentos bibliográficos de artigos científicos sobre as comunidades quilombolas presentes no estado de Rondônia., de pesquisas nos sites do INCRA e da Fundação Cultural Palmares, e por meio de uma entrevista com uma liderança da comunidade quilombola Santa Fé, que foi o tema de estudo para escrita e realização do projeto de curricularização. As informações obtidas serviram como base para a divulgação da presença quilombola em Rondônia. junto à comunidade acadêmica do IFRO, campus Ji-Paraná, mas, sobretudo, para a comunidade não acadêmica, através de publicações de posts no Instagram do Laboratório de Sementes da instituição. As informações trataram sobre a Comunidade Quilombola Santa Fé sob os seguintes temas: Quem são eles? Quais suas fontes de renda? Entrevista com uma integrante da comunidade. Desta forma, tornou-se possível disseminar saberes, em tempos de pandemia, por meio de uma atividade extensionista interdisciplinar, mediante a rede social Instagram que contribuiu para o contato entre academia e a sociedade.

Palavras-chave: Extensão em comunidades quilombolas. Divulgação científica. Rondônia. Redes sociais.

1 INTRODUÇÃO

As comunidades quilombolas são grupos étnicos predominantemente constituídos pela população negra rural ou urbana, que se auto definem a partir das relações com a terra, do parentesco, do território, da ancestralidade, das tradições e das práticas culturais próprias. Estima-se que, em todo o país, existam mais de três mil comunidades quilombolas (INCRA, 2022).

As comunidades quilombolas no Brasil são múltiplas e variadas e se encontram distribuídas em todo o território nacional. Há comunidades que se localizam no campo e outras na cidade, sendo estas também denominadas de quilombos urbanos (BATISTA; ROCHA, 2019). Por meio de fortes laços de parentesco e herança familiar, essas comunidades se constituem e se afirmam desde o passado na luta pela liberdade (FURTADO, PEDROZA, & ALVES, 2014).

O quilombo constitui questão relevante desde os primeiros focos de resistência dos africanos ao escravismo colonial, reaparece no Brasil/república com a Frente Negra Brasileira (1930/40) e retorna à cena política no final dos anos 70, durante a redemocratização do país. Trata-se, portanto, de uma questão persistente, tendo na atualidade importante dimensão na luta dos afrodescendentes (LEITE, 2000).

Falar dos quilombos e dos quilombolas no cenário político atual é, portanto, falar de uma luta política e, consequentemente, uma reflexão científica em processo de construção (LEITE, 2000).

Os quilombolas que atualmente habitam o Vale do Guaporé são descendestes de negros escravizados que se dispersaram de Vila Bela de Santíssima Trindade, antiga capital do Estado do Mato Grosso, ocupando as margens do rio Guaporé e seus afluentes, que hoje fazem parte do Estado de Rondônia (CRUZ,2012). As comunidades quilombolas de Rondônia encontram apoio em outras comunidades tradicionais tais como: indígenas, caboclos, ribeirinhos e nos vizinhos bolivianos reproduzindo assim seu modo de vida (SANTIAGO, 2012).

Vemos em diversos lugares do continente a afirmação daqueles que historicamente foram negados e invisibilizados no espaço público e que, para muitos, eram simplesmente um resquício do passado. Os camponeses, indígenas e afrodescendentes, longe de serem personagens anacrônicos, tornam-se protagonistas da invenção e da construção de outros futuros possíveis (SANTIAGO, 2012).

Ressignificam suas memórias, tradições comunitárias e ancestralidade na construção de projetos alternativos de produção e organização comunitárias (CRUZ, 2014), num processo que podemos interpretar como uma politização do tradicional.

Como forma de subsistência, as comunidades quilombolas rurais, ao longo do tempo, implantaram e desenvolveram atividades produtivas e extrativas, seguindo a trajetória das atividades econômicas de cada região (SILVA FILHO, 2012; OLIVEIRA, PEREIRA, GUIMARÃES   & CALDEIRA, 2015).

Sobre as comunidades quilombolas, lembremos que o Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição (ADCT), garante e reconhece que tais comunidades ocupam de fato suas terras e propriedades de forma definitiva, cabendo ao Estado a emissão destes títulos. Apesar desta seguridade, muitas comunidades quilombolas sentem-se defasadas e encontram-se sem a titulação definitiva de suas terras.

Outro fator relevante a ser mencionado diz respeito à necessidade de atenção primária de saúde, educação, saneamento básico, segurança, dentre outros que são bens comuns à população brasileira como um todo, seja ela tradicional ou não, como garante a Constituição Federal de 1988 em seus artigos 205 e 227.

Inserida neste contexto, a comunidade quilombola que será descrita neste artigo é denominada Comunidade Quilombola Santa  Fé e localiza-se na cidade de Costa  Marques.A certidão de autorreconhecimento da comunidade Santa Fé como comunidade de quilombo foi expedida pela Fundação Cultural Palmares  (FCP) em 16 de novembro de 2006.

Muitas pesquisas sobre as comunidades quilombolas são feitas para entendê-las em seus aspectos socioculturais, mas muitas delas acabam se limitando à comunidade científica. Tais limitações justificam o pouco conhecimento da comunidade externa sobre a importância e o significado do assunto aqui mencionado.

A falta de conhecimento sobre a existência e localização das comunidades quilombolas no estado de Rondônia é retratada na obra de Bonfim (2021) intitulada “Amazônia Negra”, que trata da invisibilidade negra na Amazônia. A autora também ressalta que isso é consequência do estereótipo de regionalização criado por nós, de que os negros estão concentrados apenas na região nordeste do Brasil. No entanto, isso se deve à educação cultural, à interpretação equivocada de fatos históricos e aos equívocos difundidos pelas mídias culturais, por exemplo, em filmes e curtas-metragens que se processam especificamente no ambiente do Nordeste brasileiro.

Compreendendo as relações sobre como as comunidades tradicionais se desenvolveram, organizaram e de fato conquistaram seu espaços, as  informações levantadas sobre a  comunidade quilombola em estudo que será descrita no decorrer deste artigo, foram obtidas através de um questionário realizado com a presidente da comunidade quilombola Santa Fé, relatando sobre a organização social/política/econômica do grupo, seus aspectos culturais, seus meios de subsistência, bem como sobre as políticas  públicas ofertadas atualmente, e como foi o atendimento recebido no período da pandemia de COVID-19, dentre outros pontos que a colaboradora quis enfatizar.

2 METODOLOGIA

O projeto de curricularização da extensão foi desenvolvido de maneira interdisciplinar entre as disciplinas Manejo de Unidade de Conservação e Ética Profissional, Direitos Humanos e Relações Étnico-Raciais.

A escolha do tema deu-se a partir do interesse mutuo do acadêmico em conhecer especialmente as comunidades quilombolas no Estado de Rondônia. Para isso, buscou no Google Scholar temáticas voltadas às comunidades aqui encontradas no Estado de Rondônia, processo de identificação das comunidades quilombolas no Brasil buscando em artigos científicos e termos descritores assuntos que se aproxime ou assemelhe ao estudo em questão, e realizado uma entrevista com uma vivente da Comunidade Quilombola Santa Fé afim de obter informações acerca desta comunidade, possibilitando o acesso às informações e às fotografias utilizadas nas postagens do Instagram, com a autorização da presidente da comunidade e de seus membros.

3 REVISÃO DE LITERATURA

3.1 Processo de identificação de Comunidades Quilombolas no Brasil

Em 2001 foi feita a primeira titulação de terra no Estado de São Paulo, e que aconteceu no Vale do Ribeira (SÁ, 2007). Para Bastos (2009), o enfoque sobre a ressemantização do termo quilombo é um debate contemporâneo visando uma releitura sobre os aspectos de resistência da população negra no Brasil.

Esta redefinição empreendida por pesquisadores, pelos movimentos negros e os próprios atores sociais em questão criam diferenciados processos de identificação colocando novos sujeitos políticos no cenário das relações raciais do país. Observa-se um esforço de descolamento do conceito que ficou cristalizado no senso comum de quilombo como lugar de “negro fugido” para uma definição que considere as complexas relações entre senhores e escravos e enfatize a condição do quilombo como organização e prática de resistência negra (BASTOS, 2009).

Com uma economia predominantemente agrária e um sistema de relações sociais paternalista, o Brasil pós-abolição continuou a reproduzir hierarquias baseadas na posição social e na cor (SKIDMORE, 1976).

Como a liberdade não foi dada ou restaurada, e sim inventada e experimentada por aqueles que não a conheciam, deve-se considerar neste processo os diversos modos de constituição de si enquanto cidadão, ou quase-cidadão, visto que as marcas materiais e simbólicas desse passado ainda parecem inalteráveis (GOMES, 2007).

No processo histórico brasileiro, como já dito, a experiência de liberdade dos negros após a abolição formal da escravidão não veio acompanhada de uma ampliação das possibilidades de desenvolvimento social, cultural e subjetivo desses sujeitos. Com o “fim” da escravidão, a população negra ainda continuou a formar quilombos de diversos tipos como condição de sobrevivência e alternativa às arbitrariedades que lhes foram impostas (BASTOS, 2009).

Os estudos históricos que reviram o período escravocrata brasileiro mostram que as comunidades de quilombo se constituíram a partir de uma grande diversidade de processos, que incluem as fugas com ocupação de terras livres e geralmente isoladas, mas também as heranças, doações, recebimentos de terras como pagamento de serviços prestados ao Estado, simples permanência nas terras que ocupavam e cultivavam no interior de grandes propriedades, bem como a compra de terras, tanto durante a vigência do sistema escravocrata quanto após sua abolição (SÁ, 2007).

O que caracteriza o quilombo, portanto, não é o isolamento e a fuga, mas a resistência e a autonomia, é o movimento de transição da condição de escravo para a de camponês livre.

Segundo o Quadro Geral da Fundação Cultural Palmares (2022), o número total de Quilombos no Brasil é de 3502 comunidades quilombolas constatadas e espalhadas pelas regiões do Brasil, dentre essas apenas 2840 receberam, no ano de 2022, o título definitivo de suas comunidades. O esquema abaixo demonstra o quantitativo por região:

Quadro 1: Quadro Geral da Fundação Cultural Palmares.

REGIÕES DO BRASILCERTIDÕES EMITIDAS PARA TITULAÇÃO DE TERRASCOMUNIDADES RECONHECIDAS E SEM TITULAÇÃO DE TERRAS
NORTE300369
NORDESTE17432219
CENTRO-OESTE151146
SUL191193
SUDESTE477575

Fonte: o autor.

É perceptível o número de comunidades que vem crescendo no país e que mesmo com esse aumento, ainda assim esperam receber suas certidões e titulação de suas terras, pela Fundação Palmares e pelo INCRA em consonância.

3.2 Processo de identificação de Comunidades Quilombolas em Rondônia

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no seu artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, dispõe que: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.”

Em Rondônia são onze comunidades quilombolas identificadas. Destas, sete já possuem certidão de auto-reconhecimento emitida pela Fundação Palmares. Localizadas na faixa de fronteira do Estado de Rondônia com a República da Bolívia, numa extensão de 1.342 quilômetros, às margens do Rio Guaporé, vivem nove comunidades quilombolas, das quais sete já foram certificadas pela Fundação Palmares, cito, por município: duas em Alta Floresta: “Rolim de Moura e Guaporé” e “Tarumã”; duas em Costa Marques: “Forte Príncipe da Beira” e “Santa Fé”, duas em Pimenteiras do Oeste: “Pimenteiras do Oeste” e “Laranjeiras”; uma em São Francisco do Guaporé: “Pedras Negras” e duas em São Miguel do Guaporé: “Santo Antônio” e “Jesus” (MONTEIRO, 2013).

Ainda, segundo Monteiro (2013, p.??): ‘’O quadro das atuações em Políticas Públicas, em Rondônia encontra-se em estado embrionário o que não tem possibilitado acesso das comunidades quilombolas aos seus direitos consolidados em leis’’.

A colonização  recente  do  Estado  de  Rondônia  apresenta  um  lado  trágico  ainda pouco estudado que se refere ao “desencontro de etnias” diferentes. Este desencontro é sensivelmente mais conhecido quando abordamos as questões indígenas e pouco ou nada estudados quando passamos a analisar as populações negras e ribeirinhas locais (TEIXEIRA, 2008).

Em linhas gerais podemos entender território como sendo uma área determinada na qual uma coletividade exerce suas práticas de sobrevivência e perpetuação. Tratando-se de populações humanas, o território é um produto de construção histórica de um determinado grupo, realizado a partir do trabalho e da identificação dos espaços como sendo inerentes às formas adotadas pela população nele residente para sua continuidade (TEIXEIRA, 2008).

O quilombo como um direito constitucional passou então a abranger um conjunto muito amplo de práticas e experiências, atores e significados – sempre carregando o sentido ou desdobrando-se dele, dos mais diversos modos de reação às formas de dominação instituídas pelo processo colonial escravista -, ampliando-se para um conjunto incalculável de situações dele decorrentes (LEITE, 2008).

A partir dessas vertentes se pode analisar que a garantia à titulação de terras, o reconhecimento mediante a Fundação Cultural Palmares, a demarcação de suas terras, não é um problema individual, mas é o garantimento coletivizado de várias comunidades que cada vez mais vêm buscando seu espaço no meio em que estão inseridas, mas que se sentem invisibilizadas. Essas terras tituladas trarão um uso comum, requeridos na proteção judicial e dos viventes ali presentes, buscando cada vez mais fazer uso das suas manifestações culturais em seu pleno exercício de direito.

3.3 Processo de identificação da Comunidade Quilombola Santa Fé

A questão da demarcação e certificação dos territórios de remanescentes de quilombo tem levantado vivo debate entre forças conservadoras de um lado, especialmente  latifundiárias, e  parte  expressiva  da  grande  mídia  e,  por  outro  lado  as representações sociais e os organismos governamentais encarregados de assegurar a aplicação  da  legislação  vigente  em  benefício  de  grupos  humanos  historicamente marginalizados pelo Estado e, permanentemente, submetidos a exploração mais vil e à total  falta  dos  direitos  de  cidadania.  Tornando  a  situação  ainda  mais  complexa, observa-se  em  muitas  situações  o  próprio  Estado  Nacional,  através  de  seus  inúmeros órgãos  e  instituições  em  uma  briga  interna,  onde  essas  populações  recebem,  por  um lado a proteção e as intenções de regularização de suas situações territoriais, legais e cidadãs,  por  outro,  encontram  poderosos  inimigos  que  trabalham  pela  eliminação  de todas  as  garantias  legais  que  supostamente  poderiam  alterar  uma  situação  histórica que  beira,  ainda,  os  descasos  da  escravidão (TEIXEIRA, 2008).

Segundo o Mapa de Conflitos (2019), a comunidade quilombola Santa Fé, em Costa Marques, mesmo tendo sido reconhecida e registrada pela Fundação Cultural Palmares (FCP) em fevereiro de 2007, foi afetada pela morosidade do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) em garantir a titulação de suas terras, o que só foi concretizado em dezembro de 2018.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Entrevista

Para realização do desenvolvimento da atividade foi pensado sobre a campanha de divulgação de postagens que se relacionam diretamente sobre as Comunidades Quilombolas no Estado de Rondônia, usando como meio de propagação das informações levantadas, o aplicativo de mídia social Instagram, para tal foi delimitado as seguintes temáticas:

  1. Tema: Comunidade Quilombola Santa Fé: Quem são eles?
  2. Tema: Comunidade Quilombola Santa Fé: Sua fonte de renda.
  3. Tema: Comunidades Quilombolas Santa Fé: Entrevistas com Fernanda Almeida, membro da comunidade.

Sendo a última temática trazendo informações obtidas diretamente com a entrevistada, realizando um breve roteiro para obtenção das informações acerca da comunidade Santa Fé,

Em consonância para proposição das atividades que seriam realizadas, organizou-se previamente um breve levantamento bibliográfico acerca das comunidades quilombolas encontradas dentro do Estado de Rondônia, usando de base sites como a Fundação Cultural Palmares, Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA), Google Scholar para pesquisas de artigos relacionados a comunidade Santa Fé e as demais comunidades dando enfoque principalmente nos aspectos culturais, problemáticas da titulação de terras, reconhecimento das comunidades, processo de identificação dessas comunidades, documentos como a Constituição Federal de 1988 e o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).

Após serem feitos os levantamentos bibliográficos sobre a temática a ser abordada, foi feito uma padronização de como ficariam os layouts para publicação dos posts no Instagram, conforme representado nas figuras abaixo:

Figura 1: Layout da identidade visual do projeto.

Fonte: Instagram do @labsementes e os autores.

Figura 2: Mosaico de fotos dos posts publicados no Laboratório de Sementes.

Fonte: Instagram do @labsementes e os autores.

Após a definição de como seriam os layouts para publicação dos conteúdos sobre a comunidade quilombola Santa Fé no Instagram do Laboratório de Sementes (@labsementes), ficou definido a data de realização das postagens na plataforma de mídia social, assim, as datas definidas ficaram entre os dias 26, 27 e 28 de novembro de 2021 quando foram de fato publicados os informativos destinados à comunidade externa, ao meio acadêmico, entendendo que a atividade extensionista visava atender aos seguidores do Laboratório de Sementes, estudantes, docentes, profissionais da engenharia e áreas afins.

4.1 Comunidade Quilombola Santa Fé

Segundo Santiago & Silva (2012), pesquisas  históricas  atestam  que,  em  outros  anos, as  comunidades tradicionais do Estado de Rondônia somavam números maiores; contudo, esses povoados vêm progressivamente   vivenciando   o   despovoamento   de   seus   moradores.   A   evasão   dessas comunidades ocorre devido a diversos fatores, dentre eles a escassez de políticas públicas e a irregularidade  da  demarcação  e  titulação  de  terras  ocupadas  por estes indivíduos. Não obstante, somada a esses entraves, há a disputa pelas terras com fazendeiros, agropecuaristas e projetos de  desenvolvimento,  situações  conflituosas  que  impedem  que  sejam  feitos  os trabalhos de demarcação e titulação das terras remanescentes de quilombos (SANTIAGO; SILVA, 2021).

Documentos como o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTDI) comprovam que Santa Fé se originou em 1888. A comunidade hoje é protegida pelo Ministério Público Federal.

A comunidade quilombola Santa Fé está localizada em Costa Marques e reúne 46 pessoas entre adultos e crianças. Encontra-se localizada na margem direita do Rio Guaporé, na divisa do Brasil e a Bolívia, estando à 713 km da capital, Porto Velho. Vale salientar que, Santa Fé é a segunda comunidade quilombola a receber o título de propriedade.

4.2 Organização da Atividade de Extensão da Curricularização

Dos dias 8 a 15 de novembro de 2021 os acadêmicos reuniram-se, via WhatsApp e Google Drive, para dar início as pautas a serem abordadas durante a “Semana de Reflexão da Presença Quilombola em Rondônia”. No primeiro momento, foi elaborado o roteiro da entrevista que seria feita para a Presidente da Comunidade Quilombola Santa Fé. Em seguida foi solicitado desta liderança autorização das imagens para serem publicadas no Instagram, com finalidade de divulgar conhecimento produzido em circulação nos meios acadêmicos e não acadêmicos, abrangendo o publicado que segue o perfil do Laboratório de Sementes (@labsementes)

Figura 3: Reunião dos acadêmicos sobre o tema a ser abordado e encaminhamento do roteiro para
Presidente da comunidade quilombola Santa Fé

Fonte: Arquivo dos autores.

No segundo momento, com a obtenção do roteiro respondido pela presidente da comunidade quilombola Santa Fé, foi feito um levantamento bibliográfico no Google Scholar sobre as comunidades quilombolas vigentes no Brasil, no Estado de Rondônia e a comunidade em estudo aqui descrita neste artigo, filtrando a temática principalmente em: processo de identificação, territorialidade, cultura e costumes das comunidades tradicionais, ancestralidade negra, titulação de terras, reconhecimento como comunidade quilombola.

Com base nas informações obtidas no roteiro da entrevista, a comunidade em questão atualmente possui 46 membros entre adultos e crianças, é uma comunidade que vem exercendo diversas atividades econômicas, mas o seu foco principal é a produção de farinha. Segundo Monteiro (2013), quando levantando informações da comunidade quilombola Forte Príncipe da Beira no Estado de Rondônia, a atividade econômica que essa comunidade exerce baseia-se principalmente na pesca, a caça e coleta de castanhas, seja para consumo ou venda de subsistência, e Sá (2007) ressalta em seu artigo que a comunidade do Vale do Ribeira no Estado de São Paulo se sustenta basicamente nas atividades agrícolas e extrativistas.

Observa-se a partir disso que as comunidades tradicionais, em ênfase as comunidades quilombolas, tem como características comum nas atividades subsistências uso extrativista das áreas em que vivem como forma de obtenção de renda, o que é garantido no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) na sua lei 9.985 de 18 de julho de 2000 a atividade extrativista por comunidades tradicionais, é perceptível que esses costumes podem ser advindos desde o período colonial por exemplo, pois são atividades que esses povos já exerciam no período da escravidão e continuaram a replicar agora com a posse e direito de suas terras.

Durante a pandemia por COVID-19, um dos meios de subsídios prestados à comunidade veio diretamente do Auxílio Emergencial, definido neste momento (agosto de 2022) como Auxílio Brasil, o qual é fornecido pelo Governo Federal.

Em relação à saúde, a presidente da comunidade forneceu a seguinte informação: “Não temos postos de saúde, temos sim a visita do agente de saúde nas casas. Quando há casos mais graves, as pessoas se deslocam até a cidade”.

Sobre a coleta de lixo e saneamento básico, a comunidade faz a queima do lixo já que não há coleta por ali e não possuem saneamento básico. A Lei 14.024 de 2020 regulamenta os serviços de saneamento básico e a Constituição Federal de 1988 assegura esse direito, porém este serviço público está longe de ser disponibilizado a todos os cidadãos, comunidades e cidades, e este é o caso de Santa Fé A ausência deste serviço pode acarretar em doenças graves, problemas de saúde, danos ao solo, dentre outros passivos ambientais.

A comunidade não possui uma escola dentro de seu território, mas a prefeitura do município de Costa Marques disponibiliza ônibus escolares para levar os estudantes à cidade.

Santa Fé tem como principal religião o catolicismo e comemora o dia de São Francisco de Assis que é padroeiro da Comunidade.

Além disso, a presidente informou na entrevista sobre a importância da comunidade e sobre a área quilombola, respaldando no direito de reconhecimento e registro e, também sobre as invasões por pessoas que não possuem autorização para adentrar o local. Destaca também a importância do conhecimento da sociedade em geral sobre a história de sofrimento que os povos quilombolas tiveram para chegar onde estão.

Figura 4: Entrevista realizada com a Presidente da Comunidade Quilombola Santa Fé.

Quadro 2: Relação de contas alcançadas, interações e curtidas

                        Fonte: Elaboração pelo autor a partir de dados do Instagram, canal Laboratório de Sementes.

Por último, foi feita uma análise do feedback que foi recebido durante os dias de publicação, percebendo que de modo geral o alcance entre os dois primeiros dias foi maior, o que se percebe que a estratégia utilizada foi eficiente para divulgação da temática abordada. Percebeu-se que a temática abordada é de grande valia e despertou o interesse não somente do meio acadêmico como também da sociedade externa que com potencialidade de compartilhamento tiveram mais afinidade quando se diz respeito ao tema, compreendendo aspectos que muitas vezes não são estudados em sala de aula, noticiados de uma forma menos detalhista. Com esses números, percebe-se que a influência da rede social está cada vez mais forte na vida acadêmica, tornando-se uma importante ferramenta de troca de experiências e conhecimentos (WERHMULLER e SILVEIRA, 2012)

A proporção tomada pela “Semana de Reflexão da Presença Quilombola em Rondônia” conseguiu alcance de publicação nas redes sociais de um dos funcionários do INCRA da cidade de Brasília, que agrega informações de suma importância a respeito das comunidades quilombolas situadas no Estado de Rondônia, sendo compartilhados pelos estudantes do curso de bacharelado em Engenharia Florestal, docente do campus IFRO Ji-Paraná, estudantes de outras instituições, seguidores do Laboratório de Sementes e a sociedade externa em si.

Tendo em vista que no período da pandemia as atividades acadêmicas estavam sendo realizadas em período remoto, o trabalho de curricularização desenvolvido sobre a temática relatada mostra que mesmo em um período de restrição e contato presencial com as pessoas, as redes sociais conseguiram suprir, mesmo que de modo indireto, a interação entre universidade e sociedade, incumbindo assim uma imersão importante de assuntos que cada vez mais podem vir a despertar o interesse de todos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dessa forma, pudemos então perceber que a interdisciplinaridade e as atividades extensionistas são meios que auxiliam o contato entre academia e sociedade no qual há troca de conhecimentos e disseminação de saberes. No período da COVID-19 as redes sociais foram ferramentas que auxiliaram essas práticas.

O retorno positivo obtido da sociedade externa e o apoio da Comunidade Quilombola Santa Fé mostram o quão significativo é divulgar temáticas que são invisibilizadas e, portanto, desconhecidas pelos meios não acadêmicos.

Compreendendo que os estudos são de relevância para entender a forma como as comunidades quilombolas se organizaram com o decorrer do tempo buscaram autonomia e reconhecimento. A comunidade em estudo demonstra para o meio acadêmico a desmitificação de que são povos isolados e que de fato foram atrás da luta pelo direito de suas terras, meio de garantias para exercerem sua cultura e dentre outros fatores.

REFERÊNCIAS

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