SEGURANÇA E POLÍTICA PÚBLICA ESTATAL EM CONCEITUALIZAÇÕES FILOSÓFICAS: PERCEPÇÕES SOBRE ESTADO E DIREITO NA ÓTICA SOCIAL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10724911


Lídice Maria Lins1
Donizete Vaz Furlan2
Luciano Rodrigues dos Santos3
Abel Felipe dos Santos Silva4
Thaiza Kelly Gomes de Vasconcellos5


Resumo 

O presente trabalho busca abordar aspectos relacionados à segurança e à política pública em um contexto filosófico com percepções sobre estado e direito na ótica social. Para tal, aborda conceitos de estado constitucional, estado de direito e estado democrático de direito. Apresenta abordagens que visam compreender conceitos da segurança pública como “atividade fim” no direito brasileiro, além de demonstrar qual a importância de políticas públicas alinhadas com conceitos democráticos para a manutenção da ordem pública na manutenção da dignidade humana. É um trabalho que metodologicamente abordou exclusivamente discussões filosóficas aliadas a conceitos jurídicos. 

Palavras chaves: Estado; Direito; Políticas Públicas.

Abstract 

The present work seeks to address aspects related to security and public policy in a philosophical contest with perceptions about the state and law from a social perspective. To this end, it addresses concepts of constitutional state, rule of law, democratic state of law. It also takes approaches that aim to understand concepts of public security as a “core activity” in Brazilian law, in addition to demonstrating the importance of public policies aligned with democratic concepts for maintaining public order and maintaining human dignity. It is a work that methodologically exclusively addresses philosophical discussions combined with legal concepts.

Keywords: State; Right; Public policy.

INTRODUÇÃO 

O presente trabalho busca explicar o contexto da Administração Pública, com o enfoque em políticas públicas no setor de Segurança, dando ênfase nas políticas públicas de segurança preventiva, de modo que elas buscam a atender as necessidades da sociedade, com a criação das ações para atingir um objetivo planejado, para isso, existe a necessidade de correção com o intuito de manter a eficácia da política pública. Políticas Públicas6 são programas de ações governamentais que resultam de um conjunto de processos juridicamente regulados (processo eleitoral, processo de planejamento, processo de governo, processo orçamentário, processo legislativo, processo administrativo, processo judicial) visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados (BUCCI, 2006; p.39). No caso do Brasil, a política de segurança pública deve estar sintonizada com o Estado democrático de Direito, todavia, o Estado democrático de direito não foi desenvolvido de qualquer modo, foram necessários uma contextualização histórico social, incontáveis acontecimentos, evoluções históricas e jurídicas que aprimoraram o Estado e o fizeram se tornar democrático de direito. Foram lutas sociais, jurídicas, psicológicas, políticas de inclusão, conceitualizações internacionais, dentre outros aspectos de suma relevância. O caput do artigo 144 da Constituição Federal (1988) diz que a Segurança Pública é dever do Estado, mas também direito e responsabilidade de todos. A pesquisa foi realizada pelo IBOPE entre os dias 17 e 24 de do mês de Junho (IBOPE, 2010). Mostrou que a segurança do País estaria na terceira colocação entre as principais preocupações dos brasileiros, esta pesquisa analisa a relevância da segurança no cotidiano da sociedade brasileira. Assim, para que se possa entender de que forma determinada o que é política pública é necessário primeiro entender a evolução histórica do Brasil, no caso em cerne, no qual se apresenta a evolução histórica do citado Estado em contextualizações filosóficas e jurídicas. 

ABORDAGENS CONCEITUAIS SOBRE O ESTADO CONSTITUCIONAL

Partindo do conceito Estado Constitucional, a ordem pública se apresenta como um princípio fundamental que vai garantir a todos a paz, segurança e o bem-estar pelo bem da nação, uma vez que a ordem pública é estabelecida e regulada pela Constituição Federal (1988) que traz em seu bojo todos os direitos e garantias fundamentais de todos, no qual determina que é dever do Estado7 garantir a segurança para todos.

A palavra segurança foi mencionada pela primeira vez no preâmbulo da Constituição Federal (1988) do seguinte modo: 

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil (Brasil, 1988).

A Constituição vem estabelecendo limites, deveres e responsabilidades que o Estado tem o dever de cumprir, bem como os direitos e liberdades individuais de todos que devem ser protegidos.

Vale ressaltar que no Estado Constitucional é dever do Estado a garantia de uma ordem pública equilibrada respeitando a todas de forma uniforme, sem distinção de raça, cor e sexo, de modo que os poderes do Estado devem ser exercidos de maneira proporcional que garanta a segurança pública e a proteção de todos os direitos fundamentais, em consonância com os princípios fundamentais. 

De acordo com Souza Neto (2008, p. 04), existem duas concepções para que o Estado mantenha a ordem pública. 

A primeira concebe a missão institucional das polícias em termos bélicos: seu papel é combater os criminosos, que são convertidos em inimigos internos. As favelas são territórios hostis, que precisam ser ocupados através da utilização do poder militar. A política de segurança foi formulada como estratégia de guerra. E, na guerra, medidas se justificam. Instaura-se, então, uma política de segurança de emergência e um direito penal do inimigo […]. A segunda concepção está centrada na ideia de que a segurança é um serviço público a ser prestado pelo Estado. O cidadão é o destinatário desse serviço. Não há mais inimigo a combater, mas cidadão para servir
[…]. 

 É válido destacar o Art. 5º do Decreto Nº1, de 15 de novembro de 1889 do Governo Provisório da então República dos Estados Unidos do Brasil que alude que (redação original):

Art. 5º. Os governos dos Estados federados adotaram com urgência todas as providências necessárias para a manutenção da ordem e da segurança pública, defesa e garantia da liberdade e dos direitos dos cidadãos, quer nacionais quer estrangeiros (Brasil, 1889).

Por sua vez, é uma das atribuições do Estado a Segurança pública e está relacionada à manutenção da ordem, prevenindo crimes e garantindo a paz social. Nesse contexto essa segurança deve ser realizada dentro dos parâmetros Constitucionais, respeitando os direitos e garantias de todos.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade nos termos seguintes (Brasil, 1988).

A Constituição traz em seu bojo todos os princípios, diretrizes para garantir a segurança, de modo que definiu quais seriam os órgãos e instituições responsáveis pelas ações de preservação do sistema de segurança. 

O ESTADO DE DIREITO EM ACEPÇÕES JURÍDICAS CONCEITUAIS 

Partindo do pressuposto de que o Estado de Direito é definido como um sistema governamental em que o poder é exercido de acordo com a Lei, de modo que todos os cidadãos, incluindo os governantes deverão obedecer ao que determina a legislação e não gerir o Estado com arbitrariedade, isso implica nas tomadas de decisões que devem ser baseadas nos princípios legais como determina a Carta Magna.

Estado de não direito é aquele em que existem leis arbitrárias, cruéis e desumanas que fazem da força ou do exercício abusivo do poder o direito, deixando sem qualquer defesa jurídica eficaz o indivíduo, os cidadãos, os povos e as minorias. Lei arbitrária, cruel e desumana é, por exemplo, aquela que permite experiências científicas impostas exclusivamente a indivíduos de outras raças, de outras nacionalidades, de outras línguas e de outras religiões (Canotilho, 1999, p. 12).

O Estado de Direito, segundo José Afonso da Silva, tem como referência o conceito liberal, de modo que suas características foram a submissão à lei, à divisão dos poderes e às garantias dos direitos individuais (Silva, 2002, p. 112).

Segundo conceitua Farias (1999, p. 42): 

O Estado de Direito nasceu em oposição ao Estado de Polícia. Este seria identificado como um poder arbitrário no qual a autoridade administrativa podia tomar livremente todas as decisões, com uma liberdade mais ou menos completa, sem que houvesse para os governados a possibilidade de exigir o respeito à lei, aos direitos adquiridos ou ao processo.

Segundo Canotilho (1999), o verdadeiro Estado de direito estaria intrinsecamente relacionado a um Estado constitucional, a um Estado democrático, a um Estado social e a um Estado de justiça. De modo que no Estado de direito, os direitos individuais são assegurados e a justiça é mantida de forma imparcial, garantindo por assim dizer a segurança jurídica e a igualdade perante a Lei.

De acordo com Canotilho (1999), um Estado de Direito tem como pressupostos os princípios da proibição do excesso, da proporcionalidade, da adequação, da razoabilidade, da necessidade com o intuito de acentuar as dimensões das garantias individuais, protegendo os direitos adquiridos contramedidas excessivamente coativas dos poderes públicos. Portanto, através de um conjunto de princípios jurídicos, o Estado de direito é garantidor da segurança da sociedade.

É certo que o Estado de Direito também é utilizado como ferramenta de controle social, de modo que as Leis possam ser determinadas para invocar ordens ou quiçá restringir a liberdade, da mesma forma que a complexidade do sistema e a falta de acesso à justiça para alguns podem prejudicar a sua proteção. 

De certo modo que o Estado de Direito algumas vezes se apresenta em conflito com a ideia de justiça social, mesmo que a Lei seja feita para todos. No entanto, é na realidade que estão em desigualdade estruturais, dando um certo desconforto ao imaginar que seria realmente um sistema eficaz para todos, promovendo a igualdade e a justiça. 

No ponto de vista de José Afonso da Silva, a tarefa fundamental do Estado Democrático de Direito seria superar as desigualdades sociais e regionais e instaurar um regime democrático que realizasse a justiça social (Silva, 2002).

O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO EM CONCEPÇÕES PÓS MODERNISTAS

José Afonso da Silva (2002) define que a noção de Estado Democrático de Direito reúne princípios do Estado democrático e do Estado de direito, em conjunto com um componente revolucionário de transformação social, que torna o Estado promotor da justiça social, com base na dignidade da pessoa humana. O autor ainda descreve a forma de organização política baseada na soberania popular, qual seja, respeitando os direitos fundamentais de todos, garantindo a igualdade de todos perante a lei. 

De acordo com Flávio Martins, é homogêneo na doutrina, nacional e internacional, o entendimento de que decorre da dignidade da pessoa humana o dever estatal de garantir a todos um mínimo existencial dos direitos sociais, sem os quais se viola a integralidade da natureza humana8.

Portanto, a lei não deve ficar numa esfera meramente normativa, ela precisa influir na realidade social, garantindo a sobrevivência de valores socialmente aceitos (Canotilho, 1999). De modo que o Estado Democrático de Direito garanta a separação e a independência dos poderes, Legislativo, Executivo, e Judiciário, assim como mecanismo de controle que garanta a proteção e participação popular em opinar e decidir o que é melhor para o Estado. Além das elucidações de todos os direitos individuais e coletivos, assegurando o equilíbrio entre a vontade da maioria e a garantia e proteção dos direitos das minorias. 

Por lógico, as ações de fortificação e consolidação da segurança estatal são feitas pela política pública. Assim, cabe ao Estado, em um contexto social democratizado, estabelecer políticas para que seus constitucionalizados estejam em segurança.

A SEGURANÇA COMO “FIM” NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO EM CONCEITUALIZAÇÕES FILOSÓFICAS

Partindo do ponto de vista histórico-filosófica, existem vários aspectos que alberga o conceito do Estado Democrático de Direito como um basilar, que rege os diversos ordenamentos, ou seja, no preâmbulo da Constituição de 1988 e corroborado em todo o texto constitucional, inclusive no seu artigo 1°: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos […]” (Brasil, 1988).

De modo que a complexidade conferida ao Estado Democrático de Direito faz com que seu próprio conceito fomente a divergências entre os juristas, promovendo embates que permanecem na passagem dos séculos.

Jean-Jacques Rousseau fala sobre a ascensão das sociedades democráticas, segundo ele “se houvesse um povo dos deuses, ele se governaria democraticamente. Tão perfeito governo não convém aos homens” (Rousseau, 1762, p. 618).

A segurança pública no Estado Democrático de Direito garante o exercício das liberdades fundamentais do indivíduo enquanto ser social, que necessita viver em sociedade. Segundo Thomas Hobbes (2008)9, os homens ao celebrarem um contrato social legitimam o poder do Leviatã como autoridade soberana, em troca da liberdade natural do qual se apresenta no estado de natureza, cuja o objetivo central seria a segurança do Estado na sociedade civil e essa relação mútua de direitos gera vínculos de obrigação entre eles.

E os pactos sem a espada não passam de palavras, sem força para dar segurança a ninguém. Portanto, apesar das leis de natureza (que cada um respeita quando tem vontade de as respeitar e quando o poder fizer com segurança), se não for instituído um poder suficientemente grande para a nossa segurança, cada um confiará e poderá legitimamente confiar, apenas na sua própria força e capacidade, como proteção contra todos os outros (Hobbes, 2008, p. 144).

Bonavides (2015)10 faz uma crítica a Hobbes quando ele tenta justificar que o homem não consegue viver em sociedade, sem que haja um contrato para regular as suas liberdades, que seria uma nova regulação do poder, já que não mais advinha da divindade e sim do homem o imperativo racional que ameaçava a espécie humana.

[…] o Contratualismo social que introduz com Hobbes uma nova fundamentação do poder, que já não promana da divindade, mas do homem e de sua razão prática, dos imperativos racionais que afiançam a sobrevivência ameaçada da espécie humana, segundo aquele grande pensador (Bonavides, 2015, p. 42).  

John Locke (1998), por sua vez, argumentava que o estado de natureza não estaria relacionado ao estado de guerra onde todos estariam contra todos, pela questão do homem ser ruim por natureza. Assim, na sua concepção, ele acreditava no estado pacífico sendo possível através do intermédio da razão da capacidade humana, tendo em vista que o homem é por natureza um ser racional que compreende a existência dos direitos naturais.

O estado de natureza tem para governá-lo uma lei da natureza, que a todos obriga; e a razão, em que essa lei consiste, ensina a todos aqueles que a consultem que, sendo todos iguais e independentes, ninguém deveria prejudicar a outrem em sua vida, saúde, liberdade ou posses (Locke, 1998, p. 384.)

O filósofo discorre que o poder executivo é devido a cada sujeito em seu estado de natureza, de certo que isso não fosse adequado para que os homens, sendo eles juízes de suas causas próprias julgar com imparcialidade:

[…] asseguro tranquilamente que o governo civil é a solução adequada para as inconveniências do estado de natureza, que devem certamente ser grandes quando os homens podem ser juízes em causa própria, pois é fácil imaginar que um homem tão injusto a ponto de lesar o irmão dificilmente será justo para condenar a si mesmo pela mesma ofensa (Locke, 1998 p. 38).

Locke acrescenta ainda que não seria toda convenção que tentará pôr fim ao estado de natureza do sujeito, onde obrigaria a todos formar uma unidade e constituir um único corpo político (Locke, 1998).

Bonavides11 propõe que a filosofia política de Hobbes aprofundou, juntamente a de Rousseau e Locke, o sentido duplo de um estado de natureza que vem antes mesmo da existência do estado de sociedade.

De modo que, essa saída do estado de natureza significaria permitir que aquilo que é provisório se torne permanente. Em contrapartida, Kant (2010) traz em seus pensamentos que a utilização das leis sociais seria convertida em leis civis, embora o homem pudesse usar as garantias propostas no estado natural.

Não só Locke, mas também Rousseau, não concorda com o pensamento de Hobbes, quando ele argumenta acerca do estado de natureza, sendo esse estado ligado à ideia de felicidade e não guiado pelo estado de selvageria. Para Rousseau (1979), o homem em seu estado natural é um homem íntegro, que perdeu essa integridade a partir do momento que foi viver em sociedade: 

O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer, isto é, meu e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditar. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não pouparia ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: ‘Defendei-vos de ouvir esse impostor; estarei perdido se esqueceres que os frutos são de todos e que a terra não pertence a ninguém (Rousseau, 1979, p. 259).

É mister salientar que o Estado de Natureza de Rousseau estar relacionado à partilha da terra e dos frutos, que esses elementos não possuem donos seria de todos, conforme a sua ideia:

[…] Livrai-vos de escutar esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos, e a terra de ninguém!”. Parece, porém, que as coisas já tinham chegado ao ponto de não mais poder ficar como estavam: porque essa ideia de propriedade, dependendo muito de ideias anteriores que só poderão nascer sucessivamente, não se formou de repente no espírito humano: foi preciso fazer muitos progressos, adquirir muita indústria e luzes, transmiti-las e aumentá-las de idade em idade, antes de chegar a esse último termo do estado de natureza. Retomemos, pois, as coisas de mais alto, e tratemos de reunir, sob um só ponto-de-vista, essa lenta sucessão de acontecimentos e de conhecimentos na sua ordem mais natural (Rousseau, 1973, p. 265). 

Conforme o pensamento de Rousseau, a desigualdade estaria ligada à ideia da propriedade privada, que seria através da vontade individual que surgiriam crimes, guerras, assassinos, misérias e horrores (Rousseau, 1973):

Ora, o soberano sendo formado tão-só pelos particulares que o compõe, não visa nem pode visar o interesse contrário aos deles e, consequentemente, o poder soberano não necessita de qualquer garantia em face de seus súditos, por ser impossível ao corpo soberano prejudicar a todos os membros (Rousseau, 1973, p. 41). 

Kant defende que o estado de natureza é, de fato, a guerra, que o contrato social seria o ponto inicial para a Constituição (Kant, 2010). De modo que um estado em prol da função das ameaças e da hostilidade dos homens, e esses comecem a se tratam como inimigos, sendo assim, garantiria a segurança e a paz, uma vez que essa segurança só pode ser conquistada num estado civil, com base na Constituição consagrada nos princípios da liberdade de todos os membros, ou seja, os cidadãos enquanto homens, e que esta Constituição traria a ideia de contrato que fundaria a legislação de um povo. 

O conceito proposto por Flávio Martins (2023, p. 53) designa que: 

As normas definidoras dos direitos sociais não produzem todos os efeitos já que, por serem princípios lógicos, na maioria das vezes, são ‘mandamentos de otimização’, nas palavras de Robert Alexy. Dessa maneira, deve o Estado implementar políticas públicas relacionadas à segurança, e, em casos de omissão desmesurada, justificar-se-á a intervenção do Poder Judiciário.

Para tanto, caberá a cada a Polícia – Federal, Civil e Militar – a aplicação da lei vigente do país, no intuito de manter e preservar a ordem pública. Compete à Polícia Federal o combate ao crime organizado, manter o controle nos limites territoriais com outros países fazendo a vigilância, controle de produtos e materiais bélicos quando envolvidos em contrabandos, tráfico de pessoas, animais, crimes políticos e eleitorais e a prostituição infantil. Em contrapartida compete às Polícias Civil e Militar o controle e a preservação da criminalidade nos estados.

Segundo Souza (2004, p. 283): 

A matéria policial no Brasil é uma questão urgente e prioritária. É certo de que a reforma das instituições policiais deve entrar definitivamente na pauta dos programas de governo dos Estados brasileiros. A sinalização que recebemos das democracias mais consolidadas é que a polícia precisa tornar-se uma polícia cidadã, que promova segurança de todos, respeitando direitos. 

Também foi matéria de discussão por Flávio Martins (2023, p. 53) que:

Caberá a legislação dispor sobre a organização e o funcionamento dos órgãos de segurança pública, como afirma o art. 144, ss7, da Constituição Federal: A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.

A Constituição Federal de 1988 determina de imediato garantir a ordem pública, de modo que essa definição de “ordem pública” se torna um conceito difícil para os operadores de direito para justificar as prisões cautelares com base no art. 312 do Código de Processo Penal (CPP), principalmente quando se trata de medida acautelatória, que seria justamente para garantir a ordem pública.

Logo, o Estado Democrático de Direito se apresenta como um sistema social e jurídico que afirma as garantias e a liberdade das pessoas físicas como uma evolução em relação ao Estado Liberal e ao Estado Social. 

É uma luta constante para o Estado manter a ordem uma vez que a soberania deverá ser exercida com base na vontade do povo, e essa vontade não pode ficar separada do cunho estatal cujo seu dever é manter a segurança assegurando mecanismos de direito implícitos e explícitos que muitas vezes não são respeitados, até mesmo por aqueles cujo dever é proteger. A segurança pública é um direito Constitucional, que garante a liberdade e a convivência em sociedade.

A ORDEM PÚBLICA NO ESTADO SOCIAL COLETIVO

O Artigo 6º da Constituição Federal assevera que:

São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (Brasil, 1988.)

No Estado Social e Coletivo, o conceito de ordem pública é ampliado de modo a considerar a coletividade como um todo, em busca do bem-estar e o interesse público sobre o particular, uma vez que existe a interação entre os indivíduos e as instituições do Estado, tendo como viés a gestão democrática e colaborativa que garante os direitos fundamentais a proteção do meio ambiente saudável, assim como o acesso aos serviços essenciais, principalmente a segurança de todos para viver em sociedade.

Com a justificativa de garantir a ordem pública, na verdade, muitas vezes, o que se faz é desrespeitar direitos fundamentais da pessoa humana, quando ela apenas autoriza o exercício regular do poder de polícia. Ordem Pública será uma situação de pacífica convivência social, isenta de ameaça de violência ou de sublevação que tenha produzido ou que supostamente possa produzir, a curto prazo, a prática de crime (Silva, 2007, p. 777-778).

A ordem pública também está relacionada ao desenvolvimento social e econômico do sujeito de direito, que tende a assegurar a redução das desigualdades no meio social, assim como a promoção da inclusão do sujeito e a justiça social que implicará em políticas públicas como a educação, segurança, saúde, moradia, entre outros. 

A ordem pública tem diversos aspectos como o respeito às leis, assim como o cumprimento dos deveres cívicos, o combate à criminalidade, a preservação do patrimônio público dentre outras ações de prevenção. É dever de todos respeitar e compreender a importância da manutenção da ordem pública, agindo de forma responsável, para contribuição da convivência pacífica em sociedade, trabalhando em conjunto com as instituições e os órgãos de segurança pública, de modo que é dever da polícia garantir o cumprimento das leis e combater as atividades ilegais. 

É necessário a existência de elementos essenciais da ordem pública para uma sociedade viver de maneira pacífica, garantindo a todos o exercício de seus direitos, respeitando as leis para o bem-estar de todos, e para isso é essencial que o Estado funcione adequadamente com a participação ativa da sociedade. Dessa forma se tornaria adequada a forma de se viver em segurança na sociedade, tendo em vista o pacto feito com o Estado, que nos garante isso. 

A NECESSIDADE DE APARELHAMENTO ESTATAL ENTRE SEGURANÇA PÚBLICA E POLÍTICA PÚBLICA

Na atual conjuntura política e social do Brasil, o que muito se observa é o desentrosamento entre políticas públicas e o emparelhamento estatal. Aparentemente, as polícias sejam civis, penais, militares, legislativas, não possuem projetos efetivos para o desenvolvimento de suas atividades de modo contemplante. 

Além das questões de políticas públicas que embora existentes, se apresentam ineficientes, existe ainda o fato de que as polícias do Brasil são corruptíveis. Por lógico, no presente ponto, não se pode generalizar, mas a verdade é que a corrupção está entranhada nas polícias de todo o país, e em todas as esferas.

Não obstante ao falado, existe ainda o fato de que a polícia, assim como outros aparelhos institucionais, é altamente politizada. Agentes de grandes patentes geralmente são apadrinhados por deputados, senadores, vereadores, presidentes, governadores e prefeitos. Enfim, existe uma interferência política demasiada nas ações voltadas para a segurança pública do Brasil que, em muitas oportunidades, acabam prejudicando de forma significativa o andamento das ações e desenvolvimento das atividades estatais de segurança. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme o observado, o presente trabalho trouxe aspectos evolutivos sobre constituição, constitucionalismo, aparelhamentos estatais, dando enfoques para as dificuldades de aparelhamento entre políticas públicas voltadas para a segurança e o dever do Estado em manter a população segura.

Os aspectos filosóficos aqui abordados demonstram que, embora existam significativas evoluções no contexto histórico social da segurança para o Brasil, muitas questões esbarram em aspectos externos de cunho político. Estudos históricos e filosóficos demonstram que as políticas públicas de segurança nem sempre se demonstraram eficientes. 

A questão aqui não é a demonstração de dados de quantos morrem ou quantos estão presos. É um estudo que visa através de recortes históricos, sociológicos e filosóficos evolutivos demonstrar que existem evoluções nas políticas públicas de segurança. Todavia, existe ainda, vieses ideológicos que prejudicam demasiadamente a melhoria de ações para a melhor aplicabilidade do direito à segurança no Brasil. 


6Fabio Konder Comparato define política pública “como uma atividade, isto é, um conjunto organizado de normas e atos tendentes à realização de um objetivo determinado” (Comparato, 1997). Eros Grau, por sua vez, define a política pública como norma jurídica. Para ele, a política seria uma categoria jurídica nova, uma espécie normativa nova, ao lado das normas-princípios e das normas-regra, já conhecidas há mais tempo como categorias normativas (Grau, 1988). Nesse contexto, a fim de evitar confusões terminológicas, optou-se, desde o início, por apontar a definição de Políticas Públicas tomada como ponto de partida na elaboração do presente artigo.
7No Brasil, somente uma década após a promulgação da “Constituição Cidadã”, que estabeleceu a segurança pública como “dever do Estado e responsabilidade de todos”, a política de segurança pública passa a ser pensada sob o contexto de uma sociedade democraticamente organizada, pautada no respeito aos direitos humanos, em que o enfrentamento da criminalidade não significa a instituição da arbitrariedade, mas a adoção de procedimentos tático operacionais e político-sociais que considerem a questão em sua complexidade. Nesse panorama, no ano 2000, é criado o Plano Nacional de Segurança Pública (PNSP), e no ano de 2007, o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), inovando a forma de abordar essas questões. 
8Capitulo 24_Dignidade da pessoa humana.pdf
9Com efeito, Hobbes entra em cena e escreve o Leviatã, a obra clássica do absolutismo, o mais engenhoso tratado de justificação dos poderes externos, servidos de uma lógica perversa, em que a segurança sacrifica a liberdade e a lei aliena a justiça, contanto que a conservação social de que é fiador o monarca seja mantido a qualquer preço (Hobbes, 2008).
10Bonavides a força infinita de quem governa e mantém a ordem é paradoxalmente legitimada com base no contrato social. 
11Sua filosofia política radica, como a de Rousseau e Locke, consiste na dualidade constante de estado de natureza que antecede o estado de sociedade. No primeiro o ser humano desfruta liberdade extrema, absoluta, total, mas essa liberdade ser-lhe-á letal se dela não se desfizer, porquanto o estado de natureza não sendo de paz, amor, concórdia e fraternidade, mas de guerra, violência e terror, acabará por conduzi-lo à extinção. Palco de uma guerra civil do gênero humano, o estado de natureza aparelhava, por conseguinte, o extermínio e mútuo aniquilamento de todos. Era um estado de sangue, desconfiança e ferócia contumaz, em que o medo, institucionalizado no instinto de sobrevivência, não deixava ainda antever o advento da consciência agregativa, suscetível de instituir segurança. Estado de natureza fadado a perpetuar-se se não houvesse logo, por necessidade já inelutável, a passagem ao estado de sociedade. Mas havia um preço a pagar pelas garantias, que seriam auferidas. Consistente ele na alienação de todas as liberdades, trasladadas ao Estado, sendo absoluto da vida e dos comportamentos humanos, pelo menos segundo a tese implícita nessa singular doutrina com que a razão buscou edificar o Estado moderno (Bonavides, 2015).

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1Mestranda em Direito (UNIFIEO-SP). Especialista em Direito Administrativo. Advogada.
2Mestrando em Direito (UNIFIEO-SP).  Especialista em Direito do Trabalho. Especialista em Direito Digital e Proteção de Dados. Especialista em Direito Administrativo. Especialista em Gestão Educacional. Historiador. Metrologista. Advogado. Professor de Direito Constitucional. donizete@gouveiaefurlan.com.br
3Advogado, Consultor Imobiliário, Avaliador Imobiliário COFECI/CNAI, membro da ABRACRIM, Certificado em Proficiência em inglês pela UFRR Certificate of Proficiency in English (CPE) Especializado em Direito Público aplicado pela Ebradi, Direito Imobiliário e Urbanístico pela Faculdade Ávila, Direito do Consumidor, Digital e LGPD pela Legale,  Especializando em Penal, Processo Penal e execução Penal aplicados pela Ebradi, Especializando em Direito e Tribunal de Justiça pela EJUG-GO, Especializando em Direito Penal, Processo Penal e Criminologia pela ESD, Mestrando em Direito pela UNIFIEO. lucianosantos@dr.com
4Advogado Criminalista, Pós-graduado em Ciências Criminais, em Direito Penal e em docência do ensino superior. Professor de Direito Constitucional, Direito Penal e Processo Penal. Professor do Programa PROESP/UNEAL. Conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Alagoas no triênio 2021/2024. Mestrando em Direito pela UNIFIEO. E-mail: dr.abelfelipe@gmail.com.
5Advogada. OAB/AL. 20.151. Mestranda em Direito (UNIFIEO) unidade Osasco/SP, 2024. 3 / semestre. Bacharela em Direito pelo Centro Universitário Mauricio de Nassau (UNINSSAU) Maceió/AL em 2022. Dupla-Graduação em Odontologia pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL) em 2004. Pós-Graduada em Vigilância da Saúde pela UFAL em 2007. Mediadora e Árbitra. Associada Atrial (Associação dos advogados tributarista de alagoas). 2023/2024. AMADA (Associação das Mulheres Advogadas de Alagoas, Brasil), 2023/2024. CEM OAB/AL (Comissão Especial da Mulher na OAB Alagoas, Brasil). Associada Atrial (associação dos Advogados Tributarista de Alagoas, Brasil) 2023/2024. FAPREV 2022/2024. Atuante na área Previdenciária. Tributária. Trabalhista. thaizavasconcellos@gmail.com